sábado, 31 de agosto de 2019

UM MISSIONÁRIO EDUCADOR DA TEOLOGIA DA ENXADA: notas sobre a inauguração do Memorial Raimundo Nonato de Queiroz


 Alder Júlio Ferreira Calado

Se é pra ir pra luta, eu vou / Se é pra estar presente, eu estou /
Pois na vida da gente / O que vale é o amor

Esse amor tão bonito vai / Vai gerar nova vida, vai /
Cicatrizar feridas, fecundar a paz / Enquanto governa a maldade /
A gente canta a liberdade / O amor não se rende jamais /

(Zé Vicente / “O que vale é o amor”)


A atual Diretoria da Associação da Árvore, uma dentre a dezena de grupos integrantes de um movimento cinquentenário mais conhecido como Teologia da Enxada, tomou a feliz iniciativa de prestar uma homenagem em memória do missionário Raimundo Nonato de Queiroz, um de seus animadores e formadores de referência. E, em parceria com várias comunidades de Bayeux, Santa Rita, Café do Vento e outras da região, empenhou-se em organizar um Memorial na sede da referida Associação Curso da Árvore, localizada em Bayeux, mais precisamente, na antiga residência do Pe. José Comblin, um dos principais inspiradores da Teologia da Enxada.

Num verdadeiro trabalho de mutirão, envolvendo grupos de amigos e comunidades variadas, num período de cerca de três meses, conseguiu ultimar os preparativos, e eis que domingo, dia 25 de agosto, foi inaugurado o Memorial Raimundo Nonato de Queiroz, contando com a participação de uma centena de amigos e amigas de Nonato (como era conhecido), vindos de várias cidades da região e de Pernambuco (Tacaimbó, Recife), onde Nonato havia atuado, nos inícios da Teologia da Enxada.

À medida que se aproximava o dia da inauguração do Memorial, a nova diretoria da Associação empenhava-se em ultimar os preparativos para o dia 25, contando com uma legião de voluntárias e voluntários de Santa Rita, de Bayeux e outras áreas circunvizinhas, atuando em verdadeiro mutirão, em várias tarefas: limpeza do acesso à sede, cuidados gerais na cozinha e no refeitório, arrumação do auditório, e principalmente, arranjos finais na sede do Memorial.

Ainda cedo do dia, lá se encontravam, junto com membros da atual e precedente diretoria dezenas de voluntários a recepcionarem os que chegavam para participar da inauguração do memorial.

Por volta das 9h30 os participantes foram sendo convidados a tomar seus assentos no auditório. Feita a abertura por Roberto Maciel, atual diretor da associação Árvore é Fátima Maciel (esposa de Roberto e membro da diretoria, sendo ela atuante desde a fundação da Associação), quem assume a coordenação dos trabalhos, dando as boas vindas e solicitando que cada comunidade ali presente ou representada, dissesse quem era e de onde vinha. Enquanto os participantes se apresentavam, eram aclamados e aclamadas com músicas conhecidas da caminhada, ao tempo em que continuávamos aguardando a chegada de outras comunidades (Tacaimbó, Campina Grande, Recife...). Em seguida, Fátima, ao expor a programação e ao sublinhar o sentido daquele encontro, em homenagem à memória do missionário Raimundo Nonato de Queiroz passa a convidar algumas pessoas da caminhada a comporem a mesa de reflexões acerca de vários traços da figura do homenageado: Pe. Hermínio Canova, Prof. Adauto Guedes (que, mais adiante compartilha sua fala com o senhor Álvaro Marques, atual prefeito de Tacaimbó, e simpatizante de longa data da Teologia da Enxada), Educador Antônio de Pádua, Prof. Elenilson Delmiro dos Santos, Profa. Aparecida Queiroz (esposa de Raimundo Nonato, estando presentes os seus filhos Catarina e Filipe), Alder, Pe. Cristiano (veneranda figura nonagenária de missionário redentorista atuando em Campina Grande) e João Batista Magalhães Sales, amigo de caminhada de Nonato, desde 1963, nos tempos do seminário da várzea, em Recife.

Iniciando os testemunhos, Pe. Hermínio Canova acentuou a relevância da iniciativa tomada pela Associação Árvore, de dedicar ao missionário Raimundo Nonato um memorial, lembrando que fazer memória não significa uma mera revisitação ao passado, com sentimento de saudosismo. Um memorial não deve ser tomado como um museu ou um arquivo morto. Referiu-se ainda, à feliz coincidência desta iniciativa com outros memoriais construídos em regiões circunvizinhas, tais como o Memorial Pe. Ibiapina e Memorial Pe. José Comblin, situados em Santa Fé, no município de Solânea, no memorial das Ligas e Lutas Camponesas na Paraíba, situado em Barra de Antas (Sapé-PB). Ainda em sua vinda para cá, lembrava-se da importância do encontro que estava acontecendo, justamente no memorial das Ligas e Lutas Camponesas na Paraíba reunindo em torno de 115 jovens agricultores, dos assentamentos da região.

Não se trata, portanto, de se construir um memorial por saudosismo, mas como uma forma de cultivar a memória e de extrair lições e inspiração o enfrentamento dos desafios presentes, reafirmava Pe. Hermínio.

O Prof. Adauto Guedes, cujo livro sobre os inícios da Teologia da Enxada, se encontrava exposto no Memorial, tratou de ressaltar a figura de Raimundo Nonato, a partir de sua inserção como membro a Equipe de Seminaristas, instalada como um dos primeiros núcleos da Teologia da Enxada, junto às comunidades rurais e das periferias urbanas de Tacaimbó, em especial entre os anos de 1969 e 1971, em plena Ditadura Civil-Militar. Destacou vários episódios envolvendo a figura do homenageado, inclusive lembrando como aquelas comunidades rurais e da periferia urbana de Tacaimbó tratavam os membros daquela equipe os daquele núcleo inicial da Teologia da Enxada, chamando-os simplesmente de “os seminaristas”. Juntamente com Raimundo Nonato, também aí atuavam figuras como Frei Enoque, João Firmino e outros, além da presença de membros da Equipe formadora, da qual participavam, entre outros, o Pe. José Comblin e a Irmã Maria Emília Ferreira. Ressaltou alguns episódios conflituosos, em que Nonato acabou envolvido. Aqui, sublinha especialmente um traço profético de Nonato, ao narrar o inconformismo da elite local com o protagonismo dos pobres, promovido por aquele núcleo inicial da Teologia da Enxada, no tocante a vários aspectos, inclusive com relação à tradicional festa de Santo Antônio, Padroeiro daquela cidade.

Era costume, nestas festas, que as autoridades e outros membros da elite local tomassem a frente na condução desta festa. Contundo, à medida que essas comunidades do campo e da cidade iam tomando consciência de sua condição de sujeitos e de cidadãos, também passavam a tomar a dianteira nessas ocasiões, provocando a ira dos poderosos. O professor Adauto, relembra um episódio conflitivo, em que, o então prefeito da cidade, revoltado com o protagonismo daquelas comunidades e contra seus animadores, não hesita, armado, em procurar Nonato, em sua residência, para tomar satisfação. Não o tendo encontrado em sua casa, vai até à Matriz, onde se encontrava Nonato, juntamente com outras pessoas da caminhada. Estes aconselham Nonato a sair por outra porta, o que é imediatamente recusado por ele, que vai até à frente da matriz apresentar-se de peito aberto, ao perseguidor. Dissuadido de sua intenção por pessoas que se reuniam na frente da matriz, o prefeito acabou não cometendo o crime.

Outro aspecto destacado pelo prof. Adauto diz respeito ao relevante papel da Igreja Católica, na resistência à Ditadura civil-militar, por meio das CEBs e de outras organizações e movimentos de base. Como anunciado no inicio de sua fala, o prof. Adauto sede a palavra ao Sr. Álvaro Marques, atual Prefeito de Tacaimbó –PE, integrante das fileiras de militantes da Igreja na Base, em Tacaimbó, desde o testemunho de sua mãe, membro ativo da mesma caminhada. O Sr. Álvaro reafirma seu compromisso com a caminhada da Teologia da Enxada, a partir do exemplo de sua mãe. Relembra, também, que em 2005 foi outorgado ao missionário Raimundo Nonato, o título de Cidadão de Tacaimbó, graças à sua propositura como vereador. A essa época, o presidente da Câmara Municipal era o filho do ex prefeito que havia perseguido Nonato. Isto, contudo, não impediu a aprovação da propositura, e até com um desfecho curioso: informado da outorga do título a Nonato, o ex prefeito diz tratar-se coisa do passado, já não guardando mágoa em relação a Nonato.
Após um breve canto da caminhada Fátima Maciel convidou o Educador Popular Pádua para oferecer seu testemunho acerca de Nonato. Pádua preferiu destacar com mais força, o traço humorístico de Nonato, a quem conhecera em meados dos anos 80, como formando do CFM (Centro de Formação Missionária) em Serra Redonda-PB. Lembra, ainda, seu estágio de formando foi vivenciado em Tacaimbó-PE, acompanhado por Raimundo Nonato. Como prometido, Pádua passou a focar o lado alegre e bem-humorado do amigo formador. Nonato se destacava pelo seu jeito alegre, descontraído, sempre pronto a desbloquear ambientes pesados, seja com uma bela piada, seja com sua gargalhada característica, seja ainda por outros meios curiosos. De vez em quando, trazia consigo algo para animar a turma, compartilhando amendoim e, em certas ocasiões em companhia de amigos mais próximos, ousava comprar uma garrafa de cerveja, “pingando” um pouco em cada copo, com a intenção de animar o ambiente.
As turmas de formandos dele se lembram de sua iniciativa de levar o pessoal à praia. Ocasiões memoráveis! Duas dessas ocasiões resultaram em ocorrências marcantes, porém desagradáveis. Numa delas, de volta da praia na Toyota conduzida pelo prof. Antônio Guedes, irmão de Nonato, veio a “sobrar” numa curva na subida da Serra, o carro capotou, fazendo vítima fatal o inesquecível Antônio Guedes.
Doutra feita tratou-se de um afogamento que vitimou o saudoso João Marcos, um dos formandos, cujo nome consta como inspiração para os membros da fraternidade São Marcos.
Foi, sobretudo, o lado alegre de Nonato a marca mais forte destacada por Pádua.
Da parte do Prof. Elenilson Delmiro Santos, veio a contribuição acerca de Nonato, a partir de sua ação missionária junto às CEBs (chamadas simplesmente “as comunidades”. Em seu livro Recém-Publicado vê-la o Prof. Elenilson empenha-se em recuperar e analisar a ação das CEBs em Santa Rita e circunvizinhança. Relembra o ímpeto profético dessas comunidades desde os anos 60 e 70, em atividades diversas, inclusive em sintonia com o curso da Árvore, em que Nonato teve uma contribuição reconhecida como animador e como formador.
Destaca, ainda, os momentos críticos da caminhada das CEBs, principalmente durante os pontificados de João Paulo II e Bento XVI. A partir, com tudo, da chegada do Papa Francisco, sente-se um chamamento animador para a retomada dos trabalhos de base inclusive nas CEBs. 
A Alder foi solicitado que, em seu testemunho destacassem especialmente situações de conflito em que Nonato acabou se envolvendo, em razão de sua atuação missionária.
Nonato, Antônio Guedes (seu irmão) e eu nos conhecemos, em meados  dos anos de 1970, na FAFICA (Faculdade de Filosofia de Caruaru), onde éramos professores. Naquela época, a FAFICA hospedava os professores que vinham de outras cidades, em alguns de seus quartos. Nonato vinha de Tacaimbó, enquanto eu vinha de Arcoverde. Por coincidência, estávamos hospedávamos no mesmo quarto, ainda que em dias diferentes. Ao lado da cama dele, havia um abajur, em volta do qual ele havia colado uma página de revista (talvez, “Missions” ou “Informations Catholiques Internationales”, não estou seguro), na qual figurava uma foto de uma criança da Biafra, corpinho esquelético, ossos à mostra, seguida da frase: “Faites quelque chose pour les autres” (Façam alguma coisa pelas outras crianças). Detalhe que bem remetia a uma das marcas de Nonato: sua refinada sensibilidade e seu compromisso com a causa do povo dos pobres. Daí em diante, passei a visitar as comunidades de Tacaimbó, com as quais Nonato trabalhava. Ali se vivia um clima de efervescência, com periódicas reuniões e celebrações, círculos bíblicos  e outras atividades de formação. Organizavam-se, também, mutirões, foi assim que, em mutirão, foram construídas algumas casas populares, chamando a atenção pelos seus traços arquitetônicos, sendo o teto em forma de uma abóbada, com a finalidade de facilitar a circulação do ar. “Ideia de Irmão Urbano”, sussurrou Pe. Cristiano, sentado ao meu lado. De fato, Ir. Urbano, missionário redentorista, conhecido pela sua engenhosidade a serviço da causa popular, que assessorava também trabalhos de construção. A ele muito deve o PATAC, em Campina Grande e região.
Graças a este tipo de organização e de formação, as comunidades iam exercitando sua conscientização e sua condição de cidadãos e de cristãos. É neste contexto que se pode entender inconformismo da elite local, daí surgindo situações de conflito, uma das quais já foi bem ilustrada nas falas de Adauto e de Álvaro.
Tal a densidade profético-missionária daquela conjuntura socioeclesial, no nordeste, que João Pessoa foi escolhida para sediar o III Intereclesial das CEBs, em 1981, o que atestava a qualidade profético-missionária da “Igreja na Base”, na região e no país.
Um dos componentes fundamentais para se compreender a qualidade desse trabalho, residia na íntima associação exercitada entre teoria e prática, isto é, entre conteúdos e procedimentos metodológicos. Exemplo que bem ilustra tal fecundidade, reside ma experiência formativa da Associação da Árvore, cujo Curso Básico (o primeiro de cinco anos) propunha sete temas-chave: Igreja-Comunidade, o Mundo dos Pobres, Missão, Vocação, Oração, Ministérios, Povo de Deus. Cada um destes temas-chave era trabalhado, durante um mês (ou, mais precisamente, em um final de semana), seguindo-se oito passos: oração inicial, motivação, troca de experiências, caixa de retratos, vida de um santo, um documento da Igreja, nossa ação, oração final.
Nonato contribuiu passo-a-passo com esta densa experiência. A homenagem maior que lhe podemos prestar é de seguirmos firmes neste caminho, ainda que atravessando uma conjuntura perversa, mas convencidos de que, como dizia Dom Helder “Quanto mais escura é a noite, mais carrega dentro de si a madrugada”.
Foi, então, convidado o Pe. Cristiano Joosten, veneranda figura de missionário redentorista, atuando em Campina Grande e região. Pe. Cristiano tratou de rememorar a contribuição de Nonato ao Curso da Árvore, ministrado desde 1973, junto as leigas e leigos de sua comunidade paroquial. Vale destacar a continuidade destes trabalhos, até os dias presentes, ainda que tenham tido uma breve interrupção de três anos. Pe. Cristiano presta valioso testemunho da ação educativa desenvolvida por Raimundo Nonato, ao longo desta experiência.

Acompanhado de perto por tantos membros desta Igreja na Base, Pe. Cristiano segue firme e forte, a participar de diversas iniciativas protagonizadas por leigos e leigas. Ainda em 1 de dezembro passado, veio a Várzea Nova acompanhado por uma caravana de leigos e leigas de Campina Grande para celebrar a festa de Charles de Foucauld, que se deu num lugar dedicado ao atendimento educativo de crianças, trabalho coordenado pelas Irmãs Judith e Stella, missionárias dominicanas argentinas.

Todos ficaram tocados, ao ouvirem, mais uma vez, o testemunho do Pe. Cristiano, bem como de outras pessoas vindas de Campina Grande, dentre as quais, Irmã Mercês, e Irmã Renata, para a inauguração do Memorial Raimundo Nonato de Queiroz.

E a Profa. Aparecida Queiroz (Cida) também foi chamada a expressar seu sentimento acerca de Nonato, focando aspectos de sua íntima convivência com ele, como esposa, como companheira de caminhada missionária. Cida agradece a Deus por ter conhecido Nonato e com ele partilhado parte significativa de sua vida, inclusive na companhia de seus filhos Catarina e Filipe, rememora seu amor missionário ao povo dos pobres, bem como sua missão de educador, atuando em diversas comunidades da região. Por vezes,a família se ressentia de sua presença mais constante em casa, mas compreendia a razão de ser disto.

Provocada por Fátima Maciel a contar também falhas do marido, Cida relembra das dificuldades que enfrentava quando Nonato saia para fazer alguma compra, e voltava sem nada. Era uma marca dele de despojamento e de solidariedade. Ela tentou contornar tal situação, pondo no bolso do marido, dinheiro trocado... Nos momentos de conversa mais tensa, o comportamento de Nonato resumia-se a escutar calado e, quando já não aguentava, dava um jeito de se levantar...

Dos que estavam a mesa, João Batista Magalhões Sales, foi o último a se pronunciar, oferecendo seu testemunho de amigo-irmão de Nonato, desde 1963, quando seminaristas, no Seminário da Várzea, em Recife. Um ponto comum que ajudou a desencadear seus laços de amizade foi o fato de que ambos tocavam órgão. Desde esta época, ambos passaram a ser íntimos companheiros de missão, inclusive confidentes. Ressaltou várias qualidades do amigo, além de seu bom humor, também seu talento administrativo, razão por que lhe cabia a tarefa das finanças. Ambos foram da primeira turma dda fundação da Teologia da Enxada, sendo que Nonato compunha o Núcleo de Tacaimbó (juntamente com outros), enquanto João Batista acompanhou e animou mais de perto o Núcleo de Salgado de São Félix. Daí por diante, na companhia e orientação do Pe. José Comblin e de outros formadores, ambos passaram também a compor a equipe de coordenação (junto com Pe. Comblin, Irmã Maria Emília Ferreira, Pe. Leonardo, Pe. Raimundo Jorge...), desde a iniciativo do Seminário Rural (em Pilões- PB), do Centro de Formação Missionário, em Serra Redonda – PB, no Curso da Árvore, nas escolas de formação missionárias, e outras atividades formativas.
Em seguida, a coordenadora dos trabalhos, Fátima Maciel, passou a convidar o público a fazer seus comentários ou perguntas. Intervieram, entre outras pessoas, Gisele (que acompanhou de perto as atividades do Curso da Árvore e outras), Jeane (dando seu testemunho do quanto deve sua formação também a Nonato), Gilma (que lá estava na companhia de Madruga, seu esposo, e de suas filhas Clara e Heloísa, componentes juntamente com Nonato, Cida, Catarina e Filipe, da Fraternidade São Marcos), e Kiril (acompanhado de sua irmã Chiara, vindos do Recife, homenagear o irmão-amigo).
Em seguida a coordenadora dos trabalhos convidou a todos a se dirigirem à antiga residência do Pe. José Comblin, onde se acha instalado o Memorial Raimundo Nonato de Queiroz. Em frente ao Memorial, já se achava aposta a placa alusiva ao Memorial, que foi abençoada pelo Pe. Hermínio Canova tendo ao lado Aparecida de Queiroz. Com breve fala, e uma oração, na intenção de Raimundo Nonato, a placa foi descerrada, e todos foram convidados a entrar e visitar as numerosas peças componentes do memorial.
Após um saboroso almoço e mais conversas descontraídas, entre tantos amigos e amigas de Nonato, passou-se a Celebração Eucarística, presidida pelo Pe. Cristiano, tendo ao lado o Pe. Antônio Maria Guérim, numa Celebração bem preparada e contando com belos cantos da caminhada.

João Pessoa, 31/08/2019

P.S. Notas feitas de improviso e sem anotações prévias, portanto sujeitas a omissões, falhas, e lacunas, pelo que peço perdão.
AJFC

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

SOS BRASIL - TERRA E GENTES: A AMAZÔNIA EM AGONIA


SOS BRASIL - TERRA E GENTES: A AMAZÔNIA EM AGONIA

Alder Júlio Ferreira Calado

A Terra geme em dores de parto. Talvez, um parto atípico: desta vez, algo parecido com um aborto. Com efeito, diferentemente das dores maternas em trabalho de parto, prevalece o sentimento de alegria, pela sofrida espera do rebento, pode estar sendo diferente com os sinais de parto apresentados pela Mãe-Terra. Profundamente amorosa com todos os seus filhos e filhas, humanos e não humanos (animais, vegetais e minerais), eis que um segmento de seus filhos – os humanos -, por escolhas feitas em função de seus caprichos idolátricos – o deus “mamon” -, se mostra, em sua maioria, mergulhado numa espécie de síndrome ecocida (ou matricida), assim ameaçando a vida da própria mãe e dos demais irmãos e irmãs. Profundamente magoada e desapontada, a Mãe-Terra pode estar entendendo incontornável extrojetar o segmento ecocida, para salvar seus outros filhos e filhas mortalmente ameaçados, além de si própria. Nossa “Casa Comum!” se apresenta mortalmente ameaçada, no mundo e no Brasil. Aqui, os sinais estão sendo ainda mais alarmantes. Em vários biomas, mas sobretudo a Amazônia arde em chamas, em consequência dos assassinos mecanismos de acumulação ilimitada de riquezas, seja no campo do agronegócio, seja no campo das grandes empresas de mineração, contaminadas pela doença do legendário rei Midas...  No caso do Brasil, resulta intrigante rememorar recorrentes declarações do atual presidente, desde seu tempo de campanha eleitoral, declarações reiteradas “ad nauseam”, de que seu governo pretende colocar o Brasil em honroso lugar, no cenário das nações. Seria este o lugar ao qual se refere?

Já no oitavo mês do (des) governo Bolsonaro, e a terra e os pobres do Brasil seguem profundamente vitimados por sua política de morte, claramente a serviço do (des)governo Trump e suas forças aliadas, lá e cá. Extensa é a lista de infortúnios constantes de sua pauta necrófila, alcançando mortalmente a pauta socioambiental, as políticas de desmonte das leis trabalhistas, da terceirização desenfreada, dos cortes dos direitos previdenciários dos "debaixo", de sucessivos cortes de verbas para a educação, para a saúde, para as universidades...  Não bastasse tal despautério também se sucedem ataques gratuitos feitos pelo Presidente até contra países parceiros, como é o caso da Noruega, da Alemanha e da Argentina, e, mais recentemente da França e tantos outros países do mundo.

Consequência lógica tal sucessão de malfeitos repercute, inevitavelmente, mundo afora, até por que, no caso da Amazônia em agonia, o assunto alcança uma escala planetária, em relação à nossa “Casa comum”.  Há poucos dias, um periódico austríaco estampava em suas páginas: “Brasilien hat einen idioten Präsident gewählt” (Brasil elegeu um presidente idiota) (cf. https://diepresse.com/home/ausland/aussenpolitik/5672338/Brasilien-hat-einen-Idioten-gewaehlt)

Mais do que deplorável, soa revoltante estarmos a assistir ao crescente afundamento do nosso país. É preciso, sim, resistir. Mas, de que resistência se trata? Faz sentido limitarmo-nos a apenas reagir aos impropérios e perversidades governamentais, somente por meio de suas asneiras, buscando responder uma por uma, mas, por outro lado esquecendo-nos também, de que tal forma de reação pode constituir-se em armadilha, se ficarmos reféns dessas asneiras, praticadas a varejo, sem buscarmos identificar e combater suas verdadeiras raízes?

As linhas que seguem têm o propósito de focar uma dessa raízes, e não a menos importante:
O espantoso domínio do monopólio bancário, organizado em escala mundial. A este respeito, vêm-se pronunciando alguns analistas de reconhecida credibilidade na área, dentre os quais os economistas François Morin e o economista brasileiro Ladislau Dowbor, a respeito dos quais podem ser conferidos alguns links: https://www.youtube.com/watch?v=HdrZ52Cigj4

Já nos temos reiteradamente reportado ao desafio maior que enfrentamos: o atual modo de produção, combinado com o modo de consumo em vigor e com o hegemônico modo de gestão societal. Nunca é demais chamar a atenção a tal realidade. No modo de produção capitalista vigente, o vemos cada vez mais hegemonizado pelo setor financista, ao qual se subordinam os demais setores da economia capitalista, em escala mundial, também entre nós, no Brasil. O atual sistema financeiro, com efeito, se apresenta cada vez mais como uma espécie de Minotauro dos novos tempos. Pior: ano a ano, tem agravado suas estratégias de morte sobre o Planeta e sobre os humanos e toda a comunidade dos viventes.
Duas “pequenas” ilustrações, em busca de uma compreensão melhor:
- Quem costuma acompanhar, por exemplo, sessões da Câmara e do Senado, já teve oportunidade de ouvir discursos inflamados de parlamentares, a denunciarem as esdrúxulas taxas de juros e de lucro, auferidas no Brasil pelos principais bancos em atuação no País. Não é por acaso que tais bancos, em tempos de profunda crise ou em tempos de vacas gordas, não cessam de apresentar escandalosos índices de lucratividade! Faz uns três anos, o então Presidente do Senado, Senador Renan Calheiros, não media palavras para denunciar tais escândalos. Sem efeito. O sistema bancário põe-se acima da Constituição e das leis. Mais: acima dos próprios Estados. Não apenas no Brasil;
- Outro exemplo ilustrativo vem à tona, quando buscamos entender – se é que é possível! – a lógica que preside aos critérios adotados pelo sistema bancário, agindo em cartel – no controle desmedido do processo de endividamento dos países, mundo afora. Não apenas no Brasil, mas também em numerosos Estados do mundo, a dívida pública tem-se tornado, há muito tempo, impagável, até porque os mecanismos que caracterizam, são de uma perversidade a toda prova. Convém, a este respeito, acompanharmos, com atenção, as análises profundas conduzidas pela especialista Maria Lúcia Fatorelli, especialmente por meio do site “Auditoria Cidadã da Dívida” (cf. https://auditoriacidada.org.br/)

Sucede, por outro lado, que não é de hoje que se dá a percepção dos mecanismos perversos constantes da velha política internacional de endividamento, implementada pelas gigantescas forças financistas atuando como um monopólio bancário, em escala mundial. Não esqueçamos de que nossa própria Constituição de 1988 prevê a autorização de uma auditoria da dívida. E de lá para cá, a despeito do inexplicável agigantamento da dívida externa e, hoje, da dívida pública, cujo o esdrúxulo montante obedece a critérios unilateralmente fixados, não houve qualquer instância estatal que se dispusesse a pô-la em prática.  Não é difícil daí deduzir com amparo na pertinente análise de Maria Lucia Fatorelli (cf.: Seu artigo “AUDITORIA DA DÍVIDA: 30 ANOS DE DESCUMPRIMENTO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL A CONSTITUIÇÃO “CIDADÔ VEM DANDO LUGAR À CONSTITUIÇÃO ‘DO MERCADO’”
https://auditoriacidada.org.br/conteudo/acd-30-anos-de-descumprimento-da-cf/) acerca dos injustos critérios e mecanismos componentes de tal extravagante endividamento.

O enfrentamento exitoso dos graves desafios atuais passa pelo esforço internacional de conter a voracidade assassina do capital improdutivo.

Numerosos são os desafios enfrentados pela humanidade, também pelo Brasil. Abrangem todas as esferas da realidade, mortalmente alcançadas pela barbárie do Capital improdutivo, exacerbado cada vez mais pela financeirização da economia. De fato, as crescentes agressões socioambientais, as dramáticas ameaças à vida do Planeta e dos humanos não serão superadas, se não enfrentarmos seriamente a sangria sem limites infligidas pelo monopólio do capital improdutivo.

Mesmo sabendo-se dos laços orgânicos que caracterizam todos os setores do Capitalismo, não há dúvida que a hegemonia de suas perversidades recai sobre o capital financeiro. Urge compreendê-lo, em suas manifestações capciosas. Vejamos algumas de suas manifestações necrófilas. Comecemos por relembrar as marcas da crise mundial mais recente, cujo ápice se atingiu nos Estados Unidos, entre 2007/2008. O que teria acontecido com o famoso Banco Lehman Brothers  (banco, de atuação global, de investimento e provedor de outros serviços financeiros). Algo muito semelhante do que se passa com os grandes bancos de maior referência mundial. São cerca de 28, espalhados sobretudo pelos Estados Unidos, pela Europa, com um ou outro também no Japão e na própria China. No universo de dezenas de milhares de bancos, estes 28 bancos assumem um controle de reconhecida hegemonia. E como explicar o fenômeno de seu gigantismo? Como explicar o fato de que, reunidos, esses 28 bancos acumulam em torno de dois terços das riquezas públicas? Como explicar que fazendo parte de apenas 1 por cento dos mais ricos do mundo, eles concentrem mais riquezas do que os 99 por cento restantes?
Ainda no caso do Brasil, tem-se revelado ainda mais perversa a sanha financista agindo sem controle, haja vista o cotidiano de suas práticas extorsivas – imposição de taxas de juros escandalosas, visivelmente injustificadas (chega a ser ridícula sua justificativa reiterada de que assim sucede no Brasil, em razão do elevado índice de inadimplência). Quando se confere de perto o que anda acontecendo, percebe-se que a população mais pobre se tem revelado, salvo casos minoritários, de uma confiabilidade a toda prova: enquanto os pobres zelam pela sua honra, os ricos recorrem a seus advogados... Não obstante, é a população mais pobre que se vê obrigada a pagar duas, três vezes a mais o valor dos produtos adquiridos. Situação que inspira os poetas populares, em especial os repentistas, como o repentista Rabelo, a traduzir tal situação pelo mote genial: “Paguei mais do que devia/Devo mais do que paguei”...

João Pessoa, 23/08/2019.

terça-feira, 13 de agosto de 2019

UM JEITO DE CELEBRAR PUEBLA (III CELAM, MÉXICO, 1979): anotações sobre a realização da I Jornada Comunitária, abrindo a IX Semana Teológica Pe. José Comblin


UM JEITO DE CELEBRAR PUEBLA (III CELAM, MÉXICO, 1979): anotações sobre a realização da I Jornada Comunitária, abrindo a IX Semana Teológica  Pe. José Comblin

Alder Júlio Ferreira Calado

Realizou-se, anteontem, dia 11 de agosto, a I Jornada Comunitária, animada pelo Grupo Kairós, um dos grupos organizadores das Semanas Teológicas Pe. José Comblin, agora em sua nona edição, que tem como tema "Nas trilhas de Puebla, com Jesus, Francisco e José".

Como em outras precedentes, a IX Semana Teológica Pe. José Comblin (STPJC), desdobra-se para além de uma semana: estende-se por meses. Neste ano, de agosto a outrubro. Compõe-se, primeiramente, das Jornadas Comunitárias (no campo e nas periferias urbanas), culminando com a Sessão de Encerramento, prevista para o dia 05 de outubro vindouro, conforme vem sendo divulgado, nesses últimos dias, inclusive por meio do"site" teologianordeste.net, contendo também o "folder" da IX STPJC. 

As notas que seguem, focam apenas a realização, neste último domingo, da I Jornada Comunitária, realizada no bairro Castelo Branco, mais precisamente na Capela Ecumência da UFPB, em João Pessoa - PB. Cada Jornada Comunitária é coordenada por um dos grupos organizadores do mesmo evento. No caso da I JC, coube ao Grupo Kairós organizar e animar, de forma mais direta, com a participação de membros de outros grupos, tais como o CEBI, o MTC, a Fraternidade  Esperança... Cuidamos, em seguida, de fornecer os traços principais desta I Jornada Comunitária.

Prevista para iniciar-se às 08:30, bem mais cedo já se achavam por lá alguns membros do Kairós e de outros grupos, para os preparativos do local (cenário, materiais de apoio, serviço de som, roteiro da celebração, etc.). A Capela Ecumênica da UFPB é rodeada de bosques preciosos da Mata Atlântica,  oferecendo uma paisagem rica em biodiversidade. As pessoas iam chegando e cumprimentando-se, nesse clima, animado por músicas bem selecionadas, inclusive com tomadas de fotos feitas por Andrea. Por volta das 09 horas, foi dado início à celebração. 

Tocaram a Aparecida (Cida) expressar pelo Grupo as palavras de acolhimento e a coordenação dos trabalhos. Em suas palavras iniciais, deu as boas-vindas a todas, a todos, e após entregar a(o)_s participantes as folhas do roteiro da celebração. Em seguida, cuidou de relembrar o sentido da IX STPJC deste ano, em que estamos celebrando os 40 anos da Conferência Episcopal Latino- Americana, realizada em Puebla ( México), em 1979.

Dando continuidade,  foi lida a introdução do que está contido no folder acerca do legado de Pe. Comblin, sua contribuição inclusive, como assessor, de bispos participantes da III CELAM, em Puebla, bem como as profundas afinidades suas com as atitudes proféticas do Papa Francisco, como se estivessem em permanente diálogo implícito.

Tivemos, em continuidade, o início da celebração da Palavra, com o convite a entoarmos o cântico “ É missão de todos nós”, do qual fazem parte estrofes emblemáticas tais como:
“ O Deus que me criou, me quis e consagrou
Para anunciar o Seu amor”
           É missão de todos nós:
Deus chama e quer ouvir a sua voz

Eu sou como chuva em terra seca
P’ra saciar, fazer brotar
Eu vivo para amar e pra servir

Eu sou, sou profeta da verdade
Canto a justiça, o amor e a liberdade.”



 Em seguida, as pessoas participantes foram convidadas a entoar o canto de aclamação ao Evangelho, tendo sido escolhido o cântico:

"Toda Palavra de vida é Palavra de Deus
Toda ação de liberdade é a divindade agindo entre nós".

Consultados sobre quem gostaria de fazer a leitura do Evangelho a Irmã Maria Besen da Fraternidade Esperança, prontificou-se a fazer a leitura o que, pela tocante afinidade com a temática de Puebla, foi escolhida a passagem de Lucas,  (leitura da do Domingo anterior), à qual se seguiram densas reflexões compartilhadas, dentre as quais Elias Cândido do Nascimento (membro do Kairós e do MTC) sublinhou a profunda atualidade da leitura, tomando em consideração a extrema ganância dos poderosos de hoje de acumular riquezas desmedidas, contribuindo diretamente para o aumento das gritantes desiguadades sociais, ambiente parecido com o contexto sócio-histórico da III Conferência realizada em Puebla, há quarenta anos. E assim, várias outras pessoas também expressaram suas reflexões inspiradas pelo Espírito do Ressuscitado.

Concluíindo esse momento, foi recitado o Salmo, de forma dialogada, por todos.

O momento seguinte consistiu numa leitura mais extensa de trechos-chave do Documento Final de Puebla. Este texto era um dos três propostos para a reflexão nas Jornadas Comunitárias. Os outros dois são: um texto escrito pelo Pe. José Combiln, fazendo uma avaliação da III Conferência Episcopal Latino-Americana, em Puebla, enquanto o terceiro texto corresponde a trechos da Exortação Apostólica "Evangelii Gaudium", do Papa Francisco, sublinhando a relevância e urgência de nos abrirmos, como Igreja, a uma "Igreja em saída".

Conforme a escolha do Grupo, cuidamos de focar no Texto n. 1, o que traz passagens relevantes do Documento Final de Puebla. Com a contribuição espontânea das pessoas participantes, foi iniciada a leitura, começando pelo que o Documento chama de “feições dos pobres de nosso continente, ou seja a descrição dos rostos de nossa gente mais sofrida e merecedora de nossa ação pastoral prioritária. Com efeito, o trecho que se situa entre os números 31 e 39 do mesmo Documento se apresenta emblemático. Aí se fala, por exemplo, das feições de nossas crianças: antes mesmo de nascerem, já se vêem alvo de injustiça, pela penúria de suas mães e da família. Após o nascimento, seguem seu cotidiano “severino” – de abandono, de violência sofrida, de ausência de políticas públicas a seu favor, etc. Rostos de indígenas marginalizados, explorados pela ganância do sistema capitalista e seus representantes, de olhos grandes para seus territórios, seus bens, suas riquezas, agredindo a Mãe-Terra para a exploração de minérios destinados à exportação. Feições de comunidades quilombolas ou de povos afroamericanos mergulhados nas mais graves mazelas do mesmo sistema: desemprego, sub-emprego, baixíssimos índices de qualidade de vida. Feições de camponeses, vítimas contumazes da fúria dos grandes proprietários e latifundiários, acobertados pela cumplicidade do Estado. Feições de operários submetidos às mais cruéis agruras das leis trabalhistas vigentes nos diversos países do continente. Feições de pessoas idosas, desrespeitadas em sua dignidade e em seus direitos.

Eis um trecho que despertou uma sucessão de comentários pelos presentes.  Rolando expressou seu sentimento de indignação, sublinhando a contundência daquele Documento que lhe soava tão atual e tão próximo das atrocidades de hoje. Maria Oliveira Ferreira, por seu turno, também manifestou sua indignação, diante de realidade tão cruel, mas também tão atual, e até de certa forma agravada, no atual contexto. Lúcia, igualmente, contribuiu, compartilhando seu sentimento de revolta contra tal situação, que infelizmente perdura. Glória, em várias ocasiões, lembrava que tais crueldades por vezes se faziam até  em nome do Cristianismo, como acontece no presente. Nos números seguintes dos trechos selecionados, a leitura prosseguiu. Consoante à temática geral da III CELAM – “A Evangelização no presente e no futuro da América Latina” , mereceram destaque  as profundas e crescentes desigualdades sociais e respectivos fatores, incidindo seja no plano econômico, seja na esfera política, seja no terreno cultural. Também, foi realçada a participação dos leigos e das leigas como agentes mais diretos do processo de transformação, inclusive na esfera política. No correr da leitura, aqui ali, percebia-se certo hiato ou incongruência nas falas dos próprios bispos signatários do texto, o que chamou a  atenção dos presentes. Em intervenções de outros participantes – mulheres e homens -, buscou-se interpretar tais discrepâncias, a partir da compreensão de que, como toda Igreja, também a nossa é fortemente plural. Mesmo reunidos na mesma Igreja, e animados pela mesma fé, há, contudo, diferentes posicionamentos, refletindo o lugar social de tais membros, o que nos ajuda a entender a Igreja como um grande guarda-chuva a abrigar diferentes (às vezes, até antagônicos) posicionamentos de classe, de visões de mundo, de sociedade, o que se reflete com frequência nos docuemetnos oficiais da Igreja, em especial em documentos assinados por participantes de sínodos, de conferências episcopais e foros semelhantes.

Ao final de cada texto proposto a cada Jornada Comunitária, constavam duas perguntas, destinadas a ajudar o debate em pequenos grupos. Foram lidas, com a contribuição de algumas pessoas, na discussão.

Antes do convite à Oração do Pai Nosso,  algumas pessoas houveram por bem compartilhar mais informações e convites. Um desses convites foi feito pela Irmã  Sílvia, da Fraternidade Esperança, no sentido de informar e convidar os presentes para a celebração, na segunda-feira, dia 12, na Comunidade Laranjeira, no Bairro José Américo, onde viveu Dom Fragoso o período final de seu percurso existencial entre nós. Aí está sendo organizada a celebração que dá início aos festejos e comemoração do centenário de Dom Fragoso.

Conforme o roteiro da celebração, a coordenadora dos trabalhos convida a todos e todas à oração do Pai Nosso, sugerindo a versão conhecida e cantada do “Pai Nosso dos Mártires”.
Foi solicitada e acolhida a sugestão de convidarmos a Elias e a Marinete, para nos darem a bênção final, o que foi aceito pelo venerando casal. Após a bênção, e por sugestão de Elias, entoamos juntos, acompanhados da interpretação de Clara Nunes, o belíssimo “Canto das Três Raças”:

“Ninguém ouviu
Um soluçar de dor
No canto do Brasil

Um lamento triste
Sempre ecoou
Desde que o índio guerreiro
Foi pro cativeiro
E de lá cantou

Negro entoou
Um canto de revolta pelos ares
No Quilombo dos Palmares
Onde se refugiou
Fora a luta dos Inconfidentes
Pela quebra das correntes
Nada adiantou

E de guerra em paz
De paz em guerra
Todo o povo dessa terra
Quando pode cantar
Canta de dor

E ecoa noite e dia
É ensurdecedor
Ai, mas que agonia
O canto do trabalhador
Esse canto que devia
Ser um canto de alegria
Soa apenas
Como um soluçar de dor”.

Nossa I Jornada Comunitária foi encerrada festivamente, com muita partilha, alegria e animação. O casal Elia –Marinete nos trouxe um saboroso bolo, enquanto outras pessoas nos brindaram com mais doces, salgadinhos e bebida, sempre em conversas animadas, a escutarmos notícias e experiências do dia-a-dia, inclusive no campo dos estudos, a exemplo das partilhadas por Júlia e outras pessoas. Saímos todos, todas, mais renovados e encorajados a seguirmos em saída, a continuar nossa missão no meio do povo dos pobres, mantendo viva nossa esperança e nossa confiança no Deus da Vida e da Liberdade.


João Pessoa/ Olinda, 13 de agosto de 2019

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

ROGER GARAUDY, UM SER EM BUSCA DE PLENITUDE: horizonte, caminhos, postura


ROGER GARAUDY, UM SER EM BUSCA DE PLENITUDE: horizonte, caminhos, postura


Alder Júlio Ferreira Calado

"Confesso que vivi!" - Tal como dita por Pablo Neruda, em seu livro, a célebre frase poderia também estender-se, a justo título, a figuras como Roger Garaudy (1913-2012). Trata-se, com efeito, de um ser que viveu seu tempo, apaixonadamente, de modo intenso e impetuoso. Um ser protagonista de uma vida em busca da liberdade, apesar e para além de seus erros, publicamente por ele mesmo reconhecidos, em admirável exercício de autocrítica.
Ainda jovem, nascido em Marseille, França, de uma família pobre, mostra-se cedo influenciado pelo catolicismo, o que não o impede de filiar-se, aos vinte anos, ao partido comunista francês (PCF), em 1933. Pouco tempo depois, ao ver seu povo ameaçado pelo nazismo, não hesita em integrar a resistência, razão por que é preso e deportado pelo governo de Vichy, para a Argélia, tendo-se livrado da pena máxima, graças à atitude de soldados muçulmanos que lhe pouparam a vida. Libertado em 1944, seguiria seu curso de filosofia. Também, foi eleito deputado para assembleia nacional, por duas vezes, e tornando-se em seguida senador pelo PCF. Não tardaria também a ser nomeado para o comitê do seu partido, chegando a ocupar um de seus cargos-chave, até 1956, quando é constrangido a deixar, em razão de suas críticas assacadas contra a ex-URSS pela invasão a Praga, na então Checoslováquia, naquele ano. Episódio conhecido como a "primavera de Praga". Consequência que se agravaria sobre ele, até sua expulsão do PCF, em 1970.
Espírito irrequieto, continua sua militância, sobre outros palcos da vida. Segue seus estudos, tendo concluído seu doutorado, sob a orientação de Gaston Bachelard, com uma tese versando sobre a Razão Dialética, trabalho do qual não se orgulharia, o que corresponde a uma de suas autocríticas, possivelmente em razão da influência stalinista, que ele passa a extrojetar, em atitude de autocrítica. Tal sua paixão pela vida, que jamais deixa de ser um militante, em várias trincheiras, seja viajando por várias partes do mundo, nos cinco continentes, seja elaborando livros e artigos, seja em seu trabalho docente.
Nas breves linhas que seguem, nosso interesse consiste em três pontos-chave de sua trajetória: em décadas de uma existência irrequieta quanto criativa, o que se poderia assinalar como tendo sido seu horizonte axial? Que trilhas-chave percorreu em busca de alcançar seu horizonte dominante? Como Garaudy se portou diante dos desafios múltiplos enfrentados?

Que horizonte maior ele perseguiu?
Como poucas figuras históricas de referência internacional, Roger Garaudy, ao longo de sua trajetória de militante, de intelectual engajado, de exímio pensador, de crente - em breve, de um ser humano em incessante busca de uma vida plena, foi constantemente orientado e movido em direção a um horizonte de humanização, que comporta traços, dentre os quais ousamos assinalar os que entendemos como centrais:
- Um ardoroso defensor e promotor da vida, em todas as suas manifestações
Desde tenra juventude, é possível perceber valores fortes que o atravessariam, ao longo da vida: compromisso com a vida dos humanos e de toda comunidade dos viventes; apurado sentimento de justiça; fascínio pelos valores estéticos; solidariedade; compaixão; perseguição da verdade, entre outros. Não foi, com efeito, por mero acaso que se daria sua filiação, aos 20 anos, ao PCF, sem que tal decisão o levasse a abdicar de sua condição de crente (católico). Não poucos, a este respeito, o criticarão, por entenderem incompatíveis o Cristianismo e o Marxismo: “ALGUMA DESTAS DUAS CORRENTES HÁ DE SAIR COMPROMETIDA”... Mesmo tratando-se de uma crítica amplamente dominante, convém sobre tal fato tecer algumas observações críticas. O caso Garaudy (de conciliar sua fé cristã com sua adesão ao Marxismo) não resulta tão isolado assim. Há outros casos. Por exemplo, a Revolução nicaraguense, como se sabe, foi protagonizada por cristãos, em sua maioria, inclusive algumas de suas lideranças sendo sacerdotes católicos. De vários deles, ouvia-se declaração do tipo: “Não há indissociabilidade insolúvel entre a fé cristã e a adesão ao Marxismo ou à Revolução”. De fato, ainda que se trate de fatos menos frequentes, na história, não se pode afirmar categoricamente tratar-se de posições inconciliáveis ou necessariamente incompatíveis, assim como não se pode afirmar categoricamente que, em assim se dando, uma das posições – ou ambas – resultarão desfiguradas. E isto, por várias razões. Tanto o Cristianismo como o Marxismo comportam uma pluralidade de interpretações. Não há uma única maneira de se definir o Cristianismo nem o Marxismo, nem outra posição filosófica ou teológica. Há, com efeito, distintas – e algumas até contraditórias – concepções do que seja Cristianismo e do que seja Marxismo. Como, então, negar-se categoricamente a legitimidade de uma interpretação tanto de Cristianismo como de Marxismo que não correspondam necessariamente a uma desfiguração de uma ou de outra? Mais: Se assim fosse, isto é, se assistisse razão a uma pessoa ou a um grupo a apropriação exclusiva de um deles ou de qualquer outra corrente de pensamento, aí sim, haveria uma desfiguração: não esqueçamos de que, à vista de alguns textos que se reivindicavam “marxistas”, Marx dizia não ser um marxista. Jesus poderia dizer coisa semelhante... E mesmo não havendo esse tipo de escolha (de duas correntes), também não é seguro que alguém se pretenda proprietário exclusivo do cristianismo ou do marxismo, pois, aqui, ali, sempre surge uma nuança, um ponto discordante para quem se pretenda cem por cento cristão ou cem por cento marxista...

Que caminhos ensaiou, em busca de tal horizonte?

Contrariamente ao percurso de um burocrata ou de alguém refém de seus caprichos de poder e de prestígio, Roger Garaudy preferiu tomar distância dos atalhos ou, como alude o Evangelho, “de entrar pela porta larga”. Pelos seus predicados intelectuais, poderia ter-se deixado seduzir pelos numerosos apelos ao conformismo, à cumplicidade com os poderosos. Preferiu enfrentá-los, não raramente, em condições desiguais. Eis uma marca do ser humano livre, guiado antes pela busca da verdade do que pela busca de fama; antes pelos critérios de justiça do que pelo fascínio do prestígio. Foi assim que ele enfrentou diversas situações desafiantes. Uma dessas situações lhe ocorre quando ele, uma das principais lideranças do PCF, decide, fazendo autocrítica pública, denunciar os horrores do período stalinista, o que lhe custaria bastante caro: a expulsão do PCF! Tantas ocasiões semelhantes confirmariam a solidez de suas escolhas. Teve, por exemplo, que enfrentar, de cabeça erguida,  toda a carga contra ele exercida pela imprensa, pelos grandes meios de comunicação do seu país, inclusive a sistemática negativa  a conceder-lhe direito de resposta, em razão de múltiplas calúnias de que seria vítima, sobretudo em razão de suas severas críticas ao Ocidente e à sua suposta democracia, a propósito do que importa conferir  a força de suas críticas, no famoso livro seu, intitulado “L´Occident, c´est un accident”... Ainda a este respeito, resulta útil conferir um instigante debate, por meio do link: https://www.youtube.com/watch?v=jLbATnDzUDo
Para Garaudy e para gente de semelhante jaez, a plenitude da vida humana comporta necessariamente a experiência da Liberdade. Vida sem liberdade não condiz com o processo de humanização. Os seres humanos, com efeito, não se contentam apenas com a insatisfação de suas carências materiais (o alimentar-se, o vestir-se, o abrigar-se, etc.). Tudo isto é, por certo, fundamental, mas os humanos requerem mais; aspiram, não menos, a satisfazerem suas necessidades imateriais: a contemplação do belo, o exercício das artes, a criatividade, a inventividade. Aspirações que também têm a ver com sua sede do Sagrado, com sua relação (pessoal e social) com o Sopro Fontal, em todas as suas manifestações, para além das formas religiosas culturalmente assumidas, não importando o nome pelo qual seja invocada sua Divindade. Foi também assim que Roger Garaudy lidou com o Sagrado, ao longo de sua trajetória existencial.
Seja com Marx e outras figuras marxistas, com representantes do existencialismo, seja com personalidades religiosas, a exemplo de Abbé Pierre e Dom Helder Câmara, Garaudy exercitou uma interlocução respeitosa, crítica e aberta. Também com a Teologia da Libertação, com a qual apresenta momentos de fecundo diálogo, o que se reflete em parte de suas obras, inclusive numa prefaciada por Leonardo Boff.
Tal interlocução com figuras e lideranças católicas e cristãs não o impediu de ir além, de travar denso relacionamento com os irmãos muçulmanos, chegando mesmo a converter-se ao Islamismo, sempre numa demonstração de interculturalidade. Em sua itinerância geográfica (foi um peregrino a percorrer numerosos países), e como um peregrino existencial, cuidou de exercitar um contínuo aprendizado, o que o levaria a descobrir, a reconhecer e a levar a sério valores preciosos da cultura islâmica, fortemente ignorada e combatida no Ocidente. Mais: tratou de desmascarar a presunção dos ocidentais como os "verdadeiros" pais da civilização, enquanto eles próprios são tributários de enormes riquezas culturais da civilização islâmica (oriental e de outros povos...).

Ao trilhar tais caminhos, em busca de seu horizonte, que postura Garaudy testemunhava?


Qual diligente atleta, ou mais precisamente, qual extraordinário arqueiro, as "flechas" utilizadas por Garaudy eram lançadas em direção a um só alvo: o processo de humanização, aqui entendido como seu horizonte maior, em função do qual não media esforços, buscava entregar-se, por completo, de modo que suas mais distintas atividades se transformavam em "flechas" dirigidas para este alvo. As múltiplas atividades que compunham sua agenda - militância, pesquisa, viagens, debates, docência, meditações, atividade espiritual, etc., cada uma das quais organicamente conectada às demais, todas voltadas para o mesmo alvo. Um homem de projeto! Um homem de práxis! 

Outra marca de operário do processo de humanização residia em lidar com a realidade humana, com a realidade social, consciente de sua complexidade, de suas múltiplas determinações, razão pela qual não costumava dar-se por satisfeito com a versão dominante, com a ideologia dominante. Sentia-se movido pela incessante busca da verdade, ainda que sabendo dela poder apenas aproximar-se, cônscio de jamais poder alcançá-la em plenitude. Limitado sujeito cognoscente, não abria mão de seguir caminho, em sua insaciável condição de um ser movido pela curiosidade epistemológica. Eis por que teimava em não introjetar acriticamente verdades tidas como consolidadas, que o ocidente tratava de inculcar "urbi et orbi"... Preferia seguir o princípio segundo o qual "de omnibus dubitandum". Daí sua incursão por trilhas bem além das apontadas pelo ocidente: daí suas aventuras pelas civilizações orientais, árabes e de outros mundos. E são impactantes suas descobertas! Mais: ao ter a coragem de compartilhá-las, provoca uma reviravolta cheia de impactos e reações por parte dos pretensos detentores exclusivos do saber. Vai enfrentar toda sorte de perseguição, difamação e calúnia, justamente por parte dos que se acreditavam superiores a outros povos... 

Em consonância com seu horizonte e com os caminhos por ele trilhados, há de se incluir sua postura, ou seja, o modo como lidar com tal percurso. Deste modo de lidar com os desafios enfrentados, vale a pena destacar alguns pontos. Resulta impactante, em suas buscas, a paixão pela humanidade, a alta conta em que sempre teve cada ser humano, a começar pelas vítimas e as pessoas mais desprezadas do planeta. Fazia suas as dores, as explorações, as lutas e as esperanças dos "de baixo", bem como dos espaços e territórios que os abrigavam. Tratava-se de um ser indignado diante de toda sorte de injustiça. Disto também é prova a lista de publicações que nos permitimos divulgar abaixo:

·         Antée, (roman), Éditions Hier et Aujourd'hui, 1945.
·         Le Communisme et la renaissance de la culture française, 1945.
·         Le Huitième jour de la création (roman), Éditions Hier et Aujourd'hui, 1946.
·         Contribution historique de la civilisation arabe, Alger, Éditions Liberté, 1946.
·         Les sources françaises du socialisme scientifique, Éditions Hier et Aujourd'hui, 1948.
·         L'Église, le communisme et les chrétiens, Paris, Éditions Sociales, 1949.
·         Grammaire de la liberté, Paris, Éditions Sociales, 1950.
·         Le manifeste du Parti communiste : révolution dans l’histoire de la pensée socialiste, 1952.
·         La théorie matérialiste de la connaissance, Paris, PUF, coll. « Bibliothèque de philosophie contemporaine », 1953.
·         La Liberté, Paris, Éditions Sociales, 1955.
·         Mésaventures de l’anti-marxisme – Les malheurs de M. Ponty (ouvrage collectif), Paris, Éditions Sociales, 1956.
·         L'Économie socialiste au service du peuple, Les Conférences éducatives du Parti communiste français, 14 mai 1956.
·         Humanisme marxiste, Paris, Éditions Sociales, 1957.
·         Questions à Jean-Paul Sartre, précédées d’une lettre ouverte, 1960.
·         Du surréalisme au monde réel : l'itinéraire d'Aragon, Paris, Gallimard, 1961.
·         Perspectives de l’homme: existentialisme, pensée catholique, structuralisme, marxisme, Paris, PUF, coll. « Bibliothèque de philosophie contemporaine », 1959.
·         Dieu est mort; étude sur Hegel, Paris, PUF, coll. « Bibliothèque de philosophie contemporaine », 1962.
·         Qu’est-ce que la morale marxiste?, Paris, Éditions Sociales, 1963.
·         D'un réalisme sans rivages Picasso Saint-John Perse Kafka, préface de Louis Aragon, Paris, Plon, 1963.
·         Karl Marx, Paris, Seghers, 1965.
·         D’un réalisme sans rivage, Paris, Plon, 1965.
·         De l’anathème au dialogue, Paris, Plon, 1965.
·         Marxisme du xxe siècle, Paris-Genève, La Palatine, 1966.
·         La Pensée de Hegel, Paris, Bordas, 1966.
·         Le Problème chinois, Paris, Seghers, 1967.
·         Lénine, Paris, PUF, 1968.
·         Pour un réalisme du xxe siècle. Étude sur Fernand Léger, Paris, Grasset, 1968.
·         Pour un modèle français du socialisme, Paris, Gallimard, 1968.
·         Peut-on être communiste aujourd'hui ?, Paris, Grasset, 1968.
·         La liberté en sursis : Prague 1968, Paris, Fayard, 1968.
·         Le Grand tournant du socialisme, Paris, Gallimard, 1969.
·         Marxistes et chrétiens face à face, en collaboration avec Q. Lauer, Paris, Arthaud, 1969.
·         Toute la vérité, Paris, Grasset, 1970.
·         Reconquête de l'espoir, Paris, Grasset, 1971.
·         L’Alternative, Paris, Robert Laffont, 1972.
·         Danser sa vie, préface de Maurice Béjart, Paris, Le Seuil, 1973.
·         60 œuvres qui annoncèrent le futur, Genève, Skira, 1974.
·         Parole d'homme, Paris, Robert Laffont, 1975.
·         Le Projet espérance, Paris, Robert Laffont, 1976.
·         Pour un dialogue des civilisations Paris, Denoël, 1977(ISBN 979-1090896000).
·         Qui dites-vous que je suis ? (roman), Paris, Le Seuil, 1978.
·         Appel aux vivants, Paris, Le Seuil, 1979, prix des Deux Magots en 1980.
·         Comment l'homme devint humain, Éditions Jeune Afrique, 1979
·         Il est encore temps de vivre, Paris, Stock, 1980.
·         Promesses de l'Islam, Paris, Le Seuil, 1981.
·         Pour l'avènement de la femme, Paris, Albin Michel, 1981.
·         L’Affaire Israël : le sionisme politique, Papyrus, 198325
·         Éduquer au dialogue des civilisations, ouvrage en collaboration, 1983, Québec, Éditions du Sphinx(ISBN 2-920123-04-1).
·         Biographie du xxe siècle, Paris, Tougui, 1985.
·         Pour un Islam du xxe siècle (Charte de Séville), Paris, Tougui, 1985.
·         Mon tour du siècle en solitaire, mémoires, Paris, Robert Laffont, 1989.
·         Intégrismes, Paris, Belfond, 1990.
·         Les Orateurs de la Révolution française, 1991.
·         Les Fossoyeurs : un nouvel appel aux vivants, Paris, L'Archipel, 1992.
·         À Contre-nuit, 1992.
·         Avons-nous besoin de Dieu ?, introduction de l'abbé Pierre, Paris, Desclée de Brouwer, 1993.
·         Souviens-toi : brève histoire de l'Union soviétique, Pantin, Le Temps des cerises, 1994.
·         Vers une guerre de religion ? Débat du siècle, Paris, Desclée de Brouwer, 1995.
·         L'Islam et l'intégrisme, Pantin, Le Temps des cerises, 1996.
·         Les Mythes fondateurs de la politique israélienne, Paris, Librairie du savoir, 1996.
·         Grandeur et décadences de l'Islam, Paris, Alphabeta & Gama, 1996.
·         Réponse au lynchage médiatique de l'abbé Pierre et de Roger Garaudy, Samizdat, brochure de 38 pages, juin 1996.
·         Mes témoins, Éditions À Contre-Nuit, Paris, 1997(ISBN 978-2912341051).
·         Les États-Unis avant-garde de la décadence, Paris, Vent du Large, 1997 (ISBN 978-2912341006).
·         Le Procès du sionisme israélien, Paris, Vent du Large, 1998, Samiszdat Roger Garaudy, 199626
·         Le Procès de la liberté, en collaboration avec Jacques Vergès, Paris, Vent du large, 1998(ISBN 978-2912341105).
·         L’Avenir, mode d'emploi, Paris, Vent du large, 1998.
·         Palestine Terre des messages divins, Al Fihrist, Beyrouth-Liban, 1998.
·         L'Islam en Occident, Cordoue capitale de l'esprit, Paris, L'Harmattan, 2000.
·         Le xxie siècle – Suicide planétaire ou résurrection, en collaboration, Paris, L'Harmattan, 2000(ISBN 978-2-7384-9074-2).
·         Le Terrorisme occidental, Luxembourg, Al-Qalam, 2004 (ISBN 978-2909469423).
·         Qu'est-ce que l'anti-américanisme ?
·         Plusieurs articles dans la revue À contre-nuit


 João Pessoa, 7 de agosto de 2019.