sexta-feira, 29 de setembro de 2017

INSTITUIÇÃO X CARISMA: breve nota, a partir do legado de José Comblin



Alder Júlio Ferreira Calado

Amanhã, sábado, dia 30/09/2017, no auditório da Livraria Paulinas, em João Pessoa, a partir das 8h30, terá lugar a Sessão de encerramento da VII Semana Teológica Pe. José Comblin, culminando as fecundas experiências vivenciadas, nas quatro Jornadas Comunitárias - componentes da programação da referida STPJC, realizadas em Cabedelo (10/08), no Rangel (João Pessoa, 03/09); Café do Vento (Sobrado, 17/09) e no Alto do Mateus (João Pessoa, 24/09), nas quais se refletiu sobre o tema da VII STPJC: "Instituição e Carisma, à luz da Tradição de Jesus", tema que será retomado, na sessão de encerramento, com a partilha das experiências colhidas em cada Jornada Comunitária, por meio dos respectivos delegados e delegadas, e pela reflexão sobre o mesmo tema, a ser oferecido por Dom Sebastião Armando, Bispo emérito da Igreja Anglicana, contando ainda com a colaboração do Prof. Vanderlan Paulo de Oliveira, coordenador dos trabalhos, de membros da Rede Celebra e dos organizadores e organizadoras da VII STPJC (Grupo Kairós, Centro de Espiritualidade Dom Helder Câmara, Grupo Igreja dos Pobres, Escola de Formação Missionária de Mogeiro, entre outros).

Como se percebe, ainda que focado mais diretamente sob o ângulo teológico, "Instituição" e "Carisma" constituem experiências e conceitos que extrapolam o âmbito teológico. Permeiam, também, a vida social, econômica, política, cultural... As linhas que seguem restringem-se a este plano. As sociedades também se acham impregnadas, ao longo da história, da tensão constante entre instituição e carisma, entre o instituído e o instituinte, entre poder e mudança, etc. No caso de nossa sociedade, o noticiário de cada dia dá conta, à exaustão, do exaurimento do instituído e da acentuada fragilidade, observável em nossas organizações de base, no atual contexto, de sua capacidade instituinte.  O modelo vigente de organização societal, já há muito tempo não atende à satisfação  das necessidades e das aspirações fundamentais da enorme maioria da população. Não apenas sua estrutura de produção, mas também sua forma de organização, suas instituições, sua grade de valores, sua relação com a Mãe Natureza encontram-se esgotadas, igualmente, seu organismo principal de gestão – o Estado – cada vez mais da prova de ineficiência de esterilidade, tornando-se cada vez mais nocivo à vida do Planeta e da comunidade dos viventes.

Criadas para atenderem as aspirações humanas, as instituições vêm alcançando um progressivo nível de burocratização que ameaça populações inteiras, ao tempo em que aceleram as agressões e os estragos cometidos ao planeta e aos humanos.

Em seu livro “Vocação para a Liberdade”, José Comblin, analisando as instituições modernas, após reconhecer que elas são necessárias à vida em sociedade, destaca suas crescentes limitações. Exemplificando várias delas – Estado, Escola, Hospitais, Exercíto, Igrejas, etc. -, eis o que afirma a proposito da Universidade: “A universidade também encarnava o espírito das luzes, da liberação mental. Ora, as revoltas estudantis de 1967/8 destruíram a fama sem mancha das universidades, espaço da domesticação mental, da burocratização da juventude, em que os jovens são preparados para ser o servidores submissos do sistema de dominação mental, exploração econômica e ditadura do Estado. Os estudantes perderam o orgulho de pertencer à elite da nação como futuros dirigentes da sociedade. Frequentam a universidade para conquistar um diploma que lhes permita exercer uma função na sociedade: preparação programada para funções programadas. Por isso o que se pede aos professores é muito papel impresso de trabalhos pseudocientificos que ninguém vai ler, e os estudantes, uma memória sem falha, e sobretudo, nada de inteligência crítica, porque isso só viria a prejudicar a carreira.” (cf. p.210).

As próprias organizações de base (movimentos populares, sindical, associações, cooperativas..) das quais se espera o principal protagonismo na transformação da sociedade, não se acham imunes à tendência burocratizantes das instituições. Max Weber e Troeltsch, entre outros, deram conta do risco de burocratização enfrentado por movimentos sociais, a exemplo dos Anabatistas. Ainda hoje, os movimentos sociais, populares e sindical, além de outras organizações de base, enfrentam semelhante desafio, tal a força burocratizante exercida pelas instituições. Uma vez constatado o risco de burocratização não se deve render ao fatalismo, como se isto constituisse um destino inevitável de todas as organizações de base.

                                                                                                                            

É pela tomada de consciência e pelo exercício do carisma, que se faz caminho em direção à superação dos riscos acarretados pelo isntituído. Veremos, a seguir, qual é o entendimento  de Carísma, no legado de José Comblin.
No legado combliniano, o entendimento de carisma vem intimamente associado ao de Liberdade. Enquanto as instituições tendem ao ingessamento da criatividade e a uma tediosa rotina de repetições programadas, o Carisma, por sua vez, é movido pela criatividade, pela constante renovação, enfim, pela Liberdade, o carisma impele os seres humanos a irem além do que modelam as instituições. O Carisma induz para além da rotina estabelecida, para além da normose. Por conseguinte, é para a Liberdade, que tende o carisma, na medida em que esta vai além da vida, entendida como o horizonte dos seres viventes, enquanto os seres humanos se completam na Liberdade, que é um chamamento contínuo de plenitude, chamamento vindo do Sopro fontal, do Espirito Santo, razão por que se costuma dizer: “Ubi spiritud, ibi Libertas” (Onde estiver o Espiríto, aí está a Liberdade).
Estando compreendidos, no legado combliniano, Carisma e Liberdade, de forma intimamente associada, torna-se compreensível o modo como José Comblin fala da Liberdade:


“A liberdade está no agir para se libertar. Essa é a vocação humana: tornar-se alguém, uma pessoa, fazer-se uma personalidade mediante uma luta, um trabalho. Uma atividade que consiste em se libertar.  A libertação tem uma finalidade: tornar-se mais livre, dar-se a si próprio uma personalidade realmente mais livre. A liberdade é o seu próprio fim, e ela se constrói no decorrer da vida no meio das oportunidades dentro das vicissitudes de uma escência humana terrestre. Ser livre é criar  a sua própria personalidade, algo novo único, porque não há duas pessoas iguais nem semelhantes, ainda que sejam bilhões.” (cf. p.238)

João Pessoa, 29/09/17

Sob o impacto da crise

Sob o impacto da crise

Versión para impresión
            
23/08/2005
Opinión

Movemo-nos sob o impacto de uma grave crise ético-política de desdobramentos imprevisíveis. Tanto mais grave quando percebemos vir associada a outras crises – ou, antes, a outras dimensões da mesma crise de gravidade não menor - de sociedade, de Estado, de Governo, de valores... Mesmo sabendo que sua complexidade e seu alcance, na medida em que têm a ver com a dinâmica característica do Capitalismo (ainda que cuidadosamente ocultada aos olhos do grande público), extrapolam a dinâmica interna do Estado brasileiro, nossa reflexão contempla mais diretamente fatos mais recentes, cujo epifenômeno se dá na sociedade brasileira. E para não recuarmos muito no tempo, nossa reflexão parte de notícias e episódios mais recentes, tais como as misteriosas circunstâncias do assassinato do então prefeito Celso Daniel, de Santo André, em 2002, e, mais proximamente, o escândalo Valdomiro Diniz, em fevereiro de 2004, e, ainda em curso nos últimos três meses, recomeçando em maio de 2005 com o flagrante de propina a um alto funcionário da Empresa dos Correios, logo seguido de entrevistas e depoimentos prestados pelo Deputado Roberto Jefferson à mídia, à Comissão de Ética da Câmara de Deputados e à CPMI dos Correios, chegando, até hoje (11/08/2005), ao depoimento do conhecido “marqueteiro” Duda Mendonça, principal artífice-maquiador da campanha presidencial de Lula, cujo contrato teria custado a fortuna de 25 milhões de reais... Desde então, os espaços da mídia – dos canais de rádio e televisão aos jornais; das revistas de âmbito nacional aos espaços virtuais, inclusive as charges animadas; e daí ao cotidiano de casa, da rua, da escola, do trabalho, das igrejas - não cessam de repercutir, dia após dia, conforme os interesses em voga, uma sucessão de escândalos e graves deslizes éticos envolvendo figuras exponenciais da combalida República brasileira, especialmente o núcleo dirigente do Partido dos Trabalhadores, em sua relação promíscua com os aparelhos do Estado, por meio de lídimos representantes governamentais, em conluio com membros do Parlamento (possivelmente dezenas de membros da Câmara de Deputados) e segmentos de empresas estatais e figuras do setor empresarial. Estarrecida, a sociedade se indigna, especialmente os segmentos populares mais organizados, diante dos sucessivos escândalos de milionários saques bancários feitos por prepostos de deputados e de partidos da base de apoio ao Governo, transportados em malas e distribuídos em quarto de hotel, em troca de sua adesão ao Governo, por ocasião das votações de projetos de lei de grande impacto para a sociedade. Escândalos que constrangem e dilaceram a sociedade, seja pelo inédito volume de recursos movimentados (fala-se até aqui em algo em torno de 55 milhões de reais, só em relação ao esquema Marco Valério), seja pela freqüência, seja principalmente pelo número e perfil dos envolvidos, em particular dirigentes e parlamentares do PT em conluio com o ex-ministro da Casa Civil, principal figura governamental e mais próxima do presidente dessa mal nascida e sempre agonizante República. Ao mesmo tempo, importa ter presente que o que agora vem a público é a apenas o epifenômeno dessa crise, a ponta do “iceberg”, sua manifestação mais impetuosa e mais à vista. Ainda que sem deixar de acompanhar atentamente essa avalanche de denúncias, acusações, depoimentos, entrevistas, diariamente noticiados pela mídia, parece impossível um entendimento razoável do caráter, do alcance e das conseqüências dessa crise complexa e multifacetada, se não nos ativermos a seus diferentes fatores imediatos e menos imediatos, conjunturais e estruturais. Nesse contexto, sentimo-nos historicamente interpelados a refletir sobre várias questões que nos são colocadas, dentre as quais: - Até que ponto o que anda acontecendo no Brasil não é mais uma vulpina armação dos grupos dominantes? - Ou seria uma ardilosa antecipação, pelas forças da oposição de direita, da campanha presidencial de 2006? - Por que tanta perplexidade ante denúncias de corrupção atribuídas a figuras dirigentes do PT e do Governo Lula, se práticas de corrupção têm sido uma praxe, ao longo da história da sociedade brasileira? - É possível a qualquer partido no Governo ou a qualquer Governo manter-se completamente blindado de deslizes por parte de membros isolados? - É admissível generalizar-se a acusação ao conjunto do Governo ou ao conjunto do PT, em função dos erros cometidos por alguns de seus dirigentes? - Episódios como o do assassinato de Celso Daniel, ex-prefeito de Santo André; o caso Valdomiro Diniz e a série de denúncias mais recentes (de maio para cá) são mesmo isolados, meros “acidentes de percurso” na trajetória de qualquer força política? - Em caso de comprovação das acusações assacadas, o que teria levado dirigentes tão importantes a tão graves deslizes? - Haverá saída para esse impasse? Em caso positivo, que pistas ajudariam nessa direção? Em conformidade, por conseguinte, com a linha de interpretação seguida em outras ocasiões (cf. Calado, 1977; 1998, 1999, 2003, 2004), e com apoio em analistas como Octavio Ianni, Michael Löwy, Francisco Martins Rodrigues, César Benjamin, José Comblin, José Arbex Júnior, Emir Sader, Frei Betto, Leonardo Boff, Francisco de Oliveira, Ivo do Amaral Lesbeaupin, Pedro Ribeiro de Oliveira, João Pedro Stédile, Paul Singer, A. Bogo, além de análises procedentes de outras forças de esquerda como PSTU, PSOL, PCO, PCB, entre outros, o presente texto tem o objetivo de contribuir com o esforço de avaliação mais detida das últimas ocorrências. Para tanto, começamos por sublinhar as características ético-políticas da atual fase do Capitalismo, dita “neoliberal”, cujos traços favorecem sobremaneira a multiplicação das manifestações de expedientes de corrupção, por toda parte, não apenas no Brasil. Em seguida, tratamos de nos debruçar sobre o quadro específico da sociedade brasileira, sublinhando mais detidamente a responsabilidade mais direta das forças de esquerda, nesses episódios, sem esquecer o envolvimento incessante das forças de direita, por ser mais aberto e notório. Por fim, tentamos-extrair dessa crise ainda em curso alguns ensinamentos, em busca de ensaiar passos de superação. 1) Capitalismo não rima com ética (ou a “ética capitalista” em tempos de globalização neoliberal) O processo de acumulação de riquezas, especialmente no modo de produção capitalista, pressupõe o recurso a mecanismos de pilhagem, com ou sem manto legal. Impossível que tenha lugar dentro de um quadro de relações eticamente aceitável. A não ser que se trate da “ética capitalista”. A despeito das variações históricas e da intensidade e forma dos mecanismos de acumulação, uma marca lhe é peculiar: apelar para a exploração das camadas populares. Na Social Democracia, por ser menor a gula dos protagonistas, estes até conseguiam, aqui, ali, passar a idéia de respeitar certos limites éticos. A exploração se fazia, mas por conta do intenso apelo às políticas compensatórias, passava-se uma idéia de respeito aos direitos dos trabalhadores. Isso muda, porém, com o advento do chamado Neoliberalismo, mais intensamente presente nos governos Margareth Thatcher e Ronaldo Reagan, no final dos anos 70 e começos dos anos 80. A máscara supostamente humana do Capitalismo caía definitivamente. E a que se passa a assistir? De forma didática, apontemos algumas de suas principais características: - discriminação (expressa ou velada) das vontades dos protagonistas, manifestada, por exemplo, pelo privilégio do veto dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, o que depõe, com toda a evidência, contra qualquer propósito aceitável de se respeitar o jogo democrático; - consentimento (expresso ou tácito) a qualquer dos protagonistas da iniciativa de invasão a outro país, qualquer que seja o motivo alegado, ficando os casos de eventual legítima defesa subordinados à decisão democrática da assembléia geral do países-membros, sem qualquer privilégio, inclusive de veto; - autorização seletiva do odioso privilégio de fabricação ou armazenamento de armas de destruição em massa (não apenas as armas químicas e biológicas): o caso das grandes potências e de seus apadrinhados, inclusive Israel; - práticas explícitas de pilhagem, por parte das grandes potências, em favor dos grandes conglomerados transnacionais, contra os países periféricos, seja mediante a política de crescente endividamento, imposição de política de privatização dos Estados nacionais, seja por meio do flagrante desrespeito às regras elementares de reciprocidade que devem reger as relações comerciais entre os povos, seja por meio da “ciranda financeira” do chamado capital volátil, ou ainda por meio de evasão de divisas (1) e de “n” mecanismos de sonegação combinados com a escandalosa renúncia fiscal feita por instâncias governamentais; - abusiva liberdade de movimento e de lucro extorsivo dos conglomerados financeiros, sem qualquer controle social, entre outras. - o pano de fundo se dá com a extraordinária intensificação do processo de globalização (fenômeno antigo, mas recentemente com ritmo inédito), a afetar as mais distintas esferas da realidade social; - no âmbito econômico, tem lugar o processo de re-estruturação produtiva (em moldes capitalistas, claro), impulsionado pela terceira revolução tecnológica em curso (na informática, na microtecnologia, na engenharia genética, na robótica, na fibra ótica, nos novos materiais, etc., etc.); - a entrada em cena do segmento financeiro do Capital como hegemônico, o que não quer dizer sem ligação orgânica com os demais setores componentes da malha do Capital; - o agressivo assédio dos grandes conglomerados transnacionais, a imporem notadamente aos países periféricos, por meio das grandes potências e de seus organismos multilaterais, políticas sociais de privatização do patrimônio público, de sucateamento e desmonte dos serviços públicos essenciais (no caso da educação, por exemplo, vale assinalar que o Banco Mundial chega a ser apontado como um órgão que atua como verdadeiro ministério da educação dos países periféricos...); - a quase totalidade dos governos dos países periféricos rende-se à imposição, inclusive procedendo à alteração de sua própria Constituição e leis ordinárias, a fim de adequá-las à nova ordem dominante; - feito à moda do Capitalismo em sua atual fase/face, isso tem acarretado fenômenos como o desemprego estrutural, a hipertrofia da economia informal, precarização das relações de trabalho, supressão ou drástica redução dos direitos sociais, privatização de empresas estatais, reordenamento jurídico ao gosto do mercado, sucateamento ou desmonte dos serviços públicos essenciais, entre outros desdobramentos; - adequação da mídia à nova onda do mercado e sua grade de valores; - expansionismo militar, à frente Estados Unidos, mas com o apoio das potências do G7. Tantas outras marcas teríamos por certo a acrescentar. Contentemo-nos, porém, com essas, tendo bem presente a expressiva dinâmica do entrelaçamento das diferentes esferas da realidade social. O que, aqui, aparece como componente mais direta da esfera de produção carrega também fortes marcas de concepções, práticas e formas de exercício do poder. De modo semelhante, o que à primeira vista se manifesta mais diretamente pertinente à esfera política traz consideráveis implicações intersecções de natureza política e cultural... 2) Rememorando retalhos da história da sociedade brasileira Falcatruas e corrupção são antigas no Brasil. O que há de novo são as forças atuais envolvidas... A história da sociedade brasileira, à semelhança de tantas outras na América Latina e Caribe e alhures, tem sido tecida de híbridos fios, de variado matiz. Fios de relações solidárias (que nos remetem às tribos indígenas, aos quilombos, às comunidades camponesas, aos mutirões urbanos, etc.) e de dominação (ver a herança do pacto colonial, em suas mais distintas dimensões) e fios de resistência (vr os movimentos sociais populares), e também de fios éticos, misturados, ora de decência, ora de uma sucessão de episódios graves e menos graves de deslizes ético-políticos. Aqui nos deteremos mais diretamente sobre estes últimos e mais recentes. À primeira vista, para um analista mais atento aos bastidores da política, no quadro histórico da sociedade brasileira, não haveria motivo para tanta surpresa ou perplexidade. Indignação, sim. Os escândalos financeiros e as falcatruas governamentais e político-partidários são, de resto, triste praxe, ao longo da história de nossa República sempre tão mal resolvida, desde suas origens. E muito antes, mesmo: lembremo-nos, a propósito, que desde a famosa Carta de Pero Vaz de Caminha, já se fazia uso de expediente nada ortodoxo de condução da coisa pública... Mais recentemente, tivemos o caso Collor de Mello, as dezenas de escândalos e falcatruas nos oito anos de Governo FHC... Aqui, ali, combatem-se os “excessos”, movem-se ações judiciais, cassam-se os mais afoitos, e, não tarda, tudo volta à estaca zero. Em breve, a corrupção tem raízes mais fundas, em nossa sociedade e em tantas outras. Trata-se de um mal endêmico, ainda que tal registro a ninguém que se probo considere isente de combatê-lo. Inclusive pela raiz, coisa a que muito poucos se dispõem. Por que, então, tanta indignação? Por que tal ímpeto de publicidade, não raro, justo da parte de quem – a mídia - mais se empenha em encobrir as cotidianas falcatruas das forças dominantes? Vê-se logo que algo de novo há, desta feita. E há mesmo. Desta vez, são outros os protagonistas. Melhor dito: os co-protagonistas. Diversamente dos atores de antes, agora são justamente as forças que se reclamam de esquerda, e mais precisamente o Partido dos Trabalhadores e seus aliados, que protagonizam os escândalos. Justo esses cuja trajetória de conquistas sempre esteve diretamente vinculada à bandeira da ética na política. A trajetória do PT, com efeito, desde suas origens, é marcada por princípios ético-políticos de que dão prova, não apenas seus principais documentos fundantes e as deliberações de seus congressos e encontros, como também diversas de suas iniciativas concretas reconhecidamente grávidas de tais princípios. Se assim é, que fatos ou circunstâncias determinaram ou condicionaram essa mudança de postura? Passemos a sublinhar alguns. - o progressivo afastamento das lutas sociais - - a crescente ocupação dos espaços instituídos - - o deslumbramento com a máquina governamental - - aposta cada vez maior nas instâncias governamentais como principal ou exclusiva ferramenta de mudança social - - o aliancismo como ferramenta de acesso às instâncias executivas e parlamentares do Estado - - profissionalização da militância, agora transformada em agentes partidários e governamentais - - retração ou inibição dos seus habituais procedimentos de organização partidária - - abandono à manutenção do Parido pelo conjunto de seus filiados como procedimento político; - desproporcional contribuição financeira a cargo dos eleitos em detrimento da proveniente dos militantes de base; - progressiva centralização das deliberações partidárias; - abdicação dos critérios para filiação partidária; - progressiva alteração nos procedimentos de embates eleitorais - - recurso tático abusivo ao currículo de seus quadros dirigentes; - cultura do endividamento como recurso para cobrir gastos de campanhas eleitorais; - abuso dos gastos em marketing e propaganda (avidez por parecer) - apelo ao controle indireto da estrutura sindical e dos movimentos sociais; - agravamento do corporativismo, traduzido no compromisso com os “meus” ainda que contra a causa... - promoção e exercício da prática de esquizofrenia individual e coletiva... - mudança de tratamento ou endurecimento em relação aos críticos internos ao Partido; - progressivo e deslumbrante aproximação de outros “amigos” e outros aplausos... - aposta na perpetuação do “poder” - assujeitamento às regras do mercado para além do exigido, em troca de opção pelas políticas compensatórias; - perda do horizonte de classe (o amplo leque dos excluídos: mulheres das classes populares, vítimas da prostituição, trabalho infantil, assalariados, desempregados, sub-empregados, sem-terra, sem-teto, Índios, Negros, portadores de deficiência, jovens vítimas da violência social, migrantes, presos comuns, moradores das florestas vitimadas pelos crimes ecológicos com a conivência de representantes de órgãos governamentais...) - controle tático das empresas estatais... Alguns ensinamentos da crise, em busca de superá-la O que devemos recolher desse emaranhado de descaminhos e falcatruas, ocorrências fraudulentas, situações de impasse, desdobramentos ainda em curso? Uma infinidade de lições. O que se segue é um primeiro esboço, resultante das impressões mais fortes que o momento propicia. Vamos resumir em dois pontos: evidências “esquecidas” possíveis pistas de superação. Evidências “esquecidas” Também neste item, optamos por expor um leque de pontos ou situações que chamamos de evidências “esquecidas”, por serem bem familiares a militantes históricos do PT. Para um entendimento mais consistente, convém ter presente o dinâmico entrelaçamento que caracteriza o conjunto dessas evidências. - Pretender lutar por uma nova sociedade para os deserdados da Terra - Isso nada tem de novidade. E, no entanto, é uma de tantas evidências esquecidas pelas forças que se pretendem de esquerda. A transformação social é obra dos próprios trabalhadores e trabalhadoras. Tentar substituí-los ou dispensá-los do protagonismo é fracasso certo. Não é a primeira vez, na história... - Profissionalizar a militância – Profundo equívoco do PT e forças aliadas foi distanciar-se das lutas sociais, frutuoso espaço de formação e de refontização de seu compromisso com a causa dos oprimidos. Os movimentos sociais e as pastorais sociais eram terreno familiar e propício à formação da consciência de classe dos militantes, nos primeiros anos do Partido. À medida que foram abandonando ou se distanciando progressivamente desse espaço referencial, foram também abrindo mão da gratuidade do trabalho político e popular. A militância, que antes fazia política movida pela paixão e pelo amor à causa dos pobres, uma vez instalada nos espaços partidários, parlamentares e governamentais, passou progressivamente a fazer política como “profissão”, tendo nela sua principal (ou única) fonte de renda. Aí se acha um fator radical da crise ora mais evidenciada. - Apostar nos espaços e mecanismos institucionais como único ou principal fator de mudança social – O PT nasceu com ímpeto instituinte. Lutava pela construção de uma nova sociedade. Mesmo recorrendo a mecanismos institucionais como o processo eleitoral, demonstrava disposição de ir além da mera democracia representativa. Nisso se assemelha a tantos movimentos populares, ao longo da história. Os documentos fundantes do PT e seus primeiros anos são um atestado dessa evidência. Como negar o cuidado com os critérios de filiação, a formação de núcleos nos locais de trabalho, nas periferias urbanas e na zona rural? Como esquecer a profunda inserção nas lutas do campo e da cidade? Como não recordar a freqüência das discussões e deliberações de base? Como não lembrar que as reuniões, encontros se davam em espaços pobres, lá onde estava a base efetiva do partido? Influência que se faz presente, ainda hoje, em movimentos como o MST. Infelizmente, nem o PT, nem a CUT persistiram nessa trilha. Muito pelo contrário, haja vista, por exemplo, os lugares hoje escolhidos para as reuniões, encontros e congressos... As conquistas graduais de espaços parlamentares e governamentais (Câmaras, Prefeituras, Assembléias Legislativas, Câmara Federal, Senado, Governos Estaduais, Presidência, Ministérios, organismos estatais...) foram mudando a cabeça dos eleitos e sua nova base de sustentação. Pior: o acesso e o exercício do poder parlamentar e governamental foram operando neles, salvo honrosas exceções, progressiva mudança de postura, até sucumbirem de vez ao fascínio do poder, já não mais importando os critérios, a não ser o cuidado de repetir princípios de boca para fora (“Eu não mudei”)... - Apoiar-se no currículo como arma de sustentação ético-política - Uma das táticas mais recorrentes abusivamente utilizadas pelos dirigentes governamentais e partidários, quando instados a se explicarem de posições antagônicas aos princípios históricos que defendiam até há pouco tempo, vem sendo a de remeterem seus críticos ao seu passado de lutas. “Eu tenho uma história. Vejam meu currículo. Eu fui isso, fui aquilo...” Sempre que lhes convém, recorrem ao passado, como ainda recentemente o fez o ex-ministro José Dirceu, ao cumprimentar a nova ministra da Casa Civil, como “ex-camarada de arma”... - “Com a gente é diferente” (dizer combater os privilegiados e incorporar seu estilo de vida) – Um ligeiro refrescar da memória dos primeiros tempos de PT ajuda a recuperar o estilo sóbrio dos dirigentes e militantes partidários. Mesmo os que pertenciam a segmentos médios da sociedade comportavam-se de modo singelo, sem pompa. A convivência com os oprimidos e suas lutas ajudava a se guardar um clima de fraternidade, nas relações políticas do dia-a-dia. Isso também foi progressivamente abandonado, salvo exceções. Não se trata apenas de modos de portar-se (vestir, morar, padrão de vida, etc.). Também tem a ver com as companhias. Até os amigos são outros. Visita vai, visita vem... A ponto de, ainda recentemente, tornar-se famosa aquela declaração do presidente acerca do deputado Roberto Jefferson, a quem o presidente seria capaz de entregar um cheque em branco... E isso se faz sob o pretexto de que “Eu estou acima de qualquer suspeira”... - O deslumbramento pelos sedutores atalhos – A cada dois anos, temos eleições no Brasil, ora para vereadores e prefeitos, ora para a Câmara Federal, o Senado e a Presidência da República. Mesmo em suas origens, o PT também participava desse processo, mas de modo a buscar publicizar seu projeto de sociedade de sociedade, manifestando-se crítico com relação ao status quo. Não perdia a cabeça ante os tímidos resultados eleitorais. Atribuía ao processo eleitoral o peso que lhe devia. À medida, porém, que conquistas pontuais, nesse terreno, iam sendo alcançadas, parte significativa de seus dirigentes passou a mudar de idéia. A proximidade do poder lhe subiu à cabeça. Veio o deslumbramento que, desde então, não cessava de atrair um número crescente de militantes e dirigentes. Entre outras conseqüências, podemos apontar a progressiva mudança de critérios para a filiação de novos membros, para a definição dos aliados, para a organização do processo eleitoral, no qual dos comitês unificados passou-se para o “salve-se-quem-puder”. E aí... - Substituição progressiva da aposta na busca da verdade pela aposta na verossimilhança – A essa mesma obsessão pelos atalhos está associada a progressiva aposta nas táticas de marketing. Já não vale a prática como critério da verdade. Nas campanhas eleitorais e na promoção dos candidatos, o que importa mesmo é parecer, é o investimento na aparência, na imagem que é passada ao público. Entram em cena os magos do marketing, a exemplo de Duda Mendonça, que tem feito fortunas, às expensas das contas púbicas... - Negligenciar o processo formativo continuado – Quem não se lembra da euforia provocada na militância com a iniciativa do Instituto Cajamar, voltada para a formação da militância, das bases e dos dirigentes. A Secretaria de Formação investindo o melhor de si nessa perspectiva. Sonho que duraria pouco, ante a gula pelo poder... A certa altura, já nem se falava mais nisso. Ao contrário da atenção que se passaria a dispensar nos meandros eleitoreiros... Daí para a superestimação dos marqueteiros como peças fundamentais nos processos eleitorais foi um pulo... - Perder o senso da autocrítica – Não apenas os documentos, como também os espaços formativos eram ocasiões propícias em que se acentuava o papel irrenunciável do exercício da autocrítica. Prática que logo se esvaziaria, à medida que deslizes eventuais foram se institucionalizando, fazendo os implicados substituírem o recurso à autocrítica pelo discurso da racionalidade cínica, como aliás ditava a moda “pós-moderna”... - Atribuir a uns poucos o que é da responsabilidade do coletivo – Diferentemente das experiências iniciais, previstas, aliás, nos textos fundantes do PT, cuja prática habitual era de se discutir e deliberar coletivamente desde as bases, passou-se a delegar a bem poucos os destinos do Partido. O resultado não poderia ser diferente... Mesmo assim, é falso restringir a meia dúzia a responsabilidade pelos descaminhos e pelos deslizes. É praticamente impossível ao coletivo dirigente (Direção Executiva ou mesmo do Diretório) ignorar completamente os trâmites seguidos, ainda que lhes escapem certo detalhes. Afirmar que não tivessem sequer sinais desses deslizes não parece convincente. Amarga experiência a merecer também funda auto-crítica, como condição de não se voltar a repetir... - Apostar nas políticas compensatórias como principal estratégia – Já que, a essa altura, o rumo já terá sido esquecido, a tendência passa a ser a do discurso da racionalidade cínica: “faz-se o possível”, “já que o sonho é impossível, vamos tirar proveito do que pudermos”... Neste caso, dá-se adeus às antigas propostas mudancistas, substituindo-as pela cultura assistencialista com nomes sedutores equivalendo simplesmente à estratégia das políticas compensatórias... Ou seja: aos ricos o bolo, aos pobres as migalhas do banquete...Basta ver a distribuição do orçamento, no que respeito às somas destinadas a pagamentos das dívidas aos banqueiros e às que são efetivamente destinadas a políticas sociais... Nesse sentido, superestimou-se, a olhos vistos, o procedimento do chamado “orçamento participativo”. Sob o pretexto de se democratizar as deliberações de partilha do bolo púbico, escondia-se dos participantes tratar-se de apenas frações do orçamento, já que o grosso já estava comprometido com despesas fixas, a mando do FMI e seus aliados.. - Seguir incondicionalmente os rituais da democracia representativa – Sendo assim, não há outro caminho “possível”, a não ser nivelar-se aos demais “partidos da ordem”. Como não se ousa dizer as coisas pelo seu nome verdadeiro, criam-se eufemismos autojustificadores: “Precisamos ser responsáveis.” “Uma coisa é fazer oposição, outra é governar.” “Não podemos quebrar o país.” “Vamos fazer as mudanças no ritmo que pudermos.” E assim por diante. Esquece-se facilmente o que se dizia na campanha. Esquece-se que, quando se trata de atender aos interesses das forças dominantes, se age rápido e generosamente, até indo além do que se pede, como no caso do famigerado “superávit primário”... - Recurso ao endividamento partidário- Tal é a gula pelo naco de poder (que na verdade é simbólico, já que se cumprem ordens vindas de fora, como lembrava Otavio Ianni, justificando por que não votaria em nenhum dos candidatos a presidente com mais chances de vitória), que facilmente sucumbem ao cativeiro do endividamento... Após as campanhas, as dívidas se revelam astronômicas, com ou sem que ninguém acredite na lisura do processo. - Apostar na “Reforma Política” – Um álibi freqüente de que se tem usado e abusado, em tempos de crise aguda, é o apelo a reformas, ou seja: “aprimorar a legislação”. Um verdadeiro despropósito, até porque leis existem, inclusive apropriadas... O problema é que sua aplicação é seletiva: elas se aplicam quando convêm aos “donos do poder”... É possível dessa crise recolher pistas de superação? - Reavivar o rumo almejado – Caminhos de saída para a crise só haverá, caso sejam capazes de afetar a raiz do problema. Dentro do Capitalismo, estamos cansados de saber, crise depois de crise, que não há a mínima chance. Pode-se, quando muito, adiar o “estouro da boiada”. Mas, volta e meia, de novo ela se instala. Só um horizonte alternativo ao Capitalismo pode inspirar credibilidade aos e às que se entregam à busca de uma saída, olhos fixos na viabilização de um projeto alternativo, útero de uma sociabilidade alternativa. Ainda que não tenhamos condições (pelo menos subjetivas) de fazer irromper já essa transição. Podemos até abrir mão do nome dessa nova sociedade, não do seu conteúdo, não do teor de suas relações que se vão construindo desde já. De fato, o que importa é o conteúdo das novas relações em que apostamos, devendo sempre comportar traços tais como: a igualdade social, a solidariedade, a justiça social, a eliminação de todo tipo de privilégio (de classe, de gênero, de etnia, de orientação sexual, de religião, etc... Nunca é demais lembrar o alerta da personagem José Dolores, do filme “Queimada”: “É melhor saber para onde ir, sem saber como, do que saber como e não saber para onde ir.” Recuperar o horizonte da classe trabalhadora, do campo e da cidade. Compromisso que se viabiliza à medida que se vá dando prova de que nem laços de sangue nem laços de amizade deverão ter primazia sobre o compromisso de classe. - Retomar os caminhos correspondentes ao rumo – - Inverter, em favor das ações instituintes junto à classe trabalhadora (movimentos sociais, organizações sociais de base, grupos sindicais, etc.), as atividades hoje consagradas quase exclusivamente à atuação partidária convencional; - Priorizar o recurso aos meios simples (aprender das massas dos deserdados, pelo permanente e orgânico convívio ou contato com elas; nada de se apelar para endividamento, ou de apostar em sofisticações); - alternância ou rodízio de funções (não permitir que as mesmas pessoas exerçam indefinidamente as mesmas funções ou cargos); - combate ao personalismo (a força está no coletivo, nada de culto a “gurus”, o que não deve impedir a reverência e o justo respeito a quem, pelas suas atitudes, se mostre fiel à causa dos deserdados); - superação da dicotomia trabalho manual/trabalho intelectual; - promover a união e a organização das camadas populares por meio de pequenos grupos (não importam os nomes que lhes sejam atribuídos: conselhos, brigadas, células, núcleos...) - Redefinir constantemente parceiros, aliados e adversários – Tal é a dinâmica com que mudam os cenários das sociedades, nessa fase de profunda, célere incessante globalização, que implica constantes redefinições de quem são mesmo nossos parceiros, nossos aliados e quem são nossos adversários. Sem isso, podemos estar comprando constantemente gatos por lebres... - Presentificar a memória histórica dos lutadores e lutadoras do Povo – Uma iniciativa legada por quase todas as gerações de lutadores e lutadoras do povo tem a ver com a disposição de fazer presente a densa memória de lutas populares, com seus respectivos protagonistas. Reavivar a memória histórica é apostar na necessária realimentação dos verdadeiros protagonistas, no sentido de conduzirem a bom termo nossa justa inquietação com a classe trabalhadora. - Exercitar a mística revolucionária nos espaços do Cotidiano – Quase todos os graves deslizes têm por trás a presunção de que baste que um militante afirme “pertencer ao PT” (ao que não poucos acrescentam: “Sou fundador do PT, desde as origens.”), para logo sentir-se seguro nos seus compromissos. Se assim fosse, não passaria de um ritual que se esgota em si mesmo. Isso não garante nada. O que de fato garante é a renovada disposição do coletivo (movimento, sindicato, partido...) e de cada militante, de refazer seus compromissos no chão das relações do Cotidiano. E não com declarações de efeito ou metáforas, mas tendo a prática como critério de verdade. Sobretudo nos últimos anos, o exercício da mística vem sendo prática freqüente levada a sério por importantes segmentos de protagonistas sociais comprometidas com a causa da transformação social, na perspectiva das classes populares. - Apostar na formação continuada – O processo de formação continuada, ou será uma prioridade efetiva para cada militante, ou de nada valerão seus propósitos de compromisso com a causa dos excluídos. É pelo incessante processo de formação, que os militantes conseguem aprimorar sua capacidade perceptiva, condição para uma intervenção qualificada nas relações sociais e humanas de cada dia. Tal como em tantas outras experiências amargas do passado, não devemos esquecer que períodos de crise, desde que bem trabalhados (com autocrítica), podem tornar-se propícios para uma retomada, em novo estilo, de rumos e caminhos. Aqui também repousa nossa esperança. (1) A esse respeito é bem elucidativa a entrevista feita com o Prof. Fábio Konder Comparato (cf. Caros Amigos, no 72, março de 2003, p. 8), em que denuncia o escandaloso expediente da Eletropaulo subsidiária da AES, em situação de falência, nos Estados Unidos, com uma dívida de 3 bilhões de dólares, a qual, deixando de pagar sua dívida ao BNDES (instituição pública mantida com o dinheiro dos trabalhadores, o FAT), resolve socorrer a matriz, remetendo-lhe um bilhão de dólares TEXTOS DE APOIO BENJAMIM, César. Apertem os cintos. Caros Amigos, nº 85, Rio de Janeiro, abril, 2004, p. 21. ______________. Triste destino. (Artigo datado de 16 de junho de 2005). BETTO, Frei. Assim é a política. Tendências e Debates. BUONFIGLIO, Maria Carmela (Org.). Políticas Públicas em Questão: o Plano de Qualificação do Trabalhador.. João Pessoa: Manufatura, CALADO, Alder J. F. Desafios dos movimentos sociais populares e sindical frente à atual conjuntura. In: Universidade e Sociedade, nº 12, São Paulo:ANDES/SN, 1997, pp. 74-79. _________________. A esquerda brasileira face ao neoliberalismo: riscos de domesticação. In: Política Operária, n. 69, Lisboa, maio-junho, 1999, pp. 19- 20. __________________. A Dialética instituído X instituinte em tempo de Globalização neoliberal: notas sobre a burocratização da esquerda parlamentar no Brasil. In CALADO, A.J.F. (Org.). Por uma Cidadania Alternativa. Estudos nos campos político-partidário, do Movimento de Cultura Popular, dos Direitos Humanos e do Trabalho. Caruaru: Edições FAFICA/João Pessoa: Idéia, 2003 __________________. Encruzilhada Brasil: dilemas, apostas e responsabilidades. In BUONFIGLIO, Maria Carmela (Org.). Políticas Públicas em Questão: o Plano de Qualificação do Trabalhador.. João Pessoa: Manufatura, 2004, pp. 25-46. COMBLIN, José. La conyuntura mundial y Latinoamérica: los movimientos políticos y sociales desafiados. Texto digitado em Espanhol de sua conferencia pronunciada em Santiago do Chile, em 26 de novembro de 2003. CONSULTA POPULAR. Manifesto da Consulta Popular. Primeira versão proposta por A. Bogo, 2005. DOCUMENTOS FUNDANTES DO PT (Manifesto, Programa, Estatuto). FERNANDES, Florestan. Um amargo quarto de século. Jornal do Brasil, Rio Janeiro, 1º de maio de 1989, p. 9. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. ____________. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. GONÇALVES, Moisés Augusto. Uma ótica global: todos os direitos para todos. In: Por uma Cidadania Alternativa: estudos nos campos político-partidário, do Movimento de Cultura Popular, educativo, dos Direitos Humanos e do Trabalho. João Pessoa: Idéia, 2003. IANNI, Octavio. Revista Caros Amigos, nº, 68, outubro de 2002. ____________. Entrevista concedida ao Jornal da UNICAMP, edição 220, 14-20 de julho de 2003. LEITE, Ivonaldo. Brasil: Educação política, novos rumos para a hegemonia popular. Mímeo (Artigo que se acha no prelo). LÖWY, Michael. Origines socio-religieuses du Mouvement des trabailleurs ruraux sans terre (MST) du Brésil (Texto original fornecido por e-mail pelo Autor). OLIVEIRA, Francisco de. Entrevista com Chico de Oliveira concedida a Cristina Costa e Alexandre Martins. Jornal do Brasil, Caderno de Idéias, 27 de dezembro 2003. RODRIGUES, Francisco Martins. Acção comunista em tempo de maré baixa. In Política Operária, nº 62, novembro-dezembro, 1997, pp. 31-33. __________________________. Concorrer ao parlamento: princípio comunista? In: Política Operária, nº 74, Lisboa, março/abril, 2000, pp. 27-30. STÉDILE, João Pedro. Os dilemas da ALCA e o nosso futuro. Caros Amigos, nº 85, Rio de Janeiro, abril de 2004, p. 14. SINGER, Paul. O PT tem jeito? (Ou o jeito do PT). In: Debate Aberto, espaço promovido pela Fundação Perseu Abramo. Artigo datado de 3/8/2005. - Alder Júlio Ferreira Calado é sociólogo. Docente-pesquisador na FAFICA, Caruaru – PE. Assessor de Movimentos Sociais e Pastorais   

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

BANDITIZAÇÃO DO ESTADO OU REINVENÇÃO DA POLÍTICA, NA PERSPECTIVA DE UMA NOVA SOCIEDADE?


Tarefa-desafio das organizações de base da sociedade civil

Alder Júlio Ferreira Calado
Em pleno momento de indignação e revolta (ainda silenciosa) da sociedade brasileira, ante a segunda denúncia gravíssima envolvendo Temer, eis que assistimos, atônitos, à mais recente onda privatista e de desmantelamento do que resta das riquezas nacionais, em várias frentes: venda, a preços irrisórios,  de amplas extensões do território nacional, extinção ou redução de reservas socioambientais, alienação de empresa  estatais estratégicas (caso da Eletrobrás), escandalosas renúncias fiscais em favor de grandes empresas (exemplo do vergonhos perdão da monstruosa dívida do Banco Itaú, favorecimento escandaloso  aos interesses de transnacionais, de grandes empreiteiras, dos setores rentistas e financeiros, etc.

Neste exato momento, na Câmara de Deputados, se acha em processo de votação uma Medida Provisória (REFIS – escandaloso projeto de rolagem das dívidas de grandes empresas com o Fisco, favorecendo inclusive a diversos deputados e senadores empresários...). Se aprovada, vai beneficiar diretamente gandes empresas, das quais fazem parte, além de outros parlamentares, o próprio Relator da talMedida Provisória..., o que acarretará  um quase perdão das dívidas desses setores para com o Fisco. Escandalosa renúncia fiscal!
Não param aí as aberrações. Alcançam também outras instâncias estatais, e de modo grave, a implicar uma banditização do Estado, com evidentes e perniciosos efeitos diretos sobre o conjunto da população.
 
É da natureza da História – como, de resto, de todo processo de humanização – a alternância de épocas de relativa calmaria e de turbulências, leves e profundas. Estas, aliás, se produzem com bem maior frequência. Registro a não perdermos de vista, para fugirmos de toda onda reducionista ou fatalista. Como alertava uma figura de referência do século XIX, a humanidade só se coloca problemas para os quais encontra solução, ou, em suas próprias palavras: “É por isso que a humanidade só levanta os problemas que é capaz de resolver e assim, numa observação atenta, descobrir-se-á que o próprio problema só surgiu quando as condições materiais para o resolver já existiam ou estavam, pelo menos, em vias de aparecer.” (cf. MARX, K. Contribuição à crítica da Economia Política, Prefácio, página 25. São Paulo: Martins Fontes, 2ª ed., 1983). Os profundos impasses atuais não devem ser nem subestimados nem absolutizados. Hão de ser enfrentados como desafios às forças historicamente vocacionadas a superá-los, com discernimento e de forma processual.
Isto implica uma atitude inicial de conhecimento adequado da natureza da crise enfrentada, bem como uma atitude de enfrentamento exitoso. Uma vez conhecidos e reconhecendos, não sem uma efetiva (auto)avaliação, os gravíssimos impasses societais em que nos vemos mergulhados, sentimo-nos historicamente impelidos a ousarmos passos de processual retomada de nossas tarefas históricas, a partir de onde começamos a desandar. Este é o propósito dessas linhas: ajudar nesse esforço de retomada, em novo estilo, das lutas sociais que correspondam ao horizonte desejado. Para tanto, cuidamos de, primeiro, realçar, de passagem, alguns pontos mais salientes da profunda crise multifacetária de nosso atual contexto. Em seguida, focamos alguns elementos históricos recentes, em busca de “refrescar” nossa memória de nossas lutas sociais, num período em que nos pareciam fecundas, a julgar pelos frutos então colhidos. Num terceiro momento, ousamos (re)trazer ao debate algumas teses que, fazendo coro com vozes relativamente pouco escutadas, vimos alimentando,
já há um certo tempo.

Impasses mais desafiadores do momento histórico atual
Não sendo a primeira vez que nos defrontamos com semelhantes desafios estruturais e conjunturais, deparamo-nos, contudo, ante um quadro histórico atípico, a medida que nos vemos mergulhados em plena “mudança de época”. Neste caso, defrontomo-nos com um desafio de monta, do qual tratamos de condensar seus principais traços, especialmente no campo sócio-econômico. A despeito de conquistas sociais recentes, que beneficiaram amplas camadas mais vulneráveis da população, eis que por razões de conjuntura internacional recessiva, combinadas com profundos equívocos ético-políticos das classes dirigentes espúriamente mancomunadas com setores da classe dominante (grandes empreiteiras, grupos financistas e rentistas...), acabamos mergulhados num quadro de profunda crise política, econômica, ética, ecológica. Embora vários dos vícios atualmente em curso, já se fizessem presentes em contexto recente, não há negar o crescente agravamento que se tem a cada dia, a partir da assunção do (des)governo Temer, cuja voracidade privatista não tem limite. Tudo se põe a venda, a começar de sua honorabilidade, haja vista sucessivas negociatas com parlamentares e partidos de sua base.  Flagrado em imagens extremamente comprometedoras, e amplamente divulgadas, de pouco têm valido suas tentativas recorrentes de autojustificativa. Estas só têm servido para expô-lo ao ridículo, do que são prova seus altíssimos índices de rejeição: em torno de 97%! Ainda assim, ele vem logrando cooptar, a peso de ouro, parcelas significativas de deputados, dispostos, mais uma vez, a fazer “tabula rasa” das numerosas falcatruas que lhe são imputadas, juntamente com seu núcleo duro, do qual alguns já se acham presos, e mais dois de seus ministros mais importantes sofrem as mesmas graves acusações.

Tais episódios, todavia, estão longe de esgotar a sucessão de graves escândalos a respingarem pelas diversas instâncias do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário), a exporem suas raízes com alto grau de putrefação, expondo-se como grave expressão de crescente banditização do Estado, com as piores consequências ético-políticas daí advindas. Como não associar a esta banditização do Estado o agigantamento da violência social, expressos pelos índices exorbitantes de assassinatos, de feminicídios e tantas foramas de vioência contra as mulheres, contra as vítimas de homofobia, contra os jovens, contra as etnias tratadas como marginais, como o tráfico de pessoas, de drogas, de armas, como as crescentes agressões à Mãe-Natureza?

Por outro lado, precisamos questionar e aprofundar a reflexão crítica sobre se isto constitui uma fatalidade, perante a qual temos que nos render, ou se somos chamados a buscar saídas alternativas a este modelo necrófilo, a curto, médio e longo prazos. Neste sentido, um primeiro passo pode ser o de buscarmos, na história recente (e menos recente), situar a partir de onde as condições começaram a a favorecer tal desfecho, razão por que entendemos conveniente rememoar traços recentes da caimnada de nossas organizações de base.

Ensinamentos de outras conjunturas adversas às classes populares

A despeito de equívocos também cometidos, no final da década 70 e começos dos anos 80, podemos observar que nossas organizações de base (movimentos populares, Movimento Pro-PT, pastorais sociais, associações, etc.) apresentavam um modode se organizarem e de investirem em seu processo formativo, dos quais foram se distanciando, em especial a partir da virada do século. Foram deixando para trás ou negligenciando aspectos organizativos tais como: enraizamento popular, no campo e na cidade; criação e animação de núcleos, conselhos, círculos de cultura, pequenas comunidades, etc., que funcionavam com autonomia, tomando decisões pela base, e de modo conectado a outras instâncias, por meio do prinício da delegação; buscando alternar cargos e funções, de modo a não permitir uma razoável circularidade entre membros de coordenação e membros de base; apostando no autofinanciamento de suas atividades; mantendo-se muito reticentes em relação à participação nos espaços estatais, dos quais pouco ou nada esperavam, pois os avaliavam como cúmplices do Mercado capitalista.

Era, em grande medida, sua aposta no processo formativo contíno de seus membros. Com efeito, tinha-se claro que o agir de quem pretende buscar construir, a curto, médio e longo prazos, uma sociedade renovada, tem que contar com uma formação contínua de seus agentes. Uma formação que era protagonizado por um conjunto de organismos, tais como Instituo Cajamar, veículos de comnicação alternativos (boletins, Cadernos do CEAS, SEDOC, Revista Tempo e Presença, Mundo Jovem, Teoria e Debate, periódicos a alimentarem debates informativos e, sobretudo, formativos, enquanto nos espaços eclesiais da Igreja na Base, não faltavam iniciativas formativas, como a oferecida pelo CEBI, por textos da Teologia da Libertação, da Teologia da Enxada e outroa fontes prenhes de alternatividade ao modelo vigente. Toda essa moçada estava convencida de quem sem tais subsídios teóricos (ou melhor, prático-teóricos), corria-se o risco de um ativismo perigoso, pois, como dizia José Dolores, uma personagem do filme “Queimada”, “É melhor saber para onde ir, sem saber como, do que saber como, e não saber para onde ir.” 

Era assim que conseguíamos consolidar convições tais como a primazia do agir sobre o discurso; a primazia causa, e não o apego cego e incondicional a figuras de líderes; a aposta no protagonismo de todos; a tomada de decisões pela base; o mecanismo de alternância de cargos e funções; estilo de vida semelhante ao da gente a quem buscámos servir; radical desconfiança dos espaços palacianos ou assemelhados; ao autofinanciamento como condição de exercício da autonomia frente ao Mercado e frente ao Estado; a consciência da natureza do Estado como parceiro inseparável do Mercado; o investmento mais nos processos do que nos resultados; a fidelidade à causa liberária dos “de baixo” (“Eu acredito que o mundo será melhor, quando o menor que padece acreditar no menor”: apenas um de tantos cânticos de referência daquela época, expressando, inclusive, a força da mística revolucionária, testemujnada por tantas figuras, também pelo cltivo da memória histórica, da gratidão a tantos mártires da terra, da Liberdade, muleres e homens de ontem e de hoje.

À medida, porém, em que isto foi sendo negligenciado ou deixado para trás, por conta da aposta exagerada noscaminhos convencioanis do fazer político, este legado precioso ia empalidecendo, na mesma proporção da aposta exagerada no atalho da política convencional, antes tão combatida, por gestos e palavras... Não terá sido a partir daí, que as coisas começam a desandar?

Ousando ensaiar passos rumo ao esforço de reinvenção da Política, na perspectiva de uma nova sociedade

Ainda que estejamos cheios de incertezas e dúvidas, de uma coisa estamos certos: não dá mais para seguirmos apostando neste jeito de se fazer Política! Por mais sedutoras que possam ser nossas falas, os frutos colhidos desmentem e desmontam nossos argumentos. É chegado o momento de priorizarmos a busca de novos caminhos do fazer Política. Com este propósito, não haverá de ser inútil perguntar-nos:
- Que tal ousarmos, com serenidade e humildade, ensaiar passos em direção a um reinventar da prática política, na perspectiva de uma nova sociedade?

- Que tal assegurarmos tempo e energia criativa nesta perspectiva, e já a partir de caminhos e procedimentos acumulados em nossa ainda recente caminhada?

- No final dos anos 70-começos dos anos 80, nossas organizações de base mostravam-se bastante desconfiadas em relação ao Estado, como instrumento eficaz a serviço da construção de uma sociedade alternativa ao modelo vigente. Será que os acontecimentos recentes nos desaconselham tal desconfiança ou, ao contrário, a reforçam?

- Uma leitura mais atenta dos bons clássicos será que não aponta nesta direção?

- Dos Estados antigos aos Estados modernos, qual tem sido seu papel essencial, em relação aos interesses das classes populares?

- Bem ou mal, o Estado moderno, na formulação de clássicos como Maquiavel, Hobbes e outros, respondeu aos desafios das sociedades do seu tempo. Será que, em plena “mudança de época”, os atuais desafios não nos demandam ousar ensaiar passos em busca de construir novo(s) organismo(s) de gestão societal, na perspectiva das classes populares?

-  O estado de busca permanente, não comportando certezas, favorece algum achado. Neste sentido recorrendo às experiências de nossa caminhada recente (no Brasil e no mundo), não será o caso de buscarmos construir processualmente um novo modo de produção, um novo modo de consumo e um novo modo de gestão societal, a partir de caminhos organizativos e formativos já vivênciados?

- É possível apostar numa nova sociedade, descolando-nos do seu horizonte e dos seus caminhos?

- Sem jamais abdicarmos da necessidade de avançarmos para além do conhecimento e das experiências exitosas acumuladas, ainda que reconheçamos os limites e o estágio embrionário das experiências organizativas e formativas já vivênciadas, elas não devem ser um ponto de partida para novos achados?

- Que tal, olhos fitos nos novos desafios, reabastecer-nos de princípios e procedimentos exitosos, vivenciados em época recente, tais como: o investimento na organização e manutenção de núcleos ou de conselhos populares; o cuidado com manter sua autonomia frente ao mercado e ao Estado, e de modo conectado a outras instâncias da sociedade civil; o mecanismo da alternância de cargos e funções; o permanente enraízamento nas organizações no campo e na cidade; a moderação no estilo de vida; a mística revolucionária; a convicção de estarmos fazendo acontecer a nova sociedade, ainda que molecularmente a partir dos nossos feitos cotidianos expressão dos traços da nova sociedade...


João Pessoa, 28 de setembro de 2017.

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

O ALCANCE REVOLUCIONÁRIO DAS AÇÕES MOLECULARES

Alder Júlio Ferreira Calado

Ontem como hoje, ações espetaculares, de pirotecnia e de efeito bombástico seguem exercendo um deslumbramento extraordinário aos olhos de nosso mundo, movido pelas aparências, pela mórbida exibição de poder, de riqueza, de privilégios, de prestígio, mantidos a todo o custo, em especial pela razão da força. O noticiário midiático e nas redes sociais se acha repleto destas manifestações: da insana truculência de chefes de Estado (a exemplo dos presidentes dos Estados Unidos e da Coréia do Norte à desmedida ousadia de figuras do mundo empresarial (transnacionais, grandes bancos, grandes empreiteiras, empresas de mineração, hidro-agronegócio... a lista é grande...). Pior é que não estão sozinhos, em sua necrófila investida. Infelizmente, conseguem contaminar – em especial por meio dos grandes meios de comunicação social – amplas parcelas da população, principalmente dos vastos segmentos sociais extremamente vulneráveis em sua capacidade de leitura crítica e autocrítica do mundo, da história. Não raro, estamos a nos defrontar com pessoas e grupos, socialmente excluídos, a expressarem simpatia pelos atos de força dos “grandes” deste mundo, sem se darem conta de que deles são paradoxalmente as principais vítimas: “O Brasil só tem jeito com um regime de força!” “Trump tem mesmo é que destruir a Coréia do Norte...” Tais declarações nos devem fazer refletir bastante sobre essas manifestações, de modo a que, antes de lançarmos contra essa gente nossos impropérios acusadores, busquemos examinar que condições permitiram que tais pessoas e grupos cheguem a tal situação, e que parcela de responsabilidade também nos cabe na produção desses descaminhos... É justamente este o propósito destas linhas, buscando acentuar, com mais ênfase, a força revolucionária das micro-ações do nosso dia-a-dia, inclusive fazendo apelo a gestos ilustrativos observáveis em figuras de referência (de ontem e de hoje), mas sobretudo em testemunhos de pessoas e grupos anônimos, espalhados por este Nordeste, por este Brasil, pela América Latina, pelo mundo...

O potencial das grandes ações vem de sua força seminal...
 Ao longo de sua trajetória histórica milenar, admiravelmente multiforme, a humanidade, para além de tantos descaminhos, também cultivou um belo tesouro de sabedoria, do qual nos dão testemunhos valiosos exemplos vindos de várias culturas. Da cultura hebraica, por exemplo, podemos recolher narrativas edificantes, como as que nos são legadas por relatos bíblicos, a exemplo das parábolas do Evangelho: a da gratuidade da vida (“Observem as flores do campo!”, cf. Mt 6,25-34); a da alegria compartilhada (“Onde estiver seu tesouro, aí estará também seu coração.”,  cf. Mt 6, 21); a que exorta contra a insanidade da acumulação de riquezas (“Na mesma noite, morreu...!, cf. Lc 12, 16ss), entre outras. Nas narrativas dos evangelhos sinóticos, é tocante a atitude de Jesus de Nazaré, com relação à sua predileção pelos “de baixo”: “Eu Te louvo, ó Pai..., porque escondeste estas coisas dos sábios e dos entendidos, e as revelaste aos pequeninos”, cf. Mt 11,25). Igualmente emblemática, aquela afirmação de Paulo: “O que é considerado bobagem aos olhos deste mundo, Deus fez para confundir os sábios”, cf. 1 Cor 1,27ss).

Uma breve revisitação pelas páginas da História, alusivas a algumas figuras de referência, de ontem e de hoje, nos ajuda a reforçar a convicção de que a busca de uma vida em plenitude, pelas estradas do processo de humanização, não passa pela aposta na força dos poderosos e dos ricos deste mundo. Passa pela confiança e adesão aos pequenos projetos, às “correntezas subterrâneas, às ações moleculares, portadoras de grande alcance transformador, a seu tempo. Quando mais se apresentava desesperadora a situação de traição por hierarcas eclesiásticos, eis que surge uma figura como Francisco de Assis, a quem foi confiada a missão de ajudar a reformar aquela Igreja prestes a ruir. Salta aos olhos a simplicidade de um Gandhi e seus seguidores, na busca de libertar-se do império britânico – não pela força das armas, mas pela não-violência ativa... Outro Francisco – o Bispo de Roma -, por sua vez, desafiado a contribuir com o enfrentamento dos graves impasses da humanidade, hoje, não aposta na força dos grandes. Antes, faz apelo aos “de baixo”, aos movimentos populares, a cujos delegados convoca para um encontro, inicialmente em Roma, depois mais dois, um deles na Bolívia... Assim agindo, o Bispo de Roma testemunha o espírito do Evangelho, bem presente numa canção muito apreciada, elaborada por um agricultor sergipano, Jorge de Lima: “Eu acredito que o mundo será melhor, quando o menor que padece, acreditar no menor”.

Do fecundo protagonismo de pessoas e grupos vivendo e servindo, na alegria do anonimato...

Com a menção apenas do refrão da letra da canção acima exemplificada, já estamos adentrando o imenso e silencioso trabalho de pessoas e comunidades, espalhadas pelo mundo: “Gente simples, vivendo em lugares pouco conhecidos, e fazendo coisas maravilhosas”... Pessoas, comunidades, grupos, ora trabalhando em mutirão, ora no silêncio fecundo (“O deserto é fértil”, dizia Dom Helder Câmara), a testemunharem verdadeiras ações revolucionárias, a partir de suas iniciativas, numa enorme diversidade temática e de modos de fazer, todas marcadas pelo mesmo alvo: o de servir ao Público!

Público, sim! É desolador constatarmos a grave desfiguração e desgaste sofridos pelas palavras, pelos conceitos. Um destes é precisamente o conceito de “Público”, cuja etimologia nos remete a popular, a povo. Infelizmente, “Público” acabou como sinônimo de estatal, governamental, num reducionismo de efeitos perniciosos, à medida que o que deveria ser público, isto é, do povo, acabou virando patrimônio de poucos. O fato de determinado patrimônio aparecer como pertencente ao Estado (União, unidades federativas, municípios) não só não significa necessariamente a serviço do povo, como também pode ser privatizável e até virar contra os interesses do próprio povo. Exemplos há, à saciedade. Por outro lado, fomos nos acostumando mal com o distintivo “Estado” ou “Governo”, de modo a passar a crer que os gestores e guardiães dos bens e serviços tutelados pelo (Executivo, Legislativo, Judiciário) estariam automaticamente comprometidos com a causa pública. E assim entendendo, passamos a incorporar e reproduzir a idéia de que, elegendo pessoas dedicadas à Política, teríamos garantida a lisura da gestão do patrimônio “público”. Ledo engano! Passadas décadas de experiência de sucessivas legislaturas e de eleições e nomeações a cargos executivos, legislativos e do campo judiciário, qual o verdadeiro balanço que podemos fazer?

Ao mesmo tempo em que fomos – e continuamos indo – com “muita sede ao pote” eleitoral, sempre apostando em indivíduos salvadores da Pátria, que nos governariam, com competência e lisura, eis que, nesta mesma proporção, nos afastamos das pessoas e grupos que bem sabemos dedicarem sua vida a servir os desvalidos, de mil e uma formas, com amor, alegria, discrição, leveza, e  COM GRATUIDADE! Isto é ou não SERVIR O PÚBLICO, como expressão maior de Cidadania, de uma ação POLÍTICA DO BEM COMUM? Isto é ou não uma iniciativa REVOLUCIONÁRIA, ainda que molecular? Seguindo comprometidos, de modo articulado, no plano das iniciativas macropolíticas (relação Sociedade-Estado), podemos perceber o efeito potencializador das ações moleculares. Estas passam a constituir uma condição de contínua fecundação das macro-iniciativas. Estas só têm a ganhar com aquelas. Mais: sem as ações moleculares, grande é o risco de se perder o horizonte transformador até das macro-iniciativas.

Casos ilustrativos do potencial revolucionário das ações moleculares
Um amigo, que aprecia o anonimato, confidenciou ter feito uma peregrinação, a pé, de Fortaleza a São Paulo, durante seis meses. A confidência me vem ao espírito, a propósito de termos sempre presente que uma longa marcha sempre começa por um primeiro passo. Sem os passos, a marcha não leva ao destino. As ações moleculares potencializam as grandes iniciativas.
Cada uma, cada um de nós, ao ousar caminhar em direção a outas pessoas – a cabeça pensa, desde o chão que pisamos... -, acaba surpreso com tantos achados, em contato orgânico com as “correntezas subterrâneas”. Há, sim, muitas iniciativas fecundas sendo vivenciadas, às vezes até em nosso entorno. À medida que delas nos aproximamos, acabamos impactados positivamente com tais processos de construção molecular de relações alternativas ao atual modelo societal hegemônico. Trata-se de experiências e de iniciativas que impactam positivamente, não apenas pelo conteúdo de suas propostas, mas igualmente com o modo como são realizadas. Em forma de questionamentos, rememoremos algumas delas.
- Já há algumas décadas, também no Semiárido, vêm sendo feitas pesquisas e experiências frutuosas, no plano das tecnologias populares alternativas de convivência com o Semiárido. Será que já nos demos ao trabalho de conferir o alcance socioambiental de tais iniciativas?

- Com base em tais tecnologias, e para além delas, iniciativas protagonizadas por organizações de base de nossa sociedade (inclusive por movimentos do campo) se vêm mostrando extraordinariamente eficazes, no conteúdo e na metodologia (construção de cisternas, de manejo do solo, de captação e armazenamento de águas, de gestão hídrica, de práticas agroecológicas, etc.) Temos tido a oportunidade de conhecer e apoiar tais iniciativas?

- Será que já nos demos conta de tais iniciativas, por exemplo, na forma de lidarmos com os períodos de estiagem prolongada?

- O que seria da implementação de macropolíticas socioambientais, sem a efetiva participação dos povos tradicionais e dos segmentos diretamente envolvidos, no sentido de assegurar sua implementação? De que adiantaria apenas assegurar captação e armazenamento de água, sem o ininterrupto cuidado e zelo desses protagonistas? Já se pensou onde tudo isto iria parar, sem uma educação socioambiental de zelo, de proteção, de estilo de consumo, enfim, de cuidado?

- O que seria de políticas de revitalização dos rios, sem o protagonismo dos comitês de bacia, por exemplo?  

E questões como estas poderíamos acrescentar. Bastem-nos, porém, as acima formuladas. Importa sempre não estabelecer uma dicotomia entre as  macro e as micro-relações. Estas, não raramente, são negligenciadas, e os equívocos daí resultantes fazem muitos estragos. Portanto, temos necessidade de reconhecer também a força revolucionária das “pequenas” experiências e iniciativas, inclusive as de caráter individual: desde o hábito de moderação pessoal no uso da água, nas várias circunstâncias do nosso dia-a-dia até à nossa educação e reeducação quanto a um estilo de vida não consumista, aprendendo a nos contentar com o necessário, e com alegria, a exemplo dos povos originários e sua filosofia do “Buen Vivir”  
O que buscamos enfatizar, nessas linhas, foi o potencial transformador das ações ( pessoais e coletivas) moleculares, desde que adequadamente articuladas às ações macropolíticas. Neste sentido, cuidamos de acentuar a dimensão também pessoal em busca da construção, processual, de um novo modo de produção, de um novo modo de consumo e de um novo modo de gestão societal.

Olinda, 21 de setembro de 2017










sábado, 16 de setembro de 2017

INCIDÊNCIAS DA COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO: desdobramentos no campo da Educação

INCIDÊNCIAS DA COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO:  desdobramentos no campo da Educação

Alder Júlio ferreira Calado

Quais os desafios mais embaraçosos do processo de humanização? De que modo os antigos, os povos medievais, modernos e contemporâneos têm conseguido enfrentar tais desafios? Qual lugar da complexidade no processo de humanização? De que maneira a complexidade incide no processo pedagogico? São questões como estas sobres as quais nos desbruçaremos, nas linhas que seguem.

Sabemos que o processo de humanização comporta um vasto leque de características e de condicionamentos, a partir mesmo dos sentidos atribuídos ao ser humano. Com efeito, a trajetória humana de todo co-existir compreende múltiplos condicionamentos – cosmicos, geográficos, biologicos, psicologicos, culturais, atropológicos, econômicos, políticos, educacionais..., de tal modo que se torna praticamente impossível um conhecimento total do ser humano e de seu processo existêncial. Por mais que se esforce, o ser humano sempre terá que conviver com dúvidas incertezas, lacunas, limites quanto seu próprio conhecimento, bem como do conhecimento do seu entorno. Isto não quer dizer que o conhecimento de si, da natureza, da cultura lhe esteja completamente fora do alcance. Sempre é possível e desejável conhecer-se e conhecer os demais seres viventes, os elementos físicos da natureza, a história, etc, mas sempre de modo parcial, limitado e provisório. A partir da consciência, portanto, de nossa inconclusão(Paulo Freire), é que nos habilitamos a conhecer, de forma processual, as relações do universo, da natureza e da cultura dos quais fazemos parte.
Neste sentido, sempre nos é proveitoso revisitar autores e autoras clássicos e contemporâneos que se tem debruçado sobre tais questões resulta, a este respeito, impactante observar, com frequência forte com fluência de teses fundamentais ainda que assumindo  termos diferenciados. É assim que, ao revisitarmos filósofos chineses ou pré-socráticos e tantos outros que se lhes seguiram, observamos, não raro, a presença  de profundas semelhanças de suas interpretações sobre o Ser Humano, ainda que utilizando palavras diferentes – “Movimento”, “Holística”, “Interação”, “Totalidade”, “Integralidade”, “Complexidade”... A lista é grande. O que importa, neste exercício teórico-conceitual, é atentarmos para as semelhanças aí presentes, sem desconsiderar as diferenças. Eis o ollhar, a partir do qual ensaimos uma breve revisitação por algumas figuras que, direta ou indiretamente, têm contribuído para esse entendimento. Sabemos que o exercício do filosofar acompanha os humanos, muito antes dos gregos, como costuma alertar, por exemplo, Enrique Dussel, de modo contundente. Ásia, África, Oriente Medio, são lugares em que filósofos, antes dos gregos, se faziam presentes. A Confúcio, por exemplo, é atribuída a sábia afirmação: “Aquilo que escuto, eu esqueço; aquilo que vejo, eu lembro; aquilo que faço, eu aprendo.” Quanta sabedoria aí contida  inclusive do ponto de vista metodológico! Eis aí bem presente a dimensão práxica, de forma magistral. Dimensão práxica a compor-se organicamente com outras dimensões do processo formativo e do processo de humanização, tais como a  dimensão cósmica, a dimensão afetiva, a dimensão cognitiva, a dimensão volitiva, a ética, a dimensão estética, a  dimensão comunicativa e outras mais.

Heráclito, por sua vez, a par de outros pré-socráticos, imprimiu sua marca em seus fragmentos, referente ao movimento/a mudança que caracteriza a realidade cognoscível, pois, sustenta o pré-socrático, “πάντα ῥεῖ” (”Tudo flui”). A realidade é mutável, tudo muda, tudo está em movimento; o que há de permantente é a mudança, razão por que “Não podes entrar duas vezes nas mesmas águas do mesmo rio.”

Atribui-se, ainda, aos pré-socráticos, o princípio dialético da interação universal, sintetizado na afirmação de que “Tudo está ligado a tudo”. A este respeito, há um poema-canção que traduz, com profundidade, e de modo didático, tal princípio: “Tudo está interligado” (cf. a íntegra da letra no “link”: https://www.youtube.com/watch?v=1do_VBZG9Ps


Outo aspecto característico da realidade afasta-se de uma linearidade cartesiana, fugindo mesmo a qualquer certeza reivindicada por pretensas leis científicas, como faz o paradigma positivista. Os fatos da realidade se dão de forma enviesada, muitas vezes “aos trancos e barrancos”, com altos e baixos, de modo nada simétrico. Os fatos se acham atravessados por incongruências, por contradições. Ao contrário da suposta linearidade cartesiana, por vezes, é a própria relação dos contrários que acaba explicando os fatos da realidade, como sustenta um dos prinípcios da Dialética: o da unidade dos contrários. Num contexto societal, por exemplo, as extremas desigualdades sociais é que explicam, pela raiz, o fenômeno do aparecimento de ricos cada vez mais ricos à custa de pobres cada vez mais pobres...

Há, também, a necessidade de se reconhecer a verdadeira relação entre quantidade e qualidade. Não raro, tende-se a estabelecer um muro intransponível entre uma e outra, quando, em não poucas vezes, se dá conta de que a quantidade também pode desembocar em qualidade.      

Como se pode perceber, a realidade – especialmente, a realidade social – constitui um desafio praticamente invencível, quando se pretende conhecê-la em sua totalidade, justamente por comportar uma múltiplicidade quase infinita de aspectos, dificilmente persceptíveis aos olhos do sujeito cognoscente. Por outro lado, a complexidade e a extensão da realidade social não são de todo inacessíveis a quem se acerque da mesma realidade, dotando-se de instrumentos ou mediações que lhe permitam uma relativa compreensão. Isto se da em relação às mais distintas esferas de saberes, inclusive no campo da Educação que, a seguir, trataremos de eleger como alvo específico de nossa reflexão, buscando identificar nela insidências da mesma complexidade.

Ao mencionarmos tais princípios da Dialética, reconhecemos as densas contribuições de autores como além dos pré-socráticos, Hegel e Marx, entre outros. Mais recentemente, partindo diretamente ou não, desses princípios, eis que autores como Edgar Morin e outros nele inspirados, vem contribuindo fecundamente para um conhecimento mais adequado de se lidar com a complexidade dos fatos sociais, inclusive da Educação. A este respeito, recomendamos o vídeo que apresenta instigante reflexão de Edgar Morin, justamente sobre a complexidade: https://www.youtube.com/watch?v=6UT57Jm371w


Insidências da complexidade da realidade social no campo da Educação.
À semelhança do que se passa em todos os campos científicos sobre a realidade social, também na Educação, lidamos sempre com conceitos polissêmicos, no caso da educação, situando-a no seio da Cultura cuidamos de entender o processo formativo dos seres humanos como característica central do processo de humanização. Neste caso, cumpre alertar para a complexidade e a extensão da educação, de modo a não se reduzila à mera escolarização (da Educação infantil à pós-graduação), nem aos espaços formais. Trata-se, antes, de um processo que acompanha todo o co-existir, do nascimento ao último suspiro, tratando-se, pois, de uma Educação contínua, permanente, a serviço do desenvolvimento do ser humano como um todo (isto é, em todos os seus aspectos e dimensões) e de todos os seres humanos.
Por razões de relevância temática, de impactante atualidade e ainda por razões didáticas, optamos aqui por tomar a Educação Ambiental como alvo de nossas reflexões acerca das incidências da complexidade no campo educativo. Para tanto, partimos de uma questão: como surge o debate em torno de uma Educação Ambiental - ou que outro nome tenha: Eco-Educação, Educação Global, Educação Holística...? Sem desconsiderar eventuais exceções, há de se lamentar que o referido debate se deve mais a tristes constatações, do tipo: aquecimento global; derretimento das calotas e consequente elevação do nível das águas oceânicas, acarretando risco de inundação de cidades litorâneas, ilhas, etc.; desmatamentos; acidentes letais em oceanos, rios, solo e subsolo, provodcados por petroleiros, por pela exploração mineral descontrolada; desertificação; morte de fontes de água e de rios; agravamento da frequência e dos efeitos devastadores das catástrofes “naturais”; agravamento dos efeitos de tufões e tsunames; crescente escassez de água; extinção e ameaça de extinção de várias espécies vegetais e animais; envenenamento do subsolo, do solo, das matas, das plantações, dos lençóis freáticos, dos humanos; poluição do ar; poluição sonora... Eis um leque parcial degraves e trágicas ocorrências que imduziram e ainda induzem parcelas crescentes da população mundial a enfrentar tais desafios, recorrendo também a uma ação educativa. Bem melhor teriasido que tal atitude em defesa da Mãe-Terra se tivesse dado ppor motivação de reconhecimetno da dignidade da Mãe-Terra, mas este sentimento infelizmente resta ainda secundário...

Seja como for, o que importa é que nos demos conta de que algo comça a ser feito, sob vários aspectos, também no campo específico da Educação – em particular, da Educação Ambiental, alvo das presentes notas.

O que aqui estamos entendendo por Educação Ambiental?  

Ainda que assumindo-a sob distintos nomes – “Educação Global”, “Ecopedagogia”, “Educação Holística”, “Educação Integral”... -, compreendemos Educação Ambiental como a dimensão específica ao processo formativo, atinente aos cuidados das relações sócio-ambientais. É sabido que a temática sócio-ambiental comporta um vasto leque de abordagens e de saberes, a serem tratados de modo interconectado. No caso da Educação Ambiental, cuidamos mais diretamente da espicificidade do campo pedagógico, a partir de questionamentos tais como:
- Comportando a Educação uma multiplicidade de espaços formativos - família, comunidades, escola, movimentos sociais..., seja em suas modalidades formais, seja processos não-formais -, que traços compõem a identidade dos sujeitos discentes e docentes?
- Que traços específicos os identificam como seres naturais e seres culturais?
-  Que saberes específicos são requeridos ao processo formativo de seres naturais e culturais, em suas relações com o Planeta?
- Em seu cotidiano formativo, que  práticas pedagógicas devem ser priorizadas?
- Onde, como e por quem tais práticas pedagógicas devem ser implementadas?

Eis alguns dos questionamentos a merecerem especial attenção, nestas reflexões. No tocante ao primeiro questionamento – referente à identidade dos sujeitos discentes e docentes -, partimos da conciência da multiplicidade de traços requeridos pelo processo formativo, acima mencionados, resumidamente. No caso específico da Educação Ambiental, cuidamos de focar o despertar de consciência e de atitudes especificamente voltadas para as relações entre os seres humanos e o Planeta, a partir de sua consciência de ser da Natureza, parte efetiva e expressão da mesma, desde sua própria composição corpórea. Todo o seu corpo atesta a presença da Natureza, de seus elementos constituintes: água, minerais, energia, sistema digestivo e outros. O despertar desta autoconsciência há de instigar os aprendentes a mirar o Planeta, com um olhar de admiração e cumplicidade, levando-nos à convicção de que estamos todos a navegar na mesma nau, a sorte dos humanos está imbricada na sorte do Planeta. Isto muda tudo. Isto nos impulsionará a assumirmos o compromisso de cuidarmos tão bem de nós como de cuidar tão bem de nossa “Casa Comum”. Além de sua condição de natureza, os humanos também comportam traços de sua outra condição – a de seres de Cultura. Seu processo de humanização requer um empenho cotidiano na busca de interconectar adequadamente essa sua dupla condição, a partir de uma saudável distinção entre esses seus dois componentes: o que significa responder concretamente à sua condição de ser-Natureza e o que significa responder à sua confição de ser-Cultura? Um desafio a ser trabalhado, ao longo do seu percurso existencial.

Eis por que também é fundamental, no processo formativo, identificar e trabalhar adequadamente quais os saberes requeridos para que os humanos atendam a contento a esta sua dupla condição. Dupla condição a ser vivenciada de modo profundamente interconectado. Isto implica, por exemplo, estabelecer e aprimorar os relações com a Mãe-Natureza. E aqui, no universo escolar, já desponta um desafio de monta, em especial para os sujeitos discentes e docentes mais enraizados no mundo urbano, em que minguam, não raro, os contatos e experiências com o mundo do campo. Como, então, despertar nos sujeitos urbanos, não apenas uma consciência do mundo do campo, mas sobretudo um comprometimento progressivo com sua causa?   

Eis uma tarefa bem apropriada a uma proposta consequente de Educação Ambiental. Mais do que simplesmente introduzir a temática nos componentes curriculares, importa forjar um plano de trabalho, com fundamentação teórico-prática, com metodologia consistente, de modo a ir além de uma mera sensibilização da comunidade escolar e das comunidades em volta, mas também de modo a desencadear ações de intervenção sócio-ambiental, desde o âmbito local, articulado a outras instâncias. Como é vasto o universo temático das questões sócio-ambientais (comitês de gestão de bacias fluviais, manejo de matas e enconstas, coleta de resíduos sólidos, gestão hídrica, criação de pequenos animais, parques e jardins botânicos públicos, etc., etc.), há que se estabelecer prioridades, a partir das necessidades e urgências locais.
Em experiências educativas que tais, faz-se presente, de modo explícito, o exercício de Cidadania. Aí, a Educação Ambiental – ou que outro nome tenha – está lidando diretamente com a formção de cidadãs e cidadõas globais, a partir de seu lugar. Cidadã(o)s que se fazem protagonistas de um novo mundo possível e necessário. Cidadã(o)s que logram ir além das reivindicações adstritas apenas às relações Sociedade-Estado. Sem prejuízo deste campo de atuação, são capazes de elastecer sua visão da Política, à medida que cuidam de conectar ações tidas como como situadas nos micro-espaços a ações desenvolvidas nos macro-espaços. O alcance transversal da Educação Ambiental, assim exercitada, extrpola a dimensão cidadã: alcança também muitas outras, tais como as relações sociais de gênero, de etnia, geracionais, cósmicas, éticas, estéticas, entre outras. Todas essas dimensões se acham, como se percebe, atravessadas pelos fios da complexidade, e sob tal baliza devem ser exercitadas, em busca da construção processual de uma nova sociedade, por um novo modo de produção, por um novo modo de consumo, por um novo modo de gestão societal.

João Pessoa, 16 de setembro de 2017.