terça-feira, 17 de abril de 2018

A CAMINHO DE UM NOVO CONCÍLIO: limites , possibilidades, condições...

A CAMINHO DE UM NOVO CONCÍLIO: limites , possibilidades, condições...

Alder Júlio Ferreira Calado

Nos último meses, em decorrência de declarações de membros do episcopado europeu, acerca da possibilidade de convocação de um novo concílio “concílio Vaticano III” pelo Papa Francisco, reabre-se a discussão por parte de membros de grupos e movimentos reformadores católicos a este respeito. Não é a primeira vez q nisto se fala ao longo de meio século desde a conclusão do Concílio Vaticano II. Em busca de contribuirmos com este debate, modestamente que seja,  ousamos compartilhar alguns questionamentos sobre o assunto.

Nossa caminhada de seres humanos se faz sob o signo da história. Somos, como se sabe, seres históricos! Ainda que em grau diferenciado - no caso das igrejas cristãs, e especialmente da Igreja Católica Romana, num ritmo mais lento - não poderia ser, e não é, diferente em relação aos cristãos: somos também movidos pelos sinais dos tempos, pelos acontecimentos e fatos da história. A história também nos impregna! Quem se põe a serviço do Caminho, em caminho, tem consciência da provisoriedade do caminhar, tendo sempre fixos seus olhos para o definitivo do horizonte, dos valores da Tradição de Jesus, presente em meu movimento. Com efeito, não tem sido por acaso que, ao longo de sua trajetória , o Povo de Deus tem necessitado, tantas vezes, e de tantas maneiras, reavaliar seu modo de caminhar, examinando se as trilhas que vem percorrendo apontam para o horizonte desejado, ou se, ao contrário, dele vêm se distanciando. Importa caminhar juntos: eis porque se trata de um povo necessariamente sinodal. E sempre que insiste em sucumbir à tentação de ser dono da verdade, ou de pretender engessá-la no tempo (esquecendo-se, como lembrava o teólogo  José Comblin, o projeto de Deus segue acontecendo, pela força e ação do Seu espírito: “Meu Pai continua trabalhando até hoje, e eu também estou trabalhando", .João 5:17). Não se trata, por outro lado, de pretender-se uma uniformidade, mas de ajustar os passos tendentes ao mesmo horizonte da Tradição de Jesus, respeitada a diversidade de modos de caminhar. É isto o que entendemos pela emblemática expressão: ""Reformata, Ecclesia semper reformanda est."

Ao longo da história da(s) Igrejas cristãs, tem-se recorrido a opções como concílios e sínodos como espaços eclesiais legítimos de avaliação da caminhada e de redefinição e ajustes de rumos e de caminhos.

Cinquenta anos depois da realização do Concílio Vaticano II, percebe-se uma hesitação: limitar-nos a implementá-lo ou, sem prejuízo disto, ensaiar os primeiros passos em direção a um novo Concílio? Já se sente a necessidade de se partir para um próximo. Em verdade, desde os anos 90 já se tem notícia de esforços nessa dimensão. Ontem como hoje, há posições divergentes… Tanto há quem entenda ser inoportuno pretender-se a convocação de um novo Concílio, dado que o Concílio Vaticano II, ainda resta por ser implementado, como há quem entenda que, ainda que implementado, o vaticano II já não responde aos novos desafios, donde a necessidade de se partir, a médio prazo, para um novo Concílio, em novo estilo. Em busca de contribuir com este debate seguem alguns questionamentos.  



Guiados pelo Espírito Santo, que continua operando na história, os cristãos sentem-se continuamente interpelados pelos sinais dos tempos, pelas incessantes mudanças históricas que também interpelam seu modo de viver a fé, em distintas circunstâncias históricas. Na trajetória da Igreja Católica Romana, como tais mudanças históricas que interferem no modo cristão de viver a fé, como eles têm respondido a esses desafios, desde os tempos apostólicos?

Quantos concílios - e em que circunstâncias inclusive de tempo - já foram realizados?

Quanto tempo se passou desde a conclusão do Concílio Vaticano II, e, desde então, como vêm ou não sendo implementadas suas decisões?

A implementação do Vaticano II, conquanto seja relevante e necessária, responde satisfatoriamente aos novos desafios eclesiais?

Se menos de um século se passou entre o Concílio Vaticano I e o Concílio Vaticano II, período incomparavelmente menos complexo do que o compreendido entre os anos 60 e o atual momento, período de verdadeira "mudança de época", como não tomar em conta as profundas mudanças (econômicas, políticas, culturais, também no âmbito teológico), produzidas desde então (revolução científico-tecnológica, significativas conquistas do Laicado, em especial das Mulheres, inclusive relevante avanço na consciência da condição de protagonistas das decisões ao interno da(s) Igreja)s)?

Dada esta nova realidade - sinal dos tempos que o Espírito inspira -, cabe perguntar-nos: se o modo de realização dos concílios tem sido o de ser protagonizado apenas pelo segmento episcopal, segue razoável que assim continue sendo (isto é, todo o povo eclesial representado apenas por parte de um único segmento, descartados outros segmentos de batizados e batizadas, que nem sempre se sentem contempladas, na tomada de decisões, apenas por segmento e por vozes exclusivamente masculinas?

Diante dos novos desafios, segue, ética e teologicamente, sustentável atribuir-se a um único segmento eclesial o monopólio das decisões sobre a organização da vida eclesial de todos os batizados e batizadas?

Nessa linha, igualmente, será que continua mesmo sustentável, em escala mundial, seguir tendo as decisões do conjunto dos Católicos e Católicas, por meio exclusivamente das respectivas Conferências Episcopais? O que impede a co-participação na tomada de decisões das já existentes Conferências nacionais de Religiosos e Religiosas e das vindouras, esperamos, Conferências nacionais de Leigos e Leigas?

Justamente nesta direção, não seria este o momento propício (quando a Igreja Católica no Brasil está a celebrar 2018 como o Ano do Laicato), de os Leigos e Leigas ensaiarem passos concretos na perspectiva de se organizarem também como Conferência Nacional dos Leigos e Leigas?



João Pessoa, 17 de abril de 2018.

quarta-feira, 4 de abril de 2018

“PARA REFORMAR A IGREJA, AS MULHERES TÊM QUE SE REFORMAR” anotações de uma conferência proferida pela Teóloga Serena Noceti


“PARA REFORMAR A IGREJA, AS MULHERES TÊM QUE SE REFORMAR” anotações de uma conferência proferida pela Teóloga Serena Noceti

Alder Júlio Ferreira Calado

A Igreja Católica, no Brasil, vem dedicando o ano de 2018 como “O ano do Laicato”. Não obstante tal iniciativa, são ainda raras as atividades dos Leigos e das Leigas, no sentido de responderem a este desafio, de modo mais convincente. Sem prejuízo de outras iniciativas previstas para esse ano, mas, ao contrário, buscando reforçar-las, ocorre-me oportuno chamar a atenção especialmente das Leigas, para a profundidade e a atualidade de uma reflexão proposta pela teóloga Serena Noceti, sobre a condição feminina na atualidade, apontando desafios e perspectivas.

Não tendo tempo para uma tradução, pensando em quem não lê o Italiano, houve por bem fornecer um resumo da referida conferência, integralmente acessível pelo link:   https://www.youtube.com/watch?v=D_QnV56JbEE

Seguem, abaixo, os principais pontos que pude recolher da palestra, a quem interessar possam

  • Serena Noceti parte de uma afirmação de Teresa d´Ávila, feita há 500 anos, de que tempos virão em que já não mais se rejeitarão argumentos pelo simples fato de procederem de mulheres. A conferencista toma tal afirmação como uma profecia, mesmo reconhecendo que ainda resta uma longa estrada a percorrer, nessa direção.

  • Ela foca tal processo, desde o Concílio Vaticano II. Por iniciativa do Cardeal Suenens, com a autorização do Papa Paulo VI, vinte e três mulheres (religiosas e leigas), a partir da segunda sessão do Vaticano II, foram convidadas, COMO OUVINTES, a assistir aos debates, sobretudo nos bastidores (não podiam participar das aulas conciliares). Não obstante esta presença "silenciosa e simbólica", esta fato marca uma certa cisão, ao interno da Igreja Católica, quanto ao modo de lidar com as mulheres.

  • Nos dezesseis documentos do Concílio Vaticano II, encontram-se apenas nove “brevíssimos” trechos concernentes, de algum modo, às mulheres.

  • Um desses documentos, intitulado “Apostolicam Actuositatem”, trata especificamente, não das mulheres, mas dos leigos e leigas.

  • Dentre os brevíssimos trechos constantes dos documentos conciliares, a teóloga faz menção a uma passagem no Documento Apostolicam Actuositatem, sem no entanto, uma referência enfática acerca das mulheres, mas acerca dos leigos, em geral. Enquanto isto, há na “Gaudium et Spes”, n. 29 e n. 60, boas referências, como a do n. 29, em que se reprova o sexismo, reconhecendo como atitude contrária ao Projeto de Deus.

  • Os temas concernentes às mulheres, além de tímidos, brotavam num contexto dominantemente androcêntrico. Dentre eles falava-se em contracepção, na contribuição das mulheres ao processo do anúncio da Palavra, das religiosas (neste caso, mais como componentes do segmento da vida religiosa feminina e masculina, mais do que algo especificamente dirigido à vida religiosa feminina, a não ser para assinalar elementos externos, tais como vida em clausura, hábito, véu... Não se concentra,por exemplo, num tema relevante como o da ministerialidade feminina...



 

  • O contexto do Concílio é um primeiro passo, que, no período pós-conciliar, vai suscitar uma consciência e um compromisso crescentes, no sentido de uma justa inserção das mulheres, em busca de um justo reconhecimento de sua condição de sujeito, ao interno da Igreja.

  • Para tanto, foi muito importante que as mulheres fizessem crescente apelo a categorias consagradas no Concílio, tais como "Povo de Deus", a condição de Batizados que a todos acolhe como iguais, inclusive a condição de mulheres em sua condição de sujeitos eclesiais.

  • Reconhece, todavia, que isto apenas inaugura um novo tempo, mas ainda caminhando aos trancos e barrancos, com altos e baixos, com avanços e contradições...

  • A partir das categorias-chave legadas pelo Vaticano II ("Povo de Deus", reconhecimento da condição de sujeito eclesial de todos os Batizados...), trata, a seguir, de identificar passos de protagonismo das mulheres, em busca do reconhecimento efetivo de sua condição de sujeitos eclesiais, ao lado dos homens), sobretudo nos processos decisórios.

  • Lembra um "crescendum" de avanços conquistados pelas mulheres, principalmente graças às suas iniciativas de priorizar sua formação (também) teológica e em outros aspectos tais como: investimento na pesquisa em vários campos, conscientes de que os saberes não são "neutros", mas refletem aspectos identitários dos ou das que os produzem, nos diversos campos de saberes, também na pesquisa bíblica, no plano pastoral, no plano litúrgico.

  • No plano da pesquisa teológica, lembra a posição de mulheres católicas, ao tempo do Papa João XXIII, antes mesmo do início do Concílio, de clamar pelo reconhecimento de sua condição de sujeitos, por exemplo, clamando pelo direito ao reconhecimento eclesial de sua vocação ao ministério ordenado (daquelas que se sentem chamadas a tal ministério).

  • Este processo de formação requerido deve incluir, além de categorias teológicas e eclesiológicas, também outras pertinentes a outros saberes, a exemplo da Antropologia. Para se reivindicar, de forma eficaz, o reconhecimento da condição de sujeitos eclesiais, as mulheres precisam tomar consciência e atitude em relação a sua condição de ser humano pleno de direitos, tal como se dá em relação aos homens. Elas precisam levar a sério sua palavra, palavra de mulher, e convencer o conjunto da Igreja de que esta não atenderá ao projeto de Deus, enquanto não reconhecer a paridade de direitos entre mulheres e varões.

  • Em conclusão, sustenta a urgência de que as mulheres assumam suas responsabilidades eclesiais, começando por levarem a sério sua formação: reformar as mulheres para reformarem a Igreja.


João Pessoa, 4 de Abril de 2018.