terça-feira, 13 de agosto de 2019

UM JEITO DE CELEBRAR PUEBLA (III CELAM, MÉXICO, 1979): anotações sobre a realização da I Jornada Comunitária, abrindo a IX Semana Teológica Pe. José Comblin


UM JEITO DE CELEBRAR PUEBLA (III CELAM, MÉXICO, 1979): anotações sobre a realização da I Jornada Comunitária, abrindo a IX Semana Teológica  Pe. José Comblin

Alder Júlio Ferreira Calado

Realizou-se, anteontem, dia 11 de agosto, a I Jornada Comunitária, animada pelo Grupo Kairós, um dos grupos organizadores das Semanas Teológicas Pe. José Comblin, agora em sua nona edição, que tem como tema "Nas trilhas de Puebla, com Jesus, Francisco e José".

Como em outras precedentes, a IX Semana Teológica Pe. José Comblin (STPJC), desdobra-se para além de uma semana: estende-se por meses. Neste ano, de agosto a outrubro. Compõe-se, primeiramente, das Jornadas Comunitárias (no campo e nas periferias urbanas), culminando com a Sessão de Encerramento, prevista para o dia 05 de outubro vindouro, conforme vem sendo divulgado, nesses últimos dias, inclusive por meio do"site" teologianordeste.net, contendo também o "folder" da IX STPJC. 

As notas que seguem, focam apenas a realização, neste último domingo, da I Jornada Comunitária, realizada no bairro Castelo Branco, mais precisamente na Capela Ecumência da UFPB, em João Pessoa - PB. Cada Jornada Comunitária é coordenada por um dos grupos organizadores do mesmo evento. No caso da I JC, coube ao Grupo Kairós organizar e animar, de forma mais direta, com a participação de membros de outros grupos, tais como o CEBI, o MTC, a Fraternidade  Esperança... Cuidamos, em seguida, de fornecer os traços principais desta I Jornada Comunitária.

Prevista para iniciar-se às 08:30, bem mais cedo já se achavam por lá alguns membros do Kairós e de outros grupos, para os preparativos do local (cenário, materiais de apoio, serviço de som, roteiro da celebração, etc.). A Capela Ecumênica da UFPB é rodeada de bosques preciosos da Mata Atlântica,  oferecendo uma paisagem rica em biodiversidade. As pessoas iam chegando e cumprimentando-se, nesse clima, animado por músicas bem selecionadas, inclusive com tomadas de fotos feitas por Andrea. Por volta das 09 horas, foi dado início à celebração. 

Tocaram a Aparecida (Cida) expressar pelo Grupo as palavras de acolhimento e a coordenação dos trabalhos. Em suas palavras iniciais, deu as boas-vindas a todas, a todos, e após entregar a(o)_s participantes as folhas do roteiro da celebração. Em seguida, cuidou de relembrar o sentido da IX STPJC deste ano, em que estamos celebrando os 40 anos da Conferência Episcopal Latino- Americana, realizada em Puebla ( México), em 1979.

Dando continuidade,  foi lida a introdução do que está contido no folder acerca do legado de Pe. Comblin, sua contribuição inclusive, como assessor, de bispos participantes da III CELAM, em Puebla, bem como as profundas afinidades suas com as atitudes proféticas do Papa Francisco, como se estivessem em permanente diálogo implícito.

Tivemos, em continuidade, o início da celebração da Palavra, com o convite a entoarmos o cântico “ É missão de todos nós”, do qual fazem parte estrofes emblemáticas tais como:
“ O Deus que me criou, me quis e consagrou
Para anunciar o Seu amor”
           É missão de todos nós:
Deus chama e quer ouvir a sua voz

Eu sou como chuva em terra seca
P’ra saciar, fazer brotar
Eu vivo para amar e pra servir

Eu sou, sou profeta da verdade
Canto a justiça, o amor e a liberdade.”



 Em seguida, as pessoas participantes foram convidadas a entoar o canto de aclamação ao Evangelho, tendo sido escolhido o cântico:

"Toda Palavra de vida é Palavra de Deus
Toda ação de liberdade é a divindade agindo entre nós".

Consultados sobre quem gostaria de fazer a leitura do Evangelho a Irmã Maria Besen da Fraternidade Esperança, prontificou-se a fazer a leitura o que, pela tocante afinidade com a temática de Puebla, foi escolhida a passagem de Lucas,  (leitura da do Domingo anterior), à qual se seguiram densas reflexões compartilhadas, dentre as quais Elias Cândido do Nascimento (membro do Kairós e do MTC) sublinhou a profunda atualidade da leitura, tomando em consideração a extrema ganância dos poderosos de hoje de acumular riquezas desmedidas, contribuindo diretamente para o aumento das gritantes desiguadades sociais, ambiente parecido com o contexto sócio-histórico da III Conferência realizada em Puebla, há quarenta anos. E assim, várias outras pessoas também expressaram suas reflexões inspiradas pelo Espírito do Ressuscitado.

Concluíindo esse momento, foi recitado o Salmo, de forma dialogada, por todos.

O momento seguinte consistiu numa leitura mais extensa de trechos-chave do Documento Final de Puebla. Este texto era um dos três propostos para a reflexão nas Jornadas Comunitárias. Os outros dois são: um texto escrito pelo Pe. José Combiln, fazendo uma avaliação da III Conferência Episcopal Latino-Americana, em Puebla, enquanto o terceiro texto corresponde a trechos da Exortação Apostólica "Evangelii Gaudium", do Papa Francisco, sublinhando a relevância e urgência de nos abrirmos, como Igreja, a uma "Igreja em saída".

Conforme a escolha do Grupo, cuidamos de focar no Texto n. 1, o que traz passagens relevantes do Documento Final de Puebla. Com a contribuição espontânea das pessoas participantes, foi iniciada a leitura, começando pelo que o Documento chama de “feições dos pobres de nosso continente, ou seja a descrição dos rostos de nossa gente mais sofrida e merecedora de nossa ação pastoral prioritária. Com efeito, o trecho que se situa entre os números 31 e 39 do mesmo Documento se apresenta emblemático. Aí se fala, por exemplo, das feições de nossas crianças: antes mesmo de nascerem, já se vêem alvo de injustiça, pela penúria de suas mães e da família. Após o nascimento, seguem seu cotidiano “severino” – de abandono, de violência sofrida, de ausência de políticas públicas a seu favor, etc. Rostos de indígenas marginalizados, explorados pela ganância do sistema capitalista e seus representantes, de olhos grandes para seus territórios, seus bens, suas riquezas, agredindo a Mãe-Terra para a exploração de minérios destinados à exportação. Feições de comunidades quilombolas ou de povos afroamericanos mergulhados nas mais graves mazelas do mesmo sistema: desemprego, sub-emprego, baixíssimos índices de qualidade de vida. Feições de camponeses, vítimas contumazes da fúria dos grandes proprietários e latifundiários, acobertados pela cumplicidade do Estado. Feições de operários submetidos às mais cruéis agruras das leis trabalhistas vigentes nos diversos países do continente. Feições de pessoas idosas, desrespeitadas em sua dignidade e em seus direitos.

Eis um trecho que despertou uma sucessão de comentários pelos presentes.  Rolando expressou seu sentimento de indignação, sublinhando a contundência daquele Documento que lhe soava tão atual e tão próximo das atrocidades de hoje. Maria Oliveira Ferreira, por seu turno, também manifestou sua indignação, diante de realidade tão cruel, mas também tão atual, e até de certa forma agravada, no atual contexto. Lúcia, igualmente, contribuiu, compartilhando seu sentimento de revolta contra tal situação, que infelizmente perdura. Glória, em várias ocasiões, lembrava que tais crueldades por vezes se faziam até  em nome do Cristianismo, como acontece no presente. Nos números seguintes dos trechos selecionados, a leitura prosseguiu. Consoante à temática geral da III CELAM – “A Evangelização no presente e no futuro da América Latina” , mereceram destaque  as profundas e crescentes desigualdades sociais e respectivos fatores, incidindo seja no plano econômico, seja na esfera política, seja no terreno cultural. Também, foi realçada a participação dos leigos e das leigas como agentes mais diretos do processo de transformação, inclusive na esfera política. No correr da leitura, aqui ali, percebia-se certo hiato ou incongruência nas falas dos próprios bispos signatários do texto, o que chamou a  atenção dos presentes. Em intervenções de outros participantes – mulheres e homens -, buscou-se interpretar tais discrepâncias, a partir da compreensão de que, como toda Igreja, também a nossa é fortemente plural. Mesmo reunidos na mesma Igreja, e animados pela mesma fé, há, contudo, diferentes posicionamentos, refletindo o lugar social de tais membros, o que nos ajuda a entender a Igreja como um grande guarda-chuva a abrigar diferentes (às vezes, até antagônicos) posicionamentos de classe, de visões de mundo, de sociedade, o que se reflete com frequência nos docuemetnos oficiais da Igreja, em especial em documentos assinados por participantes de sínodos, de conferências episcopais e foros semelhantes.

Ao final de cada texto proposto a cada Jornada Comunitária, constavam duas perguntas, destinadas a ajudar o debate em pequenos grupos. Foram lidas, com a contribuição de algumas pessoas, na discussão.

Antes do convite à Oração do Pai Nosso,  algumas pessoas houveram por bem compartilhar mais informações e convites. Um desses convites foi feito pela Irmã  Sílvia, da Fraternidade Esperança, no sentido de informar e convidar os presentes para a celebração, na segunda-feira, dia 12, na Comunidade Laranjeira, no Bairro José Américo, onde viveu Dom Fragoso o período final de seu percurso existencial entre nós. Aí está sendo organizada a celebração que dá início aos festejos e comemoração do centenário de Dom Fragoso.

Conforme o roteiro da celebração, a coordenadora dos trabalhos convida a todos e todas à oração do Pai Nosso, sugerindo a versão conhecida e cantada do “Pai Nosso dos Mártires”.
Foi solicitada e acolhida a sugestão de convidarmos a Elias e a Marinete, para nos darem a bênção final, o que foi aceito pelo venerando casal. Após a bênção, e por sugestão de Elias, entoamos juntos, acompanhados da interpretação de Clara Nunes, o belíssimo “Canto das Três Raças”:

“Ninguém ouviu
Um soluçar de dor
No canto do Brasil

Um lamento triste
Sempre ecoou
Desde que o índio guerreiro
Foi pro cativeiro
E de lá cantou

Negro entoou
Um canto de revolta pelos ares
No Quilombo dos Palmares
Onde se refugiou
Fora a luta dos Inconfidentes
Pela quebra das correntes
Nada adiantou

E de guerra em paz
De paz em guerra
Todo o povo dessa terra
Quando pode cantar
Canta de dor

E ecoa noite e dia
É ensurdecedor
Ai, mas que agonia
O canto do trabalhador
Esse canto que devia
Ser um canto de alegria
Soa apenas
Como um soluçar de dor”.

Nossa I Jornada Comunitária foi encerrada festivamente, com muita partilha, alegria e animação. O casal Elia –Marinete nos trouxe um saboroso bolo, enquanto outras pessoas nos brindaram com mais doces, salgadinhos e bebida, sempre em conversas animadas, a escutarmos notícias e experiências do dia-a-dia, inclusive no campo dos estudos, a exemplo das partilhadas por Júlia e outras pessoas. Saímos todos, todas, mais renovados e encorajados a seguirmos em saída, a continuar nossa missão no meio do povo dos pobres, mantendo viva nossa esperança e nossa confiança no Deus da Vida e da Liberdade.


João Pessoa/ Olinda, 13 de agosto de 2019

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