sexta-feira, 31 de março de 2017

AS ESTRUTURAS ECLESIÁSTICAS SÃO MESMO REFORMÁVEIS, EM SUAS ENTRANHAS BUROCRATIZANTES? “Reforma” ou (re)conversão ao Movimento de Jesus?

AS ESTRUTURAS ECLESIÁSTICAS SÃO MESMO REFORMÁVEIS, EM SUAS ENTRANHAS BUROCRATIZANTES?
“Reforma”  ou (re)conversão ao  Movimento de Jesus?

Alder Julio Ferreira Calado

Difícil é saber qual dessas duas alternativas se mostra mais resistente a mudanças: a(s) sociedade(s) ou a(s) igreja(s)... No caso específico da Igreja Católica Romana, é pacífica a avaliação de que sua estrutura organizativa se acha, de longa data,  escancaradamente obsoleta e, em grande medida, infiel à Tradição de Jesus. O Cardeal Carlo Martini, em agosto de 2012,  meses antes da eleição do Papa Francisco – e isto é eloquente, quanto a possíveis efeitos sobre o perfil profético-pastoral do atual Bispo de Roma! -, concedeu a Georg Sporschill, seu confrado jesuíta, e Federica Radice, uma entrevista (cujo teor ele próprio leu e aprovou, como se fora parte do seu testamento!), e assim também considerada, a justo título: parte do seu testamento de um pastor-profeta. Recomendamos vivamente a (re)leitura desta entrevista: cf. http://www.corriere.it/cronache/12_settembre_02/le-parole-ultima-intervista_cdb2993e-f50b-11e1-9f30-3ee01883d8dd.shtml?refresh_ce-cp à qual retornaremos mais detidamente, no tópico final destas linhas.
Por enquanto, limitamo-nos a  assinalar que, nela, o Cardeal Martini chegou a dizer que a Igreja Católica está atrasada duzentos anos...

O Concílio Vaticano II, convocado pelo Papa João XXIII, tinha como objetivos, entre outros, o de corrigir tão grave atraso, bem como o refontizar-se da/na Palavra de Deus, o de colocar-se em dia com a humanidade, o de colocar o Povo de Deus (e não a hierarquia) na centalidade de sua estrutura organizativa e de seu modo de gestão. Para tanto, apontava o caminho das decisões tomadas colegialmente, como um primeiro passo, nessa direção.   Tentativa que não prosperou, ou que alcançou um tímido resultado, em relação à grave defasagem. À exceção de alguns aspectos, como o de dar passos em direção  a um diálogo com a modernidade (ver, por ex., a Gaudium et Spes). Buscava-se um “Aggiornamento”, uma atualização. Mas, pouco depois do encerramento do Concílio Vaticano II, o que se teve foi uma onda reacionária da qual escaparia a Igreja da América Latina, graças especialmente a uma geração de bispos profetas e de leigas e leigos, religiosas e religiosos e parte do clero, decididos a ensaiar passos em direção a uma Igreja pobre e a serviço da humanidade, tendo sido a opção pelos pobres a  marca principal registrada, por ocasião da Conferência Episcopal Latino-Americana de Medellín (Colômbia, 1968). Sucede que nos pontificados que antecederam a chegada de Francisco, Bispo de Roma, observou-se um longo retrocesso, alcançando, finalmente, com o Papa Francisco, novo tempo de esperança, ainda que saibamos que “uma Andorinha só não faz verão.”.

Por outro lado, também sabemos que, por mais profética que seja a atuação de um papa e de um pequeno grupo de bispos, não é suficiente para garantir mudanças organizativas estruturais, sem o protagonismo de amplos setores de Católicos, especialmente de Leigas e Leigos, que mais sofrem com a obsolescência das estruturas vigentes. Tem sido amplamente reconhecido o esforço profético–pastoral do Papa Francisco, testemunhado por gestos, palavras e escritos. Quanto a estes últimos, vale destacar, por exemplo, seu promissor e fecundo programa de governo eclesial, presente em sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, na qual salienta, dentre outros pontos capitais, a centralidade, não da hierarquia, mas do povo de Deus, na organização da estrutura eclesial. Com base neste efetivo apoio, bem como em vários pontos do Concílio Vaticano II, longamente relegados a segundo plano ou ao esquecimento, vários movimentos e organizações de Católicos e Católicas de dezenas de países, vêm buscando exercitar seu protagonismo, em busca de efetiva renovação.

Nas linhas que seguem, buscamos refletir, à luz da Palavra de Deus e da Tradição de Jesus, 1) sobre a (in)consistência  ou pouca fecundidade dos esforços em busca de reformas estruturais da(s)/na(s) Igreja(s); 2) sobre a necessidade de avançarmos, não em busca de “reformas” pontuais, mas, antes, de ousarmos dar passos na busca de nos (re)convertermos ao Movimento de Jesus, na perspectiva do anúncio e dos sinais do Reinado de Deus e de Sua justiça e misericórdia; 3) cuidamos de apontar pistas ou passos ou experiências já em curso nesta direção, nas “correntezas subterrâneas”.

1) As estruturas organizativas da(s) Igreja(s) são mesmo reformáveis?


Um exame mais acurado da história recente e menos recente das Igrejas cristãs nos permite, de um lado, alegrar-nos com fecundas experiências reformadoras, excepcionalmente observáveis, aqui e ali, na história recente e menos recente, e, por outro lado, alertar-nos, na grande maioria das experiências reformadoras,  para o risco de reformas superficiais, mantendo inalteradas (ou pouco modificadas) as estruturas organizativas centralizadoras. Se estendemos o mesmo exame às experiências de reforma societal, não encontraremos grandes diferenças, “mutatis mutandis”. Mas, o foco aqui exercitado restringe-se ao âmbito eclesiástico.

Embora não seja a oportunidade – em poucas linhas – de pretendermos um exame mais acurado de sucessivas experiências reformistas de estruturas eclesiásticas, convém assinalar que, ao longo de sua história, muitas tentativas foram feitas, nesse sentido. E que vão aquém e além das grandes experiências de Reforma, como a(s) que teve/tiveram lugar, a partir do século XVI. Nesse sentido, os concílios constituíram e constituem espaços emblemáticos, na trajetória da Igreja Católica, enquanto as Igrejas Reformadas contam igualmente com espaços semelhantes. Não se deve ignorar um número de alterações consideráveis, que, ao menos em parte, responderam aos clamores do seu tempo. No que toca, porém, ao formato de organização estrutural e sua gestão, a despeito do apelo a  neologismos ou a nova nomenclatura, não se alcança substancialmente a estrutura verticalista e androcêntrica  da tomada de decisões.

Tão enraizada é, na(s) Igreja(s), a cultura hierarquizante, que se tenta em vão substituir por nomes pomposos velhas práticas e normas ditadas de cima para baixo, os próprios órgãos “colegiados”, salvo raras exceções, funcionam “pro-forma”, uma vez que seu presidente (o bispo ou o pároco) acaba tomando a decisão final, legitimada pelo conjunto dos membros do órgão colegiado. Não por acaso, em mais um gesto profético-pastoral, o Papa Francisco aludia, recentemente, à figura da pirâmide organizativa dos seus sonhos: gostaria de ver a pirâmide invertida, tendo na base o Bispo de Roma e os demais bispos, enquanto no topo o Povo de Deus. Com suas próprias palavras: “Mas nesta Igreja, como numa pirâmide de cabeça para baixo, o vértice se acha na base. Por isso, aqueles que exercem autoridade se chamam ‘ministros’ porque, segundo o significado original da palavra, são os mais pequenos de todos. É servindo o Povo de Deus que cada Bispo se torna, para a porção do Rebanho a ele confiada, vicarius Christi, vigário Daquele Jesus que na última ceia se enclinou para lavar os pés dos apostolos (cf. Jo 13,1-15). E num horizonte semelhante, o mesmo sucessor de Pedro outro não é senão servus servorum dei.
Nunca esqueçamos isto! Para os discípulos de Jesus, ontem, hoje e sempre, a única outoridade é o serviço, o único poder é o poder da cruz, segundo as palavras do Mestre “Vocês sabem que os governates das nações as dominam, e os chefes e seus chefes as tiranizam. Entre vocês não será assim; mas quem quiser se tornar grande entre vocês, será o servidor de vocês e quem quiser ser o primeiro entre vocês será seu servidor.” (Mt 20,25-27).”
 (cf. o “link”: http://w2.vatican.va/content/francesco/it/speeches/2015/october/documents/papa-francesco_20151017_50-anniversario-sinodo.html


A posição do Papa Francisco porém, soa como uma voz no deserto.

Outro exemplo deste hábito nominalista se dá nas chamadas visitas “ad limina”, quando os Bispos diocesanos vão a Roma, para relatarem ao Papa o estado geral, de suas respectivas dioceses. Rarissimamente, Os fiéis tomam conhecimento – na maioria, não tomam sequer a iniciativa de cobrar junto ao bispo -, nem, por sua vez, os bispos dão conhecimento público do resultado de suas visitas.

Outro clamor que se levanta, já de algum tempo, é a praxe seguida de nomeação e transferência de bispos (De uma diocese para outra). Também aqui, cabe a um minúsculo grupo da hierarquia responder por tais nomeações e transferências, cuja palavra final costuma ficar na Alçada do Núncio Apostólico. Em que pese, a sucessão de graves incidentes- Afinal, os fiéis  ficam excluidos de qualquer consulta prévia)-, e, em plena era do Papa Francisco, tal prática segue vigente.

Nunca é demais reconhecer a execpcionalidade do perfil do Papa Fransisco, uma figura reconhecida como portadora de atitudes profético – pastorais. Isto, porém, não impede o perfil reacionário da Cúria Romana e seus pomposos dicastérios a gerirem o cotidiano da burocracia eclesiástica que, ao longo de séculos, segue tendo o poder de determinar, com base  no famigerado, Código de Direito Cannonico (por vezes a substituir o Evangelho...), os destinos de dioceses e paroquias, que em sua enorme maioria, refletem a mesma estrutura de poder. Será mesmo reformável esta estrutura de poder, ou devemos, antes, apostar em nosso processo de (re)conversão à Tradição de Jesus? Caso entendamos possível conciliar os dois caminhos, nada a objetar, contanto que nosso compromisso invista fundamentalmente no que mais importa: o Reinado de Deus e Sua justiça!

2. Nosso compromisso de (re)conversão ao Movimento de Jesus

Apesar dos esforços envidados, durante décadas, mesmo quando, investem formalmente ao interno da organização, como se deu no caso da Igreja Católica, por exemplo, em seu documento conciliar – Constituição Dogmática  Lumen Gentium, ao antepor o capítulo concernente ao Povo de Deus ao que trata da hierarquia, ou como sucede com o tema da “Colegialidade”... com ressonância nos órgãos colegiados diocesanos e paroquiais, funcionando mais pela magia do nome do que pela sua força decisória...

Na era pós-conciliar, vem se vericando o despontar de múltiplas iniciativas de organizações de Leigas e Leigos (e, em menor escala, também de Religiosas e Religiosos e de Presbíteros e Diácono),. Tentando fazer valer sua participação nas decisões. Com efeito,  os católicos, engajados em várias inicicativas de reforma da/na Igreja Católica Romana constitui mais uma iniciativa de ir abrindo caminho para convocar o conjunto de Batizados a darem "razão de sua fé", isto é, a contribuírem para sensibilizar o conjunto dos membros da Igreja Católica, a clamarem por urgentes reformas. Em tempos de Francisco, Bispo de Roma, não se admite que os discípulos e discípulas de Jesus de Nazaré, não se empenhem em pronuciar sua palava, e em esboçar passos concretos, no sentido das inadiáveis urgências de renovação eclesial, desde suas estruturas organizativas que já não atendem aos apelos do Reino de Deus e Sua justiça. 
É assim que, recentemente reunidos em Würzburg, na Alemanha, dezenas de grupos clamando por urgentes reformas na Igreja.


Semelhante clamor deve exterder-se, na verdade, ao conjunto das Igrejas Cristãs. Aqui, porém centramos nossa atenção à Igreja Católica Romana, ou mais precisamente, à urgência de profundas reformas em suas estruturas organizativas. Estas são protagonizadas pelos principais interessados: As organizações leigas, secularmente tratadas como meras figurantes às quais se atribuem tarefas rotineiras, sem qualquer participação significativa nas decições estruturais da Igreja.

Um exame mais detido destas organizações e grupos que reivindicam urgentes mudanças daS –nas estruturas organizativas vigentes, permi-te-nos conhecer os pricipais pontos de suas reividincações.

Todas elas partem de um argumento incontestável, o de seu direito de na condição de batizados -  ainda há pouco tempo o Papa Francisco se referia ao batismo como “o primeiro sacramento da fé” (E não o da Ordem) -, participarem nas decisões organizativas da Igreja, fazendo jus ao que a Evangelii Gaudium, exortação programática do Papa Francisco dispõe sobre a centralidade do povo de Deus, e não da hierarquia, na estrutura organizativa Eclesial. Com efeito, a despeito de sua inconsistência doutrinal, tem prevalecido, na pratica, o entendimento de que não é o Batismo, mas a Ordem o principal dos sacramentos. Com base neste e noutros fundamentos, estas mesmas organizações, espalhadas por diferentes continentes vêm avançando no aprofundamento de suas propostas de renovação. Não se trata de poucas organizações. Uma lista confiável dá notícias de centenas, conforme se pode verificar pelo acesso ao “link”

É compreensível a multiplicidade de reivendicações propugnadas por estas organizações e movimentos. Todavia, convém sublinhar algumas dessas principais reivindicações. Uma delas tem a ver com a necessidade de respeitar o direito do conjunto dos membros da Igreja – e não apenas da hierarquia – de participar das decisões centrais da Igreja. Para tanto, insistem na condição comum de igualdade recebida pela conjunto dos batizados e batizadas, sendo o Batismo o primeiro dos Sacramentos.
Outro ponto axial reclamado por várias destas organizações corresponde ao respeito da igualdade dos filhos e filhas de Deus, de responderem ao Seu chamado. Isto significa o reconhecimento efetivo de que, de um modo ou de outro, Deus chama a cada um, a cada uma, ao cumprimento de sua vocação para os mais diversos ministérios, ordenados e não ordenados, do que resulta inadmissível o privilégio dos varões aos ministérios ordenados. Neste sentido, soaria como uma exclusão – e, por tanto, uma discriminação sem base evangélica – das mulheres vocacionadas também ao exercício de algum ministério ordenado (Diaconado, presbiterado, bispado), de exercerem sua vocação, donde Deus.
Por outro lado, já não é mais razoável a exigência do Celibato ou do casamento para o exercício de qualquer ministério – eis mais uma reivindicação, dentre tantas outras. Há um clamor contra o modo verticalista de gestão eclesial, simplesmente por não corresponder ao espirito evangelico de partilha e comunhão, tão característico das comunidades cristãs primitivas e do Movimento de Jesus. Este se faz em pequenas comunidades, em pequenos núcleos (Do campo e da cidade), nos quais seus integrantes são chamados á partilha de bens materiais e espirituais, à inter-ajuda, a solidariedade, estimulando-se  o protagonismo de todos, inclusive nas decisões. Núcleos que não atuam isoladamente, mas conectados, configurando uma unidade na diversidade.

3. Dos esforços por reformas das estruturas eclesiásticas, em busca do que nos inspira o Espírito do Ressuscitado e do Seu Movimento... Sinais do que já anda acontecendo...

A despeito de um triste saldo global dos frutos das experiências de reformas, ressalvadas fecundas exceções, não devemos perder de vista alguns avanços pontuais, a serem consolidados e ampliados, na perspectiva da retomada ou do reavivamento da Tradição de Jesus. Não se trata de negar a importância dos esforços de reformas, mas, antes, de focar frutuosas experiências, de renovação alcançadas, e ousarmos dar passos mais audaciosos, cuidando de articular organicamente os esforços de reformas a iniciativas concretas já em curso, correspondendo ao espírito da Tradição de Jesus.

Nesse sentido, tratemos de reavivar nossa memória em relação a alguns sinais emitidos por experiências de comunidades cristãs e de figuras profético-pastorais – mulheres e homens – que, por seus gestos, palavras e escritos, se acham prenhes de sinais da Tradição de Jesus, a fazer-se presente mais em forma de um movimento – o Movimento de Jesus, das discípulas e discípulos de Jesus do que sob a forma de estruturas de poder.

Sem pretensão de copiar belas experiências do passado recente ou remoto, mas com o propósito de recolher delas seu espírito inovador e fiel ao que o Espírito Santo as chama a viver e testemunhar, ontem e hoje, cuidemos de destacar, de passagem, algumas dessas experiências. Como não nos entusiasmar com o jeito organizativo assumido pelas comunidades cristãs primitivas, sempre numa dimensão de movimento? Aqui se atua em pequenas comunidades de iguais, de irmãs e irmãos a partilharem o pão da Palavra e da Vida, em celebrações, em que todas, todos se sentiam convidados a participar. Pequenas comunidades constantemente em ação e reflexão, conectadas entre si e com o mundo, do qual se punham servidoras, para além de suas tantas limitações. Séculos depois, quando densas eram as trevas lançadas pelas estruturas eclesiásticas de poder, eis que o Espírito inspira pessoas e grupos. Como não nos emocionarmos com o conhecido sonho de Francisco de Assis, chamado a ajudar a reconstruir, não a igrejinha de São Damião, como a princípio interpretara, mas a Igreja viva de mulheres e homens do seu tempo, oprimidos pelos práticas entievangélicas da grande hierarquia da época? Como não nos sentimos positivamente provocados pelo testemunho dos movimentos pauperísticos da Idade Média? Como não reaprender do testemunho das Beguinas?

Mais recentemente, temos a rememorar tantas experiências fecundas, que se dão sobretudo nas “correntezas subterrâneas”. Com efeito, como ficarmos indiferentes à experiência dos padres operários? Como não reconhecer o alcance da Ação Católica especializada (JAC, JEC, JIC, JOC e JUC?  Como não compreender o profundo alcance do “Pacto das Catacumbas”, inicialmente firmado por quarenta participantes, nos arredores de Roma, em 16 de novembro de 1965, pouco antes do encerramento do Concílio Vaticano II?
Como subestimar o marco representado pela Conferência Episcopal Latino-Americana de Medellín (Colômbia, 1968)? Como esquecer as sementes plantadas pelo Movimento Sacerdotes para o Terceiro Mundo? Como não valorizar o que representaram (e, em menor escala, seguem representando) as Pequenas Comunidades de Religiosas Inseridas no Meio Popular – as PCIs? Como não reconhecer o impacto renovador de experiências como as CEBs, o CEBI, várias  Pastorais Sociais e serviços e associações (Cáritas, Comissão de Justiça e Paz, Centros de Defesa dos Direitos Humanos? Como não reconhecer o impulso missionário junto aos pobres exercido por várias associações leigas de missionárias e missionários, no campo e nas periferias urbanas? Como não valorizar fecundas experiências ecumênicas, espalhadas pelo mundo, para além inclusive das Igrejas cristãs componentes do CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristrãs?

 Ao lado dessas e tantas outras fecundas iniciativas comunitárias, no meio popular, convém ainda reconhecer a relevância de muitas figuras profético-pastorais – mulheres e homens – que animam, com seu testemunho, aquelas experiências grávidas dos valores da Tradição de Jesus. Lembremos,  de passagem, algumas delas, começando pelo próprio Bispo de Roma. Além dos exemplos acima mencionados, destaquemos mais um: Seu papel inovador no chamamento de católicos e de  outros cristãoss, no sentido de se abrirem para um enfretamento comum dos desafios de toda a humanidade, chamamento expresso por seu insistente convite a todos, a uma “saída em missão”, fazendo questão de declarar que prefere uma Igreja que se arranhe por estar a caminho, a uma Igreja que adoeça por fechar-se em ambientes enclausurados. Seus escritos, inclusive, também atestam esta inquietação, haja vista sua iniciativa de, por meio da Laudato sì, convocar todos os seres humanosa a cuidarem de nossa “Casa comum”.

 Outra figura emblemática a ser rememorada, na perspectiva do Movimento de Jesus, é a do Cardeal Carlo Maria Martini, cujo testamento aqui retomamos, destacando alguns de seus pontos axiais:

-“A Igreja está cansada, na Europa do bem-estar e na América. Nossa cultura envelheceu, nossas igrejas são grandes, nossas casas religiosas estão vazias e o aparato burocrático da Igreja a contamina, os nossos ritos e as nossas vestimentas são pomposos.”;
- “Nós nos encontramos como aquele jovem rico que foi embora triste, quando Jesus o chamou para fazê-lo tornar-se seu discípulo.”;
- “Sei que não podemos deixar tudo, facilmente. Assim, tampouco podemos ir em busca de homens que sejam livres e estejam mais perto do próximo. Como foi o Bispo Romero e os Mártires jesuítas de El Salvador. Onde entre nós estão os heróis em quem nos inspirar? Por nenhuma razão devemos limitá-los com os vínculos da instituição.”;
- “Eu vejo na Igreja de hoje tanta cinza sobre as brasas, que às vezes me assalta um sentimento de impotência. Como se pode retirar a cinza de cima das brasas? Em primeiro lugar, devemos buscar essas brasas. Onde se acham as pessoas cheias de generosidade como o bom samaritano? Que têm fé como o centurião romano? Que são entusiasmados como João Batista? Que ousam o novo como Paulo? Que são fiéis como Maria Madalena?”;
- “Eu aconselho o Papa e os bispos a buscarem doze pessoas fora das estruturas, para postos de coordenação. Homens que estejam próximos dos mais pobres, que estejam cercados de jovens e que experimentem cosias novas. Precisamos encontrar homens que sejam ardorosos, de modo que o Espírito possa difundir-se por toda a parte.”

Ao mesmo tempo urge reconhecer a enorme contribuição de teólogos e, sobretudo, teólogas, na indicação e no  aprofundamento de questões-chave para os nossos dias. Sem esquecermos – mas, antes, instigados por eles - o denso legado de figuras tais como José Comblin, Gustavo Gutiérrez, Juan Luis Segundo, Jon Sobrino, Leonardo Boff, José Vigil, Pablo Richard, Eduardo Hoornaert, José Oscar Beozzo, José Antonio Pagola, Juan José Tamayo, Alberto Maggi, Sebastião Armando Soares, Marcelo Barros (para mencionar apenas alguns, quase todos  de confissão católica) entre tantos  outros, importa reconhecer e valorizar, à altura de sua qualiade, o legado de muitas mulheres teólogas, pela qualidade inventiva de suas contribuições. Dentre elas, destacamos, na atualidade: Elisabeth Schüssler Fiorenza, Ivone Gebara, Teresa Forcabes, Rosanna Virgili, dentre tantas outras.
Essas e tantas outras experiências em busca de reavivamento da Tradição de Jesus, também, se expressam em múltiplas iniciativas de várias Igrejas cristãs, espalhadas pelo mundo, representadas em parte, na  lista acima mencionada de grupos e movimentos clamando por renovação. E, assim, vamos dando passos, nessa direção, sempre atentos, não apenas ao conteúdo de nossas práticas, mas igualmente tocados pelo jeito de caminhar, à semelhlança do que tantas vezes escutamos ou lemos, nessas “correntezas subterrâneas”: “Gente simples, fazendo coisas pequenas, em lugares pouco importantes, consegue mudanças extraordinárias”...

João Pessoa, 31 de março de 2017.


sábado, 25 de março de 2017

POPULORUM PROGRESSIO, FIFTY YEARS LATER: its cry resounds either pathetic and current…

POPULORUM PROGRESSIO, FIFTY YEARS LATER:    its cry resounds either pathetic and current…
Alder Júlio Ferreira Calado

This Sunday, March 26, we will be celebrating a half century of the publication of the social Encyclical Populorum Progressio (The Development of the Peoples), signed by Pope Paul VI, in 1967, less than two years after the closure of the Second Vatican Council, for which the Pastoral Constitution Gaudium et Spes (On the Church in today´s world) became an emblematic document among its sixteen ones. Concerning to Populorum Progressio, it is worth being evaluated, not only as “another social Encyclical” among others ones, but, due to the social reach of the themes it emphasizes, rather as  one of the most socially relevants – alongside Mater et Magistra (1961), Pacem in Terris (1963), both written by Pope John XXIII, and the recent one, written by Pope Francis, Lodato sÍ (2015), since the first one,”Rerum Novarum”, signed by Pope Leo XIII, in 1891.

In the lines that follow, we seek 1) to contextualize the process of elaboration of Populorum Progressio; 2) to highlight its brodd lines; 3) to recall aspects of its reception, especially in Latin America and Brazil; and 4) to emphasize the drama and timeliness of its cry.

1) Recovering aspects of the context in which Populorum Progressio appeared
 Times of dense effervescence, those coinciding with the publication of the social Encyclical Populorum Progressio (The Development of the Peoples). In different continents, the rates of misery, hunger, and infant mortality grew in fear, while among the populations, in  the central central countries of Capitalism, there were situations of super-abundance and unbridled consumption: "The poor nations remain ever poor while the rich ones become still richer." (PP, n 57). There, we are in front of the climax of the conflicts stemming from the perverse roots of colonialism, especially in African countries, whose peoples are barely conquering their independence from the old European metropolis. Emerge "the young nations," as they were called. Facing  serious tensions between the United States of America and the Soviet Union, a growing number of countries in different  continents decided to build a path of non-alignment vis-à-vis those powers, and they began to follow on their own path, reinforcing their solidarity in  searching for their autonomy. They had, indeed, other priorities: instead of taking advantage of one of these powers, they chose to join forces in facing the many challenges of their peoples, in the fight against hunger, misery, and in ensuring conditions conducive to successful confrontation for  great social dramas, such as illiteracy and teir righst to an insertion in the international scene, so as it be just and respectful of their dignity.

In effect, there was a historical context of intense public demands for structural changes. Amongst these leading figures - workers, peasants ... - were the young students from various parts of the world, especially in France, and it was an impressive historical milestone in May 1968, In the schools, in the squares and in the streets of several countries.

Latin America - especially the so-called Southern Cone (Brazil, Chile, Argentina, Uruguay ...), suffocated by a "buzzing of boots" (Eder Sader), remained steeped in the long and dark period of civil-military dictatorships. The Andean peoples of Bolivia, Peru, Ecuador, Colombia ... faced similar challenges, such as the actions of young people, peasants and workers encouraged by figures such as Camilo Torres a Colombian (priest, murdered in Colombia in 1966) and Che Guevara (assassinated in Bolivia in 1967). In the same context of growing influence, it is important to bear in mind the socio-pastoral reach of some movements, such as the Movement called Priests for the Third World, especially in Argentina.

It is also important to remember the strong impact of Populorum Progressio in the preparation and implementation of the Latin American Episcopal Conference in Medellín (1968), which is rightly said  that it was - alongside the emblematic "Pact of the Catacombs" (Rome, November 1965), the Latin American way of welcoming the Second Vatican Council. This is rightly celebrated for having  introduced of the Roman Catholic Church into modernity, but that does not happen to the poor, which weighs some significant references in some of its sixteen documents.

In the process of preparing this document, a mention must be made. Thanks to a dense and long work, in several countries of the world, as a researcher and an adviser in his area, the contribution of Fr. Louis-Joseph Lebret, a close collaborator of Pope Paul VI, is also widely known. The contribution of the Dominican Father Lebret, founder of the Economy and Humanism Movement, has become famous, including in Brazil since the end of the 1940s, having inspired fruitful initiatives of Solidarity with the people of the Third World. In France, even now, CCFD (Commité contre la faim et pour le development) is widely recognized.

Even during the Segund Vaticon Council, the figure of Fr. Lebret was in important reference as advisor on social themes. But he’s participation in the process of elaboration of Populorum Progressio was decive, such were the confidence and recognition that the Pope Paul VI devoted him. Lebret could not live long enough to be present at the moment of Populorum Progressio’s publication: he died one eyear before its publication.

 2. What are the  main lines presented by this Encyclical of  Pope Paul VI?

 From the point of view of its structuring, Populorum Progressio, besides the introduction (nn.1-5) and the conclusion (n. 76-87), has two parts: the first, that goes from n. 6 to n. 42, is entitled "Man´s complete Development", and the second part extends from the n. 43 to n. 75, under the title "Towards a solidarity development of humanity". It follows a script similar to that one given by his predecessors, especially Pope John XXIII:  Mater et Magistra, 1961,  and Pacem in Terris, 1963). Also in Populorum Progressio, we can note some inspiration on the Catholic Action Movement´s method “See-Judge-Act”. Then, the Encyclical begins to expose “Church´s concern”, offering important elements of the historical context of that period, ponting out axial challenges  faced by humanity. He then it recalls the efforts of the Church, in the light of the Gospel, and Pope Paulo VI’ predecessors, as they faced other challenges in their time,  seeking to deepen reflection on the challenges on current challenges, seeking to situate social roots of such challenges, emphasizing ambivalences and contradictions to be faced and overcome. Finally, the Encyclical tries to point out ways of overcoming, always in the light of the Social Teaching of the Church. We try, then, to highlight its main ideas. Its major reference, from the title, from beginning to end, is that of development. Development not reducible to the exclusivity of the economy. A development committed  to the cause of humans, therefore, an complete development - of the human being as a whole and of all human beings. Development of peoples and nations, especially those described as the great victims of gigantic social inequalities.

Such social inequalities ar denounced from the beginning, through several indices of the problem. The alarming indices of impoverishment of various peoples and nations as regards hunger, poverty, endemic diseases, illiteracy, etc., and, on the other hand, the privileged situation presented by the rich living in the central countries, especially in the old metropolis , Justify their strong appeal to a development of solidarity, under penalty of social convulsions: "Who does not see the concomitant dangers: public upheavals, civil insurrection, the drift toward totalitarian ideologies?”11). The Encyclical also underlines the of the Church, on the cultural plan, remembering the figure of Charles de Foucauld, and his cultural contribution, regarding to a diversified culture. In the sense it was very important to be attentive to the Signs of the times, properly interpreted. In fact, the proper interpretation of these signs (cf.12 and 13) reveals the need to keep in mind the universal character of the destination of goods (That is an important aspect noted, not only in Gaudium et al. Spes, as in the always striking patristic tradition (Basile, Ambrose ...): "These words indicate that the right to private property is not absolute and unconditional.
No one may appropriate surplus goods solely for his own private use when others lack the bare necessities of life."(PP, No. 23).
There is a "crescendum" about the feeling of indignation in Encílecle in the face of growing social inequalities, to the point of warning those principally responsible for this situation of the serious risks of social convulsion and manifestations of a totalitarian character: "The injustice of certain situations cries out for God's attention. Lacking the bare necessities of life, whole nations are under the thumb of others; they cannot act on their own initiative; they cannot exercise personal responsibility; they cannot work toward a higher degree of cultural refinement or a greater participation in social and public life. They are sorely tempted to redress these insults to their human nature by violent means.” (PP n.30). It is worth noting in this regard the entire socio-political scenario of growing ferment and social unrest reigning in the mid-1960s, given the intentional mobilization of students in Europe as well as the explosive situation prevailing in Latin America. We also can not the dramatic appeal made by the Encyclical of necessity and the urgency of profound reforms, including as a means of avoiding the dangers of popular protest: "Individual initiative alone and the interplay of competition will not ensure satisfactory development. We cannot proceed to increase the wealth and power of the rich while we entrench the needy in their poverty and add to the woes of the oppressed. Organized programs are necessary for "directing, stimulating, coordinating, supplying and integrating" (35) the work of individuals and intermediary organizations.
It is for the public authorities to establish and lay down the desired goals, the plans to be followed, and the methods to be used in fulfilling them; and it is also their task to stimulate the efforts of those involved in this common activity. But they must also see to it that private initiative and intermediary organizations are involved in this work. In this way they will avoid total collectivization and the dangers of a planned economy which might threaten human liberty and obstruct the exercise of man's basic human rights.”
 (PP, n. 33)
On the other hand, the profound  reforms claimed by Pope Paul VI go beyond the economic sphere. They must also reach the different dimensions of the human reality, including that concerning the Culture. Here, we can observe the concern of Polulorum Progressio with what is called a materialistic risk characteristic of the rich countries, to be avoided in their relation with the poor countries, a risk that today we translate rather as that of consumerism. In conclusion of the first part, Paul VI again insists on the integral character of the proposed development: It is necessary to promote a complete humanism: man´s development as a whole and the development of all men.
The second part of the Encyclical is devoted to suggesting ways to overcome social inequalities, giving the rich peoples greater responsibility for the development of the "Solidarity Development of Humanity". To this end, it seeks to base its proposals by means of ethical-political arguments. It argues that such solidarity must be initiated by the commitment of the rich peoples, who have greater responsibility for the situation of social inequalities. It points to three dimensions of this duty attributed to the rich peoples: One that has to do with the duty of solidarity; Another on social justice and 3 referring to charity. (N.44) Of these dimensions, we emphasize more strongly that it exposes the grave responsibility of rich peoples to reexamine and rectify their  trade relationships with poor countries, that is,  their duty of social justice, that is, the rectification of their trade relations between strong people and weak people" (Cf. pp, n44) In the next lines, the Encyclical proposes a program of solidary action. This is done according to the three dimensions listed in number 44. From each dimension, we offer some elements. regarding to the duty of solidarity, whose major initiative Paul VI attributes to the rich, it is proposed a duty to assist the most disinherited, starting with a campaign to combat hunger, involving official organisms such as the United Nations for Agriculture and Food and other initiatives of organizations, Such as the work carried out by Caritas International in various parts of the world. It is a necessary but certainly insufficient action to respond to the challenges of our times, and the Pope recalls. In fact, they urge more consistent measures, and organized on a planetary scale. One of these suggested measures is the creation of a global fund to help poor countries, to be created by reducing the scandalous military investments, maintained by the rich countries, especially the great powers. It is a kind of superfluous expense, which, not only does not contribute to world peace, but also exacerbates tensions among peoples. With regard to superfluous expenses, moreover, the most blatant words of denunciation are addressed: "Is it not plain to everyone that such a fund would reduce the need for those other expenditures that are motivated by fear and stubborn pride? Countless millions are starving, countless families are destitute, countless men are steeped in ignorance; countless people need schools, hospitals, and homes worthy of the name. In such circumstances, we cannot tolerate public and private expenditures of a wasteful nature; we cannot but condemn lavish displays of wealth by nations or individuals; we cannot approve a debilitating arms race. It is Our solemn duty to speak out against them. If only world leaders would listen to Us, before it is too late!"(PP, n. 53).
In proposing the creation of a world fund to combat poverty and in view of the development of poor nations, the Encyclical intends to suggest efforts in the management of such a fund, so as to ensure, on a fair basis, access and participation in it Of the poor nations, so that, on the one hand, it does not mean alms, and, on the other, they guarantee effective conditions of participation, according to the real possibilities of those who resort to the same fund.

Pope Paul VI does not lose the opportunity to warn against the tendency to commit serious injustices made in commercial relations between rich and poor countries, denouncing the truculence of the empire of Liberalism, even treating it as a "dictatorship": " trade relations can no longer be based solely on the principle of free, unchecked competition, for it very often creates an economic dictatorship. Free trade can be called just only when it conforms to the demands of social justice. "(PP, n. 59).
In n.60ss and following points, of the same Encyclical, principles of social justice are emphasized, which should guide economic relations between peoples and nations, especially trade relations. The appeal is made to the rich countries, in the sense of respecting criteria of justice and the duty of solidarity, in the negotiations of fair prices and guarantee of production, with respect to the poor countries.

Also, the Encyclical turns to cultural relations, expressing its preoccupations with the racism that can spoil the good coexistence between peoples and nations. This is why it stresses so strongly the need to combat individualism, the lack of commitment even from young people from young nations who, by acquiring more professional qualification in more advanced countries, are sometimes tempted to Not persevere in their commitment to the peoples and nations from whence they came. Mention is also made about the often dissatisfied aspirations of migrant workers.

In conclusion, the Encyclical stresses the importance of complete development, to the point of affirming that such development is "the new name of peace" (see 76). In order to do so, he insists on addressing a final group of protagonists of his dramatic appeal, so as to include Catholics, men of good will, heads of state, sages, among others, whom he calls and invites to "join forces with you as a band of brothers. Knowing, as we all do, that development means peace these days, what man would not want to work for it with every ounce of his strength? No one, of course. So We beseech all of you to respond wholeheartedly to Our urgent plea, in the name of the Lord."(PP, n.87).

3. In Latin America, Brazil and other regions, how was welcome Populorum Progressio?

In a world of so many impasses and dilemmas, the great repercussion of Populorum Progressio's publication on March 26, 1967, is understandable, chiefly come from an ecclesial instance, and  more precisely being a pontifical document. The long conservative - and sometimes reactionary - tradition in which the Roman Catholic Church, prior to the Second Vatican Council, had immersed itself had aroused the conviction in broad social sectors, that it should deal only with "spiritual" matters, in spite of Deep political alliance - masked in a supposed "apolitical" mantle. Then, we had an irruption of  a prophetic stance that breaks with the traditional conservatism of the dominant forces.
Populorum Progressio, therefore, because of its strong appeal, would have a profound repercussion in the world, at that time, not only within the Catholic Church, but also in various segments of civil society in various parts of the world. In this sense, it follows the prophetic cry of Pope John XXIII, expressed, in his already mentioned encyclicals. At the same time, it also echoes the cry of various sectors of civil society, committed to structural social changes. Here we can highlight several social movements and grassroots organizations, on an international scale, in Latin America, Europe and other countries.
In Africa, for example, different decolonization initiatives emerge, both among nations colonized by France, Portugal, etc. In Europe, in Eastern Europe, resistance was rising, not only against Capitalism, but also against the Soviet regime, under grave accusations of the cruelties practiced by the Stalinist regime.
In Latin America, still under the influence of the victorious Cuban Revolution, collective actions of resistance to the military dictatorships are implanted, mainly in the so-called Cone-South. These movements were not only anti-military regime, but also against the capitalist regime. This is how in various countries the experiences of revolutionary groups gained momentum in Colombia, Bolivia, and later also in the Southern Cone. One of these movements took place in Argentina: the Priests  Movement for the Third World expresses inspiration in Populorum Progressio. (See "check the link below")

Https://www.youtube.com/watch?v=0Ks_eSiAGjQ

Populorum Progressio has notably strengthened in Latin America and the world the message of the Second Vatican Council addressed to the world of the poor - at least some of its documents, like Gaudium et Spes and others, such as the famous no. 8 of the Constitution Lumen Gentiium (focused on the Church's commitment to the poor). More: it brought new impetus to the message of the 40 bishops in November 1965 by the signatories of the "Pact of the Catacombs." Such is the affinity with the dramatic cry of Populorum Progressio, that a hundred Third World Bishops, after the publication of this Encyclical, and just before the beginning of the Latin American Conference of Latin American Medellin, circulated a dense and prophetic "Manfieso de Obispod of the Third World, among whose signatories were the names of Dom Helder Câmara (Olinda and Recife), Dom Antonio Batista Fragoso (Crateús - CE), Dom Francisco Austregésilo de Mesquita (Afogados da Ingazeira - PE), Dom Severino Mariano de Aguira and other bishops from various parts of the world (India, Laos, China, etc.). It should be noted that several of these bishops were original signatories of the "Pact of the Catacombs".

It is also important to emphasize Populorum Progressio's remarkable influence on the preparation and conduct of the Latin American Episcopal Conference held in Medellín, Colombia, in 1968. A (re) examination of the Medellín Document can easily prove the strength Prophecy of that Encyclical, both in the course of that event and in its application, in the following years.
In the case of Brazil its repercussion occurred, in several ways. From the CNBB to some Regionals and Dioceses, several events were organized, with the purpose of publicizing the pontifical document.
Even, endioceses of the Northeast Region II. Among them the Diocese of Pesqueira-PE tried to study it, along with some rural communities and urban peripheries, including using audiovisual resources.




4. Dramaticity and timeliness of your cry

Half a century after the publication of Populorum Progressio, we continue facing a dramatic historical context, under many aspects focused in Paul VI´s Encyclical. Besides the fact that poses to us new  challenges, it must be recognized that we have not yet been able to respond to old challenges, such as hunger, in the world. Even today, the news circulated by the media  denounce terrible facts, in several countries, mainly in Africa, involving thousands of  undernourished populations, victims of endemic hunger.
"If the hunger in Africa in 2011 killed 260,000 people, the current crisis is on track to become" much worse "with 20 million lives at risk.
A report by the United Nations Children's Fund (UNICEF) warned that close to 1.4 million children could die this year due to hunger and malnutrition in  Yemen, Nigeria and South Sudan, because of war, and, in Somalia, due to drought. "

Http://visao.sapo.pt/actualidade/mundo/2017-02-21-Fome-in-Africa-14-crimes-of-crimes-can-lear us- next-months

Illiteracy is another revealing factor  in the drama of the world today:
"More than 700 million adults around the world can not read or write. The survey is from Unesco, which has done research in more than one hundred countries. Brazil is among those that invest less than they should. There are 13 million illiterate Brazilians. "
"63% of illiterate adults in the world are women, says Unesco"
Http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2017/02/more-of-700-milhoes-de-adultos-no-mundo-sao-analfabetos-diz-unesco.html

Http://brasileiros.com.br/2017/02/63-dos-adultos-analfabetos-no-mundo-sao-mulheres-diz-unesco/

We only mentionned scandalous data on hunger and illiteracy. However, there is a large list of similar data in other spheres of reality, such as: unemployment, housing deficit, sanitation, high levels of precarious work, data concerning the so-called "poverty diseases, data concerning forced migration, of schooling and so many others complete an almost endless list, reflecting the combination of multiple factors, to denounce the necessity and urgency of a new mode of production, of a new mode of consumption and of a new way of Societal gestion. Despite recent techno-scientifical discoveries, in different areas, an evaluation on the social effects on a great portion of the populations of the world will reveal how little we achieved, relatively 50 years ago.
This is why we find, fifty year after its publication, the cry of Populorum Progressio resounds  strongly pathetic and current   in our contemporary world. Our hopes, yesterday and today, are turning to the protagonism of the popular movements and organizations pregnant with alternative proposal to current model of societal organization, gestio and style of life, seeking to render such alternative proposals, even though in a molecular way, in our quotidian way of (social and personal) life.

João Pessoa – Paraíba, Brazil, February 25, 2017








terça-feira, 14 de março de 2017

A MÍSTICA COMO OXIGÊNIO DA NOSSA PRÁXIS DE CADA DIA: considerações em torno da relação entre Ética e Mística, no horizonte cristão.

A MÍSTICA COMO OXIGÊNIO DA NOSSA PRÁXIS DE CADA DIA: considerações em torno da relação entre Ética e Mística, no horizonte cristão.


Alder Júlio Ferreira Calado

Nosso dia-a-dia pode ser assumido como  uma complexa malha composta de uma infinidade de fios existenciais, que somos chamados a tecer, e a conferir sentido aos mesmos. Disto tomando ou não consciência, estamos sendo continuamente interpelados por esse desafio existencial, ao longo do nosso processo de humanização. Com efeito, o existir humano - na verdade, um coexistir – comporta, a cada instante, uma variedade de escolhas, muitas das quais embaraçosas, em especial, em circunstâncias complicadas. Trata-se de escolhas, não raro, envolvendo problemáticas cruciais, cujas  consequências podem ser decisivas para a nossa vida e a dos outros, além da do Planeta. Em razão disto, importa o exercício contínuo de discernimento e auto-vigilância. Tanto mais, quando implicam perguntas do tipo: “Eu quero?”, “Eu posso?”, “Eu devo?”, questões, todas elas, situadas no campo da Ética, portanto concernentes à condição humana, independentemente de credos. Respostas a estas questões passam pela adoção de critérios fortemente influenciados, condicionados – mas não determinados – por um conjunto de fatores culturais, histórico-conjunturais, sócio-econômicos, enfim, existenciais.

Com efeito, não se ignora quão influente é a vida social, a convivência familiar, comunitária sobre o conjunto dos seus membros, desde a infância. Inseridos no mundo da Cultura, tornamo-nos, do nascer ao último suspiro, animais aprendentes por excelência, de valores, de costumes, de crenças, de normas. Aprendizes de bons e de maus costumes, de bons e de maus valores, passando a incorporá-los e a reproduzi-los. Num primeiro momento, de forma inconsciente ou acrítica. Por meio do exercício da observação crítica e do discernimento, deles passamos a tomar consciência de sua natureza ética, podendo ou não reproduzi-los, sendo que agora tendo consciência ética das escolhas feitas. Então, já não nos é indiferente, do ponto de vista de nossas responsabilidades, fazer esta ou aquela escolha. Passamos a entender que cada escolha, boa ou má, produz consequências igualmente boas ou más.

Ainda assim, a tomada de consciência não determina, por si, nossas boas escolhas, embora constitua um pré-requisito decisivo. A satisfação a este pré-requisito não apaga as boas ou más influências que continuam tendo sobre nós os costumes, os valores, as crenças, as normas em que vivemos inseridos. Estas continuam, de qualquer modo, a nos condicionar, de formas diversas. O simples fato da convivência já exerce sobre nós uma pressão contínua, no sentido de propiciarem uma acomodação às normas vigentes, chegando até, algumas vezes, a conduzir-nos a uma síndrome de normose, isto é, rendemo-nos de tal modo à pressão das regras vigentes, que delas não conseguimos força para tomar distância. Esta é uma possibilidade, mas não alcança nenhum grau de determinismo, uma vez que, sujeitos éticos, também somos capazes de forjar contrarregras ou alternativas a tal tendência.

Nas presentes notas, nosso propósito é o de ensaiarmos passos em busca de exercitarmos, no chão do dia-a-dia, nossa capacidade de resistência à normose, bem como de irmos forjando condições de alternatividade mais consistentes e de crescente alcance, no sentido de atrairmos mais pessoas, mais grupos, mais comunidades, nesta direção, mas sempre partindo de nós, de mim. Eis por que, nestas mesmas linhas, cuidamos, inicialmente, de focar nossas considerações estritamente em torno do horizonte ético, para, em seguida, ensaiarmos uma articulação orgânica entre Ética e Mística, no horizonte Cristão.

Que condições nos favorecem e nos propiciam uma práxis ética no chão de nossas relações cotidianas?

Sem desconsiderarmos a dimensão individual, temos que reconhecer que nossa práxis no dia-a-dia ultrapassa o alcance estritamente individual, ainda que sem dispensá-lo. É, sobretudo, no horizonte das relações comunitárias, que vamos nos tornando capazes de distinguir comportamentos animais determinados pela natureza e comportamentos humanos orientados pelo horizonte da cultura. Como animais, integramos esses dois mundos; como animais humanos, por outro lado, nos tornamos capazes de distinguir natureza de cultura. É, sobretudo, no horizonte desta última, que passamos a tomar consciência de nossos limites e de nossas potencialidades. Nesse sentido, muito contribuem  - negativa ou positivamente – as formas de organização societal. Dependendo do modo de produção, do modo de organização, e do modo de consumo de determinada sociedade, temos condições melhores ou piores de lidar com a nossa condição ética. Por exemplo, no contexto capitalista atual, torna-se extremamente difícil a um jovem comum reunir as melhores condições de uma conduta ética que faça justiça à sua vocação ontológica para a liberdade, posto que vive cercado constantemente de sedutores apelos a conformar sua vida aos valores, normas, crenças e costumes dominantes, numa sociedade em que é regra o chamamento a uma vida de duplicidade, de conduta esquizofrênica, torna-se extremamente difícil – ainda que não impossível – comportar-se à contracorrente. Numa sociedade em que se torna regra sentir-se uma coisa, pensar-se uma segunda, querer-se uma terceira, fazer-se uma quarta e comunicar-se uma quinta, torna-se extremamente atípica ou excepcional a escolha de quem investe em atitudes de integralidade, buscando, no chão do dia-a-dia, articular organicamente sentir-pensar-querer-agir-comunicar.

Sobre isto, Ivandro Sales da Costa, entre outros, tem chamado à atenção. A título de ilustração, pensemos a conduta ética no quadro da atual realidade brasileira, mais especificamente no âmbito político-partidário. Diariamente bombardeados pelas notícias da mídia comercial em cima de sucessivos escândalos financeiros, praticados por executivos de grandes empresas, por agentes políticos das distintas esferas de poder e por operadores financeiros, quê horizonte ético pode inspirar tal situação ao conjunto de cidadãos e cidadãs, em seu agir cotidiano? De que modo o cidadão comum, diante dessas mazelas gravíssimas, de brutal pilhagem das riquezas nacionais, pode sentir-se estimulado a um comportamento alternativo? Pergunta que colocamos como um desafio, pois nos recusamos a assumir tal contexto como um determinismo, nem como uma prática exclusiva desses agentes. Tal como as notícias vêm expostas, cria-se, não raro, a impressão de que a corrupção endêmica se limita a um setor exclusivo da sociedade – o das grandes empresas, o dos agentes políticos e o dos operadores financeiros, pouco ou nada tendo a ver com o agir do conjunto dos cidadãos e cidadãs. Numa reflexão crítica, não tardamos a perceber que os escândalos denunciados constituem a ponta de um iceberg, tendo por trás a responsabilidade do conjunto dos cidadãos, inclusive dos acusadores ou denunciantes.
Chegamos a tal conclusão, ao examinarmos mais detidamente como se dá a cidadania no chão do cotidiano. Como se comporta, com raras exceções, o cidadão, a cidadã, ante a fila de um hospital, de ônibus, de banco? Que atitude apresenta em situações corriqueiras, em que pretende tirar vantagem e obter privilégios diante dos outros, seja no trânsito, no ambiente de trabalho, nas ocasiões de diversão, etc.
O mesmo se passa, quando examinamos mais detidamente qual o nosso comportamento no ambiente de trabalho ou nos espaços institucionais de que participamos.
Tantas anomalias ante os nossos olhos e mal percebemos sua gravidade. Quantas ocasiões de apropriação indébita do tempo do trabalho, dos recursos públicos disponíveis, das vantagens tantas que acabamos forjando, de modo a nos apropriarmos dos espaços e dos bens públicos. Seria infinda a lista de exemplos. Nosso propósito, porém, é o de refletirmos sobre as condições que permitem um movimento alternativo a tais práticas, e nisto nos fixamos, nas linhas seguintes.

Como acima assinalado, por piores que sejam as condições de vida e de trabalho, elas não são determinantes. Há sempre uma margem de escolha alternativa. É o caso daquele trabalhador sueco da Volvo que, oferecendo carona a outro trabalhador brasileiro, surpreendeu, ao estacionar o carro em local mais distante da entrada da fábrica, o que obrigava a ambos um percurso a pé maior, em estação invernosa. Pretendendo saber a razão de tal escolha o trabalhador brasileiro foi surpreendido com a resposta: “Nós chegamos bem antes da hora. Há outros que chegam em cima da hora, sem tempo hábil de locomover-se para o trabalho.”.

Tendo como horizonte um modo de produção, um modo de organização e um modo de consumo societais, ensaiemos alguns passos de alternatividade. Num primeiro momento, acentuando a importância organizativa (pessoal e coletiva) nos vários espaços societais e comunitários dos quais participamos. A busca de alternatividade não se alcança apenas no âmbito individual, mas, sobretudo, no plano relacional.  É participando de atividades grupais, comunitárias, que vamos tendo a oportunidade de observar melhor, de aprender e de compartilhar práticas que nos aproximem progressivamente do alvo almejado. Com efeito, é nas pequenas comunidades, é nos núcleos, é nos conselhos populares, que começamos a encontrar elementos experienciais de inspiração para o nosso agir em direção ao bem comum, em direção ao Público. É nessa “escola” que vamos observando, vamos ensaiando efetivos passos de alternatividade, a partir do jeito dessa organização. Jeito que se materializa de modo diverso: assegurando-se a participação de todos nas decisões; evitando o controle do grupo ou da comunidade por uma ou poucas pessoas; exercitando-se, em relação a outras instâncias, o princípio da delegação; garantindo a rotatividade, nos prazos firmados, de coordenação; exercitando-se a autonomia, inclusive mediante o autofinanciamento para as atividades programadas; garantindo a todos o processo formativo contínuo, sobre o qual nos estenderemos, a seguir.

É, com efeito, o processo formativo contínuo, que constitui o segundo principal vetor capaz de forjar condições propícias para o surgimento de práticas éticas compatíveis com o horizonte almejado de um novo modo de produção, de um novo modo de organização societal e de um novo modo de consumo. Não se trata aqui de escolaridade, por mais apreço que lhe tenhamos. Trata-se, na verdade, de assegurar formação não apenas a membros de coordenação ou direção, mas ao conjunto dos membros de base. Tal processo formativo contínuo comporta distintas e complementares características, dentre as quais:
- tem como protagonista o conjunto dos membros das organizações de base de nossa sociedade. Tal protagonismo há de se exercer em todos os momentos do processo formativo, desde sua concepção, passando pelo planejamento, pela execução, pela metodologia, pela avaliação...
- alimenta-se da memória histórica, (re)visitando constantemente os feitos, as lutas, as conquistas, as derrotas, as grandes aspirações da humanidade, em diferentes lugares e tempos, seja com relação à gesta coletiva, seja com relação às contribuições de figuras individuais (de referência ou anônimas!);
- empenha-se em analisar criticamente a realidade social (local, regional, nacional, internacional), buscando compreender a complexidade e a extensão dos grandes desafios, para o que se vale de  instrumentos adequados de observação e apreciação (por ex.: não abrir mão da diversidade de fontes, de modo a buscar evitar a tendência preponderante a só vermos a nossa realidade com os olhos apenas dos nossos parceiros e aliados; sempre fundados nos fatos concretos, examinar se buscamos balizar nossas críticas e denúnicas nos fatos, independentemente de quem seja seus protagonistas (por  ex.: nas décadas 80 e 90, sempre foram muito contundentes, a justo título, nossas críticas aos desmandos de então. Será que mantivemos essa posição, depois, diante de fatos graves?
- assegurar, permanentemente, espaços de formação para o conjunto dos movimentos sociais e organizações de base de nossa sociedade (São raríssimos as forças sociais que disto se ocupam);
- cultivar nossa atenção aos bons clássicos, com eles dialogando, e tendo em conta o espírito de suas análises, sem pretendermos (contra eles mesmos) tentar copiá-los;
- em vista dos novos desafios socioeconômicos e político-culturais, os movimentos sociais populares e demais organizações de base de nossa sociedade são chamados a reexaminarem seu projeto formativo que, durante décadas, priorizavam a educação política. Com certeza, esta continua importante, porém já não suficiente para enfrentar exitosamente os novos desafios, eis que, dada sua complexidade acrescida, urge uma proposta formativa integral, isto é, além de comportar a formação política (e esta, indo além da mera relação Sociedade-Estado, cuide também da Cidadania do cotidiano), demanda um permanente cuidado com as distintas dimensões do ser humano como um todo e de todos os seres humanos, de modo a implicar um articulado leque de aspectos, indo das relações sociais de gênero, de espacialidade, de etnia, passando pelas relações geracionais até às relações com o Sagrado;
- exercitar continuamente a autocrítica, menos nas promessas e discursos, e mais na prática do dia-a-dia. Neste sentido, importa tomarmos cuidado para que as balizas que adotamos para a crítica dos outros seja a mesma que utilizamos para a nossa autocrítica.




2. De que modo o exercício da Mística pode fortalecer nossas escolhas éticas do dia-a-dia?

Expressando todo o nosso apreço e respeito pelas mais distintas opções de credo ou pela opção de quem a nenhuma delas se afilia, tratamos, em seguida, de pôr em relevo aspectos das relações entre Ética e Mística, esta tratada sob uma perspectiva cristã. É sabido o amplo leque de opções místicas cultivadas pelos mais diversos povos, cada uma delas alimentada por uma figura de referência (Confúcio, Buda, Judaísmo, Islamismo, as religiões de origem africana, etc) mesmo entre figuras humanas que se reconhecem agnósticas ou ateias, também aí se pode observar uma presença da Mística, ao menos em sentido amplo. Cada ser humano sente-se animado, de certa maneira, por alguma força interior a inspirar escolhas e caminhos. Aqui tratamos especificamente da Mística entendida em sua vertente Cristã, ou seja, inspirada na figura de Jesus de Nazaré e do Movimento que O seguiu ou busca segui-Lo.

Neste sentido, que interação se pode observar entre a Mística Cristã e a Ética? Um primeiro ponto a considerar é que, do ponto de vista cristão, todo ser humano é chamado a viver eticamente, seja no plano comunitário, seja no plano pessoal. Em relação específica aos que se pretendem cristãos, a Mística cristã lembra aos seus seguidores que, mesmo do ponto de vista estritamente ético, os cristãos não conseguem sê-lo apenas por si mesmos, sem a ajuda do Sopro fontal que habita em cada uma, em cada um dos seres humanos, isto é sem a presença do Espírito Santo a conduzi-los. A Mística cristã sustenta que, sendo os humanos (inclusive, evidentemente, os cristãos) seres limitados, necessitam da força  da Graça, esta força que habita o Universo (portanto, também ao interno dos seres humanos) que os inspira a fazerem boas escolhas. Sobre isto há uma sucessão de passagens bíblicas (especialmente do Evangelho) a lembrar os cristãos da necessidade de pedirem o apoio da Graça: “Não foram vocês que Me escolheram, mas fui Eu quem os escolhi e os enviei, para que vocês vão e deem fruto, e o seu fruto permaneça” (Jo 15,16).

Neste caso, o cumprimento de nossa vocação ética requer uma constante interação de natureza mística, visto que, reconhecendo nossas limitações, vamos precisar nutrir-nos constantemente dessa fonte de plenitutude, desta força da Palavra. Sempre que nos recusamos a responder generosamente a estes apelos da Graça, acabamos pondo em risco ou até fazendo desabar nossos melhores propósitos de seres éticos.
O contíno exercício místico constitui um nutriente indispensável para nos manternos fiéis aos apelos da Graça, que também age dentro de nós. Trata-se de um nutriente ou uma espécie de oxigênio,  a manter-nos focados no alvo ou na direção das boas escolhas. Tal como um atleta – por exemplo, um arqueiro, a necessitar exercitar-se constantemente na arte de lançar ao alvo suas flechas, como condição de seu sucesso -, o contínuo exercício da Mística representa algo assim.

Nos relatos evangélicos, em distintas parábolas, são bem frequentes os exemplos ou as situações utilizadas por Jesus, neste sentido. O reino de Deus não se faz apenas pelos nossos esforços pessoais ou comunitários, mas sobretudo graças à inspiração do Espírito Santo, a Quem frequentemente invocamos, nos seguintes termos:  “vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fieis, e acendei neles o fogo do vosso Amor. Enviai, Senhor, o Vosso espírito e tudo será criado. E renovareis a face da Terra.”. E continua a oração: “ó Deus, que instruístes o coração dos Vossos fiéis com a luz do Espírito Santo, fazei que apreciemos retamente todas as coisas, segundo o mesmo espírito, e gozemos sempre de Sua consolação. Por Cristo, nosso Senhor.”.

Não apenas nos evangelhos, como também nos demais livros do Novo Testamento, são igualmente recorrentes tais advertências. Uma delas nos é feita por Paulo. Esta mesma figura que nos propõe um belo caminho de vida: “examinem todas as coisas, e retenham o que é bom.” (1 Ts 5,21), tem consciência da dificuldade do que significa escolher “o bom”. Pela sua própria experiência – e nós somos testemunhas recorrentes, a partir dos nossos próprios exemplos –, tropeçamos no que ele próprio afirma de si: “Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço.” (Rm 7,19).

É o reconhecimento das próprias limitações, que os cristã(o)s, se sentem motivados a recorrerem, com humildade e confiança, à força da Graça,   por meio do exercício da Mística, que avaliam como o oxigênio necessário à manutenção de sua práxis no cotidiano, como expressão de sua experiência ética. Isto se dá nas mais distintas situações concretas, enfrentadas em seu dia-a-dia. É a este “Oxigênio”, que atribuem o enfrentamento exitoso das mais complicadas situações. Quantas vezes, em sua condição de dirigente, de coordenador ou algo do gênero, é grande a tentação de fazer prevalecer seus interesses próprios sobre o conjunto dos membros da mesma organização, e, não confiando nas próprias forças, apelam à força da Palavra, e acabam superando tantas tentações de tirar proveito indevido de situações que lhes são colocadas.  E o fazem, justamente recorrendo à Mística, por diversas vias. Uma delas consiste nos frequentes e perseverantes momentos de oração, mais precisamente da leitura orante da Palavra de Deus, ocasião em que se sentem fortalecidos com conselhos evangélicos, do tipo:
- Vigiem e orem, para não caírem em tentação” (Mt 26, 41)
- “Toda árvore se reconhece por seus frutos” (Lc 6,44)
- “Ninguém põe  remendo de pano novo em roupa velha” (Mt 9, 16);
- “Ninguém pode servir a dois senhores.”
- “Nem todo aquele que me diz:  Senhor, Senhor, entrará no Reino dos Céus, mas, sim, aquele que faz a vontade do meu Pai”” (Mt Mt 7, 21);
- “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração esá longe de mim.” (Mt 15,8);
- “Tomem cuidado com os falsos profetas: eles se vestem de ovelhas, mas por dentro são lobos vorazes. Pelos seus frutos, vocês os reconhecerão.” (Mt 7, 15-16);
- “Entrem pela porta estreita, porque larga é a porta e amplo o caminho que leva perdição.”(Mt 7, 13)
- “Onde estiver o seu tesouro, aí está o seu coração.”
- “Façam aos outros  o que vocês desejam que os outros lhes façam” (Mt 7,12)
- “Sejam misericordiosos, como é misericordioso seu Pai. Não julguem, e não serem julgados. Não condenem e não seáo condenados. Com a mesma medida com que medirem, serão medidos.” (cf. Lc 6, 36-38);
- “Vocês conhecerão a verdade, e a verdade os libertará.” (Jo 8,32);
- “Nada há oculto, que não venha a ser revelado.” (Mc 4,22)
- “Tire primeiro a trave do seu olho, e e então enxergará bem para tirar o cisco do olho do seu irmão.” (Mt 7,5)
- “Prova de amor maior não há do que aquele que dá sua vida pelos irmãos.” (Jo 15,13).
Apenas alguns poucos exemplos de passagens evangélicas que se têm prestado a inspirar e a fortalecer o ânimo de cristã(o)s, no enfrentamento cotidiano dos seus desafios éticos. A estes se somam belas parábolas e outras páginas inspiradoras. Páginas, por sua vez, complementadas com a leitura e meditação de relatos da vida de santos e santas, de textos devocionais muito apreciados, no Catolicismo popular. Os círculos bíblicos constituem outro momento forte de espiritualidade cristã, além de tantas outras práticas semelhantes.

O efeito positivo do exercício contínuo da Mística – pelo que podemos escutar ou ler, a partir de vários relatos de experiência – sobre o agir de cristã(o), em seu dia-a-dia, se dá de múltiplas maneiras e nas mais variadas situações existenciais. Tomando aqui como referência a incidência dessa relação Ética-Mística, consideremos o caso da militância política, sabendo, porém, que tal incidência se faz presente igualmente nas mais distintas esferas da vida (pessoal e coletiva). Em tempos de crise, por exemplo, podemos eleger uma série de situações com que se deparam militantes. Uma delas: como acompanhar mais criticamente o desenrolar da realidade social? Aqui são muitas as escolhas possíveis. Uma tendência sedutora é a do atalho, isto é, a do caminho mais fácil. Isto pode dar-se de várias formas:
- desde o cômodo hábito de acompanhar os desdobramentos da conujuntura APENAS pelas fontes assinadas por nossos parceiros e aliados, sem qualquer empenho em confrontar tais posições com as de outras forças, mais à esquerda ou mais à direita. Hábito que resulta lacunoso perigoso, na medida em que nos recusamos a aceitar o caráter multifacetário da realidade concreta, o que nos induz a reducionismos comprometedores. Negar-nos, por comodismo ou por preguiça intelectual, a aceitar a natureza complexa dos fatos sociais, pode ser fonte de deliberações desastradas. É o exercício constante da Mística que nos ajuda a manter-nos mais vigilantes quanto a tal risco;
- a sedução nominalista constitui outra ameaça: não raro, pretendemos “provar” nossa pertença de classe apenas pela exibição de símbolos. Isto é: “Eu sou da Classe Trabalhadora, porque pertenço a tal partido, a tal sindicato, a tal movimento”, sem perceber que para tanto, não basta declarar-me tal, não basta ostentar uma carteira de trabalho, um boné, uma carteira sindical, um atestado de filiação partidária, ou “bater o ponto”, em reuniões e encontros da categoria ou nas convenções.  Nosso compromisso com a causa libertadora da Classe Trabalhadora se mostra bem mais pelas nossas práticas de cada dia, pelo nosso estilo de vida (pessoal e coletivo). Esquecer isto induz a tremendos equívocos, inclusive o de negar pelas minhas práticas justamente o que digo ser, e por vezes até com certa arrogância, a acusar os outros de “burgueses”, de “classe dominante”, quando, até com frequência, meu estilo de vida me acusa ser mais “para lá” do que “de cá”...
- não raras vezes, sentimos que nossas apostas, ao passarem décadas, não dão os frutos almejados, a não ser minimamente. E, mesmo assim, seguimos apostando incessantemente, sob o pretexto de que “Nâo tem outro jeito... É melhor assim do que nada... Vamos votar no menos ruim”. E quanto mais avançamos no tempo, mais se agrava a situação... Quem ganha com tal teimosia? Certamente, não é a Classe Trabalhadora...
- Uma outra tendência frequente é a de nos acomodarmos a velhas e obsoletas ferramentas de luta, apesar dos reiterados sinais de fracassos.  Ainda que não saibamos precisamente que ferramentas  alternativas utilizar, temos certeza de algo: as atuais ferramentas de luta chegam à exaustão! Prova disto é a crescente reação de enormes parcelas da população, a esbravejarem contra certas manifestações, em  especial as que as impdem de circular em direção ao trabalho. É urgente, sim, dedicarmos mais tempo à criatividade, à busca de novas formas de luta, eficazes e que se dirijam contra os principais responsáveis, e não contra as populações mais vulneráveis, que se revelam hostis a nossas velhlas formas de luta.
- Aprendemos, em nosso processo formativo (infelizmente, em grande parte interrompido – que devemos sempre lutar associando as tantas denúnicas, muitos anúnicos de casos, de fatos, de situações ALTERNATIVAS  ao modelo imperante, e que estão dando certo, ainda que molecularmente. Quando disto nos esquecemos, corremos o um duplo risco: o de irmos além das denúncias, apontando opções alternativas já em curso; de sucumbirmos ao pessimismo, ao derrotismo de quem só tem denúncias a fazer, sem propostas convincentes, que didaticamente estimulem a tantos e tantas a reacenderem a esperança, em cima do que já anda acontecendo...
Eis apenas algumas situações que tornam mais explícitas as relações entre Ética e Mística.  Oxalá, tenham essas notas ajudado nessa direção.

Olinda, 10 de março de 2017.