quarta-feira, 1 de abril de 2020

A COVID19 EXPÕE AS VÍSCERAS DA NECROPOLÍTICA CAPITALISTA

A COVID19 EXPÕE AS VÍSCERAS DA NECROPOLÍTICA CAPITALISTA

  Alder Júlio Ferreira Calado  



Dúvidas e incertezas fazem e sempre fizeram parte da condição humana, em todos os tempos e lugares, em uns mais do que em outros. Também hoje, sufocadas por uma complexa conjuntura e estrutura sócio econômica, política e cultural, também enfrentamos dúvidas e incertezas, até bem mais do que no passado recente. Sucede, contudo, que a COVID19 nos surpreende, expondo- nos evidências antes negadas ou pouco visíveis pelos paladinos do capitalismo, que hoje atravessa sua fase/face mais perversa, controlada que vem sendo por seu segmento financista e seus paraísos fiscais. Com efeito, ao acompanharmos atentamente a irrupção do novo Coronavírus, mundo afora, também no Brasil, podemos perceber terríveis traços da barbárie capitalista, especialmente em sua feição Ultraliberal. Seus defensores mais conhecidos como os "Chicago’s boys" devem estar atravessando momentos de extrema frustração, ao sentirem que estão vindo por terra seus mais eloquentes compromissos com a financeirização da economia, em escala mundial também no Brasil. A economia conduzida pelos economistas ultraliberais, a exemplo de Paulo Guedes, devem estar experimentando uma frustração sem tamanho e sem precedentes.

Nas linhas que seguem, cuidamos de trazer a lume alguns exemplos ilustrativos do completo desmonte dos argumentos e das teses que sustentam a economia ultraliberal no Brasil e no mundo.

Um primeiro aspecto a considerar prende-se às teses neoliberais e, sobretudo, aos argumentos ultraliberais. Corresponde à obsessiva defesa do famigerado "estado mínimo". Não bastassem recentes irrupções de populações inteiras, no Chile, no Equador e em outros países latino-americanos, a se manifestarem vigorosamente nas praças e nas ruas contra os crimes cometidos pelos defensores da economia ultraliberal, eis que a irrupção do novo coronavírus acaba de colocar sobre aquelas teses uma pá de cal. Por conseguinte, como explicar a fúria com que Paulo Guedes e a elite do atraso do Brasil, com apoio do Executivo, do Legislativo e até do Judiciário, defendem a desnecessidade do Estado em face da gravíssima crise sanitária pela qual estamos passando?

O escopo principal deste texto é, portanto, buscar desmascarar várias teses equivocadas, profundamente nocivas à nossa sociedade e ao planeta, sustentadas pelos paladinos do ultraliberalismo, por meio de seus economistas ligados, em grande parte, à famigerada escola de Chicago, sem descartarmos exemplos alusivos a outros países - já que estamos tratando de um fenômeno globalizante -. Cuidamos de ilustrar, por meio de vários exemplos, os equívocos contidos nessas teses sustentadas pelo neoliberalismo no Brasil.

Uma delas baseia-se em uma axiologia profundamente centrada no indivíduo, em detrimento da coletividade. Parte-se da ideia de que só os indivíduos é que produzem riquezas, desfazendo-se da importância do “Ethos” comunitário ou coletivo, como sujeito de produção e de decisão da distribuição de suas riquezas. Na concepção neoliberal e ultraliberal, cabe a cada indivíduo a tarefa de produzir o necessário à sua própria existência (lembrem-se da defesa por Paulo Guedes da capitalização, no plano da “reforma previdenciária”). Trata-se de uma tese profundamente falsa, pelo fato de que qualquer indivíduo que esteja a usufruir do mercado capitalista só pode fazê-lo, por meio do trabalho coletivo (da cooperação forçada ou voluntária) dos demais cidadãos. É a partir de teses como esta, que se entende o que se tem passado no Brasil e no mundo, especialmente nos últimos anos. No caso do Brasil, esta tese vem apoiada no grupo capitaneado pelo PMDB, sob a presidência de Michel Temer, ainda vice-presidente do Brasil, quando propunha um plano econômico chamado "um salto para o futuro", com propostas que rompiam com as características das políticas econômicas até então adotadas. Toda atenção, daí por diante, passou a ser centrada na necessidade de materializar aquele insano plano. Sua execução tinha que passar pela destituição do governo Dilma, ainda que isto tenha significado a traição do vice-presidente à então Presidente da República, em conluio com a elite do atraso e com a avidez do setor financista - a face mais perversa do capitalismo -. Estes grupos passaram a viabilizar suas nefastas políticas, por meio de projetos de lei que foram capazes, uma vez aprovados pela Câmara e pelo Senado, de proceder a um verdadeiro desmonte das políticas sociais que contemplavam as camadas mais necessitadas da população, tendo alcançado êxito. Com o impacto do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, o presidente Michel Temer passa a capitanear esta sucessão de políticas de desmonte das leis de proteção aos trabalhadores e trabalhadoras. Primeiro, graças a votação e aprovação da famigerada PEC do teto dos gastos. Por longos 20 anos, qualquer soma destinada a políticas sociais de reconhecida urgência e prioridade fica sustada. Não bastasse tamanha truculência e desrespeito com relação aos direitos dos mais pobres, eis que a mesma PEC em nada restringe a continuidade do pagamento religioso do serviço da dívida pública, em contraste espantoso com o que determina em relação às mais relevantes e urgentes políticas públicas. Mais do que antes, a irrupção da COVID19 põe às escâncaras as terríveis consequências desta medida. Basta um olhar sobre o desmonte da Saúde Pública, apanhada a rastejar, em razão do desinvestimento e do sucateamento de todo o sistema, agravando seriamente o risco da população brasileira de um índice altíssimo de casos fatais, insuficiente estrutura da saúde pública. 

O desgoverno Michel Temer, porém, não se restringiu a esta medida nociva, aprovada por um Congresso subserviente ao Executivo ou, mais precisamente, aos grandes grupos econômicos, especialmente ao setor rentista, ao qual o Executivo e o Congresso, sem esquecer o Judiciário, se subordinam vergonhosamente. O próximo passo do desmonte geral da economia brasileira se deu com a infame campanha e aprovação de uma legislação trabalhista que segue tendo drásticas consequências sobre o conjunto da população trabalhadora do Brasil.

O pior estaria por acontecer. As eleições de 2018 acontecem em um clima dominado amplamente pelo disparo de “fake news”, sobre o controle especialmente dos apoiadores do candidato Jair Bolsonaro. No início da campanha presidencial, os números que correspondiam às intenções de foto, não assinavam para um crescimento gigantesco de sua campanha, ao mesmo tempo em que se observava o progressivo declínio dos candidatos de direita e mesmo de centro-esquerda. O estrago se confirma com o resultado final das eleições, nas quais relevante sinais de fraude foram constatadas, mas não reconhecidos pela justiça eleitoral, de modo a garantir os resultados favoráveis a Jair Bolsonaro. Os partidos de direita que apostavam, de início, em seus candidatos preferidos, foram, movidos pelo ódio ao petismo e ao lulismo, levados então a flertar com a candidatura Bolsonaro, em claro detrimento da campanha do candidato petista, Fernando Haddad. Curioso e mesmo revoltante é constatar-se que os votos que a direita transfere para o candidato Jair Bolsonaro foram fundamentais para assegurar a Vitória do candidato da ultradireita, com a qual a própria direita tem se entendido muito bem, já que o núcleo duro do programa de ambas é o mesmo: conceber e implementar "reformas" que aprofundem as desigualdades sociais, em favor dos setores dominantes, em especial do rentismo "do qual o Ministro da Economia Paulo Guedes é forte porta-voz", sempre à custa da retirada de direitos dos trabalhadores e trabalhadoras.

Dando prosseguimento à mesma lógica posta em prática, durante o governo Temer, desde o seu início, também o desgoverno Bolsonaro empenha-se, especialmente por intermédio do seu Ministro da Economia (Paulo Guedes) em implementar rotações sucessivas de desmonte de direitos, seja pela votação da "reforma" da Previdência Social, seja por várias iniciativas, por via de medidas provisórias, a aprofundar diversos aspectos do desmonte das leis de proteção dos trabalhadores e trabalhadoras, em claro atestado de atendimento à gula dos setores dominantes, capitaneados pelas transnacionais, atuando na área rentista, mas organicamente articuladas a outros setores de transnacionais atuando nos mais diversos campos e ramos da economia.

A incidência repentina da COVID19 veio desmantelar, de certo modo, todo esse plano sucessivos DE desmontes, a serviço do grande capital, nacional e transnacional. À medida em que se espalha a COVID19 em outros países, para além da China, o desgoverno Bolsonaro cuida de minimizar ou mesmo desdenhar dos efeitos do novo coronavírus, de início, replicando palavras do presidente dos Estados Unidos, a quem bolsonaro se alinha incondicionalmente. À medida, porém, que Trump, pressionado pelas organizações mais influentes da sociedade civil estadunidense, recua do seu plano infame, não acontece coisa igual da parte do seu vassalo brasileiro que, qual asno chucro, desrespeita todas as normas de bom senso, inclusive as orientações do seu próprio Ministro da Saúde, além das orientações da Organização Mundial de Saúde, afrontando, de modo crescente, tais orientações, cometendo seguidos desvarios, em declarações e em atitudes de rompimento de quarentena, justamente quem deveria dar o bom exemplo, especialmente tomando-se em conta o fato de que, em sua recente viagem aos Estados Unidos, em companhia de ministros e outras figuras representativas do empresariado brasileiro, 20 pessoas desta comitiva retornaram acometidas da COVID19.

A Reforma da Previdência Social constituiu o primeiro grande ato do desgoverno Bolsonaro. Em sincrônica sequência com a mesma lógica adotada pelo desgoverno Michel Temer, inspirado no famigerado projeto "uma ponte para o futuro", recebeu do ministro Paulo Guedes e de todo o governo desgoverno Bolsonaro o melhor de seus esforços, tudo fazendo para passar de goela abaixo da enorme maioria do povo trabalhador, mais este desmonte. Todo o processo desta "Reforma" da Previdência Social comportava uma sequência de passos profundamente caracterizados por ou pela ideologia financista com base, por conseguinte, em uma série de estratégias de alto poder de convencimento, junto a enormes parcelas da população brasileiro. O desgoverno Bolsonaro seguiu à risca o plano de enriquecimento vergonhoso do setor rentista usando dinheiro público para uma larga campanha, pela mídia corporativa, pelas redes sociais, recorria a um bombardeio de informações contendo argumentos falaciosos, cálculos fantasiosos, promessas infundadas (das quais a mais perversa era vender aquele desmonte como um passo indispensável para o retorno do emprego e do crescimento do país), a pressão governamental sobre as lideranças partidárias que, também pressionados pela mídia corporativa, acabavam rendendo-se, votação após votação, na Câmara e no Senado, por aprovar esta "reforma", que se constituiu dos mais perversos mecanismos concentração de renda, transferindo vergonhosamente os tostões de milhões de trabalhadores e trabalhadoras para o enriquecimento ainda maior dos setores dominantes, em especial do setor financista. 

Ainda não satisfeitos com tamanho estrago, o desgoverno Bolsonaro, capitaneado pelo banqueiro Paulo Guedes, cuida de outras "reformas”, com a mesma finalidade de aumentar a concentração de renda, principalmente, nas mãos do setor financista, a exemplo de sua proposta de capitalização (recusada viva durante a "reforma da Previdência", pelas casas legislativas). Além desta, outras “reformas” estão sendo cogitados para serem impostas ao povo brasileiro, tais como a reforma administrativa e a reforma tributária.

É ainda durante as discussões sobre tais reformas em meio à sucessão de graves episódios protagonizados pelo presidente da república, que irrompe o novo coronavírus, a “atrapalhar” os planos em marcha do desgoverno Bolsonaro.


As notas precedentes, ainda que de modo sucinto, podem emprestar cheio a uma reflexão crítica a ser exercitado pelas forças sociais comprometidas com verdadeiras mudanças. Uma lição de todos esses episódios, inclusive da fúria assassina do desgoverno Bolsonaro contra a dignidade das populações originárias, das Comunidades Quilombolas, da comunidade LGBTQI, das mulheres, dos pobres em geral (sobre os quais reina, no desgoverno Bolsonaro, uma estrondosa "e topofobia"), contra a dignidade da mãe natureza, crime cometido de uma série de episódios: incentivo a incêndios da floresta amazônica ponto e, incitação a invasão de terras indígenas e de Comunidades Quilombolas; a expansão e legal diárias de reservas Florestais, com a finalidade de estender a área de pecuária extensiva, do interesse do agronegócio; a incitação a prática ilegal de garimpos - eis algumas das formas de que se tem valido o desgoverno bolsonaro. 

Outra lição a ser extraída dos atos cometidos por este desgoverno tem a ver com os interesses da classe dominante, inclusive daquele setores que, fingindo estarem contra os desmandos do presidente Bolsonaro, sentem-se altamente beneficiados com a política econômica exercida por seu governo. Aí se juntam figuras exponenciais do congresso nacional, do próprio judiciário, além do setor financista e outros representativos dos interesses da classe dominante, para apresentar em palavras hipócritas, críticas aparentes aos desmandos de seu presidente, com os olhos voltados para os lucros exponenciais resultantes da política criminosa, conduzida pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes. Isto significa, para quem quer ver, a necessidade e urgência de se entender o risco enorme de se fazer aliança com setores da direita, que fingem estar contra a ultra direita, mas se beneficiam de sua política, contra os interesses mais elementares da enorme maioria da população brasileira.

A título de arremate das linhas acima, havemos por bem de destacar os seguintes pontos: a exemplo de crises passadas, umas mais profundas do que outras, também esta nos oportuniza auferir ensinamentos, dos quais ousamos sublinhar, com mais ênfase, a natureza capitalista por excelência desta crise, que se manifesta, de modo organicamente articulado em várias frentes. Estamos diante de uma profunda crise financista, em primeiro lugar, crise que corresponde ao setor parasitário do capitalismo, sustentado fundamentalmente com base em fetiches, em falácias convertidas, por algum tempo, e aos olhos das parcelas mais vulneráveis da população, em verdade, com base, portanto, na larga utilização da crença no poder ilimitado do capital financeiro, diariamente propagado pela mídia corporativa, sustentada pelo próprio setor financista. Os controladores do capital financeiro, em escala internacional e nacional, cuidam de difundir uma acumulação fantasiosa de recursos financeiros, controlados por um número ínfimo de pessoas comprometidas com este setor, como em passado recente, por ocasião da crise de 2008. Também neste momento, a bolha financista acaba rompendo-se, e o véu de mentira que encobria este sistema, acaba caindo, de modo a tornar nu o rei... Além de seu caráter financista, a crise aguda que estamos a enfrentar também comporta outras características. Manifesta-se, ainda, por meio de uma acelerada agressão dos bens e recursos naturais, como meio extremo de acumulação para as transnacionais que operam em setores tais como as empresas de mineração, o agronegócio, a indústria armamentista, entre outros ramos. A combinação da avidez destes setores produz uma corrida doente em direção aos bens da humanidade, ocasionando uma ofensiva sem precedentes aos bens da natureza, bens da humanidade. Os graves crimes de que o Brasil do desgoverno Bolsonaro passou a ser manchete, especialmente em 2019, mas também precedido pelo desgoverno Michel Temer, ainda que em menor proporção, eis outra marca da crise atual. Trata-se, ainda, de uma profunda crise capitalista, que se manifesta na esfera política, com o conchavo estabelecido entre os setores da direita e da extrema-direita que produzem grandes estragos no campo da política. Nem sempre os efeitos perversos são reconhecidos como tendo origem também nos setores da direita, representativas da mesma elite do atraso. É mais frequente o reconhecimento dos malfeitos da ultra direita, por se apresentarem mais evidentes. Por outro lado, os setores da direita tradicional passam a comportar-se como críticos aos malfeitos mais extremados da ultra direita, encobrindo, porém, sua satisfação de que, no fundamental, a direita tradicional é igualmente beneficiada, no que diz respeito aos frutos das "reformas" postas em prática, graças à sua sólida aliança com a extrema direita. Outra face com a qual também se apresenta a crise atual tem a ver com a irrupção da COVID19, cuja natureza e efeitos devastadores muito tem ajudado a desvelar as estratégias do capitalismo, sistema que é alcançado em suas entranhas, o que permite esboçar-se, a médio prazo, uma saída para além do capitalismo. No entanto, não cairá pronta, é obra principalmente dos setores majoritários da sociedade, as organizações de base, especialmente os movimentos sociais populares, que, juntamente com outros parceiros e aliados, hão de buscar retomar, em novo estilo, suas atividades organizativas, formativas e de luta, como forma de enfrentar exitosamente o capitalismo, cujo deus (Mamon) exige de seus adoradores um culto incondicional e ininterrupto, como advertia Walter Benjamin ainda nas primeiras décadas do século XX.

João Pessoa, 01/04/2020. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário