quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

“HUMANIZAR A HUMANIDADE” - Tributo a uma geração de pastores e profetas, comprometidos com a causa libertadora dos pobres, inclusive em seus lemas episcopais


“HUMANIZAR A HUMANIDADE” - Tributo a uma geração de pastores e profetas, comprometidos com a causa libertadora dos pobres, inclusive em seus lemas episcopais

Alder Júlio Ferreira Calado

Ainda que não devamos idealizar, subestimar ou superestimar o valor dos símbolos, não podemos, contudo, ignorar o sentido relevante neles contido. É assim que usamos revisitar alguns lemas episcopais, relativos a uma geração de bispos profetas, cujos lemas prenunciam, em medida considerável, a ação pastoral profética por eles desenvolvida.

Vamos, nas linhas que seguem, focar especialmente na ação político pastoral de vários integrantes desta geração, marcadamente aquelas figuras de bispos que tenham desenvolvido suas funções, durante as décadas de 1960 a  1980.

Um cenário de efervescência socioeclesial na América Latina e no mundo.

O mundo, durante este período (entre as décadas de 60 e 80 do século passado) apresentava-se, seja do ponto de vista macrossocial, seja ao interno da Igreja Católica Romana, caracterizado por uma conjuntura em ebulição. Tratava-se, em verdade, de uma conjuntura sócio-eclesial relativamente atípica, na América Latina e no Brasil, sob vários aspectos. Um dos aspectos da singularidade desta conjuntura prende-se ao perfil de um número considerável de bispos, dotados de reconhecido preparo intelectual, combinado com uma profunda espiritualidade profética ao longo da história da Igreja Católica Romana e mesmo de outras Igrejas cristãs. Tal desempenho pastoral profético constitui exceção relativa a poucos períodos de sua trajetória. Outro aspecto relevante e singular do contexto das décadas entre 1960 e 1980 tem a ver com a especial efervescência política, característica da América Latina, em especial do chamado Cone Sul envolvendo países como o Brasil, Uruguai, Argentina, Chile Paraguai. Em 1964, irrompeu no Brasil o famigerado golpe civil-militar, introduzindo um tenebroso período ditatorial que se espalharia por outros países da América Latina, várias forças sociais animadas por alguns segmentos da Igreja Católica, depois, também por algumas outras Igrejas cristãs - como, por exemplo, aquelas que compõem o CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs), pudemos assistir ao crescente movimento de resistência, protagonizado pelas forças progressistas da Igreja Católica, em associação com parcelas de outras Igrejas cristãs, a um frutuoso tempo de resistência profética 

Ainda mais cedo, em 1962, havia-se iniciado o Concílio Vaticano II, convocado em 1º de janeiro de 1959 pelo Papa João XXIII. O objetivo daquele Concílio não era o de proclamar dogmas ou de condenar doutrinas, mas avaliar ação pastoral da Igreja Católica Romana, em relação ao mundo moderno. Tratava-se, então, do esforço de "aggiornamento", isto é, atualizar a ação da Igreja Católica em relação ao mundo contemporâneo. Acerca deste objetivo, conseguiu-se avançar razoavelmente durante o Vaticano II, embora as mulheres não foram tratadas em igual condição de sujeitos eclesiais, ao lado dos homens. Em vários dos seus 16 documentos finais, especialmente na Constituição Pastoral intitulada “gaudium etspes” sobre a Igreja diante dos desafios do mundo contemporâneo conseguiu-se avançar até certo ponto, inclusive no documento intitulado Constituição “Lumen gentium”. Documento que contém uma admirável atualização, ou seja, no campo da centralidade do Povo de Deus, assumido como principal sujeito da organização da igreja, tomando distância do que até então, se punha como centralidade nas decisões conciliares precedentes, ou seja, a Hierarquia. Com efeito, do ponto de vista da atualização em relação à modernidade, não há como negar avanços alcançados. Por outro lado, ainda que minoritários, vários padres conciliares muito se empenharam, no sentido de que o Concílio Vaticano II pudesse avançar também quanto ao seu compromisso com a causa dos desvalidos. Este aspecto, todavia, mereceu um lugar muito aquém do esperado, ainda que em alguns documentos -  é o caso da própria “Lumen gentium”, n.8 - se dispôs de uma palavra forte em relação ao compromisso da Igreja com os empobrecidos. Mesmo assim, isto se revelou insuficiente em relação às exigências históricas da época, demandando posição mais ousada da parte da Igreja Católica.

Tal sentimento de compromisso com a causa libertadora dos pobres foi especialmente assumido por 40 padres conciliares, entre bispos, arcebispos e até cardeal, por ocasião do encontro organizado, na catacumba de Santa Domitila, nos arredores de Roma, poucos dias antes do encerramento da última sessão do Concílio Vaticano II, mais precisamente no dia 16 de novembro de 1965. Este encontro ficou conhecido como o Pacto das Catacumbas, em que seus participantes, ao celebrarem o Memorial da Ceia do Senhor, também cuidaram de firmar um compromisso, em um documento composto por 13 pontos e, no qual declararam seu compromisso de, ao retornarem às suas respectivas dioceses, nos vários continentes, abdicarem do tratamento pomposo de “Excelência”, bem como de deixarem seus palácios episcopais, indo residir mais perto do povo, em casa simples. Mais do que isto: assumiram o compromisso de passarem a viver um estilo de vida mais simples, mais próximo do povo, dos pobres.

Animados pelos compromissos firmados por ocasião do Pacto das Catacumbas, os quarenta primeiros signatários foram granjeando a adesão de centenas de outros colegas, de sorte que o Pacto logo passaria a contar com a adesão de quinhentos signatários.


Ensaiando um novo estilo de vida profético-pastoral…

Ao retornarem aos seus países, inclusive os bispos latino-americanos e brasileiros, encontraram uma atmosfera muito tensa, de uma espantosa desigualdade social, sustentada por regimes ditatoriais, aos quais parcelas significativas das populações daqueles países tratavam de opor resistência. Um clima de extrema tensão social. Inspirados no compromisso que haviam firmado, estes bispos tratam de cumprir suas promessas, deixando seus palácios e indo morar em casas modestas, com um estilo de vida mais próximo do seu povo. Vivíamos, então, na América Latina, inclusive no Brasil, um contexto de grande ebulição social, em que, ao interno e fora dos espaços eclesiais, vários grupos de resistência se organizavam. E deles, ao seu modo, também participaram as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que se iam multiplicando pelas várias regiões do país e mesmo da América Latina. Às CEBs juntaram-se outras segundas experiências pastorais, tais como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Comissão Pastoral Operária (CPO), a Pastoral de Juventude do Meio Popular (PJMP), as Pequenas Comunidades de Religiosas Inseridas no Meio Popular (PCIs), a Ação Católica Operária (ACO), o Movimento dos Trabalhadores Cristãos (MTC), a Pastoral dos Pescadores (PP), a Comissão de Justiça e Paz (CJP), os Centros de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH), a Ação dos Cristãos no Meio Rural (ACR), o Movimento de Evangelização Rural (MER), Centro de Estudos Bíblicos (CEBI), entre outras experiências eclesiais que funcionavam como uma considerável rede de resistência Popular a ditadura empresarial-militar e a defesa e promoção dos direitos humanos. Esta rede tornou-se conhecida como " Igreja dos Pobres "ou como "Igreja na Base ". 

Atuação profética da geração de bispos brasileiros e latino americanos, num contexto de opressão.

Justamente aí é que vamos observar a atuação profética destes bispos. Na verdade, constituíam uma minoria, num universo de centenas de bispos. No entanto, tratava-se de uma parcela de figuras proféticas de grande potencial de liderança, uma espiritualidade incarnada, de grande inserção no meio do povo dos pobres, com os quais compartilhavam suas inquietações e suas esperanças, e com os quais aprendiam e compartilhavam também seus ensinamentos. Parte destes bispos chegou mesmo a ocupar espaços de liderança na própria Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a exemplo de figuras tais como Hélder Câmara, Ivo Lorscheiter, Aloísio Lorscheider, Luciano Mendes de Almeida, Marcelo Pinto Carvalheira, sempre contando com o apoio e solidariedade de outros, como Paulo Evaristo Arns, Antônio Batista Fragoso, José Maria Pires, José Távora, Adriano Hipólito, Moacir Greche, Mauro Morelli, Waldyr Calheiros, Francisco Austregésilo de Mesquita, dentre outros.

Aquele contexto de ebulição coincidiu com a aproximação do início da segunda Conferência Episcopal Latino-Americana, que se realizaria, em Medellín, na Colômbia, em 1968. Uma Conferência, inicialmente pensada para expressar a recepção das conclusões do Concílio Vaticano II, foi tomando ares mais fortes, à medida que, de uma simples recepção aos ensinamentos do Concílio Vaticano II, passou a ser a expressão de um novo rosto de ser igreja, isto é, expressando traços de uma Igreja Latino-americana com rosto próprio, não mais seguindo como mera extensão do pensar e do sentir eurocêntricos, a que estava acostumada. Pela primeira vez, após séculos de história da Igreja Católica, na América Latina, o povo latino-americano, em especial o povo dos pobres, passou a sentir-se sujeito de sua história, cidadão protagonista também de uma ação eclesial, com traços próprios. Neste sentido, a Teologia da Libertação exerceu uma contribuição extraordinária, à medida que buscou traduzir, de modo fiel, os anseios e as esperanças do povo dos pobres, na América Latina. A este respeito, são dignas de nota duas experiências fecundas, desenvolvidas na América Latina. Uma diz respeito ao legado criativo da Comisión para el Estudio de La Historia de las Iglesias en América Latina y el Caribe (CEHILA), coordenada por figuras tais como Enrique Dussel, José Oscar Beozzo, Eduardo Hoornaert, entre outros componentes - mulheres e homens. De fato, mostrou-se uma iniciativa profundamente fecunda, sobretudo por haver protagonizado um importante plano de estudos científicos sobre a Igreja latino-americana, em seus mais distintos países. Tratava-se de uma nova leitura da história da Igreja, feita a partir da perspectiva dos pobres. Isto também se comprova pela iniciativa da coordenação da CEHILA, especialmente no Brasil, que, ao lado de dezenas de tomos sobre a história da Igreja na América Latina, feita em bases científicas, também cuidou de oferecer, em linguagem popular, inúmeros textos - em especial, folhetos de cordel. Dentre tantos textos produzidos pela CEHILA, permitimo-nos destacar o produzido por Valéria Rezende, “Não se pode servir a dois senhores”. Há de se fazer menção, ainda, à valiosa contribuição, na CEHILA popular, de várias pessoas, inclusive a de Adelaide Carvalho.

Outra iniciativa a merecer atenção, prende-se ao plano de elaboração por teólogos da Libertação, de uma coleção intitulada "Teologia e Libertação", de modo a focar os mais distintos temas cobrindo uma produção teológica própria, de maneira a sistematizar de maneira notável as aquisições de estudos e pesquisas sobre as diferentes temáticas, indo de temas como Criação e História (Pedro Trigo), Memória do povo cristão (Eduardo Hoonaert), Opção pelos pobres (Jorge Pixley e Clodovis Boff), Trindade e Sociedade (Leonardo Boff) Antropologia Cristã (Comblin), Pneumatologia (O Espírito Santo e a libertação, Comblin), Mariologia (Maria, mãe de Deus e mãe dos pobres - Ivone Gebara e Maria Clara Bingemer), Escatologia cristã (João Libânio e Maria Clara Bingemer), Ética comunitária (Enrique Dussel), Teologia da Terra (Marcelo de Barros Souza e José Caravias), Idolatria Comunitária (Hugo Assmann, Franz Hinkelammert), entre outros. Iniciativa apoiada por cerca de 120 bispos, espalhados pela América Latina, na maioria do Brasil, publicação assumida pela Editora Loyola.

Que lemas inspiraram tal ação profética?

Neste sentido, é que se pode compreender a ação profética desenvolvida por parte expressiva do episcopado latino-americano, incluindo o do Brasil, presente também em seus respectivos lemas episcopais. O título deste texto expressa um desses lemas - "humanizar a humanidade" -, escolhido por Dom Pedro Casaldáliga. De fato, a trajetória deste profeta pastor e poeta bem representa o significado do lema por ele escolhido, ao longo de sua trajetória episcopal junto ao povo dos pobres de São Félix do Araguaia. Com efeito, as mais diversas ações corajosas, guiados pelo Espírito Santo, marcadas pelo seu compromisso com a causa dos desvalidos, tem muito a ver com o lema escolhido: trata-se, de fato, de humanizar a humanidade. 

Outra figura de destaque foi também a de Dom Paulo Evaristo Arns, que escolheu como lema "Ex spe in spem" (De esperança em esperança) - uma breve revisitação de sua fecunda e profética trajetória há de ser notabiliizada por esta evangélica inspiração. Sua atuação de pastor da arquidiocese de São Paulo, justamente no período mais sombrio civil-militar, constitui viva expressão desta sua dedicação à causa dos desvalidos, em especial dos presos e perseguidos  políticos do regime militar. Disto também dá testemunho o admirável trabalho de levantamento de uma enorme lista de presos políticos, do qual esteve à frente, em associação com o Reverendo pastor protestante James Wright, culminando com a publicação do clássico "Brasil: nunca mais", trazendo um levantamento de centenas de nomes de presos brasileiros, contendo um breve histórico da denúncias de que foram vítimas, bem como das penas sofridas. O livro, porém, é apenas uma parte de milhares de páginas resultantes da mencionada pesquisa.

Durante o período acima considerado, esses pastores e profetas protagonizaram relevantes momentos, em favor da causa libertária do povo dos pobres. Já em 1970, por meio da Ação Católica Operária (ACO), em Recife, com a anuência de vários deles, apoiados em dados oficiais sobre a realidade de penúria extrema, vivida pelos nordestinos, vem a lume um Manifesto contundente de análise e de denúncia desta realidade intitulado “Nordeste, o homem proibido”.
Um ano antes, no auge da repressão da Ditadura Militar, que não tinha coragem de assassinar a figura profética de Dom Helder Câmara, não hesitava em silenciá-lo, proibindo citar seu nome nos veículos de comunicação, e, o que é pior, perseguia seus mais próximos, entre os quais, o Padre Antônio Henrique Pereira Neto, torturado e assassinado, em 1969.

Dom Antônio Batista Fragoso seguindo as veredas proféticas de Dom Hélder, em suas constantes viagens de denúncia, contra os horrores da Ditadura Militar, também publicou livros denunciando estes horrores .
 Mesmo tratando-se de uma minoria relativamente reduzida, no conjunto do episcopado brasileiro, estes bispos profetas fizeram a diferença, em seu tempo. Um outro atestado de seu empenho e desempenho tem a ver com a publicação de contundentes documentos, tais como “Eu ouvi os clamores do meu povo”, além de outro firmado por bispos das dioceses do Centro-Oeste, denunciando a questão fundiária e de violência, e ainda um outro sobre a questão da terra, no Brasil (fazendo questão de distinguir entre “terra de trabalho” e “terra de negócio”).

Como expressão de um modesto tributo a essa geração de bispos, ousamos tecer as seguintes estrofes. Antes, porém, listamos alguns dos seus respectivos lemas episcopais.

Dom Helder Camara: in manus tuas (Em tuas mãos)
Dom Ivo Lochaider: nova et vetera (coisas novas e velhas)
Dom Pedro Casaldáliga: humanizar la humanidad 
Dom Aloisio Lorscheider: in cruces salus et vita (Na cruz estão a salvação e a vida)
Dom Antonio Batista Fragoso: Opportet Illas adducere (É preciso atrair as ovelhas desgarradas de volta ao rebanho)
Dom Moacyr Grechi: O último de todos e o servo de todos
Dom José Távora: in manibus tuis sortes meae (Omeu destino está em tuas mãos)
Dom Tomás Balduíno: Homines Capiens (Pescador de gente)
Dom Mauro Morelli: Vem, Senhor Jesus
Dom José Maria Pires: Scientiam Salutis (Em busca da ciência da salvação)
Dom Marcelo Pinta Carvalheira: Evangelizare
Dom José José Rodrigues: Evangelizare misit me (Ele me enviou a evangelizar)
Dom Adriano Mandarino Hypólito: MITTE DOMINE OPERARIOS (Envia, Senhor, operários)
Dom Samuel Ruiz: Edificar e Plantar
Dom Luiz Demétrio Valentini: Venho para servir
Dom Cláudio Hummes: OMNES VOS FRATRES (Vós todos sois irmãos)



Mais humanos tornar-nos plenamente
Eis o lema de Pedro do Araguaia
Pôr em prática o Evangelho, ele ensaia
Balduíno é chamado a pescar gente
A seguir o recado, ele assente
E Antônio Fragoso, por sua vez
Fez em vida o que o próprio Jesus fez
Foi atrás das ovelhas desgarradas
E atraindo-as de volta à caminhada
E assim combatendo iníquas leis.

Do baú deste Reino, Ivo dizia
Ir em busca do velho e do novo
Recolhamos, então, a bem do povo
O que serve pra sua alforria
E, de pronto, aos de baixo bem se alia
Já Dom Helder se entrega, confiante
Pois a força do espírito lhe garante
E José (o Rodrigues), do Juazeiro
À missão se entregando por inteiro
A serviço do Evangelho segue adiante.

Valentin por seu turno, se confessa 
Do Reinado de Deus vir a serviço
Para além do seu lema, assume isso
Deste Reino se faz humilde peça
Outros mais como Humes se acresça
“Todos vós sois irmãos”, filhos do Pai
A Dom Paulo se junta, e assim vai
Promovendo a justiça e o Direito
Pelos “grandes” não sendo mais aceito
E as bênçãos do Reino assim atrai.


João Pessoa, 30 de janeiro de 2020.

domingo, 26 de janeiro de 2020

INDAGAÇÕES COM PROPÓSITO DE DIÁLOGO a partir da escuta da palestra da Pastora evangélica Damares Alves, cf. http://www.youtube.com/watch?v=BKWc0sUOvVM

INDAGAÇÕES COM PROPÓSITO DE DIÁLOGO
a partir da escuta da palestra da Pastora evangélica Damares Alves, cf. http://www.youtube.com/watch?v=BKWc0sUOvVM
Alder Júlio Ferreira Calado

O vídeo que segue, me foi enviado por uma amiga cristã, uma missionária evangélica, a quem muito prezo, e a quem agradeço pelo vídeo compartilhado, e que tive o cuidado de ver/ouvir mais de uma vez. Ele é que inspira essas linhas de fraterna provocação, de alguns questionamentos, com o propósito de dialogar com vocês, a partir das provocações do referido vídeo, que, se fosse um texto escrito, lembraria mais um estilo “panfleto”.

A palestrante se apresenta como “pastora, professora, advogada e corintiana”, com Mestrado em Educação e em Direito, e assessora da Frente Parlamentar Evangélica. Lembra que Frente Parlamentar Evangélica já conta com 78 parlamentares, com três senadores, e com perspectiva de um quarto, em breve. Ela estava vindo de um encontro com pastores e deputados federais da referida Frente, além de outros parlamentares estaduais, no qual se tinham discutido os embates em curso.

Passa a projetar e a comentar uma série de casos de excesso quanto à abordagem da sexualidade para crianças, nas escolas, começando por responsabilizar a atual Ministra da Cultura. Mais adiante, faz o mesmo em relação a várias figuras do Governo do PT. O tom da palestra seguiu sendo o de combinar denúncias do gênero com acusação de figuras do Governo e o chamamento à responsabilidade política dos evangélicos, a quem atribui a responsabilidade de transformar essa realidade.

Várias das denúncias feitas merecem, se efetivamente comprovadas, não apenas a manifestação de nossa indignação, como também veemente combate, em especial quanto aos evidentes abusos ou excessos cometidos principalmente contra as crianças, sob pretexto de material didático. Isto, é claro, nos casos denunciados tal como relatados. Refiro-me, por ex., aos casos de informações sobre (homo)sexualidade em idade demasiado precoce, especialmente nos casos em que tal iniciativa soa, antes como um incentivo subliminar do que como mera informação educativa.

Ao mesmo tempo em que, comprovados os fatos denunciados e seus responsáveis aí apontados, descontada uma certa tendência partidarizante e fundamentalista, também expresso minha indignação, permitindo-me, contudo, levantar algumas indagações, em busca de abrir diálogo com vocês, e de sincero desejo de aprendizado de discernimento com vocês, em quem também sopra o Espírito Santo, cuja festa se celebra, neste Domingo, 19 de maio, conforme o calendário de algumas Igrejas cristãs. Que indagações tenho a compartilhar?

- Do ponto de vista de uma leitura samaritana do Evangelho, e de uma perspectiva polítca republicana (“RES PUBLICA”), é razoável utilizar-se os espaços de uma instituição laica para transformá-la em espaços de culto?

- Incentivaríamos – ou, bem menos do que isto – TOLERARÍAMOS que os espaços do Parlamento fossem igualmente ocupados por grupos de tantas outras religiões?

- Cidadãos/Cidadãs iguais a nós em direitos, o quê teriam a dizer sobre isso os que não confessam crença alguma?

- Se, num IMPROVÁVEL acesso (ou excesso?) de sentimento democrático, nós fôssemos “liberar geral” as instâncias do Congresso para todos os grupos, crentes e não crentes, ocuparem aqueles recintos seus respectivos cultos e orações, sobraria algum espaço para o trabalho parlamentar?

- Se tanta fé dizemos ter em Deus, por que não podemos fazer nossos cultos e orações em nossas respectivas igrejas, casas ou espaços mais adequados? Será que esse Deus só faz seus milages, se a gente estiver nos espaços físicos do Congresso?

- É razoável a um(a) cristã(o) afirmar, com tanta veemência, coisas do tipo: “porque Deus nos disse que não são os deputados que vão mudar essa Nação, que não é Governo que vai mudar essa Nação, que não é a política, é a Igreja Evangélica quando clama”? (Ela afirma isto, ao mencionar, lá pelo minuto 43 do vídeo, a situação da derrota da votação do Projeto de Lei de não-criminalização do aborto, em 2008, no auge de escândalos envolvendo, inclusive, deputados evangélicos, recorda ela);

- É mesmo adequado a uma advogada pronunciar-se com tanta ênfase sobre fatos relativos à Saúde Pública, inclusive em cima de estatísticas, tecendo graves acusações a pesquisadores, a ministros da Saúde e outras autoridades, de modo a criminaliza-los com tanta veemência?

- Sempre que escuto uma palestra, sem deixar de atentar para o essencial (o teor da palestra), também procuro saber sobre quem pronuncia a palestra (seu lugar social, sua história de vida, seu compromisso político, suas apostas fundamentais, seu testemunho passado e presente, etc.). No caso em pauta, trata-se de alguém:
  * profundamente apaixonada pelas causas que defende;
  * a serviço da causa de uma ou várias igrejas evangélicas;
  * assessora parlamentar de membros da bancada evangélica;
  * com uma formação acadêmica (com Mestrado em Direito e em Educação);
  * portadora de uma história de vida com uma infância de profundos traumas;
  * com uma perspectiva teológica relativamente frágil ou pouco convincente (na minha limitada percepção).

- As veementes denúncias e invectivas lançadas  pela Pastora Damares Alves, foram feitas mesmo a quê título: de cidadã republicana,  de integrante de uma igreja, de membro a serviço da Frente Parlamentar Evangélica, da qual é assessora?

Como cidadãos e como cristãos, temos mesmo o direito de “enquadrar”, por ex., assumindo como dogma a posição de que a homossexualidade é expressão de mero capricho humano ou de um desvio patológico? É mesmo razoável uma certa hostilização à educação em tempo integral, em escola pública? É razoável a imputação (direta ou indireta) de culpa á mulher pelas opções dos filhos, ou pelo superdimensionamento da família como (quase) única educadora? É razoável a tendência à criminalização das mulheres por todo tipo de aborto, sobretudo quando feita de forma descontextualizada? É razoável alimentar-se a tendência a superestimar a atribuição ao aborto, como se este constituísse o único ou o principal fator de ameaça à vida de seres humanos, em relação ao descaso ou à pouca atenção às práticas indígenas tradicionais e próprias de sua cultura, sem que houvesse sequer uma leve referência aos milhares de índios (inclusive no Mato Grosso do Sul, lugar da palestra) à mortandade e às ameaças de que são vítimas grupos indígenas da região?

- Nosso compromisso de defender a vida, por acaso, restringir-se-ia aos seres ainda não nascidos ou recém-nascidos? E a vida dos já nascidos e de milhares de crianças e jovens alvo de extermínio? Jesus silenciaria essas situações?

- Percebo que cada um desses traços pessoais e de história de vida pesa sobremaneira nas determinações do tipo de leitura que a palestrante faz:
  * da sociedade;
  * do Estado (na verdade; quase só Executivo e do Legislativo);
  * do seu campo religioso e de eventuais aliados;
  * do campo das forças adversárias;
* de suas estratégias de combate e, sobretudo, de proposta de salvação da Nação.

- Que concepção teleológica de sociedade inspira a fala da palestrante? Uma sociedade plural e diversa ou uma sociedade governada por pessoas e grupos que ela avalia como “cristãs”, as eleitas por Deus para salvar a Nação?

- Que leitura de Cristianismo fundamenta o discurso da Pastora?

- As conclusões salvacionistas – todas passando necessariamente pela mediação dos “eleitos de Deus” (ou seja: pelos membros das igrejas que se reclamam de evangélicas – terão inspiração na pedagogia do samaritano vivida e pregada por Jesus de Nazaré?

- Faz-se “tabula rasa”, sem qualquer lição a extrair da desastrada saga – esta protagonizada pela Igreja Católica – dos partidos católicos, os famigerados partidos confessionais (as várias versões de partido “democrata cristão”?

- Diante do crescimento do risco de fundamentalismo religioso, é ou não é tempo de uma nova Reforma, não apenas em relação à Igreja Católica, mas também em relação às demais Igrejas Cristãs?

- E, desta vez, no plano macrossocial, é ou não o momento de centramos força pela construção de uma República laica, como única forma de assegurar tratamento isonômico e republicano ao conjunto de seus cidadãos e cidadãs, garantindo-lhes verdadeira liberdade de crer ou de não crer?

- Não falta à palestrante e seus aliados uma boa base de senso histórico e de uma visão de discernimento da realidade social, de modo a tomar em conta situações trágicas protagonizadas pelos adeptos da Cristandade, das quais as famigeradas cruzadas constituem um exemplo tenebroso?

- Nas insinuações ou nas invectivas da palestrante, não parece haver uma concentração excessiva de alvo desembocando em cima do PT e seus representantes, o que favorece uma certa tendência de partidarização deste embate?

- E o quê dizer do fato de que a principal força política-alvo das graves acusações ter como alidados políticos justamente parte da Bancada Evangélica?  

Eis algumas indagações que, desarmado e aberto a aprender, compartilho, com propóstio de dialogar, em busca de melhor discernimento sobre esses desafios.

João Pessoa, 18 de maio de 2013.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

A gramática da plutocracia à brasileira: considerações críticas em torno de alguns de seus componentes



Alder Júlio Ferreira Calado 

Na rede, em companhia de Lara, netinha de 9 meses, enquanto tirava sua costumeira soneca matinal, eu me sentia povoado de uma iracúndia contra tantas manifestações de barbárie do atual modo de produção, a afetarem (letalmente ou não), centenas de milhões de pessoas, espalhadas pelo mundo, inclusive no Brasil, vitimadas por este sistema de morte.

Aqui, vamos tratá-lo como uma plutocracia, governo dos ricos e para os ricos, a infelicitar bilhões de seres humanos e outros viventes. Vamos fazê-lo por meio de um exercício de analogia com uma Gramática, em alguns de seus elementos - sua morfologia, sua sintaxe, sua estilística…

A plutocracia à brasileira comporta elementos que podem ser, de certo modo, observada de forma análogos à estrutura e ao funcionamento de uma gramática. Assim como esta, a plutocracia comporta um léxico próprio, uma morfologia, composta de um certo número de palavras ou vocábulos, capazes de identificá-la, especialmente, se tomados em seu conjunto. De modo semelhante ao que se passa na gramática, os elementos componentes assumem um significado próprio, quando tomados isoladamente. Todavia, quando apreciados em seu conjunto, isto é, quando dispostos de maneira organicamente conectada, tais elementos vocabulares se transformam, em sua eficácia e em seu próprio sentido, tal como elementos quimicamente isolados, que, depois de misturados, produzem efeitos bastante diversos. É a isto que estamos a chamar sua sintaxe. A plutocracia também comporta uma espécie de estilística, isto é, manifesta distintos modos de atuar, a depender dos distintos sujeitos com os quais se relaciona, bem como das circunstâncias históricas e culturais respectivas. Aqui não se trata, contudo, de recorrer a todos os elementos componentes de uma gramática. A seguir, tratamos de demonstrar, de forma ilustrativa, como se dá tal analogia entre o modo de atuar da plutocracia à brasileira, e alguns dos elementos componentes de uma gramática.

Do léxico ou da morfologia da plutocracia à brasileira

Um primeiro aspecto deste exercício de analogia pode ser iniciado pela morfologia, lembrando que não basta explorar cada elemento léxico, em separado, mas importa, sobretudo, compreender como estes vocábulos, estes conceitos chave se relacionam entre si, de modo a produzir sentidos especiais.
Com efeito, na estrutura e funcionamento da plutocracia a brasileira, é relevante perceber os diversos modos como as “elites do atraso” se valem daqueles diferentes conceitos-chave, para potencializá-los, em vista de manutenção e ampliação dos seus interesses de classe.

Como acima enunciado, mais marcada pelo capital financeiro, pelo rentismo, em que sua acumulação se faz em cima de sucessivas bolhas, feitas com base em mistificações, no capital fictício, a Plutocracia à brasileira, segue assumindo ares de barbárie, por onde passa. No caso da sociedade brasileira, plutocracia, tal como a gramática, também possui sua morfologia, seu léxico. Este atua com base em um vocabulário ou palavras-chave que, mesmo isoladamente tomadas, são capazes de sinalizar seu conteúdo de exploração, de dominação, de marginalização, em crescente escala.

Neste item, tratamos de destacar aqueles conceitos-chave, tomados à guisa de sua morfologia, que reputamos mais relevantes. 

Comecemos pelo vocábulo "Mercadoria". Mais do que um vocábulo, ou de uma palavra solta, retirada casualmente de um dicionário, trata-se de um conceito de uma categoria. Partimos da compreensão de que a plutocracia, para alcançar seus fins perversos, inicia por transformar o sentido de um objeto de uso, de um bem destinado a utilidade dos humanos, em uma mercadoria, isto é, em um objeto de troca, em um bem destinado a sua acumulação crescente e infindável. Neste sentido, até os elementos fundamentais da Mãe Natureza - a terra, a água, o ar e o sol - são convertidos em bens de troca, em mercadoria. Até os próprios seres viventes, inclusive os humanos, são igualmente transformados em coisas, em objetos, passando a compor fatores de acumulação de riquezas, apropriadas por uma ínfima minoria, transformada em classe social - a classe social dominante.

Ainda na mesma esteira, a plutocracia, sempre buscando favorecer aos membros de sua classe, empenha-se, de forma contínua e voraz, em acumular bens e riquezas, ainda que sabidamente à custa da miséria, da fome e das profundas carências da humanidade e de todos os viventes, chegando mesmo a golpear a própria natureza, em seu conjunto. É, a partir daí, que vamos observando seus frutos, por meio dos quais temos critérios confiáveis para julgar sua condição desumanizante, sua responsabilidade mais direta na produção de um sistema de morte.

Outro vocábulo que trazemos à reflexão, neste exercício de analogia entre a plutocracia e os elementos de uma gramática, é o da “Acumulação”. Trata-se de outro elemento fundamental, no processo de produção da plutocracia à brasileira. Isto significa que sua estratégia de, a partir de sua sólida condição de classe dominante, apropriar-se progressivamente, dos bens de produção, das riquezas e do Bem comum de toda a Humanidade, também da sociedade brasileira. A classe dominante trata, por conseguinte, de apropriar-se, seja pela razão da força, seja pela força de suas leis impostas e ainda pela sua vulpina estratégia ideológica, apropriando-se cumulativamente das riquezas sociais, do excedente coletivo da produção, recorrendo a um conjunto de estratégias de exploração, que seus representantes se esforçam continuamente por esconder aos olhos dos dominados. O excedente coletivo de produção converte-se, assim, em forma de constante e progressiva acumulação, que chega ao seu ápice na atual fase/Face da plutocracia a brasileira. Isto pode ser observado, em vários Campos: na estrutura progressivamente concentrada da terra no Brasil; também, no modo de uso e apropriação ilícita das terras pertencentes a outras camadas da população: povos originários, Comunidades Quilombolas, camponeses. Observa-se, igualmente, na forma de constante apropriação ilícita de seu subsolo riquíssimo, de seus variados tipos de minérios, vasta extensão de suas florestas, do seu solo, dos seus Rios, de suas águas, até outros relevantes bens de produção, tais como as indústrias, os bancos, etc.

“Desigualdades sociais” - eis outro vocábulo ou conceito chave, característico do modo de atuação da plutocracia a brasileira. Por conta do estabelecimento de sua condição de privilegiados os membros da classe dominante - uma ínfima minoria, correspondente a 1, 2 ou 5% de toda a população - vão se distanciando cada vez mais, do conjunto dos demais membros da sociedade.

O vocábulo, ou melhor, o conceito "desigualdades" indica, de fato, uma relação, uma relação social em vez de se considerar, de um lado, os ricos como sendo sujeitos separados dos demais, e, por outro lado, os pobres tomados isoladamente. O conceito desigualdade serve justamente para registrar a relação fundamental que liga os primeiros aos segundos. Deste modo, o conceito de desigualdade consegue flagrar a relação, graças a qual uma sociedade, no caso a sociedade brasileira, é formada de ricos cada vez mais enriquecidos a custa de pobres cada vez mais empobrecidos. Com uma agravante: os ricos que constituem a classe dominante representam uma ínfima proporção da sociedade, algo em torno de um a cinco por cento, enquanto os pobres constituem a imensa maioria. Não se trata, pois, de pretender-se explicar este fenômeno, isolando-se os referidos polos, o que resultaria numa conclusão falaciosa. Trata-se, ao contrário, de enxergar a relação causal que os une e lhes dá sentido.

Outro vocábulo de sua morfologia diz respeito ao termo “Classe Social”, isto é, o reconhecimento de que a sociedade plutocrática é formada de classes sociais, fundamentalmente a classe dominante (composta de uma ínfima minoria de plutocratas) e da classe dominada, composta da imensa maioria dos membros da mesma sociedade. Mesmo havendo, a favor da classe dominante, a figura do Estado, cujo objetivo, declarado conciliar os interesses em conflito, na prática do dia a dia, o Estado se torna um parceiro relevante do mercado controlado exclusivamente pela classe dominante .

Na já secular história do capitalismo, a classe dominante, chamada de burguesia, nunca se conformou com pouca lucratividade, sucede, contudo, que, por conta de distintas conjunturas, ela se viu obrigada a limitar sua avidez de lucro, como aconteceu nos seus inícios, ou no pós-guerra. Com o decorrer do tempo, no entanto, o capitalismo foi evoluindo em sua voracidade, de modo a perder qualquer escrúpulo ou freio, não hesitando em devastar povos, nações, recursos naturais, relevantes bens e riquezas da humanidade, em claro detrimento de crescentes parcelas da população mundial. É verdade que, seja no chamado capitalismo comercial, seja no capitalismo industrial, a burguesia tem mostrado excessiva lucratividade, à custa do suor e do sangue das enormes massas trabalhadoras. Não menos certo é que, em sua atual fase/Face a do rentismo, financista, caráter fictício, de marca fetichista, o capitalismo alcança, na atualidade, no Brasil e no mundo, de sua potencialidade devastadora dos humanos e dos demais seres do planeta. Para tanto, não tem hesitado em recorrer aos mecanismos e estratégias mais letais. Em recente divulgação de um levantamento feito pela OXFAM chegamos a saber que pouco mais de 2.000 bilionários acumulam, sozinhos, as riquezas correspondentes 4.600.000.000(quatro bilhões e seiscentos milhões) de habitantes do planeta, um escândalo intolerável! No caso da sociedade brasileira, onde reina sua face plutocrática, não é diferente. Os principais meios de produção, o sistema de comunicação, os aparelhos do Estado se encontram fortemente concentrados e controlados em mãos de muito pouca gente. No caso das comunicações de massa, em particular da mídia corporativa, apenas uma meia dúzia de famílias detém o controle das informações, das notícias relativas a economia, a política, a cultura, em todo o país. Tais características produzem um efeito devastador, do ponto de vista do empobrecimento, da alienação político cultural de expressivas parcelas da população brasileira. Com a agravante de termos a frente do governo e dos negócios do país uma elite do atraso, como costuma ser chamada. Isto é, uma elite que não tem projeto nacional, cujo interesse fundamental é aliar-se, de forma subserviente, aos grandes grupos econômicos transnacionais e aos interesses das grandes potências mundiais, sobretudo aos interesses dos Estados Unidos.

Tão ou ainda mais eficiente do que seu potencial bélico, apresenta-se seu vocábulo "Ideologia". É por meio de sua força ideologizante que a plutocracia a brasileira consegue especial controle de seu “status quo”. Em relação ao seu potencial ideológico, cumpre destacar, além dos artifícios vulpinos de seu mercado, também os aparelhos de Estado, graças aos quais a plutocracia consegue produzir pessoas subservientes ao seu controle, mesmo sem precisar esboçar ameaça bélica ou militar. Tal é sua influência, quê é capaz de convencer a parcelas numerosas da população de quê a plutocracia corresponde aos interesses das massas ao seu serviço com efeito, a plutocracia a brasileira também dispõe de um conjunto de instituições, tais como a família, as igrejas, a escola e outras do tipo, a injetarem constantemente nas massas subservientes seus valores fundamentais: a competição, a concorrência, o individualismo, as variadas formas de camuflagem da realidade, forte poder de convencimento de fazer passar o mal como bem, a mentira como verdade, como se fossem valores humanos a serem introjetados e reproduzidos. Ao mesmo tempo, a plutocracia também se vale de sua "democracia", de fachada, isto é, no papel, sem efetividade digna de nota por meio de seus principais aparelhos -  o Congresso Nacional, o judiciário, as forças de segurança, o próprio executivo - , os plutocratas conseguem fazer passar as mais perversas mentiras como se verdade fossem, e assim, conseguem transformar em leis os projetos mais iníquos, a infelicitarem a enorme maioria da população.

Quais são as afinidades que podem ser observadas entre as estratégias plutocráticas e a sintaxe?

Sua sintaxe, porém, não se limita aos sujeitos acima mencionados, isoladamente tomados. Estes protagonistas cometem 1000 ações, todas em vista de manter e aumentar seus privilégios de classe. Os sujeitos não agem sozinhos, contam com parceiros, com aliados e com súditos que asseguram o cumprimento das ordens. 

Quais os sujeitos que protagonizam as ações deste sistema de morte? Aqui, se destacam dois grandes grupos de sujeitos: por um lado, os sujeitos protagonistas do Mercado, isto é, um amplo conjunto de corporações transnacionais atuando nos mais distintos ramos da economia - no agronegócio, as grandes empresas ligadas à agricultura, à pecuária, às atividades extrativistas; as grandes indústrias que atuam em diversos ramos: no vasto e lucrativo campo da saúde (na produção de todo tipo de medicamento, nos laboratórios; nas indústrias, atuando na produção de equipamentos voltados à infraestrutura; indústria de transportes); grandes empresas lidando com o comércio internacional e nacional; principalmente, as mais diversas instituições que lidam com as finanças, com o rentismo, inclusive por meio de seus paraísos fiscais; ainda merecem destaque: as grandes empresas que lidam com o sistema de ensino particular, inclusive no campo do ensino superior, muitas das quais auferem altíssimas margens de lucro, também em seus convênios ou consórcios com o estado; grandes empresas atuando nos meios de comunicação de massa, bem como em outras esferas da cultura; até existem grandes empresas atuando nas relações com o Sagrado, de que são exemplos notórios as emissões de rádio e de televisão promovidas pelas igrejas neopentecostais ou mesmo por iniciativas de comunidades católicas carismáticas e outras.

Estes sujeitos, dentre outros, constituem os grandes beneficiários das riquezas produzidas e da gigantesca acumulação de bens e patrimônio, conseguidos à custa dos mais variados mecanismos de exploração, com a cumplicidade direta ou indireta dos aparelhos de Estado, das redes sociais controladas pelas forças dominantes, inclusive desde fora do país.

Como se comporta sua “estilística”?

Com relação a sua estilística, convém considerar suas estratégias e táticas, nas mais diversas circunstâncias históricas. Neste sentido, importa também ter presente uma relevante rede de relações, em âmbito mundial trata-se de uma série bem articulada de organismos internacionais, cujo principal objetivo é pressionar os estados nacionais, no sentido de fazerem cumprir suas políticas econômicas (das transnacionais). Estas são concebidas por grupos de especialistas, representantes dessas elites organizadas, em escala internacional políticas econômicas, não apenas concebidas, mas implementadas por meio de cada Estado, principalmente graças aos laços orgânicos que estes contraem com os organismos internacionais, atuando seja na área econômica, seja na área da saúde, e seja na área do trabalho, etc. E assim instituições tais como o FMI, a OMC, o Banco Mundial, a OEA, tem por finalidade coordenar, acompanhar, fiscalizar e pressionar os estados nacionais a fazerem cumprir as políticas econômicas editadas pelas forças sociais hegemônicas, a saber: as principais corporações transnacionais atuando nas finanças, aquelas com maior influência econômica e política, tais como a indústria armamentista, a indústria do petróleo, as grandes empresas de mineração, as principais redes de laboratórios, as grandes indústrias farmacêuticas, grandes empresas do agronegócio, entre outras.
Os exemplos acima mencionados podem ser entendidos como uma espécie de arcabouço estrutural de sua estilística. Convém, ainda, dar atenção a uma vasta gama de estratégias e táticas, cujo efeito costuma passar despercebido ou fora do alcance da enorme maioria da população. Cuidemos de exemplificar estes modos de atuar, sempre divulgados como formas "democráticas". Na verdade constituem mecanismos de grande efeito deletério para a enorme maioria dos humanos e dos demais seres. Ao mesmo tempo, trata-se de estilos ou modos de atuar fortemente vantajosos para os plutocratas. Apenas um exemplo de anteontem. Em Davos, na Suíça, onde se realiza mais um encontro dos países mais ricos, envolvendo cerca de três mil participantes, entre chefes de Estados e de Governos, altos representantes da plutocracia Internacional, tivemos também a participação de um representante do (des)governo brasileiro, na figura do Ministro da Economia, Paulo Guedes. Este não hesitou, sem qualquer escrúpulo, em atribuir os crimes de destruição praticados contra a Amazônia à fome dos pobres, sem qualquer atenção a fatores internacionalmente conhecidos, tais como a grilagem de terras, os incêndios criminosos praticados contra representantes do agronegócio, em sua voracidade de expansão da área destinada à pecuária, abstendo-se ainda de citar outros atores relevantes desta tragédia amazônica, tais como as grandes empresas de mineração, os grandes latifundiários e grileiros, invasores dos territórios indígenas, das Comunidades Quilombolas, dos Camponeses, etc.
O exemplo de Paulo Guedes é apenas um dentre numerosos outros que, a cada dia, a cada semana, a cada mês, são noticiados pela imprensa e pela mídia comercial. Tratemos, em seguida, de ilustrar didaticamente como se faz uma analogia entre os modos de atuar desta plutocracia com elementos extraídos da estilística.
A genialidade do mal apresentada pelos plutocratas e seus apoiadores, funda-se em  seu extremo poder de maquinar táticas de mascaramento, de disfarce de seus malfeitos. Também neste particular, os plutocratas brasileiros mostram-se fiéis discípulos do legado capitalista, atestado por séculos de sua maldita experiência, mas aprimorada nas últimas décadas. Um primeiro aspecto a destacar desta vulpina estratégia, de esconder seus malfeitos aos olhos da maioria dos membros de uma sociedade, vende-se a sua capacidade de fabricar leis - a partir mesmo da Constituição - que permitam aos seus intérpretes oficiais, em especial seu aparelho judiciário, os elementos aí presentes que sejam capazes de trazer vantagens, enquanto se empenham em minimizar ou mesmo desprezar outros aspectos, igualmente presentes no texto constitucional, que não covenham. Neste sentido, as próprias forças de transformação social, notadamente a esquerda partidária, salvo exceções, tendem atribuir ao judiciário uma confiança que não tem consistência, no conjunto dos fatos julgados. Neste mesmo processo, falam bem mais alto e com bem mais frequência os interesses de classe - a mesma classe dominante - da qual são porta-vozes especiais o conjunto dos membros do Judiciário, salvo raríssimas exceções.
Normalmente se manifestam, quando provocados por alguma Instância governamental, por algum órgão da sociedade civil ou mesmo por iniciativa de algum cidadão. Contudo, isto não os impede de, quando entendem pronunciar-se, fazê-lo, mesmo sem terem sido provocados. Seja como for, a Constituição Comporta um expressivo leque de artigos, manifestamente garantidores de direitos sociais. Isto, todavia, não impede que violações constantes aos direitos sociais sejam cometidos, até como se fossem regra. No tocante, por exemplo, aos direitos trabalhistas (direito salarial, direito ao salário desemprego, direito ao emprego, direito à proteção de várias circunstâncias previstas no mesmo texto constitucional). Isto não impede estarmos a observar frequentes transgressões impunes a Tais direitos. Por outro lado, rarissimamente, o mesmo pode ser dito, quanto aos direitos ou supostos direitos patronais normalmente são protegidos por decisões judiciais, notadamente Graças a excelentes bancas de Advogados e, sobretudo, ao número abusivo de recursos de que podem se valer, sem que nos esqueçamos da terrivel chaga do “Low Fair”, de que temos players famosos…
No mesmo texto constitucional, figuram tantos outros direitos, garantidores da dignidade dos cidadãos e cidadãs, inclusive dos trabalhadores e trabalhadoras. O único exemplo: figura no texto constitucional (relativo a Constituição de 1988, celebrada como "a constituição cidadã" ), figura que, em vista de sucessivos abusos nos cálculos dos juros e do serviço da dívida, em geral, o Brasil, por meio de suas instâncias competentes, pode desencadear um processo de auditoria, junto a órgãos internacionais competentes. A isto nunca se recorreu. nem mesmo quando a atual dívida pública assumir proporções inaceitáveis, quanto aos cálculos de juros relativos a esta mesma dívida, que se tem Tornado eterna. Neste mecanismo de endividamento público, repousa a voracidade maior do capital rentista, que não hesita em auferir lucros extorsivos, graças a imposição arbitrária e unilateral de juros estratosféricos aos países endividados. O mecanismo da dívida pública tem-se apresentado de tal modo voraz e ostensivo, que no caso do Brasil, os bancos se dão o privilégio de imporem taxas astronômicas de juros, como sucede com o juros dos cheques especiais, alcançando mais de 300%, ao ano, algo completamente inaceitável, mesmo no contexto capitalista internacional da atualidade. 
Ao aceitar passivamente estas condições esdrúxulas, os sucessivos governos neoliberais não têm sido capazes de alterar este quadro, caso que deveria ser tomado como prioridade principal das lutas sociais, protagonizadas pelos sujeitos históricos que tem capacidade de transformar tal realidade.
Quanto aos sujeitos historicamente vocacionados a enfrentarem estes desafios, os movimentos sociais populares se sentem instados a assumirem como seu este desafio.

João Pessoa, 23 de janeiro de 2020