quinta-feira, 21 de julho de 2016

Do universo vocabular do papa Francisco

No tesouro da sabedoria bíblica, e mais precisamente do Evangelho, aprendemos que “A boca fala do que está cheio o coração” (“Ex abundantia enim cordis os loquitur” (Mt 12, 34). Não é em vão que um dos procedimentos dentre os mais usados no esforço de compreensão de um perfil consiste em rastrear-lhe os ditos mais frequentes. Que tal adotarmos tal critério ao esforço de compreensão do perfil do Papa Francisco, nesses quase dez meses de seu ministério? Neste caso, ainda temos a nosso favor o fato de tratar-se de alguém cujas palavras não costumam discrepar de suas práticas, e a quem podemos aplicar uma feliz afirmação do Papa Paulo VI, em sua também Exortação Apostólica “Evangelii Nuntiandi”, de 1975: “Os homens de hoje ouvem mais as testemunhas do que os mestres, e, se também escutam os mestres, é porque eles são testemunhas.” (EN, n. 41).
A esse propósito, em uma de suas homilias, em 14 de abril de 2013, inspirando-se em Francisco de Assis, que exortava seus irmãos a que “preguem o Evangelho, e, se necessário, também com palavras”, alerta, com propriedade, o próprio Papa Francisco: “A incoerência, por parte de pastores e fiéis, entre o que dizem e o que fazem, entre discurso e modo de viver mina a credibilidade da Igreja.” (cf.http://www.vatican.va/holy_father/francesco/homilies/2013/documents/papa-francesco_20130414_omelia-basilica-san-paolo_en.html)
Cônscios também das limitações – o conhecimento de algo ou de alguém, bem o sabemos, é sempre uma aproximação -, tentemos aplicar o critério do “universo vocabular”, das “palavras-geradoras” (Paulo Freire) ao caso do Papa Francisco. Convém. desde já, prevenir que se trata, aqui, antes que de uma pesquisa acadêmica convencional, de um exercício de rememoração baseada em frequentes acompanhamentos de suas homilias, discursos, entrevistas e recente exortação apostólica “Evangelii Gaudium”.
Bispo de Roma – Desde sua primeira autoapresentação, preferiu apresentar-se como “bispo de Roma”, a apresentar-se como papa: “Irmãos e Irmãs, boa noite. Vocês sabem que o dever do conclave era dar um bispo a Roma, e parece que os meus irmãos cardeais foram buscá-lo quase no fim do mundo. Mas, eis-me aqui.” Não lhe bastasse a escolha do nome Francisco, recupera uma saudável tradição, ao tempo em que rompe com uma outra tradição eclesiástica mais inspirada no poder e na pompa.
Alegria – Eis uma palavra-chave do/no universo vocabular do Papa Francisco: “Não sejam nunca homens e mulheres tristes. Um cristão não pode ser assim!” (cf.http://www.aforismario.it/papa-francesco.htm) Recorrentemente por ele pronunciada, ora como verbo, ora como substantivo, ora como adjetivo, ora como advérbio… Tanto nas homilias quanto em sua recente Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium”, ele se mostra incisivo no emprego desta expressão, que dá título, aliás, ao seu primeiro grande escrito – “A alegria do Evangelho”, na qual são várias as passagens em que situa e sublinha a importância da alegria na vida dos cristãos: “A alegria do Evangelho que enche a vida dos discípulos é uma alegria missionária.” (EG, n. 21). Dirigindo-se às famílias reunidas na Praça São Pedro, em Roma, o Papa Franciso retoma o tema da alegria. Após lembrar os diversos tipos de fardos que a vida nos apresenta, e a partir da Palavra de Jesus – “Vinde a mim todos vós que estais oprimidos e sobrecarregados, e Eu vos aliviarei para que a vossa alegria seja completa”, o Papa exorta as famílias a confiarem na promessa de Jesus – “para que vossa alegria seja completa” (cf. http://www.youtube.com/watch?v=rymr4Oerkj4)
Aproximar-se dos outros – O princípio da relacionalidade é vital na pregação. Mais do que mera diretriz, ela caracteriza fortemente suas práticas pastorais. Há que se aproximar do povo. Apelo reiterado, com insistência, inclusive pela sua pedagogia do exemplo, como tem ficado bem evidenciada sua postura no meio das multidões, seja por ocasião da Jornada Mundial da Juventude, no Rio, seja nas grandes manifestações massivas na Praça São Pedro, em Roma. Urge sair em busca das ovelhas perdidas. Acercar-se delas, deixar-se impregnar pelo seu cheiro. “Aquele que isola sua consciência da caminhada do povo de Deus não conhece a alegria do Espírito Santo que sustenta a esperança.” (cf.http://aforismi.meglio.it/aforismi-di.htm?n=Papa+Francesco). Em outra ocasião, o Papa Francisco segue incisivo: “Não podemos construir pontes entre os homens, esquecendo-nos de Deus. Mas também vale o contrário: não podemos viver verdadeiros laços com Deus, ignorando os outros.” (cf. http://www.aforismario.it/papa-francesco.htm)
Uma Igreja pobre para os pobres – Eis um desejo que o ouvimos expressar com certa frequência: “Como queria uma Igreja pobre e para os pobres. Para isto me chamo Francisco: como Francisco, homem da pobreza, homem de paz. Homem que ama e cuida da Criação, enquanto nós hoje não temos uma relação tão boa com a Criação.” (http://www.studenti.it/foto/news/le-frasi-piu-belle-di-papa-francesco/siamo-con-te-papa-francesco.php)
Não tenham medo – Deixar-nos surpreender por Deus, que também nos chama à novidade, à abertura ao novo. “Sair de nós mesmos e sair também do recinto do jardim de nossas convicções consideradas imutáveis, se estas correm o risco de tornar-se um obstáculo, de se fecharem ao horizonte que é Deus.” Ainda sobre este ponto: “As nossas certezas pode tornar-se um muro, um cárcere que aprisiona o Espírito Santo.” (cf,http://aforismi.meglio.it/aforismi-di.htm?n=Papa+Francesco).
“Em saída missionária” – “Só permanecemos fiéis ao Senhor, se sairmos de nós mesmos. Paradoxalmente, só permanecemos fiéis, se mudarmos. Não permanecemos fiéis como tradicionalistas, como fundamentalistas, ao pé da letra. A fidelidade é sempre uma mudança, um florescimento, um crescimento.”
Ternura – “Não tenham medo da ternura.”
A força da misericórdia – É bastante recorrente sua ênfase na misericórdia de Deus. Inclusive em sua recente Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium”. Como ele insiste nisto: “Deus nunca se cansa de nos perdoar. Nós é que nos cansamos de buscar o seu perdão.” (EG, n. 3).
Sair em busca das periferias existenciais – A evangelização, conquanto conte com nossa generosidade, é obra de Deus, e nosso dever é priorizar o anúncio do Evangelho junto às pessoas que não conhecem a Jesus. Daí a necessidade de sair ao encontro das pessoas mais distantes, mais afastadas, evitando a tentação de enjaular o Espírito Santo no templo ou no conforto de seu próprio recinto, razão por que diz o Papa Francisco: “prefiro mil vezes uma Igreja acidentada a uma Igreja enferma” (por conta da atmosfera viciada do seu fechamento). (cf. http://www.ihu.unisinos.br/noticias/519413-prefiro-mil-vezes-uma-igreja-acidentada-a-uma-igreja-enferma-diz-francisco-aos-bispos-argentinos).
A humildade é necessária para a fecundidade – Esta constitui uma de suas marcas de notável referência, fazendo jus ao nome que escolheu para o seu ministério: Francisco. Despindo-se de toda pompa, e empenhando-se em medidas de despojamento também para o papado, ele ousa apresentar-se, não como um rei ou como uma pessoa acima das outras, ou mesmo alguém “infalível”. Prefere apresentar-se como “um pecdor”, como afirmou, aludindo a que se confessava a cada quinze dias, atitude que recomenda a padres e bispos, e a sim próprio, pois “o papa também é um pecador.” (cf.http://www.corriere.it/cronache/13_novembre_20/papa-sono-peccatore-ogni-15-giorni-mi-confesso-c938a962-51d4-11e3-a289-85e6614cf366.shtml).
Vez por outra, dele escutamos, quando se dirige à multidão: “Não olhem para mim, olhem para Jesus.” Do mesmo modo, estamos a ler ou a ouvi-lo dirigir-se aos demais ministros, alertando-os de que os sacramentos são gestos do Senhor, não devem ser confundidos com “territórios de conquista de padres ou bispos.”
Na Igreja, antes que o papa, o Povo de Deus é referência primeira – Por ter a Igreja uma marca espiritual antes que política, “É o santo Povo de Deus, com suas virtudes e seus pecados que está no centro, não o papa. Cristo é o centro.” (cf,http://www.aforismario.it/papa-francesco.htm)
Conversão – Toda a Igreja, a começar do papado, é chamada a converter-se, incessantemente: “Visto que eu sou chamado a pôr em prática o que eu prego aos outros, eu devo também pensar na conversão do papado.” (EG, n. 32).
“Abramos a porta ao Espírito, deixemo-nos guiar por Ele. Deixemos que a ação contínua de Deus nos torne homens e mulheres novos, animados pelo amor de Deus que o Espírito Santo nos dá.” (cf. http://www.aforismario.it/papa-francesco.htm).
Uma só família humana. Comida para todos! – É tocante perceber a importância que Papa Francisco atribui às coisas simles do dia-a-dia, como as refeições. Como não impactar-se com o sua habitual saudação, a cada “Angelus”, na Praça São Pedro, dirigida ao despedir-se dos peregrinos e peregrinas: “Bom dia e bom almoço!” Em sua recente Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium”, não poupa palavras duras ao sistema responsável por profundas desigualdades que violam os direitos humanos: “Os direitos humanos não são apenas violados pelo terrorismo, pela repressão ou pelo assassinato, mas também por estruturas econômicas injustas que criam grandes desigualdades.” (http://www.gruppolaico.it/2013/01/01/francesco/ ).
Por uma cultura do trabalho humanizador – Há no universo vocabular do Papa Francisco – na verdade, desde os temos de Cardeal Bergoglio – um empenho na luta por uma saudável cultura do trabalho, que rompe com a lógica do Capitalismo, da sociedade de consumo, o que o levou, certa vez, numa entrevista, a sustenta que “Junto com uma cultura de trabalho deve haver uma cultura do lazer como algo gratificante. (…) as pessoas que trabalham deve ter um tempo de espairecimento, para estarem com suas famílias, para se divertirem, ler, ouvir música, praticar um esporte.” Em tal contexto, conclui, “o trabalho acaba desumanizando as pessoas.” (http://www.nytimes.com/2013/04/27/us/pope-francis-has-a-few-words-in-support-of-leisure.html?_r=0)
É o Espírito quem suscita a diversidade e a unidade – Impactante constatar, da parte do Papa Francisco, sua consciência da importância da diversidade, da pluralidade como dom do Espírito Santo, ao mesmo tempo que reconhece que, só por meio d´Ele, podemos tecer unidade. “É o Espírito Santo quem faz a harmonia na Igreja.” “Entreguemo-nos nas mãos de Deus como uma criança põe sua mão na mão do seu pai.” (cf.http://www.pinterest.com/goodnewsmin/pope-francis-quotes/)
Rezar é abrir a porta ao Senhor – Nos enfrentamentos do mal, que está fora mas também dentro de nós, nos servimos da Oração, pela força da qual abrimos a porta ao Senhor, para que Ele entre e nos ajude a lutar contra o mal. Não ficamos sozinhos, nessa luta. Diferentemente, quando não rezamos, estamos fechando a porta ao Senhor.
O cuidado com a Criação – Eis outra inquietação frequente em suas intervenções: “.” Cuidar do criado, todo homem, toda mulher, com um olhar de ternura e de amor, é abrir o horizonte da esperança, é fazer uma abertura de luz em meio a tantas nuvens, é carregar o calor da esperança.” (cf. http://www.aforismario.it/papa-francesco.htm)
“Ser santo não é um privilégio de poucos, mas uma vocação para cada um.” – Foi assim, por meio de twitter, que o Papa Francisco postou esta frase, no dia 21 de novembro de 2013 (cf. http://www.pinterest.com/goodnewsmin/pope-francis-quotes/)
Eis alguns elementos para se ter um espectro possível do perfil do Papa Francisco, a partir de ditos e escritos seus, desde um olhar entre outros possíveis. Outros, outras por certo fariam outras escolhas, elegeriam outros elementos. Contentemo-nos com um aperitivo no esforço de conhecer facetas do Bispo de Roma, em seu propósito de impulsionar mudanças na Igreja Católica Romana.
João Pessoa, 28 de dezembro de 2013

Um comentário:

  1. Com alegria leio atento as sábias palavras do prof Alder Júlio Ferreira Calado a quem gosto de me referir como Camarada Alder.

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