segunda-feira, 25 de setembro de 2023

TRAÇOS DA MÃE ÁFRICA: Em Busca de Nossas Raízes (XVII)

 TRAÇOS DA MÃE ÁFRICA: Em Busca de Nossas Raízes (XVII)


Zâmbia é, desta feita, o alvo de nossa atenção. Situado na região Centro-Sul da África, Zâmbia tem uma área de cerca de 752 mil Km², área maior do que a Bahia. Sua população conta com pouco mais de 11 milhões de habitantes. Por se tratar de um país central, conta com uma fronteira vastíssima. Entre os países que se limitam com Zâmbia, estão o Congo e a Tanzânia; Moçambique, Zimbábue, Namíbia; Malawi; Angola. Tem como capital Lusaka.

A exemplo de outros, também Zâmbia é um país privilegiado pelas belezas naturais, destacando-se suas famosas cachoeiras e seus lagos, sua rica fauna. São bem cobiçados seus safáris. Quem quiser ter algumas imagens fascinantes, pode acessar o seguinte site: zambiatourism.com

Do ponto de vista econômico, conta com importantes recursos minerais, como sobre, o cobalto, urânio, ouro e prata. A presença humana na região situa-se entre um e dois milhões de anos. Que riqueza! Mas suas tribos tiveram que amargar a triste história do colonialismo e da escravidão. Sobretudo por parte dos ingleses. Não é por acaso que o inglês é língua oficial, embora no interior das várias tribos, o que se fala mesmo é a língua de cada, é a língua própria de cada uma delas.

Ao visitar diferentes periódicos virtuais de países africanos, chamam a atenção do leitor, da leitora tanto a frequência como a virulência dos artigos - principalmente os elaborados pelas feministas africanas - dentre elas, as pesquisadoras Amanda Alexander e Mandisa Mbali - denunciando os novos métodos de dominação contra os povos africanos, utilizados pelas grandes potências e seus organismos multilaterais (FMI, Banco Mundial), com a cumplicidade dos governantes e para fortalecimento dos interesses das multinacionais. Entendem que se trata de mecanismos refinados cuja eficácia de pilhagem pode ser comparada à da época da escravidão.

Têm razão as feministas africanas. Nesses países, a concentração de riquezas e de renda se faz pari passu ao crescente empobrecimento e marginalização de amplas camadas das respectivas populações. No caso específico de Zâmbia, cuja capital (Lusaka) sediou, em 2004, a realização da África Social Fórum, 20% da população tem a infecção de HIV. Ao constatarem os índices escandalosos da exploração, naqueles países, não economizam palavras para denunciar a hipocrisia dos arautos do Neoliberalismo, em sua astúcia de tentar mascarar os mecanismos de dominação, inclusive substituindo expressões antigas por novas, sem qualquer alteração do conteúdo das relações. A não ser para pior…

Como “tudo está ligado a tudo”, tal como nos ensina a Dialética, ao ler esses contundentes artigos relativo ao Fórum Social Africano, senti-me espontaneamente remetido ao caso do Brasil e da América Latina e Caribe. Fiquei pensando na crueldade que continua a ser praticada contra o Haiti e seu povo. E, deste vez, com a direta colaboração do Governo brasileiro. Tudo em nome da paz… Será que alguém honesto e com o mínimo de senso crítico vai concordar com as razões oficiais da presença militar de tropas brasileiras no Haiti como gesto humanitário? Acredite quem quiser…

Aos eventuais interessados, sugiro que visitem o site http://www.cadtm.org/imprimer.php3?id_article=1037

Valho-me da ocasião do mês de março, quando comemoramos, no dia 8, as lutas e as conquistas das mulheres do mundo inteiro, para saudar todas as mulheres que protagonizam, hoje também, a utopia de um mundo alternativo, de justiça, de paz, de solidariedade.


João Pessoa, março de 2006


quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Traços da Mãe África: Em busca de nossas raízes XIV

 Traços da Mãe África: Em busca de nossas raízes XIV


Alder Júlio Ferreira Calado



Aqui tratamos de retomar algo que iniciamos no número anterior de ABIBIMAN, acerca de SAMIR AMIN, este filho da Mãe África que tem honrado a condição humana, com sua relevante contribuição de economista, historiador e escritor a serviço da causa libertária dos oprimidos, nos quatro cantos do mundo. 


Nascido no Egito, há 74 anos, a trajetória de AMIN tem se revelado de uma densidade notável, pela qualidade de sua militância e pela sua contribuição de pensador. Além dos livros já destacados anteriormente, traduzidos aliás para vários idiomas, passamos a sublinhar outros textos seus, produzidos nessas últimas décadas. Os títulos quase sempre aparecem em Inglês e em Francês. Eis uma lista dos principais.


- O Império do Caos (L Empire du chaos. Paris: Ed. L'Harmattan, 1991);

- Imperialismo e Subdesenvolvimento na África (Impérialsme et sous-développement en Afrique. Paris: Anthropos, 1988);

- O Capitalismo na era da Globalização (Capitalism in the age of Globalization. St. Martin's Press, 1986);

- O fracasso do Desenvolvimento na África e no Terceiro Mundo: uma anáfise política (La failite du développment en Afrique et dans le tiers monde: une analyse, Paris: L'Harmattan, 1989);

- Por um Mundo Multipolar (Towards a polycentric World. St. Martin's Press, 1990);

- Economia e Sociedade no Benin (Économie et société au Bénin Paris: L Harmattan, 2000);

- O Senegal às portas do Terceiro Milênio (Le Sénégal à la veille du troisiême milênaire. Paris: L'Hermattan, 2000);

- Após Seattle: por uma construção cidadã do mundo (Aprés Seattle: pour une consIruction citoyenne du monde.Paris: Sylepse, 2001;

- Crítica do Capitalismo (Critique du Capitalisme. Paris: PUF, 2002;

- A Globalização da Resistência (Mondialisation des résistences: état des luttes, Paris: L'Harmattan, 2002.

- África: a volta da exclusão programada (Afríque: |'exclusion Programmée en renaissance. París: Maisonneuve et Larose, 2005.


Uma rápida e incompleta lista dos principais textos recentes de AMIN, sem incluir uma enorme série de artigos seus, pode nos sugerir uma idéia de quais são suas principais teses, bem como de sua coerente evolução como intelectual orgânico das classes populares. Fato raro, nesses tempos de “Esqueçam o que escrevi...”


João Pessoa, dezembro de 2005.



terça-feira, 19 de setembro de 2023

Traços da Mãe África: Em busca de nossas raízes XIII

 Traços da Mãe África: Em busca de nossas raízes XIII


Alder Júlio Ferreira Calado


Quanto mais buscamos mergulhar no universo africano, tanto mais nos impactam as descobertas, que não cessam de nos surpreender. Não deveria ser assim, não fosse a longa distância que, desde o pacto colonial, se tem cultivado entre nós. Alegra-nos, a propósito, saber que as novas gerações terão menos dificuldade, a julgar pela recente conquista de espaço curricular nas escolas brasileiras, acerca do universo africano. A publicação do roteiro temático, publicado no número anterior, há de ser um promissor atestado do que estamos afirmando.

De fato, sob os mais diferentes prismas, a Mãe-África se mostra um precioso tesouro escondido. Aqui, vamos destacar mais um ponto desse vasto e complexo universo: a contribuição dos intelectuais africanos - mulheres e homens -, na área das ciências sociais. Tomemos, desta vez, o caso de SAMIR AMIN, cuja densa obra é conhecida nos mais distintos continentes. 

Nascido no Egito, em 1931, já nos anos 50, Samir Amin começava a revelar-se um intelectual respeitado. Tem passagem relevante pelo Mali, pelo Senegal, pela Europa e outras partes do mundo. Dentre sua vasta obras, destacam-se, entre outros textos: La acumulación a escala mundial (1970), El desarrollo desigual (1973), La nación árabe (1976) y La desconexión (1986).

Ainda recentemente, em 2000, por ocasião da realização do Seminário organizado em função das comemorações dos 80 anos do economista Celso Furtado, e dos 40 anos da fundação da SUDENE, esteve em Recife, Samir Amin, juntamente com outros expositores internacionais e nacionais (além do próprio Celso Furtado, Ignacy Sachs, Francisco de Oliveira, Cristovam Buarque…). Em sua exposição, Samir Amin fez um balanço da economia política característica so século XX. De forma bastante fundamentada, passou em revista os principais desafios dos países periféricos em relação à sua emancipação social das forças do Capitalismo.

Como outros bons intelectuais, fiéis aos interesses das classes populares, Samir Amin continua a apostar na união e na organização das forças populares, em âmbito internacional. Não é por acaso, que sempre tem trabalhado como uma equipe de pesquisadores africanos, asiáticos e latino-americanos. Voltaremos a dizer algo mais sobre Samir Amin.


João Pessoa, novembro de 2005


domingo, 17 de setembro de 2023

“Uma Filosofia da Literatura", de Marcelo Bezerra Oliveira

                                            Uma Filosofia da Literatura*


Filosofia da Literatura em uma perspectiva heurística: notas acerca do livro “Uma Filosofia da Literatura", de Marcelo Bezerra Oliveira           

                                                  Alder Júlio Ferreira Calado


Todo convite ao filosofar é bem-vindo, especialmente quando bem fundamentado do ponto de vista teórico metodológico. Marca genuína do autor tem sido o da problematização heurística. Enquanto trabalho sistemático de maior fôlego, este aparece como um dos portadores de notável pioneirismo, no espectro literário brasileiro.

Um dos seus pontos altos é o critério pertinente da seleção dos autores e autoras – alvo. Assim como Gramsci, o autor sustenta o direito universal ao filosofar. Esta obra se destaca tanto pela sua qualidade criativa, quanto pela amplitude temática desenvolvida


Tal é o apreço do autor pelo filosofar, que dedica em torno de 15 páginas do livro a refletir sobre os óbices múltiplos que, no Brasil, ainda persistem, dificultando e limitando o exercício do filosofar. Começa a destacar os obstáculos que a própria estrutura acadêmica dominante impõe a este exercício, seja pela imposição de uma política de produção filosófica artificial, embasada em uma estéril concorrência, um produtivismo mecanicista, seja por propagar um ensino dicotomizado em “ disciplinas” estanques.

Ao ressaltar os principais limites ao pensamento filosófico, faz questão de insistir nas condições indispensáveis ao exercício crítico sem liberdade, os humanos não alcançam o exercício do filosofar , a medida que não se sentem sujeitos cognoscentes, pois estão submetidos a contextos impositivos que lhes tolhem a capacidade crítica e autônoma, ao mesmo tempo em que não ousam o exercício do livre pensar, limitando-se a produzir textos de interesse alheio, descontextualizados de sua realidade. Neste sentido, tornam-se presas fáceis de uma produção filosófica eurocêntrica. 


Perguntando-se e refletindo acerca das possibilidades de uma filosofia da literatura, o autor, iniciando pelo sentido do filosofar, cuida de argumentar em torno do vasto campo cognitivo enfrentado pelo filosofar. Situada no mundo da Cultura entendida como mundo ou realidade, ele vai mostrando a complexidade e a vastidão do campo da filosofia, implicando toda uma diversidade de relações – econômicas, políticas, culturais, artísticas, religiosas, sócio- ambientais e outras sobre as quais incidem perguntas e possibilidades do filosofar.

No caso específico do livro, trata-se de se debruçar sobre as múltiplas relações oferecidas pela Arte ou pelas Artes , em cujo campo cognitivo se situa a Literatura. Sendo a transversalidade uma dimensão fundamental do saber filosófico, ele também se pergunta pelas relações cognitivas de caráter estético, entendendo deste mesmo campo fazer parte a Literatura.

Quanto à Literatura ou às Literaturas, o autor explicita o que é próprio desta Arte, exemplificando com os romances, os contos, as crônicas e outras manifestações do gênero de que vai se ocupar, especialmente no que concerne  à Literatura Brasileira, por meio da qual ele trata de refletir as diversas possibilidades cognitivas oferecidas pela Literatura, cujos autores nos trazem os mais diversos olhares sobre o mundo, sobre a natureza, sobre os humanos, em breve, sobre a vida. 

O capítulo 5º em que o autor explicita as referências teóricas em que bebe, em vista de sua incursão pelo filosofar estético, constitui um dos pontos altos o seu exercício, à medida que descortina ângulos novos  da análise e da fruição estético-literária. Ao recorrer ao baú estético marxiano/ marxista, o autor logra percorrer fontes mais límpidas do filosofar estético, por diversas razões. Compreende a obra de arte como expressão de múltiplas mediações. Diferentemente de uma concepção positivista que enxerga um quadro, por exemplo, como mero produto do seu autor, nele identifica uma multiplicidade de fatores: não se trata de mero reflexo do pintor, mas expressa tanto a autoria do pintor como as relações histórico-contextuais incidentes no próprio autor.

Ao revisitar, a partir de Marx ( especialmente, os “ Manuscritos Econômico- Filosóficos “ ,de 1844, e sua  “Ideologia alemã”, escrita em co-autoria com Engels), e toda uma plêiade de filósofos marxistas, inclusive  Trotskt, Lukács e Gramsci, sem esquecer a fecunda contribuição de Adolfo Sanchez- Vasquez, o autor descortina, com grande potencial heurístico, facetas surpreendentes do filosofar estético, com incidência direta também na Literatura.

No caso de sua revisitação a Trotsky e Lukács, vai destacar o exame percuciente  de suas categorias analíticas voltadas à Arte em geral, e à Literatura em particular, de modo a ressaltar, com brilhantismo, o caráter inovador de sua contribuição, à medida que conseguem superar as concepções até então dominantes de Arte e Literatura, ao perceberem a complexidade de mundivisões  nelas constantes. A grande contribuição marxista, no que concerne à reflexão antropo-filosófica do campo estético, reside em sua capacidade criativa e problematizadora, de modo a trazerem à tona as contradições e o caráter ambíguo da produção estética.  


Sempre teoricamente bem embasado nas dinâmicas relações Filosofia- História – Literatura, o autor, ao enfrentar a questão de gêneros literários, começa por apresentar (duas ou mais) concepções de Romance, passando, em seguida, a historicizar e caracterizar cada um desses gêneros. De fato, o surgimento do Romance, embora tendo raízes medievais, se realiza , na modernidade, como expressão do desenvolvimento  das relações industriais capitalistas , sobretudo a partir do século XVIII. Neste período, os textos literários compreendidos como Romance expressavam as marcas do ideário de uma sociedade marcada pelas contradições e ambiguidades que seus autores transpareciam em seus escritos, inspirados em narrativas exóticas, a revelarem situações e comportamentos normóticos, prisioneiros  da ideologia dominante.

Em contraposição a este formato de Romance, emergem figuras de romancistas dotadas de grande inventividade, a intuírem e a exercitarem um novo modo de fazer Romance, desta vez com enorme liberdade de criação, em razão do que preferem expressar sua rebeldia por meio de narradores dispostos a revelar sua própria trajetória, livres de amarras pré-determinadas. Desta segunda concepção de Romance fazem parte autores como Dostoievski, Balzac e, sobretudo, Walter Benjamin, a demonstrar a inventividade da corrente literária marxista, interpretando-os como profundos humanistas, isto é, conhecedores perspicazes da condição humana, seja nas atitudes éticas mais elevadas, seja nas piores misérias, de modo a nos fazerem lembrar o conhecido pensamento de Terêncio, poeta latino: “Homosum et nihil  humani a ne alienum puto” ( “sou um ser humano e nada do que é humano me causa estranheza”).                    


Páginas antológicas, escreve o autor, ao incursionar pela literatura produzida por autores com Albert Camus e João Paul Sartre, um filosofar profundamente marcado pelo que-fazer literário, a partir de um horizonte existencialista. Cada um ao seu modo, ambos apresentam uma reflexão literária problematizadora do existir. Neles, a condição humana é tematizada com profundidade  e amplitude. Neles, a existência é tematizada, em suas mais recônditas manifestações, desde o cotidiano como palco de experiências e aprendizados, em que se mesclam afetos, sentimentos, absurdidades, revolta, negação, esforço de superação. Seja no caso de Camus, em vários de seus livros, inclusive, “ O Homem Revoltado”, seja no caso de Sartre, em diversas de suas obras literárias e mais explicitamente filosóficas, a exemplo de “A Crítica da Razão Dialética” , cujo prefácio ( “questão de método”) acabou tornando-se igualmente famoso pela sua acuidade crítica.

À semelhança do que faz em relação a Camus e a Sartre, recolhendo o melhor da contribuição existencialista para a produção literária , o autor também aponta a contribuição de filósofos franceses tais como Deleuze e Derrida .

Após uma sólida fundamentação - com profundidade  e amplitude - do que-fazer literário , em geral, Marcelo Bezerra Oliveira passa a fazer uma detida incursão filosófica pela literatura brasileira, a começar pela influência barroca presente em nossos primeiros escritores, observando que se tratou de um período relativamente longo ( em torno de dois séculos) de nossa literatura e nomeando uma lista considerável de seus representantes. O autor ainda ressalta os principais traços do barroco, nomeadamente sua tendência ao uso de metáforas e linguagem hermética.

Após contextualizar, de forma minuciosa  e erudita, como lhe é de praxe, as origens e as características antropo-filosóficos das correntes Naturalismo/ Realismo, o autor relata e analisa , com acuidade, as marcas e as afinidades dessas Correntes de nossa Literatura. Faz questão de realçar suas ambiguidades e numerosas nuanças, de modo a prevenir a leitoras e leitores desavisados da complexidade destas formas literárias e seus respectivos autores. Dentre seus principais representantes, enfatiza figuras como a de Manuel Antônio de Almeida e, com mais ênfase, Machado de Assis.


Prosseguindo em sua refinada leitura filosófica de nossa Literatura, Marcelo Bezerra Oliveira cuida de ressaltar as mais destacadas figuras do Naturalismo / Realismo, tais como Domingos Olímpio ( Luzia-Homem ), integrante da conhecida Escola de  Recife, ( da qual também fizeram parte castro Alves e Tobias Barreto, entre outros), Manuel Oliveira Paiva ( Guidinha do Poço ), Manuel Antônio de Almeida ( Memórias de um Sargento de Milícias ), Aluízio de Azevedo ( O Cortiço ), chama atenção do leitor, da leitora a acuidade analítica do autor, ao ressaltar a relevância temática trabalhada por estes autores, ora enfatizando a dimensão homoafetiva presente nas temáticas desenvolvidas por Domingos Olímpio e Manuel Oliveira Paiva, ora trazendo à luz a  de classe social manifesta por Manuel Antônio de Almeida e Aluízio Azevedo, sempre demonstrando uma refinada  sensibilidade. 

Ainda nesta toada, o autor, ao revisitar Rodolfo Teófilo ( especialmente em sua obra A fome ) e Adolfo Caminha (notadamente em seu texto Bom Crioulo), ressalta traços semelhantes no tocante à dimensão da homossexualidade presente em suas personagens, ao mesmo tempo em que enfatiza seu potencial perceptivo das múltiplas relações (antropológicas, psicológicas, sociológicas, todas mediadas pelo pensar filosófico.

É- no entanto- e a justo título! a Machado de Assis que o autor dedica dezenas de páginas (em torno de 40). Com efeito, seja pela vastidão de seus escritos – poesia, romance, contos, crônicas...), seja sobretudo pela complexidade dos temas de sua preferência, é plenamente compreensível que o autor nele se tenha detido mais demoradamente de forma percuciente, pondo-se a analisar os escritos machadianos, de forma crítica e heurística, sempre atento a sua cosmovisão da condição humana, em suas contradições e ambiguidades, em suas luzes e sombras, destacando , ao mesmo tempo, seus intertextos e metatextos  perante  grandes escritores da literatura ocidental, a exemplo de B. Pascal, de Schopenhauer, entre tantos .

Digna de nota, em relação a sua análise sobre os escritos de Machado de Assis e de outros, é a capacidade que o autor exibe de identificar aspectos mais recônditos, extraindo valores de alto teor antropofilosófico, exercitando assim a excelência de sua “transcognitividade”, à medida que, qual tecelão de palavras, é capaz de revelar elementos quase invisíveis presentes na obra literária desses autores, ao exercitar uma costura erudita explorando as interfaces ora mais diretamente da Filosofia, ora da Crítica Literária, ora da Análise Sociológica, ora da Psicanálise, entre outros campos de saberes.

Isto sucede também no caso de Graça Aranha, outro personagem ilustre da Escola de Recife. O autor, uma vez mais, logra identificar elementos preciosos da obra de Graça Aranha, especialmente de seu “Canaã”, ao ressaltar a imensa sensibilidade  cósmica, deste ilustre maranhense,  em sua  contemplação da natureza, quase franciscana, ao mesmo tempo em que consegue trazer à tona sua acuidade na percepção das contradições e do drama social do contexto colonialista/ escravista  subjacente nas primeiras décadas do século XX ( e ainda hoje...).  


Ao imergir na densa obra de Euclides da Cunha, destacando especialmente a refinada expressão estética/ ética de os sertões, o autor consegue reunir elementos mais expressivos  do legado desta figura. Embasado em análises de reconhecidos críticos literários, historiadores da Literatura Brasileira e outros pensadores, Marcelo Bezerra Oliveira traz à tona os mais diversos traços da obra Euclidiana. Enfatiza sua múltipla formação intelectual – de engenheiro, de poeta, de cientista, exercitando diversos saberes ( da Geografia à Antropologia; da História a Zoobotânica; da Solidez Linguística e de Estilo Literário à Sociologia; da Antropogeografia ao Positivismo (comteano/ spenceriano...), o autor descortina um vasto leque de traços euclidianos, partindo de sua refinada qualidade de observador, destacando suas múltiplas e contraditórias formas de analisar, correspondendo também as múltiplas fontes em que bebeu, para relatar , em três grandes partes ( A Terra, O Homem e A Luta), sempre de forma profundamente poética, o genocídio contra a comunidade de Canudos, cometida pelo Exército Brasileiro. Cumpre, em breve, anotar que, tomando certa distância de avaliações unilaterais sobre o autor, Marcelo B. Oliveira, sempre bem fundamentado, tem o cuidado de exaltar as grandes qualidades de Euclides, sem ignorar-lhe os limites positivistas. 

 

Com reconhecida argúcia interpretativa, Marcelo B. Oliveira  se aventura, qual Teseu a enfrentar o Minotauro no labirinto de  Knossos, munido do fio do novelo de Ariadne, a percorrer o labirinto de Grande Sertões: Veredas, obra- prima de João Guimarães Rosas. Com mérito, o autor, sempre priorizando os traços filosóficos de sua leitura, exercita uma admirável transcognitividade no ato de ler, razão pela qual consegue haurir o fundamental da trama genialmente tecida por João Guimarães Rosas. Com efeito, a notória complexidade do texto roseano desafia leitores e leitoras a todo tempo, sob múltiplos aspectos, pois em Grandes Sertão Veredas, encontramos um emaranhado de neologismos, em busca de decifrar o enigma humano. Nele, encontramos: alegorias, mitopoéticas, sabedoria experiencial, aporias, aforismos, paradoxos , ambiguidades, eloquentes silêncios  e outros mais, todos exercitados à procura do sentido da vida, do ser humano, das veredas do Grande Sertão, nelas fazendo sobressair o mistério, o inacabamento, o ser não sendo e o não sendo como expressão do ser.

Convincente, portanto, a forma como o autor sintetiza sua leitura de Grande Sertão Veredas, ao afirmar: “razão mítica, razão passiva ou destino, razão dualista e memória subjetiva do passado-passado presentificado”.

No que toca à rica e envolvente produção literária de Lima Barreto, Marcelo B. Oliveira, sem perder a qualidade de seu talento interpretativo, faz uma brilhante imersão pelo complexo universo artístico-literário de Lima Barreto. Tendo presentes os condicionamentos histórico-culturais do mundo de então, o autor passa a perscrutar as tramas psicossociais de Lima Barreto e de suas múltiplas personagens, em muitas das quais ele se inspira como em uma narrativa auto-biográfica. Como sempre lembra o autor, seu interesse central, antes de uma análise literária ou de uma história da literatura brasileira, centra-se na perspectiva antropofilosófica apresentada por Lima Barreto, fazendo-lhe justiça, ao reconhecer sua genialidade artístico-literária, impregnada de expressões de protesto contra as injustiças sociais, os preconceitos classistas e raciais, descritos de forma impactante, refletindo nas personagens vítimas dessas injustiças, sua própria trajetória existencial, fazendo aí presente a “razão rebeliativa” de que fala Marcelo B. Oliveira.


Dando sequência a sua leitura antropofilosófica de nossa literatura, o autor traz à  tona o “dramance”da terra e da gente nordestinas, mergulhando em seu universo ora mítico-religioso, ora fatalista, ora de tom denunciativo (frequentemente sem perspectiva anunciadora), de modo que o conjunto de personagens desta rede de “dramance” aparecem como destituídas dos meios necessários ao seu processo de humanização. Nesta perspectiva, segue o autor a perfilar diferentes autores, especialmente do “dramance nordestino”, tais como José Américo de Almeida ( A Bagaceira), Raquel de Queiroz  ( O Quinze, João Miguel, Caminho de Pedras), Amando  Fontes (“Corumbas”), Graciliano Ramos (, Angústia, São Bernado e Vidas Secas), José Lins do Rego (  Menino de Engenho, Doidinho ),Jorge Amado em sua vasta obra,  Gilberto Freire ( Casa Grande e Senzala)  , Francisco Julião, entre outros. Importa assinalar que o autor também contempla, com  seu olhar filosófico autores do “dramance” regionalista fora do nordeste, a exemplo de Mário de Andrade.

          No caso específico Amando Fontes e de Guimarães Rosa, Marcelo Bezerra  Oliveira  logra uma incursão antropofilosófica de grande alcance interpretativo, à medida que identifica e analisa traços biopsicossociais da personalidade de seus personagens, interpretando-os como manifestações ora de uma angústia existencial, ora mergulhados em um sentimento de absurdo diante de suas condições histórico-culturais e sociológicas, finalizando os piores traços do modo de produção capitalista, seja no âmbito rural, seja no ambiente urbano, sempre a denunciar o processo de desumanização ao qual aqueles personagens estavam submetidos. 


Nestor Duarte , Francisco Julião, Jorge Amado, José Lins do Rego e outros também constituem  alvo de exame filosófico por parte do autor. No caso de Nestor Duarte, ele destaca, para fins de análise antropofilosófica, seu “Gado humano”, enquanto de Francisco Julião toma como objeto de estudo seu “ Irmão juazeiro”. Quanto a jorge Amado, o autor elege como objeto de sua reflexão : Capitães de Areia, Cacau e Seara Vermelha, enquanto de José Lins do Rego, ele destaca  Menino de Engenho. Nestes e nos demais, Marcelo Bezerra Oliveira realça uma característica comum: a subjetividade coletiva presente na obra literária desses autores. Neles, prevalece uma narrativa “em seus dramances”, de uma tendência a captarem a forma como seus personagens se põem diante dos desafios enfrentados pela gente nordestina, de modo a trazerem presentes elementos literários que apontam a conflitividade das relações sociais hegemônicas em uma sociedade marcada por uma estrutura social profundamente piramidal, na qual os trabalhadores do campo e da cidade são tratados como gado ou mão de obra semi escrava, em que prepondera a força dos latifundiários e de um patronado violento, herdeiro da Casa Grande.


Atendo-se mais diretamente a elementos filosóficos presentes nas principais obras de José Lins do Rego (“ Menino de Engenho”, “Doidinho” , “Fogo Morto“), o autor, fundamentado em sua razão dialética,  como de hábito, empenha-se em trazer à tona crenças, valores dominantes nos diversos personagens dessas obras, de modo a realçar o que de comum nelas encontra: sentimento de impotência ante o fatalismo, o determinismo do destino, levando as personagens ao conformismo, à aceitação passiva da dor, do sofrimento, da angústia, da falta de sentido da vida. Em seu olhar antropofilosófico, o autor não deixa de expressar, como gesto solidário, seu lamento pelas condições opressivas de uma sociedade escravagista, que não permitia aos personagens uma atitude rebeliativa diante daquela estrutura.

Osvaldo de Andrade merece um capítulo à parte na obra de Marcelo Bezerra Oliveira e a justo título! Com efeito, aquele autor que se destaca desde sua reconhecida participação na semana de arte moderna de 1922, em sua antropofagia cultural, inova com relação à tendência dominante, pelo menos em parte dos escritos literários da época, diante da tendência de reprodução de valores eurocêntricos, em vez de se inspirarem com autonomia, nos valores de nossa gente.

Já havendo contemplado, em seu olhar filosófico, o protagonismo feminino de Raquel de Queiroz, eis que Marcelo Bezerra Oliveira nos brinda, em sua incursão antropofilosófica, com a prosa-poética de Clarice Lispector, da qual  analisa as principais obras, de modo a ressaltar a singularidade estética desta autora que ora se aproxima de uma cosmovisão existencialista, ora surpreende com personagens e situações particularmente clariceanas, de difícil enquadramento classificatório. Clarice Lispector, em sua vasta produção estético-literária, expressa as contradições e os traços mais recônditos da condição humana, em um misto de imanência – transcendência , de silenciamento - eloquência  de glória e de miséria do tudo e do nada da condição humana.


Reiteramos a sólida fundamentação teórico- conceitual a que recorre o autor, em sua incursão analítica da Literatura Brasileira. De fato, graças ao persistente recurso inter / transdisciplinar, ora fazendo apelo à filosofia, ora à Antropologia , ora à História, ora à Sociologia, ora à Ciência Política de inspiração marxiana/ marxista, ora à Crítica Literária, ora à Psicanálise, ora à Razão Mítico- Religiosa, Marcelo Bezerra Oliveira  se mostra amplamente municiado a percorrer o labirinto de situações-limite que circundam as inúmeras personagens de vários gêneros literários que analisa com acuidade. É por conta desta rede teórico -conceitual, que o autor consegue desvendar ou suspeitar a presença de situações-limite existenciais apenas insinuadas ou levemente enunciadas. Situações-limite  que aparecem nos relatos especialmente de romances de numerosos autores e autoras da Literatura Brasileira, acerca de uma grande diversidade temática, especialmente no que se refere à homoafetividade  e à situação paradoxal razão- loucura . Vale assinalar o reconhecimento explicitado pelo autor com relação aos avanços científicos e a conscientização da sociedade mais recentes sobre situações-limite hoje relatadas, inclusive no âmbito da Literatura.              

 

Primoroso é o capítulo que o autor dedica à análise filosófica da fome, tema amplamente presente em tantos autores e autoras de nossa Literatura Brasileira. Percorrendo seus principais romances e personagens, Marcelo B. Oliveira desvela, com acuidade, uma variedade de situações-limite a envolverem uma multiplicidade de personagens, para exercitar uma refinada crítica filosófica sobre o fenômeno da fome, em sua dimensão sociológica, recorrendo como referência interpretativa filósofos de amplo reconhecimento, especialmente inspirando-se em karl Marx. A partir deste sólido referencial teórico, o autor nos brinda com uma reflexão repleta de argumentos convincentes. Para tanto, não exita em ilustrar com passagens tocantes o sentir, o pensar e o agir de figuras de destaque de nossa Literatura, inclusive fazendo questão de citar Carolina Maria de Jesus, em seu depoimento impactante sobre o sentido da fome.

Sobre Castro Alves, o autor nos oferece uma apreciação de profundo alcance filosófico, ao enfatizar relevantes  valores da poética de Castro Alves, do qual destaca, além de uma rara sensibilidade dos mais altos valores humanos também seu compromisso político com a libertação dos africanos escravizados. Sempre combinando denúncia -anúncio e participação nas manifestações contra a escravidão.    

Impacta-nos  sobremaneira a profundidade filosófica com que o autor imerge no universo poético de Cecília Meireles- sobre quem dedica cerca  de vinte e cinco páginas -, haurindo preciosos elementos que  torna matéria-prima de sua análise filosófica. É facilmente perceptível o encanto com que Marcelo B. Oliveira saboreia cada elemento estético presente na vastíssima obra de Cecília Meireles, atendo-se mais detidamente a seu “Romanceiro da Inconfidência”, sem negligenciar outros escritos seus. Em sua incursão analítica, destaca a Liberdade como a força motriz dos escritos cecilianos, razão por que ressalta seu horizonte filosófico-existencial.

Ao identificar e analisar as principais palavras geradoras de seu universo vocabular, o autor não exita em avaliar sua obra, situando-a /comparando-a com os  mais reverenciados escritores, a exemplo de Castro Alves, Machado de Assis, Euclides da Cunha, Clarice Lispector, Mário de Andrade, entre outros .


O penúltimo capítulo do livro propõe-se a avaliar criticamente as produções literárias do atual contexto brasileiro. O autor se mostra convencido da tendência hegemônica da atualidade literária, fortemente impactada pela ideologia da pós modernidade, influenciada pelos valores do Mercado capitalista impulsionadas pelos ventos liberais, as produções literárias da atualidade, salvo exceções, se acham impregnadas de excentricidade, da ideologia da auto-ajuda e valores semelhantes, a contrastarem com a profundidade das produções literárias de autores e autoras que o autor analisa detidamente.

Neste sentido, Marcelo B. Oliveira faz questão de ressaltar os valores estético-literários presentes, também e principalmente, em diversas autoras de nossa produção literária, tais como Maria Firmina dos Reis, Clarice Lispector, Cecilia Meireles, Conceição Tavares, Carolina Maria de Jesus, entre outras, sempre acentuando a relevância da cotidianidade como fonte principal de sua literatura sentinte.

Em suas notas inconclusivas (“ Inconclusões”), Marcelo B. Oliveira  ressalta o lugar da complexidade dos valores que inspiram a produção literária brasileira. Com efeito, o exercício do filosofar enfrenta múltiplas situações-limite vivenciadas por dezenas, centenas de personagens que protagonizam nossos romances, nossos contos, nossas crônicas e nossa Poesia, de modo a mostrar a necessidade de um profundo mergulho por nessas águas literárias, como condição necessária ao filósofo, à filósofa, para uma percepção aguda a ser exercitada no observar, no ver, no sentir, no apreender os elementos mais recônditos que tecem a trama das experiências existenciais de autores, de autoras e respectivas personagens, de suas produções estético-literárias.

Sem negar a pluralidade de fontes em que bebe o autor, em suas incursões antropo-filosóficas, não se pode negar a influência dominante de seu olhar histórico-dialético como procedimento mais forte de sua percepção. 

Estamos diante de uma obra rara, com traços de pioneirismo, na leitura filosófica de textos literários produzidos no Brasil e alhures.


*Em razão da avançada deficiência visual do autor deste texto, coube a Águeda Ferreira Calado, minha irmã, uma tríplice tarefa: a de ler para mim, por telefone, a íntegra do livro; a digitação, após cada capítulo, dos comentários que eu lhe ditava; a revisão do texto. Eis por que lhe expresso, de público, meu reconhecimento e minha gratidão.



                               João pessoa, 17 de setembro de 2023 


 






 


 


segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Karl Marx, na perspectiva do movimento de Jesus: aproximações.

 Karl Marx, na perspectiva do movimento de Jesus: aproximações.*


Alder Júlio Ferreira Calado


Antes de mais nada, exponha-nos, precisamente hoje, para fazer memória do trágico 11 de Setembro de 1973, quando se instalou, no Chile,  a sanguinária Ditadura Militar encabeçada pelo monstruoso General Pinochet. Um pavoroso “Rumor de botas“ ( Eder Sader) rondava o Colisor. Não bastasse a Ditadura Civil Militar instalada no Brasil em 1964, desde então, esse regime de terror foi expandindo-se pelo Uruguai, pelo Chile e pela Argentina.


Exercitar a memória destas ocorrências é tarefa de todo dia, para quem não deseja sua reincidência. Atando-nos, agora, ao tema proposto, ouso confessar, que desde os meus 18 anos, duas fontes me inspiram a fé: O Cristianismo da Libertação e a Teologia da Libertação. Graças a JOC, de cujas reuniões participei, em 1968, em Santa Maria-RS, ano em que também comecei a ler a Revista Ponto Homem, na qual lia avidamente os artigos de Hugo Assimann, ate hoje, essas duas fontes me tem alimentado a fé no Movimento de Jesus. 

          

Ainda que alternando épocas sombrias e períodos de certas tolerâncias, figuras como Marx seguem sendo nomes proibidos, proscritos ou pouco conhecidos. A este propósito o mais recente livro publicado por Michael Löwy, ”Marx esse desconhecido”, lança luz sobre questões de que se ocupavam Marx e Engels, tematizando sobre questões tais como a força transformadora do Cristianismo Primitivo (Seara mais específica de Engels), os efeitos pernósticos do Patriarcado sobre a condição feminina, o impacto deletério do capitalismo sobre o Planeta, além de refletir sobre traços do Romantismo revolucionário encontrados na obra de Marx e Engels. Estes tópicos correspondem à primeira parte do livro (“As explorações”), enquanto na segunda parte (“As revoluções”), o autor apresenta diversos desdobramentos dos processos revolucionários, desde 1844-1848, 1871 até os processos revolucionários do século XX. O próprio Jesus, na visão de tantos, segue, também ele, sendo desconhecido, principalmente no tocante às suas propostas revolucionárias. 


Nas linhas que seguem, tratamos de forma abreviada, de trazer elementos de reflexão acerca de como, na perspectiva do movimento de Jesus, a figura de Marx pode ser entendida, não como um inimigo, mas como alguém cuja trajetória de vida repercute, direta e indiretamente, vários aspectos em consonância com a proposta do movimento de Jesus. Insistimos em que nos limitamos a tangenciar a questão em tela. De início, trazemos breves considerações sobre a trajetória existencial e bibliográfica de Karl Marx. Em seguida, tangenciamos, em breves linhas, aspectos fundamentais do movimento de Jesus. Neste terceiro momento, tratamos de destacar diversas atividades acerca dessas questões.


Traços biobibliográficos de Karl Marx


Karl Marx nasceu em Tréveris (Alemanha), 1818, de uma família de classe média, sendo o pai, um advogado e a mãe exercendo atividades domésticas. Em decorrência do clima pouco simpático aos judeus, reinante na Alemanha da época, seu pai teve que converter-se à religião cristã (igreja luterana), para exercer sua profissão, sem maiores problemas.

O jovem Karl mostrava-se inquieto, um espírito aventureiro, em busca do seu caminho. Consta que, na conclusão do seu ensino médio, seu professor lhe pediu uma redação sobre o que ele entendia como sendo os objetivos maiores para a escolha de uma profissão. O jovem Marx escreveu como objetivos motivadores: escolher uma profissão pela qual ele conseguisse fazer mais felizes as pessoas, ao mesmo tempo em que reconhecia os entraves circunstâncias para levar a bom termo tal escolha.

Aos 17 anos, foi estudar na Universidade de Bonn, optando pelo curso de direito, posteriormente preferindo enfrentar o desafio da filosofia, ao mesmo tempo, não tardou a tomar parte de um grupo de outros jovens apreciadores de Hegel, a ilustre figura de maior referência da época. Com eles, Marx compunha o grupo da esquerda Hegeliana. Não obstante, suas críticas acerca dos escritos de Hegel, Marx e seus colegas sempre demonstraram muito respeito pelo mestre, do qual muitas propostas acolheu para a construção processual do seu arcabouço teórico.

Não foi na universidade de Bonn, nem na de Berlim, para a qual se transferiu, que Marx concluiu seus estudos. Foi na Universidade de Iena que ele apresentou sua tese de doutorado, com o título 'Diferenças entre a filosofia da natureza de Demócrito e Epicuro' (1841).


Marx casou com Jenny von Westphalen (em 1841), experienciando uma longa paixão da qual resultaram 7 filhos. Tendo-se preparado para exercer o magistério universitário, com o apoio de Bruno Bauer (de quem chegou a seguir um curso optativo sobre o Cristianismo), e tendo frustrada esta aspiração pela demissão de Bruno Bauer de seu cargo universitário, Marx decide exercer o Jornalismo, primeiro como colaborador e depois como Redator da “Gazeta Renana”, cargo que lhe permitiu publicar diversos artigos, até que, por conta de suas ideias progressistas, acabou tendo que deixar a redação deste jornal. No período seguinte, foi residir em Paris por alguns anos, época em que se aproximou mais diretamente do movimento operário e de intelectuais de Esquerda, ao mesmo tempo em que elaborou inclusive seus “Manuscritos Econômico-filosóficos de 1844”, texto considerado como uma referência do jovem Marx, por introduzir conceitos relevantes bem como uma análise perspicaz dos mecanismos de dominação e exploração aos quais o Capitalismo submete os trabalhadores e trabalhadoras, de modo a produzir neles uma alienação, um estranhamento do trabalho que realizam, já não mais se reconhecendo como verdadeiros autores do seu próprio trabalho. Ainda nos “Manuscritos”, Marx denuncia os mecanismos desumanizantes sob os quais viviam os trabalhadores precarizados, a tal ponto que eram destituídos das condições mínimas de fruir as belezas da natureza e das artes.


Foi também durante este tempo em Paris que Marx estabeleceu uma sólida parceria com o amigo Friedrich Engels, de quem recebeu, por meio de um denso artigo produzido por Engels intitulado “Esboço para Crítica da Economia Política”, uma contribuição fundamental para o entendimento mais agudo do sistema capitalista. Chega-se a dizer que, não tendo nascido “Marxista”, Marx aí começa a sê-lo, ainda que predomina então sua concepção filosófica-crítica ao Capitalismo.


A parceria Marx-Engels se mostraria fecunda por diversas vezes. Já em 1845, os dois amigos elaboram conjuntamente (ainda que a maior parte da obra tenha sido de autoria de Marx) o livro “A Ideologia Alemã”, que trata de desvelar os verdadeiros elementos do modo de sentir, de pensar e de agir da classe dominante Alemã da época, ao mesmo tempo em que sinalizam os meios de superação desta ideologia, ao indicarem a necessidade da construção de uma sociedade comunista. Neste mesmo livro, consta uma peça relevante de autoria de Marx. Trata-se de uma página encontrada em seus materiais, onde constava uma espécie de rascunho com 11 proposições dirigidas ao filósofo Feuerbach, com o objetivo de tecer críticas às posições materialistas daquele filósofo. Delas, aqui destacamos duas: a Tese 2 sustenta que não é o discurso, mas a prática, o critério da verdade; a Tese 11, por sua vez, afirma que, até hoje, os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras, mas trata-se de transformá-lo.


A parceria com Engels segue presente na elaboração de outros textos, a exemplo de “A Sagrada Família”, em que se faz a crítica às concepções sustentadas por Bruno Bauer. Por outro lado, “A Miséria da Filosofia” corresponde a outra crítica formulada por Marx às ideias defendidas por Pierre Joseph Proudhon, autor de “Sistema das contradições econômicas ou Filosofia da Miséria”, na qual reflete, sob a ótica do Socialismo Utópico, as condições socioeconômicas vividas pela maioria da população, obra que, publicada em 1846, teve considerável repercussão no meio operário.


Em 1848, a parceria Marx/Engels foi retomada, desta vez como resposta aos anseios de uma Assembleia de Trabalhadores, delegando a Marx e Engels a tarefa de redigir as decisões coletivamente tomadas por aquela Assembleia, o que resultou na publicação do 'Manifesto Comunista', obra de destaque do legado marxiano.


O período conhecido como de maturidade de Marx implicou em seu profundo empenho investigativo sobre a estrutura e o funcionamento do modo de produção capitalista. São deste período, por exemplo, livros como “O 18 de Brumário de Luís Bonaparte”,”Contribuição à Crítica Economia Política” (1859), os “Grundrisses”, “O Capital' (1867)”, “Crítica ao Programa de Gotha”, entre outros.


Marx, como poucos militantes, empenhou-se profundamente em aliar seu esforço investigativo a sua participação no acompanhamento diuturno das lutas operárias do seu tempo, como o fez em relação à comuna de Paris, sobre a qual escreveu uma perspicaz análise dos fatos e das lutas, nos textos depois reunidos na publicação (1871) de “Guerra civil na França”.


A vida e a obra de Marx constituem um precioso legado, pela força do seu testemunho profético e de sua mística revolucionária, com que se dedica a combater, pela raiz, as diversas formas de opressão, exploração e de marginalização, inclusive por meio do desmascaramento de suas formas ideológicas e religiosas. Neste sentido, como afirma Enrique Dussel, em seu livro "As metáforas teológicas de Karl Marx", que se fazem presentes na obra do jovem Marx, como também em sua maturidade, tal como se pode observar em 'O Capital'. A este propósito, vale evocar o episódio da morte de seu filhinho Edgar, em grande parte decorrente da vida econômica precária da família, por força da qual teria reagido, mal dizendo o deus Moloch, ao qual o Capital teria oferecido em sacrifício seu filho.


Do ponto de vista específico da religião, Marx, especialmente, mas não exclusivamente, se ocupou na conhecida análise crítica que faz da Filosofia de Direito de Hegel, quando argumenta que a religião é objeto da Antropologia, negando-se a entendê-la fenômeno sobrenatural. Entende a religião como uma dupla manifestação: primeiro, como desempenhando a função de um suspiro dos oprimidos, uma espécie de ópio que acalenta a carga sobre-humana de um mundo sem coração a oprimir os desvalidos;ao mesmo tempo, reconhece a religião em seu protesto contra a ordem desumana a qual os seres humanos se acham submetidos, especialmente os explorados e oprimidos. Mesmo em sua maturidade intelectual, Marx não silencia de todo sobre as manifestações religiosas, inclusive em “ O Capital ”, no qual também aparecem alusões ao fenômeno religioso, por meio do uso de metáforas, como atesta o já mencionado estudo desenvolvido por Enrique Dussel.


 Bem mais  do que Marx, Engels se mostrava tocado pelo fenômeno religioso, tal como o manifestou na apreciação da ação protagonizada pela figura do teólogo Thomas Müssem, líder revolucionário da Guerra Camponesa Alemã.

Karl Kautsky, ainda mais do que seu amigo Engels, empenhou-se em uma profunda  pesquisa _ seu famoso livro “ A Origem do Cristianismo “ tem mais de 500 páginas _ dedicou-se a investigar, desde o perfil de seu fundador, relevantes traços comuns entre as práticas das comunidades cristãs primitivas e os comunistas modernos.


Outra figura de relevo na trajetória dos revolucionários marxistas, foi Rosa Luxemburgo, cujo o livro “ O Socialismo e as Igrejas: o comunismo dos primeiros cristãos “ emerge como uma relevante investigação acerca das profundas marcas comuns apresentadas pelo comunismo primitivo dos cristãos neste livro, Rosa Luxemburgo começa por constatar a posição hostil da imensa maioria do clero contra os trabalhadores que buscavam resistir às diversas formas de exploração e de dominação de que eram vítimas. Denunciar as graves contradições cometidas pelo clero: em vez de ser fiel aos ensinamentos do evangelho, dos apóstolos e das primitivas comunidades cristãs, conforme inclusive o pensamento de teólogos como João Crisóstomo, preferindo romper com a Tradição de jesus e aliar-se a classe dominante.


Nesta toada Rosa Luxemburgo, já em 1908 faz lembrar a profética atuação da Teologia da Libertação, iniciada na América Latina, após os anos 1970. Na esteira deste clássicos marxistas, importa incluir outras figuras, tais como Gramsci, Ernst Bloch e, mais recentemente, Michael Lowy.    


                  


Principais marcas do movimento de Jesus


Entre os diversos autores que se têm dedicado ao exame da Tradição de Jesus, entendendo-a como um movimento, está o teólogo-sociólogo Alemão Gerd Theissen. De seus escritos e pesquisas sobre o tema, destaca-se o livro 'O Movimento de Jesus: A história social de uma revolução'. Nele, Theissen empenha-se em recuperar o contexto histórico, os fatos, gestos e palavras de Jesus, com base em vasta bibliografia, de modo a sublinhar uma verdadeira revolução de valores, protagonizada pelo movimento de Jesus.


Com efeito, tal e o impacto provocado pela saga do Movimento de jesus,ao longo da história,que não raramente se avalia o legado de jesus como o de um revolucionário, ainda que com características diversas do perfil convencional de um mero rebelde ou de um protagonista de uma revolução entendida apenas como mera tomada do poder. Nesta perspectiva, vale conferir o conhecido trabalho de Martin Hengel,” Foi Jesus um Revolucionário?


Nascido Judeu e formado em sua cultura sócio-religiosa jesus expressa diversos traços desta cultura, ao mesmo tempo em que manifesta frequente  oposição aos valores dominante da época tendo frequentado, como tantos jovens de sua geração,a sinagoga, jesus assimilou valores fundamentais do antigo Testamento, em especial os ensinamentos dos profetas, haja vista a leitura do profeta Isaías ( Is 4, 15-19) que ele leu, na sinagoga. De fato, o legado profético se faz presente de tal modo na vida de Jesus que seus contemporâneos costumavam vê-lo como um profeta ou alguém semelhante (São citados, por exemplo, Moisés, Elias, Jeremias).


Jesus é percebido e interpretado pelos seus contemporâneos como um profeta ,a exemplo de Elias e Jeremias. Com efeito, as atitudes corriqueiras de jesus, em suas andanças pelas aldeias da Galileia, comportam profundas semelhanças com os profetas do Antigo Testamento. A forma como o Antigo Testamento situa o profeta Isaías e o profeta Jeremias, por exemplo, especialmente no que se refere a sua vocação, apresenta traços fortes como anúncio do reino de Deus feito e testemunhado por Jesus.


Não é por acaso a passagem do profeta Isaías lida por jesus, na sinagoga:de fato,oque está escrito no Evangelho de Lucas (Lc 4,15-19). Constitui o reavivamento da mesma passagem de Isaías, capítulo 61, que Jesus assume literalmente como seu programa missionário.  

  

Os demais profetas do Antigo Testamento - a exemplo de Amós, Miquéias, Oséias Habacuc, Joel, entre outros - apresentam igualmente traços semelhantes ao que Jesus anunciava. Nestes escritos proféticos, constatamos um grande número de episódios de teor acusatório contra os opressores dos pobres, contra os falsos pastores, contra toda sorte de injustiça praticada contra “os de baixo”, ao mesmo tempo tais escritos constituíam um testemunho vigoroso do projeto de Deus em favor de mundo sem opressores e sem oprimidos, sem exploradores e sem explorados. Dentre tantas passagens, aqui destacamos algumas.


“O Espírito do senhor Iahweh está sobre mim, porque Iahweh me ungiu; enviou-me a anunciar a boa nova aos pobres a curar os quebrantados de coração e proclamar a liberdade aos cativos, a libertação aos que estão presos, a proclamar um ano aceitável a Iahweh e um dia de vingança do nosso Deus” (Is 61,1-2), trecho lido por jesus na sinagoga. Outra passagem emblemática encontrada no Livro de Isaías acentua a força da vocação profética a liberdade: ”Dizeis aos cativos,e aqueles que encontram as trevas:vinde à luz”! (49, 9).


É ainda em Isaías, que encontramos um belo trecho que injeta esperança nos trabalhadores injustiçados: ”Eis que vou criar um novo céu e uma nova terra; e não haverá mais lembranças das coisas passadas”, ”eis que crio para jerusalém uma alegria, e para o seu povo gozo” (Is 65, 17-18). E prossegue dizendo os motivos desta alegria: vocês não plantarão mais para que apenas outros se alimentem; construirão casas e nelas habitarão…  


Por sua vez, o Livro do Profeta Jeremias, desde o seu início, quando é narrada a vocação do Profeta “Olha que hoje te constituo sobre as nações e sobre os reinos, para arrancares e derribares, para destruíres e arruinares e também para edificares e para plantares” (Cs. Jr 1, 10), mostra o compromisso com a causa libertadora dos injustiçados: “Assim diz o SENHOR: Executai o direito e a justiça e livrai o oprimido das mãos do opressor; não oprimais ao estrangeiro, nem ao órfão, nem à viúva; não façais violência, nem derrameis sangue inocente neste lugar”(Jr 22, 3).


Nesta toada, seguem os demais profetas, inclusive Joel que faz questão de despertar no povo o compromisso com a construção de uma nova sociedade: “E acontecerá, depois, que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos velhos sonharão, e vossos jovens terão visões” (Jl 2, 28).


Dando sequência ao legado dos profetas do Antigo Testamento, Jesus se mostra o profeta dos profetas, dado o caráter de sua mensagem dirigida aos opressores como denúncia e aos oprimidos como anúncio. São muitas as passagens dos Evangelhos que mostram a marca profética de Jesus, entre as quais as invectivas contra os poderosos e as bem-aventuranças dirigidas aos pobres e perseguidos pela justiça (Cf. Mt 5, 3-11). Mensagem que é reforçada por Maria, Mãe de Jesus, em seu famoso “Magnificat”: “Derrubou do trono os poderosos e exaltou os humildes". Saciou de bens os indigentes e despediu de mãos vazias os ricos” (Lc, 52-53)


Na verdade, Jesus se comportava como profeta, ao anunciar o Reino de Deus inaugura-lo, testemula-lo ao mesmo tempo em que ousava denunciar os poderosos do seu tempo,sua opressão contra os pobres, sua hipocrisia, sua arrogância, como podemos conferir em tantos trechos dos Evangelhos, inclusive o do capítulo 23 do Evangelho de Mateus, em que Jesus dirige aos escribas e doutores da lei, contundentes invectivas. Igualmente ilustrativos da atitude profética de Jesus são dois episódios: o encontro com o jovem rico e sua leitura crítica contra os ricos. No primeiro caso o jovem rico, após perguntar a Jesus  que ele devia fazer para entrar no Reino do Céus,  e após relatar a Jesus uma lista dos preceitos que observava, recebeu de Jesus uma resposta desafiadora: "só lhe falta uma coisa: vá, venda todos os seus bens e os distribua com os pobres, e depois venha e siga-me." (cf.Mt 19:21) .O Evangelho diz que o jovem ficou triste com a resposta, porque possuía muitas riquezas. Não é, por acaso - e este é o segundo episódio-, que Jesus afirma que é mais fácil um camelo entrar pelo fundo da agulha do que um rico se salvar (cf. Mt 19:24 ). 


Eis a razão pela qual a vida de Jesus traduz um forte e contínuo compromisso com a causa libertadora dos oprimidos e dos pobres. A este compromisso Ele foi fiel, até o fim. Perseguido duramente pelo poder religioso e pelo poder político, por conta de suas denúncias contra os poderosos, ele foi perseguido, preso, torturado e crucificado. Seu legado, porém, resultou vitorioso com a sua ressurreição, que injeta coragem e compromisso em seus discípulos e discípulas, através da história.


O Livro dos Atos dos Apóstolos constitui igualmente um atestado do caráter comunista das primeiras comunidades cristãs, haja vista o relato da convivência dos primeiros cristãos que tinham tudo em comum (“Omnia sunt communia”), e ninguém reclamava propriedade privada (Cf At 2, 42-44), enquanto os bens partilhados eram distribuídos a todos, conforme suas necessidades. Daí o lema comum de Cristãos e Marxistas: “De cada um, segundo suas possibilidades, para cada um, de acordo com suas necessidades”.


Os três primeiros séculos do Cristianismo dão conta da expansão da mensagem de Jesus em diversas partes da Ásia menor e do Mediteranio, com a multiplicação de comunidades animadas pelos discípulos e discípulas de Jesus, difundido uma mensagem de solidariedade e de compromisso com a causa dos pobres e marginalizados, de modo a traduzir experiências profundamente inspiradas no Seguimento de Jesus. Disto dão testemunho muitos documentos e escritos de importantes teólogos da chamada Patrística a exemplo de João Crisóstomo, de Basílio, de Gregorio Nazianzeno. De João Crisóstomo constam duras invectivas dirigidas aos ricos exploradores dos pobres: ”- Mais uma vez vocês me dizem te revoltas contras os ricos? Mais uma vez vocês estão contra os pobres! Mais uma vez ataca os que roubam? Mais uma vez vocês se colocam contra os que são espoliados! Não se fartam de devorar e engolir os pobres e eu não me canso de lançá-lhes isso em face (...) Se eu fosse pastor de ovelhas, por acaso não me acusariam de não perseguir o lobo que invadisse meu rebanho?”.


Tão ainda mais incisivo do que João Crisóstomo, foi seu amigo Basílio, em defesa dos direitos dos pobres: “Quem é avarento? Quem não se contenta com as coisas necessárias. Quem é ladrão? O que tira dos outros o que não lhe pertence. Ou por acaso você não é ladrão e não é avarento, quando se apropria do que recebeu a título de administração? É considerado ladrão o que tira a roupa de quem está vestido, e merece outro nome aquele que não veste quem está nu, se puder fazê-lo? Pertence ao faminto o pão que você retém e ao nu o manto que guarda em arcas, assim como ao que está descalço o sapato que apodrece em sua casa”.


Menos contundente do que os  precedentes, eis que  Gregório Nazianzeno segue semelhante linha profética: “Rompeu-se o que pertencia à mesma linhagem e cindiu-se numa variedade de nomes. A avareza acabou com o que havia de nobre na própria natureza, tomando, de antemão, a lei como auxiliar do poder. Mas vejo a igualdade primitiva e não a diferença posterior: não a lei do poderoso, mas a do criador”.


Tão impactante é o legado destes Teólogos da Patrísticas, que sua voz ecoou retumbante na Constituição Pastoral “ Gaudium et Spes ”, n.69: “Aquele, porém, que se encontra em extrema necessidade, tem direito de tomar, dos bens dos outros, o que necessita (11). Sendo tão numerosos os que no mundo padecem fome, o sagrado Concílio insiste com todos, indivíduos e autoridades, para que, recordados daquela palavra dos Padres - alimenta o que padece fome, porque, se o não alimentaste, mataste-o “ ( GS, n.69).


Retomando a trajetória do movimento de Jesus, após a patrística, importa ressaltar o testemunho profético de monges que, diante do crescente contra testemunho da hierarquia eclesiástica, houveram por bem abandonar os centros de poder, para manifestar seu desacordo com o descaminho que, sobretudo a partir da era Constantiniana, da Tradição de Jesus.


Sobretudo a partir do Imperador Romano Constantino, no século IV, assiste-se a uma escalada de bispos e do alto clero como membros de uma casta subordinada aos ditames do imperador, distanciando-se do convívio do povo comum, especialmente dos pobres. Isso se deu  graças a um conjunto de iniciativas e estratégias de concentração de riqueza e de poder das forças aliadas do Imperador, entre as quais a alta hierarquia eclesiástica. Com efeito, seja pela elaboração de uma teologia voltada para a legitimação do poder clerical, seja pela criação de mecanismos de auto-enriquecimento, a alta hierarquia eclesiástica foi mostrando-se protagonista de sucessivos e crescentes escândalos de enriquecimento ilícito e de luxúria, inclusive pela feroz disputa do poder temporal na qual diversos papas estiveram envolvidos.


Malgrado o contra testemunho do alto clero, durante séculos, jamais cessaram as vozes proféticas de denúncia daquela situação e de anúncio do Evangelho, semente que prosperou entre os pobres, que foram se tornando fermento na massa. A Partir do século XI, e romperam diversos movimentos populares, em denúncia contra a opulência e a luxúria do alto clero aliado aos interesses do Império Romano, ao mesmo tempo em que tais movimentos pauperistas - os Valdenses, e Albigenses, os Espirituais Franciscanos, as Beguinas e outros - se empenharam, de distintos modos, em testemunhar a Boa Nova do Reino anunciado e inaugurado por Jesus.


Inspirados em Francisco de Assis, os também chamados pobres de Lyon, trataram de testemunhar os feitos das primeiras comunidades cristãs, relatadas pelo Livro Atos dos Apóstolos, desfazendo-se de suas riquezas e compartilhando-as com os pobres, de tal modo a fazerem valer o princípio “De cada um, conforme suas possibilidades; para cada um, segundo suas necessidades“.    


Esses movimentos patrísticos que se manifestaram do século XI ao século XIV se revelam preculsores da reforma, cujo ápice se alcança com Lutero, em 1515, com a afixação de suas famosas 95 teses na porta da igreja de Wittenberg, são, por diferentes razões a antecipação da Reforma Protestantes, a medida que:

  • Denunciar profeticamente o sistema de dominação da alta hierarquia eclesiástica, em conluio como Império Romano, mergulhada que estava em numerosos escândalos de simulia e de luxúria, distanciando-se visivelmente ou mesmo traindo de-novo os grandes ensinamentos do Evangelho

  • Empenharam-se em ser fiéis aos valores fundamentais da Tradução de Jesus, que bem caracteriza as práticas das primitivas Igrejas Cristãs

  • Ousaram, enquanto leigos, anunciar publicamente o Evangelho, tarefa exclusiva do clero;

  • Em um tempo em que apenas o clero se sentia no direito de ler a Bíblia, e em latim, os movimentos dos pobres ousaram traduzir a Bíblia (ou parte dela) para as línguas vernáculas, assegurando a todos o acesso direto às Sagradas Escrituras. Outro aspecto de sua rebeldia profética tem a ver com sua disposição de pregar a Palavra de Deus em público, quando a alta hierarquia tinha esta tarefa como privilégio seu. Em consequência desta ousadia, os movimentos pauperistas foram duramente perseguidos, tendo sido alvo de cruzadas.


Outro movimento popular deste período (séculos XIII e XIV, principalmente) foi o conhecido Movimento das Beguinas, protagonizados por mulheres que, sentindo-se vocacionadas ao exercício de uma espiritualidade libertária, e não aceitando  submeter-se ao controle de Ordens Religiosas chefiadas pelo clero, e não aceitando pronunciar votos, trataram de responder a sua vocação religiosa, com autonomia, organizando-se em pequenas comunidades (ou mesmo sozinhas), dividindo o seu tempo em oração, trabalhos manuais e serviço aos necessitados do seu tempo e de sua região. Tratava-se de mulheres míticas, sábias e intelectuais de grande reconhecimento, razão por que passaram a ser também vítimas de perseguição, em grande parte, pela alta hierarquia. Dentre estas mulheres, podemos destacar as seguintes: Maria  d’Oignies (1177-1213), Hadewijch de Antuérpia (1200-1260), Mathilde de Magdebourg (1207 em  Helfta1283), Marguerite Porete (1250-1310), Teresa de Cartagena (1425-1478), Juliana de Norwich ( 1342 – 1416), Margery Kempe (1373 - 1438), Catarina de Siena (1347-1380), entre outras. As beguinas constituem uma marcante experiência de afirmação de liberdade frente ao Patriarcado, pelo que se mostram de grande inspiração ao movimento feminista.


A Reforma protestante que alcançaria  seu ápice com Martinho Lutero, em 1515, foi preparada por séculos de profecia, inclusive por movimentos como o liderado por Jan Huss e os Tabolismo, pelo Movimento Anabatista ao qual também esteve vinculado o teólogo Thomas Müntzer, que liderou a Guerra Camponesa Alemã, estudada por Engels. Mais tarde, o filósofo Alemão Ernst Bloch consagraria um estudo percuciente sobre a figura deste teólogo “Thomas Müntzer, Teólogo da Revolução“.


Nesta mesma toada profética de denúncia e de anúncio, o processo de colonização das terras e dos povos latino-americanos vai ensejar, a começar pelo episódio protagonizado pelo grupo de missionários dominicanos (entre os quais, Frei Pedro de Cordoba e Frei António de Montesinos entre outros) uma série de experiências profética, nos caminhos do Movimento de Jesus.


A Revolução Francesa a exemplo de outros processos revolucionários (A Comuna de Paris, a Revolução Russa e outras, inclusive na América Latina, vai ensejar a continuidade de duas posições políticas antagônicas: de um lado, a daqueles que, em nome do Cristianismo, se colocavam como partícipes ou colaboradores da classe dominante, e, por outro lado, a dos que se mostraram fiéis e coerentes aos ensinamentos e as práticas do Movimento de Jesus. Do lado dos seguidores do Movimento de Jesus, também no século XX e na atualidade, podemos observar um vasto conjunto de experiências protagonizadas pelos cristãos e cristãs da Libertação, no Brasil, na américa latina e em outros continentes.


Delas dão testemunho múltiplos episódios e iniciativas, entre as quais, ainda no final da primeira metade do século XX,o movimento dos Padres operários (Na França, na Bélgica, na Itália e mesmo no Brasil); O Pacto das Catacumbas como expressão do compromisso libertador assinado, pouco antes do encerramento do Concílio Vaticano II, por quarenta Bispos e alguns outros participantes da Celebração realizada na Catacumba de Santa Domitila, nos arredores de Roma, em 16 de Novembro de 1965; O movimento “Sacerdotes para o Terceiro Mundo“; a Conferência Episcopal Latina-Americana de Medellín; o IV congresso Ecumenico Mundial  de Teologia das comunidades cristãs, realizado em São Paulo, em 1980, precedido por outros realizados no México, em na Tanzânia, em Gana e em Seri-Lanca; as diversas experiências da Igreja na Base (As CEBs, as Pastorais sociais, CEB, da Comissão Justiça e Paz  Centro de defesa dos Direitos Humanos, entre outros), experiências estas que desembocaram, como ato segundo, na Teologia da Libertação. 


Com efeito, a Teologia da Libertação, especialmente graças aos seus principais fundadores, constituiu a expressão teórica mais avançada da Igreja Latino-Americana, a interpretar os grandes acontecimentos da História do povo latino-americano, sedento de sua autonomia inclusive teológica, à luz dos ensinamentos de Jesus e seus seguidores e seguidoras. Neste esforço hermenêutico, com apoio inclusive na Constituição Pastoral “Gaudium Et Spes”, do Concílio Vaticano II, seguidos encontros de estudos e reflexões vinham a ser realizados por cerca de uma dezena de teólogos (entre os quais: Gustavo Gutiérrez, José Comblin, Juan Luis II, Segundo Galileia, Ivan Illich, Frei Gorgulho, Ana Flora Anderson…) ora em Petrópolis (Brasil, 1964), ora em Cuernavaca (México, 1965) , ora em Santiago (Chile, 1966), ora em Montevideo (Uruguai 1967).


Sempre lembrando o surgimento da Teologia da Libertação como expressão e resultado da efervescência política na América Latina e no Brasil, de relevantes sujeitos coletivos, fora e dentro dos espaços eclesiais, importa ressaltar o trabalho conjunto realizado entre teólogos e teólogas de diferentes Igrejas Cristãs latinoamericanas. A este respeito, convém realçar o pioneirismo de certas figuras de teólogos protestantes, a exemplo de Richard Shaull, da Igreja Presbiteriana, cujo livro “A Igreja e a Revolução Social”, publicado em 1953, por União Cristã de Estudantes do Brasil (UCEB), que bem mais do que uma editora, designava o protagonismo do movimento estudantil cristão da época. Outro aspecto a ressaltar, acerca das origens da Teologia da Libertação é o encontro fecundo, em Cuernavaca (México), a partir de meados dos anos 60, de figuras tais como Ivan Illich, Paulo Freire, Richard Shaull, José Comblin, entre outros fundadores da Teologia da Libertação. Ainda a este respeito, vale notar um episódio curioso: em um encontro que Paulo Freire com Richard Shaull, conta-se que a Shaull foram apresentados por Freire os originais manuscritos de Pedagogia do Oprimido, após certificar-se de que Freire não possuía cópia de seus manuscritos, cuidou de fotografá-los/filma-los, empenhando-se a seguir, em sua publicação, em inglês em 1970.


Cumpre lembrar que tais encontros continuam acontecendo após a Conferência de Medellín, em 1968, e de modo que resultaram em grandes encontros continentais na Tanzânia, em Gana, em Sirilanca, tendo sido o maior deles realizados, no Brasil (São Paulo), em 1980.


Impõe-se, ainda, reconhecer um papel extraordinário cumprido pela Comisión de la Historia de la Iglesia Latinoamericana (SEHILA), ao empreender um fecundo Projeto visando a uma reelaboração da história das Igrejas latino-americanas e do Caribe, a partir de uma perspectiva popular. Entre as principais referências dos coordenadores da SEHILA, estão Enrique Dussel, José Oscar Beozzo e Eduardo Hoornaert (este último coordenou, inclusive, a SEHILA Popular). 

Ao longo desta trajetória, vieram a tona dezenas de publicações, produzidas ora por iniciativas individuais, ora por iniciativas institucionais, a exemplo da coleção “Teologia e Libertação“, tematizando os mais diferentes aspectos da relação entre o Seguimento de Jesus e os clamores dos pobres.


Neste período, graças a iniciativas de diferentes editoras cristãs, em âmbitos latino-americano, Espanhol e brasileiro, (Siguime em Salamanta, Fontanela em Barcelona, Vozes, Luterana, Metodista, Loyola e outras), dezenas de Teólogos e Teólogas da Libertação oferecem constantes reflexões críticas, nas mais diferentes  áreas do conhecimento.


É com alegria e esperança que saudamos a recente iniciativa dos organizadores Emerson Sbardelotti; Edward Guimarães e Marcelo Barros do livro “50 anos de Teologias da Libertação”, primoroso registro da memória da Teologia da Libertação, ou melhor: das Teologias da Libertação, apontando a diversidade temática e de abordagens, de modo a trazerem à tona diversos aspectos deste fazer teológico, tais como: as dimensões ecológica, ecumênica, feminista, dos povos originários, das comunidades quilombolas, dos homoafetivos.


Principais afinidades entre marxistas e cristãos 


Há, por certo, notáveis diferenças entre cristãos e marxistas, até porque, não há um só marxismo (Após haver lido certo escrito de alguém que se pretendia marxista, Marx afirma: "Eu não sou marxista…”). Sem embargo, nesses últimos séculos, não tem faltado notícias de cristãos a expressarem simpatia pelo legado de Karl Marx e outros marxistas, a exemplo de Engels, de Rosa Luxemburgo, de Gramsci, Ernst Bloch, Jose Carlos Mariategui, Michael Lowy, entre outros.


Sem desconhecer ou minimizar suas diferenças, passamos, em seguida, a ressaltar suas principais afinidades. Uma primeira tem a ver com o sentimento de pertença ao gênero humano, lembrando que Jesus se manifesta de tal modo solidário a condição humana, que Ele próprio faz questão de testemunhar radicalmente este compromisso, em razão do qual foi perseguido, preso, torturado e assassinado pelos representantes religiosos e civis da classe dominante do seu tempo. Traços biográficos de Marx e de outros comunistas também se acham em sintonia com os principais valores do Movimento de Jesus. Tanto nos discípulos e discípulas de ontem e de hoje, quanto em diversos seguidores de Marx, constatamos semelhante compromisso de solidariedade com os “De Baixo”, vítimas da opressão e da exploração características de todo modo de produção classista, sobretudo o modo de produção capitalista.


Neste sentido, cristãos e marxistas perseguem, de forma militante, a realização do processo de humanização da humanidade (Lema, aliás, do Bispo Pedro Casaldáliga). Ambos procuram uma vida plena começando já aqui neste mundo, de modo que a todos os seres humanos seja assegurada a satisfação não apenas das necessidades materiais (alimentação, habitação, vestimentas, etc.), como também as necessidades imateriais (a contemplação da natureza, a fruição e o exercício, das artes, dos valores estéticos, a imaginação criativa, etc.). Ora, a História tem mostrado ser impossível que tais necessidades sejam satisfeitas, com alcance universal, em qualquer sociedade de classes, especialmente dentro do modo de produção capitalista. Este sistema, com efeito, se faz sempre por meio de uma crescente acumulação de riquezas em mãos de alguns, à custa do trabalho explorado e da apropriação privada dos bens de produção, daí resultando inevitavelmente profundas e crescentes desigualdades estruturais.


Cristãos e marxistas, por conseguinte ao constatarem os frutos perversos do Capitalismo, organiza-se para identificar, desmascara o complexo conjunto de mecanismos ideológicos de dominação e exploração, e para combater pela raiz este modo de produção, como compromisso de irem criando condições para a construção de uma nova sociedade, alternativa a essa barbárie, buscando torna a realidade o princípio comum, segundo o qual “De cada um segundo suas possibilidades e para cada um conforme suas necessidades”.      


Também aí podemos destacar afinidades como o reconhece, por exemplo, Michael Lowy, em seu livro recém-publicado pela editora Boitempo, no qual, incluindo em relação aos ataques do Capitalismo ao Planeta, o autor traz passagens luminosas de Marketing, quanto ao caráter eminentemente destrutivo do modo de produção capitalista. Outro ponto comum entre cristãos e marxistas tem a ver com o horizonte internacionalista de seu projeto. Assim como o Movimento de Jesus é movido por uma perspectiva universal de transformação das relações humanas e  sociais, também o Marxismo é movido por este mesmo horizonte, não se tratando, portanto, de uma proposta circunscrita apenas a um povo ou a um país, mas que se propõe alcançar toda a humanidade, cada ser humano tomado como um todo e todos os seres humanos, sempre em busca de um novo Homem e de uma nova Mulher historicamente vocacionados à construção de um novo mundo, e de uma nova sociedade. 


Conquanto devamos reconhecer nuanças convém ainda realçar aspectos metodológicos comuns a estas duas correntes do pensamento humano. Ambos acentuam a importância desse partir da realidade concreta, da História feita por seres humanos, em uma perspectiva de humanização, em sua integridade, do ser humano como um todo e de todos os humanos. Percebe-se que, em ambos, o método se acha sempre organicamente vinculado a sua visão de mundo. No caso do Crisitianismo da Libertação, sobretudo a partir do século XX, assume relevância metodológica o método conhecido ver - julgar - agir que se tem constituído, até hoje, como um procedimento habitual de leitura crítica da realidade (Paulo Freire chama isso  de ”leitura de mundo”), que, cotejada com a grade de valores característicos do Movimento de Jesus, instiga os crstãos e as cristãs a contribuírem para a transformação da mesma realidade, nos mais diversos aspectos, orientando-os a serem construtores de uma novo homem, e de uma nova mulher, de uma nova  sociedade, ecologicamente sustentável (Eco-socialismo), economicamente justa, politicamente participativa, culturalmente diversa.


Do ponto de vista teórico-metodológico da Filosofia da práxis, o alvo-mor parte  sempre da ação investigativa da realidade concreta, perceptível sempre em movimento, uma vez que tal realidade, não se deixando ver em sua nudez requer da parte do sujeito cognoscente que também se ponha em movimento e se revista de instrumentos especiais, capazes de irem desvelando-a em sua múltiplas determinações, sempre a exercitar seu esforço de aprendê-la/compreendê-la em sua totalidade.


Eis apenas alguns traços comuns e afins, apresentados tanto por cristãos como por Marxista. Lembrando que diversas afinidades podem ser acrescentadas, limita-nos realçar os pontos que entendemos mais relevantes, comuns às duas correntes de pensamento e de ação com o objetivo de ajudar nossas organizações de base a dialogarem e a extraírem pistas comuns de ação.


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* O autor deste texto reitera seus agradecimentos a Gabriel Luar, a Heloíse, Eliana e a Elisabete, pela digitação. 


João Pessoa, 11 de Setembro de 2023.