sábado, 31 de março de 2018

POVO NEGRO: REMOVENDO ENTULHOS HISTÓRICO-CULTURAIS, E AJUDANDO A SEMEAR UM NOVO MUNDO





Alder Júlio Ferreira Calado[1]*


            Nossa primeira inquietação consiste em situar o Povo Negro, em toda a sua rica diversidade, no espectro do conjunto geral dos povos que constituem a Humanidade, em comunhão com o Planeta e com o Universo.
O Povo Negro não quer afirmar-se em detrimento de, ou na indiferença em relação a outros povos-irmãos. Cioso de sua identidade (sempre dentro da ampla diversidade, e em permanente construção), sente-se, em primeiro lugar, como parceiro dos outros povos e da Mãe-Natureza. O que é bom para a Humanidade e o que é bom para o Planeta e o Universo também é bom para o Povo Negro. O Povo Negro faz também suas as alegrias, as angústias, as lutas, as conquistas e as esperanças da Humanidade e do Planeta, principalmente hoje, quando talvez mais do que nunca antes, nossa Mãe-Terra geme em dores de parto (a tragédia no Japão é apenas um desses sinais que se vêm multiplicando...).
Ao mergulhar em suas características específicas, não o move qualquer pretensão de ser melhor nem pior do que ninguém. Exercita suas características próprias e sua notável diversidade, afirmando o princípio da igualdade social de todos os povos e a dignidade de todos os humanos e de todos os seres partícipes da comunidade dos viventes.
É com tal sentimento prévio, que exercita seu olhar interior, a contemplar suas especificides.
            Por quê, como, a favor de quê e contra quê luta o Povos Negro, no mundo e no Brasil? Como busca articular suas lutas, em relação a tantas outras lutas protagonizadas pelos oprimidos de todo o mundo, inclusive no Brasil? No caso da sociedade brasileira da atualidade, que desafios vem enfrentando? E, no espectro dos movimentos e das organizações afrobrasileiras, como se situa a ABIBIMIMAN, expressão da ARCA, cuja caminhada, em breve, estará alcançando um quarto de século? Eis um roteiro de questões que nos propomos trabalhar, no quadro e nos limites de um artigo compondo o presente livro. E buscamos fazê-lo em três tópicos: partindo do atual cenário internacional; como o Povo Negro afrobrasileiro vem buscando protagonizar suas lutas? Qual tem sido a contribuição específica de ABIBIMAN, nesse contexto?

Partindo de um quadro panorâmico do atual cenário internacional

            Se, por um lado, nunca deixamos de ter um cenário internacional de relevante efervescência – em uns lugares e tempos mais do que em outros -, por outro lado, sabemos que tal quadro vem tomando ares mais intensos, de alguns anos para cá, graças, como se sabe, à notável intensificação do processo de globalização capitalista, a afetar drasticamente toda a cadeia produtiva, os processos organizativos do trabalho, bem como a reconfiguração dos Estados nacionais, além da grade hegemônica de valores.
Enfrentamos uma nova configuração sócio-econômico-política e cultural, acarretando numerosos desafios, inclusive por conta de sucessivas crises do próprio Capitalismo, especialmente nesses últimos anos. Múltiplos e compexos desafios, a começar pelos de caráter mais diretamente econômico: reestruturação produtiva, novos processos de organização do trabalho, a acarretar desemprego estrutural, crescente precarização das relações de trabalo, concentração de riquezas, de terras e de rendas. No plano mais expressamente político: um forte reordenamento das funções sociais dos Estados nacionais, de modo a viabilizar as políticas econômicas ditadas aos Estados nacionais – em especial os periféricos - pelos grandes conglomerados transnacionais, em todas os setores – econômico, político, cultural. No caso deste, a atuação se dá de modo mais intenso pela via midiática, expressão viva das forças imperantes.
Nos espaços mais ampliados de realização do Fórum Social Mundial, temos tido ocasião de deparar-nos com relatos, ao mesmo tempo trágicos, em um sentido, e promissores, em relação, por exemplo, às iniciativas de resistências mais recentes, acarretando uma onda de ebulição em que nos encontramos, no cenário mundial da atualidade, diante das lutas crescentes dos povos contra o modelo capitalista de produção, de gestão e de consumo, nas várias esferas da realidade. Ressoam ainda bem vivos aos nossos ouvidos os clamores das mobilizações anti-globalização neoliberal nos Estados Unidos, na Itália e outros países europeus, na América Latina e em outras partes. E ainda com força maior, mais recentemente nos países do Norte da África e no Oriente Médio.
A generalizada insatisfação contra o Capitalismo, ao longo do mundo, deve-se tanto às variadas e cada vez mais freqüentes agressões ao Meio Ambiente, como às crescentes violações aos direitos mais elementares do povo dos pobres, em escala mundial. E isto não se dá apenas num setor isolado ou em alguns deles. Tais violações estendem-se, com efeito, a todas as esferas da realidade: da economia à política; da cultura ao âmbito das religiões. Trata-se de um profundo comprometimento de um sistema como um todo, de modo a afetar a lógica mesma de organização das sociedades, capitaneadas pelos grandes conglomerados mundiais, a agirem na mineração, na construção de mega-usinas hidrelétricas, na exploração e comercialização do petróleo, nas grandes empresas transnacionais de mineração, no agronegócio, na indústria de armamentos, nos paraísos fiscais, na indústria de drogas, na indústria de armamentos sofisticados, na indústria farmacêutica, na lógica que preside à indústria automobilística, nas políticas de privatização da saúde e de outros setores estratégicos, na degradação dos serviços públicos essenciais, em escala mundial, no controle das fontes de vida, na concentração de terras para fins lucrativos de poucos, nas políticas de comunicação controladas por grandes empresas midiáticas, etc., etc.
            O Povo Negro, até pelo fato de se constituir em maiorias ou expressivos contingentes nessas sociedades, a par dos demais povos da Terra, não se conforma com esse modelo secular de organização, de gestão e de consumo das sociedades humanas, alicerçado nos privilégios de pequenas minorias, em prejuízo direto e indireto de massacradas maiorias, tornadas mero alvo de lucro, mercadorias. Maiorias destituídas, “a manu militari”, de suas organizações de produção, de seus direitos políticos, de suas formas autóctones de gestão, de suas manifestações culturais nativas. O Povo Negro se acha cansado de uma longa dominação colonial e pós-colonial. Quer voltar a ser sujeito de sua própria história. Os mais recentes acontecimentos em parte da Mãe-África acenam nessa direção. Um número crescente de manifestações populares, circunscritas por enquanto ao Norte da África (Tunísia, Argélia, Egito...) tem acenado para a necessidade e urgência de se buscar um outro rumo para os povos da África, bem como para outros povos (como os do Oriente Médio). Ensaiam um primeiro passo. Movidos pela indignação cívica, exacerbada por décadas de repressão e exploração de uma “cleptocracia” (entendida como o império de um pequeno grupo que vive de ´pilhagem ou de extorquir a população). Mas, sabemos que seus objetivos vão muito além dessa explosão de revolta, à medida que investirem em processos de organização de suas bases e de formação alternativa a esse estado de barbárie.
            Por todo o Planeta, registram-se sinais cada vez mais convincentes, de que os povos se organizam contra as perversões multifacetadas de que têm sido vítimas por parte do modelo capitalista. Há cerca de dois anos, o sistema voltou a apresentar sinais de exaustão, desde o coração do império. Segmentos expressivos daquela sociedade – inclusive com uma significativa população formada pelo Povo Negro -  vêm manifestando, de várias maneiras, seu protesto contra as formas de exploração, de dominação e de marginalização infligidas pelo Capitalismo, de que seguem sendo vítimas os humanos e o Planeta.
            À medida que enormes parcelas da população estadunidense se vêem metidas num processo de crescente empobrecimento, outros povos vão se sentindo motivados a buscarem outra forma de organização de seu processo de produção, circulação e consumo, bem como de gestão de seus bens culturais.
            Exaure-se todo o sistema imperante, inclusive as instâncias que lhe davam sustentatação, a começar pela ONU e demais organismos multilaterais. A esse respeito, têm surgido vozes proféticas, a exemplo da recente proposta feita por Miguel d´Escoto e Leonardo Boff de uma profunda reestruturação de um organismo internacional representativo e de credibilidade, aos olhos dos 192 países do mundo, que faça cessar os privilégios das grandes potências, na tomada de decisões graves, em escala mundial.
            De fato, está em jogo o destino dos povos. Já não lhes interessam os velhos instrumentos convencionais de de produção, de gestão, de organização, de consumo e até de avaliação. São contestáveis até os parâmetros de avaliação econômica, baseados em instrumentos tais como Produto Interno Bruto, Renda “per cápita”, Risco-país, Superávit Primário e similares. Todos funcionais à lógica do Mercado, propensos a uma avaliação economicista, de olhos voltados exclusivamente para o crescimento econômico favorável aos grandes conglomerados transnacionais e às grandes potèncias. Já não se trata de contestar partes isoladas do sistema, mas é refutado o modelo como um todo: de suas estruturas de produção aos mecanismos de organização política; da lógica de seu desastrado comércio a seus padrões de consumo; de sua grade de valores às suas relações com a natureza e com o Sagrado. Trata-se, em breve, para os povos da Terra, de pôr fim definitivamente ao império da mercantilização das relações humanas entre si, e destas com a natureza e com o Sagrado.
            Desafio sem precedente, sob certo ponto de vista, e a ser enfrentado a curto, médio e longo prazos. E a ser enfrentado de modo divers do já experimentado, no passado, quando se apostava em “humanizar” o Capitalismo, em torná-lo menos cruel, por meio de correções pontuais, de reformas tópicas (Social-Democracia, Estado do Bem-Estar Social e outras tentativas do gênero).
            Cada vez mais e melhor se percebe que já não é mais razoável pretender-se “melhorar” o Capitalismo. Importa, sim, dar fim ao mesmo, seja em sua dimensão econômica, seja no plano de suas relações políticas, seja ainda no terreno cultural e de sua grade de valores.
            Na área econômica, por exemplo, já não se trata de pretender-se reduzir progressivamente a gula dos grandes conglomerados transnacionais, por meio de taxações especiais ou de transferência simbólica de suas riquezas. Trata-se, agora, de exercitar com ele a única relação humanizadora e ecológica possível: combatê-lo e desmantelá-lo em seus fundamentos. Por certo, isto não é tarefa fácil, nem tampouco de curto prazo. Nem se tem receita para tanto. Simplesmente – e já é muito! – parte-se de uma certeza: sabemos que tal sistema é, por definição, predatório dos humanos e do Planeta. Podemos não saber exatamente – nem achamos que haja – “a” alternativa, mas estamos imbuídos da convição de que “É melhor saber para onde ir, sem saber cmo, do que saber como e não saber para onde ir.”
            No campo político, a luta se trava de forma orgânica. Também aqui, não se tem receita. Tem-se, sim, algumas pistas. Uma delas: já não vale a pena apostar-se, como em outras conjunturas passadas, na via parlamentar ou nos espaços governamentais. Se estes sempre constituíram instrumentos orgânicos do Estado – no caso, do Estado capitalista -, nas últimas décadas, isto se tem dado como nunca antes. Os Estados nacionais – enfraquecidos em seu poder de formulação de políticas sociais de tipo social-democrata, nas décadas mais recentes vêm se rendendo, cada vez mais expressamente, aos ditames dos grandes conglomerados transnacionais, seja no âmbito das finanças, no terreno das grandes empreiteiras, no mundo do agronegócio, da metalurgia, da mineração, das mega-usinas, dos laboratórios farmacêuticos, etc., etc. As forças sociais que, tradicionalmente se têm valido da desgastada  tática (ou estratégia?) do “entrismo” (tentativa de se apropriar, pela via dos instrumentos convencionais, dos aparelhos de Estado) e, por isso, teimam em usá-los como espaços alternativos aos interesses das classes populares, têm sofrido reiterados reveses, sem contar que boa parte de seus “representantes”, não apenas não logram conquistas significativas (a não ser para seus projetos pessoais ou de pequenos grupos), como  acabam cooptados...
Com efeito, já não mais adianta nutrir expectativas de amenizar a ferocidade do Mercado e dos seu Estado, mas de atingi-lo pelas entranhas. Mesmo não sabendo qual é “o” caminho, sabemos que há pistas.Uma delas: não compactuar com a lógica do sistema já é um primeiro passo consistente. Urge, como costuma insistir o Prof. Ivandro da Costa Sales, “pular fora da lógica capitalista”. Isto implica redefinir nosso horizonte de sociedade, nossos caminhos e nossas posturas, começando por gestos minúsculos, moleculares, mas prenhes de uma convicção fundamental: é, sim, possível, ensaiar passos concretos – em âmbito pessoal como no plano societal – de alternatividade.

Como o Povo Afrobrasileiro vem conseguindo protagonizar suas lutas, nesse quadro atual?

            É sabido que a população negra do Brasil constitui um dos maiores contingentes da população negra mundial, superando o contingente populacional de quase todos os países africanos, tomados individualmente. Este fato não se dá sem marcas e conseqüências relevantes, tanto do ponto de vista de sua evolução histórica, quanto do ponto de vista de sua diversidade cultural e de formas de organização.
            Um rápido olhar em direção ao perfil do Povo Negro no Brasil permite perceber uma enorme variedade de rostos, com suas marcas comuns e, ao mesmo tempo, com seus traços singulares. Se, de um lado, estamos diante de uma maioria marcada por situações tais como: os mais pobres, ou mais precisamente, os mais empbrecidos da população brasileira; o segmento mais afetado pela criminalização de classe, de gênero, de etnia e de outros preconceitos sócio-culturais; pelo déficit endêmico (ou até ausência) de bens e serviços públicos essenciais (moradia, educação, saúde, transporte coletivo, etc.), temos, por outro lado, no próprio interior do Povo Negro brasileiro, uma espantosa diversidade de perfis, envolvendo questões de gênero, de idade, de escolaridade, de opções religiosas, de iniciativas culturais, de opções políticas, etc.
            Ainda quanto ao que concerne a características comuns (pelo menos para uma enorme maioria do Povo Negro brasileiro), convém destacar duas delas: as diferentes discriminações de que é vítima e o fato de ser constante alvo de criminalização. Com relação às múltiplas discriminações, importa sublinhar as seguintes:
            * discriminações de classe: dentre os segmentos mais afetados pela pobreza resultante do processo de exploração capitalista, os Negros constituem a maioria; do grande número de trabalhadores e trabalhadoras desempregados, os afrobrasileiros são maioria; assim também no que se refere ao sub-emprego, aos mais baixos salários, às mais precárias condições de trabalho e moradia; aos menores índices de escolaridade; ao pior acesso aos serviços públicos básicos; às mais precárias condições de transporte urbano e rural; aos piores índices de acesso a cargos mais relevantes nas empresas, nas Forças Armadas, nas Igrejas, no Parlamento, no Judiciário, no Executivo...
            * alvo mais freqüente de criminalização: uma enorme parcela a compor a população carcerária também é formada de Afrobrasileiros, em especial de seu segmento jovem.
            Para além desses traços comuns, convém ter igualmente presentes traços singulares do Povo Negro brasileiro. Traços que vêm se forjando historicamente, de um lado, pela evolução de seu protagonismo, dentro da diversidade já mencionada, e, por outro, em função de diferentes conjunturas. Registra-se aí uma dinâmica interação das várias nuanças e singularidades do Povo Negro brasileiro com diferentes condicionantes conjunturais. Inclusive hoje, cumpre tomar em conta tal interação. Graças a esta, é que, no interior do mesmo Povo Negro brasileiro, podem ser observadas facetas diversificadas:
- segmentos afinados com a maioria dos valores dominantes e segmentos (minoritários) que se mostram críticos à grade de valores dominante;
- segmentos do Povo Negro brasileiro fortemente afinado
- parcelas politicamente simpáticas ao modo de gestão governamental e parcelas (minoritárias) que se manifestam arredias, indiferentes ou até mesmo em oposição ao modelo dominante;
- contingentes significativos do Povo Negro brasileiro afinados com as práticas religiosas cristãs, no interior de diferentes igrejas, e contingentes que tendem a afirmar-se pela sua identidade afro-religiosa, e ainda outra parcela que se mantém relativamente indiferente a credos;
- uma parte considerável do Povo Negro brasileiro mostra-se com tendência a uma integração orgânica com os não-Negros, enquanto outra parte (minoritária) tende a preservar sua identidade afrobrasileira;
- no interior do segmento que se empenha na fidelidade à sua identidade afrobrasileira, há os que, em complementaridade a essa busca, se mostram abertos à interação com outros segmentos não-Negros, e há ainda uma parcela cujo zelo identitário tende a fechar-se em si mesmo, sinalizando algum traço de auto-suficiência (do que pode ser sinal o uso de símbolos com dizeres tais como “100% Negro”).
            São apenas algumas das nuanças resultantes de um secular processo de interação observável entre o empenho do Povo Negro brasileiro em manter vivas suas singularidades étnicas e certa assimilação ou, pelo menos, certa acomodação aos padrões culturais dominantes.
            Diante de alguns elementos em busca de um esboço de perfil do Povo Negro brasileiro, torna-se mais compreensível as também diversificadas posições tomadas pelos Afrobrasileiros e Afrobrasileiras, ao calor das sucessivas conjunturas sócio-hiestóricas, inclusive no presente. Posições majoritárias, sim, unânimes, não: é o que se tem observado, nas diferentes conjunturas, inclusive na atual. E isto vai das manifestações religiosas às opções político-partidárias; das posições diante dos conflitos econômicos,sociais e culturais, presentetes, por exemplo, em suas distintas posições frente às políticas públicas, notadamente nas políticas governamentais específicas. Um caso paradigmático dessa diversidade incide no debate e na avaliação da política de cotas afirmativas.
            E aqui dificilmente têm êxito avaliações com tom de excludência, do tipo “Tal posição é a certa.” Se em situação alguma, ninguém é dono da verdade, tampouco diante de casos tão complexos como este. Quem concorda com e luta pelas cotas tem seus argumentos a serem considerados:
- diante de uma opressão secular da qual os Negros foram – e continuam sendo - as principais vítimas, não dá mais para esperar que, primeiro, se mude todo o modelo, para só então assegurar-se aos Negros seus direitos negados, como no caso da educação;
- longo é o processo de nossa libertação: por que não começar por pequenos passos?
- o acesso dos Afrobrasileiros à universidade, ainda que por meio não convencional, vai abrindo caminho à incorporação de contingentes marginalizados, recobrando sua auto-estima e incentivando seu potencial. Só para mencionar três dos argumentos freqüentes ouvidos.
            Por outro lado, também não parece razoável fazer ouvidos moucos ao contraditório, a argumentos do tipo:
- A opção pela política de cotas promove uma integração orgânica dos Negros a uma sociedade profundamente desigual, na qual a política de cotas cumpre um papel apenas lenitivo, o que acaba por legitimá-la objetivamente;
- a política de cotas favorece uma parcela minúscula do Povo Negro, sem alcançar nem combater as raizes mais fundas do modelo de desigualdade social imperante
- assim como as políticas afirmativas, em geral, a política de cotas corre o risco de contribuir para a desmobilização das classes populares em busca de seus direitos plenos, à medida que passa a idéia de uma medida progressiva (feita em etapas), destinada a assegurar a setores tradicionalmente marginalizados da população acesso a direitos secularmente negados a tais setores sociais.
            Como se pode perceber, não parece razoável negar-se a entender os argumentos colocados por distintas partes do Povo Negro, conforme sua posição ético-política. Nesse sentido, parecem legítimos todos esses argumentos, se se toma em consideração o lugar social de onde partem, bem como suas respectivas visões de mundo e de sociedade.

De que modo ABIBIMAN, como expressão da ARCA, vem buscando contribuir com a causa do Povo Negro, em nossa região?

            Todo esse esforço de compreensão dos distintos perfis do Povo Negro brasileiro, bem como de seus respectivos movimentos e organizações de base é feito por meio de uma ampla pluralidade de protagonistas, de espaços sociais, de meios e de formas de atuação. Nesse amplo espectro de movimentos e entidades organizativas do Povo Negro brasileiro, inclui-se a iniciativa da Associação do Resgate da Cultura Afro, bem como de seu respectivo periódico, ABIBIMAN. Aqui nos restringimos a essas duas últimas iniciativas, notadamente ao jornal ABIBIMAN.
Ainda na década de 90, na esteira do esforço organizativo e de resistência às diferentes marcas de exploração, de opressão e de marginalização expressas pelo Neoliberalismo, um grupo de militantes da causa negra, liderado por Luiz Eloy Andrade, juntamente com o Prof. Francisco Galindo, o Prof. Francisco Romildo e outros colaboradores e colaboradoras, toma a iniciativa de fundar uma organização em defesa da causa dos Afrobrasileiros e Afrobrasileiras – a ARCA: Associação de Resgate da Cultura Afro.
            Como indica o próprio título da Associação, os ebjetivos perseguidos, desde então, não poderiam ser outros senão o de buscar recuperar a memória e o legado da cultura do Povo Negro, por meio da sensibilização, organização. formação e mobilização da sociedade, em especial dos filhos e das filhas do Povo Negro.
            Daí resultaram várias atividades e iniciativas fecundas, boa parte das quais registradas nas páginas de ABIBIMAN, periódico que tornou mais conhecido o trabalho da ARCA e de seus protagonistas. De lá para cá, quantos eventos organizados, quer nas escolas públicas, quer nas faculdades da região, mas igualmente nas praças e nas ruas, bem como nas comunidades rurais da região.
            Destaquemos aqui o papel de ABIBIMAN que, mais tarde, veio a contar com uma pagina própria na internet. O grande papel cumprido por ABIBIMAN foi o de divulgar, junto a amplos setores da população, a posição crítico-transformadora da ARCA e dos seus protagonistas frente a sucessivos desafios sócio-históricos e político-culturais que, direta ou indiretamente, envolviam o Povo Negro, interpelando-o e chamando-o a assumir seu protagonismo.
            Uma leve consulta às páginas de ABIBIMAN permite deparar-nos com uma gama de temas, questões, problemas, fatos, situações de que tratam seus colaboradores e colaboradoras: notícias, textos sobre o dia-a-dia do Povo Negro, políticas sociais, análise de conjuntura, memória do Povo Negro, biografias de figuras paradigmáticas do Povo Negro, canções, artes, fotografias, medicina alternativa, religiões de matriz africana, beleza negra, história da África, entre outros.
Um desses pontos recorrentes no referido periódico tem a ver com o esforço de recuperação da memória histórica do Povo Negro, em especial em Pernambuco. Esforço socialmente relevante, à medida que pode despertar em seus leitores e leitoras o desejo de pesquisar diversas fontes atinentes ao período da escravidão, no Brasil, no Nordeste e, especificamente, em Pernambuco, e nas quais não raro se encontram registros de grande impacto investigativo, quanto a preencher lacunas acerca de situações concretas ligadas a diferentes comunidades quilombolas, espalhadas pela região ou pelo Estado.
Outro ponto a destacar: o esforço de socializar elementos da história dos povos africanos, bem como traços singualares daquele continente. Além de suscitar curiosidades diversas, tal iniciativa também pode servir de incentivo e de conteúdo complementar aos estudos da África, recentemente incorporados aos componentes curriculares oficiais, em especial das escolas públicas.
            Há tantos outros elementos merecedores de análise ou de comentários, resultantes da “performance” de ABIBIMAN, nessas décadas mais recentes. Teremos ocasião, de outra feita, de voltar ao assunto. Por enquanto, busquemos contentar-nos com esses poucos destaques, como um aperitivo ao aprofundamento de nossa curiosidade epistemológica.

Considerações sinópticas

            Vêm de longe as lutas do Povo Negro pela sua libertação, no Brasil e em outros países. Datam desde o início do processo de colonização de terras americanas e brasileiras pelos europeus. De lá para cá, séculos se passaram. E ontem como hoje, a cada forma de dominação, a cada tipo de exploração, a cada modo de marginalização dos Afrobrasileiros – mulheres e homens – dos mesmos tem brotado um esforço incessante de resistência, sob os mais distintos aspectos.
            Buscar compreender tal trajetória requer um esforço de alcançar suas raízes históricas, as condições de sua formação enquanto Povo. Implica traçar seus diferentes perfis, e situá-los adequadamente no cenário sócio-histórico atual. Foi o que tentamos fazer, inicialmente, partindo da convicção de que o Povo Negro sente-se, antes de tudo, como parte integrante do conjunto de povos da Terra, a eles irmanados e com eles comprometidos no processo de libertação das distintas formas de opressão: de classe, de gênero, de etnia, de geração, etc.
            Ainda neste primeiro tópico, percebemos que, seja em relação ao Povo Negro, seja em relação às maiorias oprimidas no mundo inteiro, têm surtido pouco efeito as lutas pontuais, quando não adequadamente articuladas em vista da superação do atual modelo de produção, de organização e de consumo de tipo capitalista (ou de qualquer forma de organização baseada em classes sociais e seu Estado e respectivos aparelhos).
            Em seguida, direcionamos nosso olhar às especificidades dos problemas e desafios mais impactantes da atualidade do Povo Negro brasileiro. Buscamos caracterizar a composição dos perfis dos Afrobrasileiros e Afrobrasileiras. Um perfil complexo e fortemente diversificado, quanto às relações de classe, de gênero, de etnia, de geração, de religiosidade, etc. Diversidade estreitamente ligada à sua trajetória histórica multissecular, bem como às opções históricas de seus protagonistas.
            Diversidade que se apresenta, ao mesmo tempo, como uma virtude e como um desafio, quando se trata de desenhar o porvir desse Povo no quadro do presente e do futuro da sociedade brasileira.
            Finalmente, tratamos de reconhecer uma extensa gama de entidades e organizações pelas quais se distribui o Povo Negro brasileiro, em busca de organização, de mobilização frente às distintas formas de opressão. Dentro dessa extensa gama de organizações de base do Povo Negro brasileiro, inclui-se a Associação de Resgate da Cultura Afro (ARCA), da qual tem sido porta-voz privilegiado seu periódico ABIBIMAN, por meio do qual a ARCA vem divulgando suas atividades formativas e informativas, em âmbito regional.

João Pessoa, 17 de março de 2011


Sociólogo. Como educador popular, participa de grupos de pesquisa, na região, e acompanha a caminhada dos movimentos populares e pastorais sociais, no Nordeste, desde meados dos anos 60. Mais recentemente, vem acompanhando a caminhada da Assembléia Popular/PB. Dentre outros escritos, é autor de Direitos Humanos X Capital. João Pessoa: Idéia, 2002.

segunda-feira, 26 de março de 2018

JOSÉ COMBLIN: um escrito profético, a título de subsídio, em vista da conferência de Medellín, numa conjuntura de efervescência...

JOSÉ COMBLIN: um escrito profético, a título de subsídio, em vista da conferência de Medellín, numa conjuntura de efervescência...


Alder Júlio Ferreira Calado


Graças ao historiador Eduardo Hoornaert - a quem, de público, manifesto, meu reconhecimento e gratidão -, chega às minhas mãos, por via postal, cópia de um escrito do Padre José Comblin, sobre o qual o próprio Hoornaet tem-se debruçado, mais de uma vez e que me desperta especial interesse, por várias razões, mas particularmente, pela forte influência que teve o escrito nos preparativos e nos protagonistas da II Conferência Episcopal Latino-Americana de Medellín, que está a celebrar  este ano, meio século. Como se verá, tal escrito, tendo tido reconhecida influência nos protagonistas da mencionada conferência, apresenta traços de candente atualidade, 50 anos depois de elaborado, em circunstâncias de tempo bastante exíguo.


Nasceu de uma reunião - conta Eduardo Hoornaert - convocada por Dom. Helder Câmara, no primeiro semestre de 1968 (portanto, há 3 anos de sua chegada a Recife), da qual participaram seus assessores mais próximos dentre os quais Padre Marcelo Carvalheira, Padre José Comblin, o próprio Eduardo… Tratava-se, da parte de Dom Helder, de solicitar da equipe de assessores, subsídios, em vista da realização, em agosto daquele ano, da II Conferência Episcopal Latino-Americana, a realizar-se em Medellín, Colômbia, e da qual o próprio Dom Elder era uma figura de influência, entre outros Bispos participantes. A tarefa acabou assumida por Padre José Comblin, que levou tão a sério seu compromisso, que pouquíssimos dias depois, apresentou a Dom Elder e respectiva equipe de assessores. O escrito suscitou enorme interesse entre seus leitores, a ponto de se ter sugerido que fosse discutido com as turmas de estudantes seminaristas. Este texto acabou sendo vazado - não se sabe como exatamente - para gente da Direita (o Vereador Wandenkolk Wanderley) que o fez publicar integralmente em duas páginas do Diário de Pernambuco, em 12 de junho de 1968. Não é preciso dizer do efeito explosivo que causou naquela conjuntura de intensa mobilização contra a ditadura civil-militar, instalada havia quatro anos.


Nas linhas que seguem, buscamos, primeiro, registrar rápidos traços daquele contexto; em seguida, cuidamos de trazer a lume pontos-chave do referido escrito, e, por último sublinhar aspectos do texto que ainda hoje repercutem como de relevante atualidade.   



Breves traços do cenário sociopolítico, quando da elaboração do escrito


O Brasil iniciara o "rumor de botas" (Eder Sader) a ouvir-se no Cone Sul, desde o Golpe empresarial-militar de 1964. A despeito da crescente repressão que se ia instalando, ainda se podia contar com forças de resistência, em especial nos espaços da chamada Igreja na Base. Vale a pena destacar, a este propósito, alguns episódios que se produziram, um pouco antes e um pouco depois ( neste último caso, já sob a influência da Conferência de Medellín ).
Mesmo em clima de crescente fechamento, ressoavam vozes e atitudes proféticas consideráveis. Pouco tempo após o Golpe, no Nordeste, por exemplo, atuavam grupos e segmentos eclesiais de brava resistência, a exemplo da JOC/ACO conseguira protestar, por meio de um texto memorável - "Nordeste: o homem proibido", tempo em que Dom Helder já havia assumido, na Arquidiocese de Olinda e Recife, suas funções de Arcebispo, fazendo-se cercar de uma equipe de assessores (como já o fizera, no Rio, aliás) de reconhecida qualidade, dentre os quais o autor do escrito ora em apreciação, Pe. José Comblin. A ACR (Ação dos Cristãos no Meio Rural, sucedânea da JAC), o MER (Movimento de Evangelização Rural), também davam seus primeiros passos, no Nordeste, onde um segmento eclesial com rara sensibilidad e profética, inclusive no âmbito do episcopado. Convém lembrar a atuação, à época, de figuras signatárias do Pacto das Catacumbas, dentre as quais um Dom Helder, um Dom Fragoso (em Crateús - CE, a partir de 1964), um Dom Francisco Austregésilo de Mesquita (Afogados da Ingazeira- PE), um Dom José Brandão (Propriá - SE), aos quais vale acrescentar ainda a presença de um Dom José Távora, arcebispo de Aracaju, ( falecido em 1966) com grande protagonismo na organização do MEB (Movimento de Educação de Base, mantido pela CNBB, seguindo uma inspiração freireana, e por isso mesmo sendo duramente perseguido, após o Golpe Civil-Militar), além dos signatários do profético Manifesto dos Bispos e Superiores Religiosos do Nordeste, intitulado, eu ouvi os clamores do meu povo. Sobre este Documento, ver: (http://www.alterinfos.org/archives/DIAL-99.pdf).
Eis alguns traços que compunham o cenário sócio-eclesial, em que foi elaborado o texto do Pe. José Comblin. E em que consistia, em linhas gerais, este escrito?



Pontos fortes do escrito
O referido texto-subsídio começa lançando críticas às análises econômicas e sociológicas, então dominantes, por entendê-las pouco comprometidas com rigor científico, estimando-as inspiradas em meras deduções, sem a devida interpretação da realidade concreta latino-americana. Enquanto lia tais registros, eu ficava a imaginar quem seria o alvo da crítica: um Gilberto Freyre, por exemplo? Vale lembrar que este sociólogo não poupava esforços de tecer ácidas críticas contra D.Helder, na imprensa pernambucana...
Visando à realização da II Conferência Episcopal Latino-Americana, cuidavam os dirigentes eclesiásticos de influenciar, desde Roma, desde p Vaticano, a partir dos preparativos, os protagonistas do referido encontro, oferecendo esquemas e subsídios, ao seu modo. O escrito combliniano estende aos organismos eclesiásticos oficiais semelhantes críticas, principalmente considerando seu silêncio ou ignorância da realidade específica latino-americana, quanto aos verdadeiros desafios históricos, econômicos, políticos, sociais e culturais, enfrentados por seus povos originários, pelos africanos aqui escravizados, pelos camponeses, pelos operários, pelos jovens...
A essa altura do texto, Pe José Comblin aprofundava sua crítica à Igreja oficial _ particularmente à Igreja do continente_, à medida que não se detém apenas em sua má interpretação da realidade, mas também responsabilizando-a pelas suas posições práticas, em relação aos povos do continente, e em especial, ao povo dos pobres, cujos direitos e aspirações passavam ao largo de suas prioridades, acostumada que vivia a aliar-se com os setores privilegiados. Um exemplo de tal descompromisso para com seu público interno, ele denuncia o caso do sistema de “desobriga”, termo empregado para designar uma espécie de dispensa às massas populares católicas, de cumprirem os deveres e compromissos relativos ao comparecimento habitual aos ofícios litúrgicos convencionais, ao tempo em que a hierarquia latino-americana se contenta com reproduzir o que faz e o que pensa o catolicismo europeu bem como a aliar-se com os setores dominantes latino-americanos, que constituem as elites mais atrasadas, por se envergonharem e tomarem distância dos empobrecidos do continente “(índio, negros, camponenses, analfabetos, etc




  • Incapacidade organizativa da Igreja Latino Americana, no uso de seus recursos, gerando dispersão e desperdício
  • Excessiva dependência da Hierarquia Latino Americana das ideias e dos recursos financeiros europeus e suas consequências
  • Doze pontos problemáticos da Igreja Latino Americana sem cuja resolução não irá adiante.


Pontos do texto de Comblin:


- É forte a tendência ao foquismo, que se tem mostrado, contudo, equivocado. Mesmo sem ignorar, em casos extremos, o recurso à força, tende a apostar na via pacífica, como caminho para paz e o desenvolvimento.


- Reconhecer a dignidade das massas exploradas, superando a longa herança colonialista


- Deixar tratamento classista (conluio com os setores dominantes)


- Reformar o tipo de administração eclesiástica: burocrática e dispendiosa


- Reconhecer e respeitar os direitos trabalhistas de seus funcionários


- Superar o assistencialismo


- Ajudar as camadas populares a superar uma expressão demasiado devocionista de catolicismo
- Investir na formação dos leigos
- Tendo a coragem de se desfazer de suas riquezas, a Igreja só estaria fazendo justiça, e aplicando a Doutrina Social da Igreja.


- Mudar a mentalidade para contribuir com o desenvolvimento, ela mesma deixando de ser subdesenvolvida
- Critica a inércia e a incapacidade das classes dirigentes latino-americanas, de protagonizar um projeto de desenvolvimento, com seu esforço, por várias razões:
* suas elites costumam ter um padrão de vida próximo das elites dos países centrais do Capitalismo;


* não aceitarem qualquer sacrifício, ou desfazer de seus privilégios, mesmo diante da penúria da grande maioria;


* vivem a querer imitar o estilo da burguesia norte-americana;


* caberia ao Estado como indutor de desenvolvimento ter dirigentes fortes, para conceber e implementar políticas públicas do interesse das classes populares;


* em situações especiais,


* *  *


- Como conclusão, o autor faz diversas indicações de pistas para a Igreja Latino-Americana, dentre as quais:


- exercitar sua dimensão internacional, no sentido de contribuir para o desenvolvimento;


- trabalhar a conscientização dos leigos, e estimular sua contribuição social


- criar institutos pastorais de desenvolvimento, com administração de leigos, em vez de seguir apostando na suposta eficácia de sua pesada estrutura administrativa (de Paróquias e Dioceses);



- distribuir sua infraestrutura parasitária (terrenos, prédios, terras...), dando o testemunho e o exemplo evangélicos para a sociedade;


- ajudar a formar convicções das possibilidades de mudança, principalmente junto às camadas populares, em geral bastante conformistas e tendentes a atribuir ao destino ou a Deus a sorte de sua penúria. É necessário criar condições para despertar a esperança dos pobres e sua busca de mudança, como expressão da vontade e do Projeto de Deus.

O que dizer do escrito do Pe. Comblin, meio século depois?
Por ocasião da elaboração deste texto, seu autor tinha 45 anos de idade. Já contava com um conhecimento considerável sobre a América Latina. Havia chegado ao Brasil, em 1958, inicialmente a Campinas-SP, onde priorizou o acompanhamento da JOC, além de assumir aulas em colégio religioso. Em 1962, fora convidado a assumir aulas na Universidade Católica, em Santiago, de onde, a convite de Dom Helder, retorna ao Brasil, em 1965, instalando-se, desta vez, em Recife, compondo a Equipe de Assessores de Dom Helder, além de haver também exercido as funções de professor e diretor de estudos do Seminário Regional do Nordeste II, no Instituto de Teologia do Recife. Desde o início de sua fecunda formação acadêmica, em Lovaina, na Bélgica, aprendera e vinha aprimorando uma produção teológica de novo tipo, em comparação com os padrões convencionais então dominantes. Isto se traduzia no cuidado ininterrupto de tomar como suporte de sua reflexão estritamente teológica o contexto histórico-social, donde sua sólida base interdisciplinar, fazendo interlocução ora com a História, ora com a Sociologia, ora com a Economia, ora com a Política, etc. Traços, aliás, bem presentes na elaboração do texto ora em apreço. Sua formação acadêmica, reforçada pela paixão pela causa  libertadora do povo dos pobres, sua postura de observador perspicaz dos sinais dos tempos, sua espiritualidade incarnada, inspirada nos valores do Reino de Deus e sua justiça – eis alguns fatores que ajudam a compreender sua genialidade como teólogo.

Resta, por conseguinte, impactante a atualidade do texto, pelo menos no que diz respeito aos seus principais aspectos. Com efeito seja no que toca à realidade macro-social latino-americana seja no que se prende às suas críticas em relação à alta hierarquia do continente, descontados certos aspectos conjunturais, os pontos aí levantados mostram-se em linha com o que se apresentavam, há cinquenta anos. No que toca especificamente às estruturas eclesiásticas, seu texto me fez lembrar o sentimento de alguns/algumas de nós, para quem resulta mais difícil mudar as estruturas eclesiásticas do que o modelo societal. Eis um grande desafio a ser enfrentado, sobretudo, pelos Leigos e Leigas, sem cuja participação as mudanças perseguidas não se cumprirão. Isto não quer dizer que, tanto no espectro societal, ao interno da Igreja Católica Romana (e de outras Igrejas cristãs), não tenha havido algum avanço, mas, considerando o vigor profético da Conferência de Medellín, por exemplo, há muito chão pela frente, a ser percorrido…

João Pessoa, 26 de Março de 2018.

segunda-feira, 19 de março de 2018

ALVO PERFEITO DAS FORÇAS NECRÓFILAS: notas sobre o caso Marielle

ALVO PERFEITO DAS FORÇAS NECRÓFILAS: notas sobre o caso Marielle

Alder Júlio Ferreira Calado

Próspera e desenfreada, é a cultura de morte, entre nós, acentuando-se nos últimos anos. Há uma conjuntura atípica que só faz engrossar esse caldo necrófilo. Os sinais deste processo de desumanização e desnaturação (termo aqui empregado, no sentido de crescente perda de sintonia com a Mãe-Natureza) despontam cada vez mais às escâncaras. As estatísticas de assassinatos (dos quais os feminicídios figuram como dos mais expressivos). Constata-se uma tendência crescente, na mídia convencional e nas redes sociais, do uso de um tempo excessivo para a divulgação de crimes de todo tipo, das mais variadas formas de violência, a fazerem parte do nosso dia-a-dia, até à banalização, à "naturalização"... Não bastasse que tais fatos circulem, de modo a tomarem parte considerável dos noticiários e telejornais, eis que passam a estar presentes, de forma atabalhoada e abusiva, em relevantes espaços institucionais. No caso da Câmara, por exemplo, constata-se a tenaz atuação de blocos estigmatizados, a exemplo do chamado "Bloco da bala", com abordagens esdrúxulas acerca da violência, não raro com argumentos alinhados a uma clara justificativa de se pretender combater a violência desenfreada, por meio de mais violência, por exemplo: "garantindo-se mais armas para os cidadãos se defenderem dos bandidos"... Há, em breve, uma perigosa síndrome necrófila, em expansão pelo País.

Nas breves linhas que seguem, buscamos, primeiro, destacar alguns traços de uma cultura necrófila, em perigosa expansão, no Brasil. Em seguida, sublinhamos, neste contexto, o caso da recém-assassinada Vereadora Marielle Franco (e do Motorista Anderson Gomes) como alvo perfeito dessas forças necrófilas, em expansão. Por fim, ousamos esboçar algumas pistas, acenando para um combate, para uma resistência  propositiva.

Emblemáticos sinais  de uma cultura necrófila, em expansão

Vêm despontando, a toda evidência, sucessivas marcas de uma cultura de morte, no Brasil. Disto dão prova, não apenas os fatos percebidos como de maior gravidade, divulgados pela imprensa convencional, mas também - e aqui sublinho ainda com maior força, pelos profundos estragos menos visibilizados - "pequenos" fatos e ocorrências do dia-a-dia, facilmente assimilados e rapidamente caídos no esquecimento do público, em geral. Refiro-me a inúmeras cenas do cotidiano de "pequenas" violências, de que vivemos cercados, em ambiente familiar, em ambientes de trabalho, em insuspeitos ambientes religiosos, pouco divulgados na mídia convencional e nas redes sociais, tal a tendência a um estúpido processo de "naturalização". Trata-se de ocorrências inscritas nos mais diversos campos de convivência cotidiana, prendendo-se,ora às relações sociais de gênero, ora às relações étnicas, ora às relações e trabalho, ora às relações lúdicas (brincadeiras de péssimo gosto, relativas a preconceitos, discriminações, violências simbólicas e físicas, agressão à Mãe-Natureza, etc., etc.). Vou ilustrar tais ocorrências com um único exemplo, ocorrido, neste último final de semana, numa praia situada entre João Pessoa e Cabedelo. Refiro-me à notícia veiculada num dos canais de televisão, dando conta de ter sido encontrada morta mais uma tartaruga. E, embora quase cego, pude enxergar a tartaruga assassinada pela nossa crueldade. Mergulhados num oceano de informações (falsas e verdadeiras), já não temos o direito de ignorar que lançar material plástico nas águas do mar, por exemplo, vai provocar sérios danos à fauna marinha. E, no entanto, seguimos insensíveis a isto. Pior: pretendendo-nos guardiães da vida. Em vão, nos colocamos em defesa em solidariedade de tantas vítimas desta síndrome necrófila, se mantivermos uma atitude insensível aos crimes socioambientais e outros tantos equivocadamente percebidos como “pequenos”: a omissão, a cumplicidade, ou mesmo a participação em crimes dessa natureza, nos colocam também na linha de responsabilidade pelas grandes tragédias, como no caso da execução da vereadora Marielle. Não dá mais para fazermos uma separação, uma dicotomia entre “pequenos” e grandes crimes. Se eu sou corrupto, nas pequenas coisas, já não tenho o direito de me insurgir contra os grandes corruptos, a não ser que me empenhe, arrependido e com firme propósito, num processo ininterrupto de autocrítica. Somente a partir desta atitude retomam legitimidade e força éticas minhas denúncias contra a corrupção e tantas outras formas de violência “pequenas” e grandes.




O caso Marielle como alvo predileto das forças necrófilas

Um rápido olhar do perfil de Marielle Franco já nos permite dar-nos conta de tratar-se de alguém reunindo um amplo leque de predicados alvejados pelas forças necrófilas, em expansão em nosso País. Comecemos pelo fato de Marielle ser uma mulher. As estatísticas de feminicídio se apresentam estupidamente escandalosas: mata-se (também) pelo simples fato de ser mulher, e de afirmar-se como tal. A condição feminina, num obstante uma série de conquistas recentes e menos recentes, continua penalizada, sob vários aspectos. São as mulheres trabalhadoras que percebem menos do que seus colegas trabalhadores, mesmo fazendo a mesma tarefa. São as mulheres, as mais atingidas pelo desemprego. Embora maioria, elas são minoria e, às vezes, exceção, na ocupação de cargos e encargos nas grandes instituições (empresas, igrejas…). São as mulheres que, às vezes sozinha assumem os encargos de sua casa, a despeito de sua tríplice jornada de trabalho… Marielle é uma dessas mulheres!

Sendo mulher, Marielle era também uma afrodescendente, uma afrobrasileira, seu último compromisso, aliás, cumpriu entre mulheres negras. A mesmas que também figuram nas estatísticas oficiais, marcadas pelas mesmas ou semelhantes Mazelas que afetam as mulheres, sendo que em grau ainda maior, por serem negras.

Marielle experienciava uma relação homoafetiva, de longa duração, sempre contando com apoio e solidariedade de sua filha, de sua família, e de seus amigos e amigas.

Por último, mas não menos importante, Marielle foi também estigmatizada pela sua condição de classe: era pobre, vivia na favela e integrava uma força de esquerda… Juntando as peças do seu perfil, tem-se um retrato completo de alguém com um perfil perfeito perseguido pelas forças de morte: Mulher - Negra - Homoafetiva - Pobre - Favelada - de Esquerda…

Ousando passos prenhes de uma cultura biófila

Um primeiro passo, nesta direção, parte da compreensão de que a execução de Marielle não afeta somente esta mulher, mas comporta todo um segmento majoritário da sociedade brasileira. É uma afronta a toda a sociedade que luta por justiça e dignidade. Mais: tem a ver com a própria condição humana, razão porque se trata de um crime de lesa-humanidade. Partindo deste reconhecimento, tratamos de unir forças com todo um leque de organizações de nossa sociedade e de outras no sentido de fortalecermos caminhos eficazes em busca de um novo modo de produção, de um novo modo de consumo e de um novo modo de gestão societal, em harmonia com a Mãe-Natureza, sempre partindo de gestos e iniciativas moleculares, certos de que a sociedade que buscamos construir tem que estar claramente expressa nos mais pequenos gestos, passos e caminhos, em busca deste horizonte.


João pessoa, 19 de Março de 2018.

segunda-feira, 12 de março de 2018

ECOS DA II ROMARIA, EM SANTA FÉ: memória e compromisso*

ECOS DA II ROMARIA, EM SANTA FÉ: memória e compromisso*

Alder Júlio Ferreira Calado

Como prevista e ardorosamente preparada, em mutirão, pela Equipe de Organização, da qual fazem parte as Missionárias e Missionários do Meio Popular Mônica Muggler, Maria da Soledade (Nenem), Nilza, Domingos, entre outros, a cujo trabalho muito se deve o êxito do acontecimento, foi realizada a II ROMARIA, em Santa Fé (Solânea - PB), em memória de Pe. José Comblin, a partir de quem também se fez memória de figuras como Pe. Ibiapina, Dom Hélder, Dom José Maria Pires, e homenagem foi prestada também à figura profética e poética de Dom Pedro Casaldáliga, por ocasião dos seus 90 anos.

Mais uma vez, aquela multidão de missionários e missionárias do meio popular, inspirados na Pedagogia combliniana, estava  a respirar aqueles ares místicos do Santuário de Padre Ibiabina, onde também se acham plantadas, ao lado do Padre-Mestre Ibiapina, além de beatas que o acompanharam nos trabalhos das Casas de Caridade, espalhadas pelo Semiárido, também outros missionários contemporâneos como o Pe. José Comblin, "Profeta da Liberdade", e o Pe. Cristiano Muffler.

O intuito destas linhas não é fazer um relato da II Romaria, mas o de fornecer alguns elementos fortes aí vivenciados. Pensando, sobretudo, em quantos/quantas não puderam participar, desta vez, houve por bem ressoar alguns aspectos recolhidos de parte da programação vivenciada, na ocasião.

As romarias a Santa Fé constituem uma fecunda iniciativa de uma meia dúzia de Escolas de Formação Missionária (inspiradas na pedagogia comblinina, algumas das quais em funcionamento há cerca de três décadas, espalhadas desde o Piauí a Goiás), em íntima e orgânica parceria com várias associações igualmente cultivadoras do legado missionário do Pe. José, tendo como objetivo o reencontro periódico do conjunto de seus protagonistas, para celebrarem a memória do Pe.José e das figuras missionárias de referência popular, ao mesmo tempo que buscam fortalecer os laços orgânicos de unidade e de compromisso com a causa da Tradição de Jesus. Aí se reúnem, a cada cinco anos, centenas de integrantes dessa vasta rede de missionários e missionárias, dentre os quais, além dos formandos e formadores das respectivas Escolas Missionárias, integrantes da Associação dos Missionários e Missionárias do Campo (AMC), integrantes da Fraternidade do Discípulo Amado, membros da Associação de Missionários e Missionárias do Nordeste (AMINE), membros da Associação de Missionárias Populares, integrantes da Fraternidade São Marcos (lá estavam, num reencontro emocionante: Nonato - Cida e os filhos Catarina e Felipe; Madruga- Gilma e as filhas Clara e Heloísa), integrantes do Grupo de Peregrinos e Peregrinas do Nordeste, integrantes de várias comunidades da região, a exemplo, das comunidades em torno de Café do Vento - PB, integrantes do Grupo Kairós, entre outros, ainda contando com membros das CEBs, com várias Pastorais Sociais, a exemplo da CPT, como também de membros de movientos populares, a exemplo do Movimento das Comunidades Populares).

Como o propósito destas breves linhas é apenas o de destacar alguns pontos relativos à II Romaria, recém-concluída, cuidamos, a seguir de sublinhar alguns momentos fortes desta Romaria, em especial em relação aos trabalhos desenvolvidos nas Rodas de Diálogo, no segundo dia da Romaria, sábado, dia 10/03. Como primeiro dia, que foi dedicado às saudações pessoais e comunitárias de acolhimento, boas-vindas, avisos, programação e oração, também no segundo dia, as atividades têm início com a Oração da Manhã (Ofício), com belíssimos cânticos e uma liturgia impregnada do espírito da Boa Nova. Aí convém ressaltar a densa contribuição de várias figuras com vasta experiência nas Missões Populares, a exemplo de Frei Roberto Eufrásio - para mencionar apenas um nome.

Na sequência, coube à Turma (formandas(os) e formadores) da Escola de Formação Missionária de Mogeiro, a bela tarefa de recuperar trechos mais expressivos da biografia de Pe. José Comblin. Tarefa cumprida com brilhatismo e com muita arte - o trabalho feito em mutirão e com arte sempre faz grande diferença!

   Em seguida, aquela grande assembléia foi distribuída em seis grups, chamados, cada qual, a protagonizarem, com a animaçao de um ou dois coordenadores, cada uma das seis rodas de diálogo, dispondo da segunda parte da manhã. Cada participante já estando sabendo de qual roda de diálogo faria parte, foi convidado a acompanhar sua respectiva roda de diálogo, entre as seis anunciadas, com seus coordenadores correspondentes:

RODA DE DIÁLOGO I: Mística e Profecia, tendo como coordenadores: Antônio Jose e Dom Adriano, bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia (conviendo de perto com Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito da mesma Prelazia). Cerca de cinquenta pessoas participaram desta Roda de Diálogo (média de participantes extensiva às demais Rodas de Diálogo). Em sua instigante e exposição, Dom Adriano propôs uma reflexão sobre três dimensões fortes do perfil de Dom Pedro Casaldáliga: a de profeta, a de pastor e a de poeta, trazendo sobre cada uma delas impactantes elementos histórico-biográficos, muito bem tempeados com algumas de suas numerosas e emblemáticas poesias. Após a brilhante exposição feita por Dom Adriano, o missionário itinerante Antônio José passou a coordenar o trabalho de diálogo com os participantes. Após calorosa participação e diálogo dos participantes com Dom Adriano, os participantes foram instigados por Antônio José a darem sugestões sobre qual deveria ser o compromisso, a ser assumido por cada participante e pelo grupo, em consequência da reflexão feita. Saíram muitas sugestões, com um acento mais forte em compromissos tais como: reforçar os espaços de formação (integral: política, ecológica, ética, crítica e auto-crítica) e, lá onde não haja, ousar criar novos espaços, nessa direção; participação maior dos Leigos e Leigas, tanto nos espaços de cidadania no mundo, quanto ao interno da Igreja (estamos vivendo, no Brasil, o Ano do Laicato!); priorizar o exercício da consciência crítica em relação à mídia em geral.

RODA DE DIÁLOGO II: Formação/Educação, coordenada pelo casal Severino Ramos Figueiredo e Ana Cláudia Pessoa. Pelo relato socializado pelos representantes desta roda de diálogo, na parte da tarde do mesmo sábado, foram destacadas prioridades tais como: a necessidade de uma formação contínua; a importância das artes e da cultura popular como componentes indispensáveis deste processo formativo; a ciranda, protagonizada pelos participantes da roda de diálogos, era acompanhada de muitos recursos artísticos (musicas populares, letras criativas, paródia…).

RODA DE DIÁLOGO 3: Organização Social, coordenada por Pe. Hermínio. Debateu-se sobre a complexidade da atual conjuntura, sobre a necessidade de se ter discernimento e paciência história, buscando alimentar-nos de muitas experiências que acontecem no Nordeste e no Brasil, com muitos frutos repletos de criatividade e de alternatividade. Trata-se, pois, de fortalecer nosso processo formativo, inclusive político, nas perspectiva da construção de saídas para o nosso país.

RODA DE DIÁLOGO 4: Francisco e a "Laudato sì", coordenada por Dom Frei Luiz Flávio Cappio, bispo de Barra - BA. Desde sua entrada para a apresentação dos pontos discutidos, sentíamos a vibração dos participantes em relação aos desafios hoje enfrentados pela degradação da mãe-natureza e do povo dos pobres, à luz das tocantes inquietações colhidas da leitura da “Laudato sì”, contribuição primorosa do papa Francisco. Compromissos assumidos: cuidado com a água; tratamento do lixo; plantar uma árvore

RODA DE DIÁLOGO 5: Rompendo barreiras, coordenada por João Batista Magalhães e pelo Pastor Paulo César Pereira. Meio meio a uma cultura de intolerância religiosa, expressa inclusive nos espaços parlamentares, aqui tivemos um espaço exemplar de apostas bem-sucedidas nas tentativas de vivermos um Ecumenismo de base, testemunhando práticas de respeito pelas mais distintas expressões do Sagrado.  

RODADA DE DIÁLOGO 6: Igreja em saída e a Alegria do Evangelho, coordenada por Dom Sebastião Armando Gameleira. Esta roda de diálogos esteve comprometida com o que constitui uma das bandeiras mais caras e recorrentes do Papa Francisco, inclusive em seu documento “A Alegria do Evangelho”. Não dá mais para nos restringir apenas ao templo de nossas Igrejas: temos que ir lá onde se encontram os preferidos do Reino de Deus.  



Tal era a preocupação dos participantes com testemunharem seu compromisso, que foi acolhida a sugestão de, num encerramento dos trabalhos relativos às rodas de diálogo, todos se dispusessem a protagonizar um mutirão de limpeza daquele ambiente e no entorno, em sinal de compromisso com a nossa “Casa comum”.



_______________
* As breves notas que seguem, brotam apenas da memória falha, sem registros escritos, do que pude recolher no segundo dia da romaria.  Por ter participado da roda de diálogo “Mística e profecia”, pude fornecer um pouco mais de elementos.



João Pessoa, 12 de março de 2018.