quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Tempos de retrocessos desumanizantes: a força do esperançar



Alder Júlio Ferreira Calado 


Embora diretamente afetados, são pouquíssimos dentre nós que se empenham em acompanhar criticamente - e por fontes variadas e fidedignas - o que se passa, em nossos dias, do âmbito local e em escala internacional. A prevalecer tal atitude, a tendência de piorar só se agrava. Com efeito, seguem contundentes os sinais de barbárie que se avolumam por toda a parte, nas mais diferentes esferas da realidade: socioambiental, econômica, política geopolítica-econômica, cultural, religiosa, nas relações sociais de gênero, étnico-raciais, geracionais, de procedência geográfica, nas relações com o sagrado, nas relações biopsicossociais, de subjetividade e intersubjetividade, entre outras. 


Neste sentido, somos diariamente bombardeados por fatos e notícias dando conta dos crimes socioambientais perpretados contra nossos biomas; do aumento do feminicídio e das mais perversas formas de violência contra as mulheres; do aumento dos crimes contra os povos originários; das comunidades quilombolas, dos povos tradicionais das florestas e das águas; do agravamento das desigualdades; da profunda crise das Democracias liberais e do respectivo Estado do aumento das prisões em massa e a margem da lei, a punirem, não raro, com pena de morte, os jovens pretos, pobres e perifericos; as crescentes usurpaçoes do Congresso pretendo-se o Poder sobre os demais Poderes… são fatos e situações que, aos olhos de quem os acompanha criticamente mais de perto, se revelam tanto mais ameaçadores, quanto observamos seus profundos laços de conectividade. 


A despeito da complexidade das questões aqui suscitadas, o propósito das linhas que seguem, se limita a enunciar alguns aspectos de problematização, de caráter provocativo, tendo, como de hábito, os/as militantes das causas das classes populares, como alvos preferenciais de interlocução. 


A debilidade de nossa consciência de classe 


Diferentemente de outras conjunturas sociais, econômicas e políticas - como, por exemplo, a do período das décadas de 1950 a 1980 -, experimentamos atualmente uma época que combina dois extremos: de um lado, o descenso dos movimentos populares atuando com perspectivas revolucionária, e de outro lado, a espantosa expansão, em escalas mundial, latino-americana e no Brasil, de forças neofascistas que se tornam hegemônica nos aparelhos de Estado, na mídia comercial, em amplas parcelas da população, inclusive em setores cristãos. Importa aí perceber o reconhecimento, não apenas do fator externo (o ascenso da extrema-Direita), mas também a incidência do fator interno - nossas forças de esquerda, em grande parte, cegamente confiantes em mudanças pela via eleitoral, abandonaram as lutas e a própria convivência com os “de baixo”, no campo e nas periferias urbanas. Abandonaram o processo organizativo das bases, bem como o processo formativo permanente. Não é em vão que tanto se reclame hoje da falta de militantes comprometidos com os estudos críticos da realidade social do que tem resultado um vertiginoso “déficit” teórico em nossos militantes, em grande parte, afeitos ao ativismo, destituído de lastro teórico, de estudos dos nossos bons clássicos - homens e mulheres, a partir da realidade brasileira. 


De tal modo imantizante tem sido o poder de atração da via eleitoreira, que até parte expressiva dos mais combativos Movimentos Populares, que nos anos 1980, por exemplo, se empenharam em cultivar sua autonomia perante o mercado capitalista e seu Estado acabaram sucumbindo ao conto eleitoreiro, arrefecendo as lutas populares, no campo e na cidade, ao mesmo tempo em que cedendo lugar aos grupos de Direita. Com efeito, como apostar todas as fichas na via eleitoral, especialmente na atual conjuntura brasileira, de um Congresso quase completamente hostil aos interesses das classes populares, um Congresso cada vez mais refém da extrema-Direita, haja vista suas votações mais recentes, inclusive a favor da anistia quase completa dos golpistas, cujo último núcleo ainda está sendo julgado? Não se conclua daí que, em uma eleição disputada pela  Direita golpista, não tenhamos que evitar a tragédia mais letal, mas conscientes de que isto não basta: precisamos retomar, no dia-a-dia nossa convivência, no campo e nas periferias urbanas, nossa convivência orgânica com as classes populares, seja no plano organizativo (sempre pela base), na esfera formativa permanente, e no terreno das lutas de enfrentamento. 


Onde reside a força do nosso esperançar?


Importa notar que o que adiante assinalamos nada tem propriamente de novo. Trata-se, antes, de ressaltar algumas evidências esquecidas. Quem se atém mais de perto a ler criticamente nossa realidade, percebe que, a despeito de tantos retrocessos, encontramos, nas correntezas subterrâneas, grupos e coletivos e alguns movimentos populares empenhados em semear e cultivar sementes de uma nova sociedade. Destes protagonistas - mulheres e homens - fazem parte, por exemplo, coletivos feministas, grupos de mulheres indígenas, quilombolas, alguns poucos Movimentos Populares - só para mencionar alguns exemplos. É aí que reside nosso esperançar, a curto, médio e longo prazos.


Com efeito, no Brasil, na América Latina e no Mundo, constatamos o protagonismo dessas gentes empenhadas no chão do dia-a-dia, a mostrarem iniciativas e projetos grávidos do novo. Quase todos impregnados da força do novo, do potencial revolucionário, sob as mais distintas manifestações: das relações cósmicas e planetárias (em busca do bem-viver e paradigmas afins); as relações sociais de gênero; de experiências inovadoras no plano da produção, do consumo e da gestão societal; as relações políticas e culturais, destituídas e em luta contra as relações de colonialidade, só para assinalar aspectos da realidade menos presentes aos nossos olhos, mas nem por isso dela menos presentes.


João Pessoa, 10/12/2025



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