terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

TRAÇOS DA MÁE-ÁFRICA: em busca de nossas raízes (XLI)

TRAÇOS DA MÁE-ÁFRICA: em busca de nossas raízes (XLI)

Alder Júlio Ferreira Calado

O protagonismo dos movimentos sociais da África é a grande esperança de mudança para centenas de milhões de africanos mantidos à margem das riquezas, da cultura e dos direitos mais elementares que lhes são negados pelo modelo dominante. Continente gigantesco, a África corresponde à quinta parte da superfície terrestre, abrigando algo em torno de um bilhão de habitantes, no universo dos 6,5 bilhóes que povoam nosso Planeta.
Terra e Povos de tantas potencialiidades! Território extenso e variado. Montanhas, vales, planícies, rios, florestas, fauna, vasto litoral, subsolo rico... Uma Gente portadora de uma cultura milenar! O processo de colonização - e hoje de recolonização, feita desta vez pelos grandes conglomerados transnacionais, com o apoio das grandes potências – não cessa de multiplicar as vítimas (os Humanos e o Planea)..
Com efeito, em que condições reais vivem esses nossos irmãos e irmãs, em sua grande maioria? A julgar pelas estatísticas oficiais, a exemplo de dados recentes lançados pela OIT, dando conta de que em torno da metade da humanidade vive abaixo da linha de pobreza, a situação da população africana deve ser pior, por conta dos sofisticados mecanismos de exploração que são infligidos às maiorias empobrecidas daquele enorme continente.
São dezenas, centenas de milhões de crianças, de jovens, de mulheres, de trabalhadores destituídos de suas terras, desempregados, sub-empregados, sobrevivendo como mendigos nas periferias dos grandes centros urbanos. As estatísticas oficiais são escabrosas, com a agravante do balanço de que essa situação não apenas se manteve, como se tem deteriorado, no curso dos últimos anos, ao ponto de que, segundo dados recentes da UNCTAD (da ONU), “nos últimos 30 anos o número de pessoas que vivem com menos de 1,00 dólar se duplicou nos países menos desenvolvidos.”.
    Diante desse quadro tenebroso, não resta aos empobrecidos senão confiarem em suas próprias forças, e avançarem na organização e na construção de uma nova sociedade que lhes faça justiça, aos Humanos e ao Planeta que também geme, e não menos.
    Quando refletimos sobre as grandes mudanças sociais, percebemos que todas resultaram de lutas protagonizados pelos principais interessados: os empobrecidos. De fato, são os empobrecidos – mulheres, jovens, negros, trabalhadores e seus aliados – as forças de transformação com que se pode e se deve contar. Atalhos têm servido mais para retardar ou para iludir do que propriamente para fazer avançar no horizonte desejado: uma nova sociedade na qual a todos sejam assegurados todos os direitos – econômicos, sociais, políticos, culturais -, em harmonia com o Planeta.
    Nesse sentido, desperta-nos esperança quando ouvimos o que os representantes dos povos africanos, organizados em associações e sobretudo em movimentos sociais com projeto alternativo de sociedade, demonstram clareza acerca desse desafio. É o que manifesta, por exemplo, uma liderança africana, uma das organizadoras do Fórum Social Mundial, na África: “O Fórum da África Ocidental constitui o lugar das manifestações que dizem respeito ao conjunto dos países dessa sub-região, entre os quais o Mali. Vai acontecer em Lomé (Togo). Alilás, diferentes atores do movimento social africano vão participar, em todo o mundo de outras manifestações que lhes permitirão restituir as conclusões das iniciativas em marcha, ao longo de 2007. (...) O Fórum Social Mundial foi e continua sendo uma oportunidade privilegiada e sem precedente de mobilização da sociedade civil, em escala planetária. Se ele não existisse, seria preciso criá-lo para se fazer face a essa ordem econômica mundial violenta e com freqüência indiferente aos direitos econômicos, políticos, sociais e culturais. O FSM é tanto mais necessário, quando a democracia tem perdido consideravelmente seu sentido, enquanto poder popular para o povo e pelo povo. A ditadura das multinacionais é sem limite. Seus interesses é que determinm as políticas dos países ricos que, por sua vez, influenciam, por meio dos seus condicionamentos, as dos países endividados e dependentes do Sul.” (Interview avec Aminata Dramane Traoré http://ipsinternational.org/fr/_note.asp?idnews=3939)
    A despeito dos limites do Fórum Social Mundial – não tem caráter deliberativo eficaz -, não se deve ignorar tratar-se de um espaço de conscientização, capaz de desmascarar os mecanismos de dominação do atual sistema, de modo a permitir uma acumulação de forças por parte dos povos marginalizados, que assim vão se preparando para um dia fazer valer seus direitos.






















segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

TRAÇOS DA MÃE-ÁFRICA: em busca de nossas raízes (XXXVIII)

TRAÇOS DA MÃE-ÁFRICA: em busca de nossas raízes (XXXVIII)

Alder Jùlio Ferreira Calado

    Focamos, desta vez, a música de  povos africanos de antiga colonização portuguesa – seus estilos, seus principais representantes. No número precedente, fornecemos alguns elementos sobre aspectos da música e seus representantes, em escala do continente africano, em geral. Mesmo sabendo tratar-se aqui de rápidas pinceladas, assumimos o risco das generalidades, sendo consolado pelo reiterado alerta de que nos limitamos a fornecer apenas um leve aperitivo, cabendo aos interessados aprofundarem, inclusive por meio de páginas virtuais aqui sugeridas e outras mais resultantes de suas pesquisas.
São cinco, como se sabe, os países africanos de antiga colonização portuguesa: Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Angola e Moçambique.
Começando por Angola, vale lembrar tratar-se de um país situado na costa atlântica Sul da África Ocidental. Dentre os intérpretes da música de Angola, destacamos a figura de Altamiro Rodrigues. À semelhança de outros artistas africanos, cujo êxito também tem a ver com o esforço de fazer ecoar sua produção em terras européias, assim ocorreu a Altamiro Rodriques, nascido em Luanda em 1959 e recentemente falecido (2007). Alcançou sucesso ainda no final dos anos 70, por ocasião do Festival da Canção de Angola, do qual foi eleito o melhor cantor.  Ele teve ampliado o seu sucesso  em 1988, por ocasião da realização do Festival de Música da Câmara de Oslo, com a música “Desillusion”, em parceria com o Quarteto Barumbé. De sua discografia ainda fazem parte “Com toda” (1972), “Orgulho” (1978), “Abra novamente” (1979), “Smile” (1980), “Number” (1981). “Eu sou” (1996), “Alma” (2005), entre outras.
    Outros nomes da música angolana merecem destaque: Érica Nelumba, Muinguilo, Euclides da Lomba, DJ Neto Dias, Antoninho Mukuma. Do Grupo “As Gingas” destacam-se três títulos de sua discografia: “Xiame” (1999), “Malange, Natureza e Ritmos (1997) e “M´banza” (1996).
    Moçambique, por sua vez, situa-se na costa oriental da África austral, banhado pelo Oceano Índico e fazendo fronteiras com países como a Tanzânia, a Zâmbia, a África do Sul, Zimbábwe, entre outros. De Moçambique, destacam-se, entre outros: Antônio Lodingue Matusse (mais conhecido como Antônio Marcos), nascido em Xiconela, em 1951. Costuma cantar na sua própria língua materna, o Xanana, e se tem destacado no gênero musical Marrabenta e, mais recentemente, também no Rap, tendo participado em vários conjuntos musicais. Natércia Barreto, mais conhecida como Techa, alcançou muito sucesso com músicas tais como “Primavera do Amor”, “Vem Meu Amor”, “Tudo acontece por ti”, entre outas.
    Batuque, Colá, Lundun, Mazurca são expressões que designam os principais estilos da música produzida e interpretada em Cabo Verde, arquipélago situado no Oceano Atlântico, na costa ocidental africana. Entre os principais compositores aparecem nomes tais como os de Amândio Cabral, Fulgêncio Tavares, Gregório Vaz, Carlos Alberto Martins, Renato Cardos. Do elenco de intérpretes fazem parte, por exemplo: Ana Firmino, Antônio Carvalho, Arlinda Santos, Francelina Almeida, Grace Évora, Nanci Vieira, Albertina Rodrigues, entre outros e outras.
    No caso da Guiné-Bissau, também situada na costa atlântica da África, a música caracteriza-se pela predominância do gênero poli-rítmico mais conhecido como “Gumbé”, expressão por meio da qual se alude a um leque de estilos da música guineense, tais como Tina, Tinga, Kussundé, Djambadon, Kunderé, entre outras, que também aludem às suas músicas folclóricas ou tradicionais, ligadas às distintas etnias. Ainda da Guiné-Bissau destaca-se, entre outros nomes, o do poeta, músico e compositor José Carlos Schwartz como um dos músicos guineenses de referências, inclusive pela densidade de suas letras musicais, impregnadas .de sentimentos de cidadania.
    Em São Tomé e Príncipe, país situado no Golfo da Guiné, e composto por essas duas ilhas principais e de uma série de ilhotas, despontam figuras tais como: Camilo Domingos (com destaque para o seu álbum “Nova Onda”), Gilberto Gil Umbelina (“Vôa Papagaio, voa”), Sangazuza (“Socodi Poera”), Haylton Dias (“Coisas da Vida”), Drop Gi (“Esperança”), entre outros.




















TRAÇOS DA MÃE-ÁFRICA : em busca de nossas raízes (XXXVII)

TRAÇOS DA MÃE-ÁFRICA : em busca de nossas raízes (XXXVII)

Alder Júlio Ferreira Calado

    E da Música africana, o quê dizer? Desafio enorme até para quem é especialista. Imagine-se para um analfabeto em música... Basta tomar em consideração que se trata de um imenso continente, com quase cinqüenta países, formados por distintas nações, tribos, etnias, línguas, religiões... Fala, porém, mais alto meu atrevimento de dizer algo sobre o complexo e multifacetado universo musical africano. Com a preciosa ajuda de diversos “sites”, vão aparecer, quando nada, sugestões de visita a essa ou àquela página, conforme o interesse eventualmente suscitado.
    Influenciados por um universo enredado numa extensa variedade de tipos (músicas tradicionais ou “folclóricas”, músicas religiosas, músicas de massa com forte controle do mercado, etc.), gêneros, sub-gêneros e de estilos musicais - , desponta toda uma constelação de excelentes cantores e cantoras, em distintos países da África. Só na África do Sul, fala-se na existência de cerca de sessenta artistas e grupos musicais, dentre os quais se destacam nomes como o de Miriam Makeba (a celebrada “Mama África”) e o de Jabu Khanyile of Bayete, o Grupo Soul Brothers, entre outros. Em geral, as letras de suas músicas aludem às questões do cotidiano, às suas lutas e esperanças na construção de uma nova África do Sul, além de suas significativas conquistas.
    São tantos os bons nomes de artistas da música africana, espalhados por vários países, dos quais aqui lembramos, por exemplo: Lourdes Van-Dunem, a grande dama da música angolana; Angélique Kidjo (Benin), com sua música afro-americana; de Burkina Faso, podemos citar o artista engajado Zêdess (Zongo Seydou); Makossa, Makassi e Tchamassi (Camarões); em Cabo Verde, é famosa Cesária Évora, que costuma apresentar-se descalça, em “shows” de solidariedade aos sem-teto e às mulheres pobres.
    Na Costa do Marfim, pontificam figuras como Alpha Blondy (Seydou Koné), considerado a estrela internacional mais popular do Afro-Reggae, desde a partida do jamaicano Bob Marley, bem como Tiken Jah Fakoly. Ao primeiro perguntaram por que havia escolhido cantar o Reggae, ao que respondeu: “Porque os jamaicanos são mais africanos do que os negros americanos.” Tiken Jah Fakoly também é conhecido pelo seu engajamento, enquanto artista, ajudando, como ele próprio diz, a “despertar as consciências”.
    Situada numa região fronteiriça entre a África, o Oriente e o Ocidente, a Etiópia apresenta-se como uma das mais diversificadas, do ponto de vista artístico-cultural, inclusive em suas expressões musicais: conta com cerca de cem línguas, além de um significativo mosaico religioso. Isso contribui também para sua diversidade no terreno da música tanto sacra quanto profana. Aí são muito apreciados os bardos com os seus mais variados instrumentos de corda, a executarem canções de amor e a recitarem contos populares.
    No Quênia – tão conhecido também entre nós pelos seus campeões de corridas -, pontificam grupos de hip hop, a exemplo do Nairobi Yetu, um grupo formado por jovens da periferia de Nairobi. Vale observar o título de um dos álbuns desse grupo: “Grito por jutiça”... Se a África do Sul tinha suscitado admiração pela quantidade de artistas e grupos musicais, o quê dizer do Mali, onde se estima atuarem cerca de oitenta? Já foi chamado de “Superpontência musical”, inclusive pelo brilhantismo de artistas seus como Salif Keita, Toumani Diabaté, Djelimady Tounkara e Kader Keita.
    Como se observa, é um mosaico musical considerável. Mesmo prometendo dar continuidade, no próximo número, há de se convir que conseguimos apenas fornecer um breve “aperitivo” para os que eventualmente se disponham a prosseguir as buscas. Concluo lembrando que, nos distintos povos da África (não somente, aliás), a música constitui um dos bens culturais mais acessíveis (pelo menos do ponto de vista do consumo) ao conjunto da população. A ela têm acesso alfabetizados ou não, bem como os mais diversos segmentos sociais, independentemente de classe, de gênero, de etnia, de idade/geração, religião, etc.Como, de resto, se dá em tantos outros países. Se isto, por um lado, há de ser louvado, por conta do seu caráter estético e pelo seu alcance lúdico-pedagógico, por outro lado, não se deve esquecer que, como outros bens culturais, a música tem uma relevante função social – tanto para a formação da consciência crítica de um povo, como para sua alienação. E isso é um desafio, não apenas para os povos africanos, Ou, por acaso, nós estamos isentos disso?... “Sites” visitados: http://pt.wikipedia.org/wiki/Salif_Keita






sábado, 24 de fevereiro de 2018

TRAÇOS DA MÃE ÁFRICA: em busca de nossas raízes (XIV)

TRAÇOS DA MÃE ÁFRICA: em busca de nossas raízes (XIV)

Alder Júlio Ferreira Calado
02/12/2005

    Aqui tratamos de retomar algo que iniciamos no número anterior de ABIBIMAN, acerca de SAMIR AMIN, este filho da Mãe África que tem honrado a condição humana, com sua relevante contribuição de economista, historiador e escritor a serviço da causa libertária dos oprimidos, nos quatro cantos do mundo.
    Nascido no Egito, há 74 anos, a trajetória de AMIN tem se revelado de uma densidade notável, pela qualidade de sua militância e pela sua contribuição de pensador. Além dos livros já destacados anteriormente, traduzidos aliás para vários idiomas, passamos a sublinhar outros textos seus, produzidos nessas últimas décadas. Os títulos quase sempre aparecem em Inglês e em Francês. Eis uma lista dos principais:
- O Império do Caos (L´Empire du chaos. Paris: Ed. L´Harmattan, 1991);
- Imperialismo e Subdesenvolvimento na África (Impérialisme et sous-développement en Afrique. Paris: Anthropos, 1988);
- O Capitalismo na era da Globalização (Capitalism in the age of Globalization. St. Martin´s Press, 1986);
- O fracasso do Desenvolvimento na África e no Terceiro Mundo: uma análise política (La faillite du développment en Afrique et dans le tiers monde: une analyse. Paris: L´Harmattan, 1989);
- Por um Mundo Multipolar (Towards a polycentric World. St. Martin´s Press, 1990);
- Economia e Sociedade no Benin (Économie et société au Bénin Paris: L´Harmattan, 2000);
- O Senegal às portas do Terceiro Milênio (Le Sénégal à la veille du troisième millénaire. Paris: L´Hermattan, 2000);
- Após Seattle: por uma construção cidadã do mundo (Après Seattle: pour une construction citoyenne du monde. Paris: Syllepse, 2001;
- Crítica do Capitalismo (Critique du Ccapitalisme. Paris: PUF, 2002;
- A Globalização da Resistência (Mondialisation des résistences: état des luttes. Paris: L´Harmattan, 2002.
- África: a volta da exclusão programada (Afrique: l´exclusion programmée en renaissance. Paris: Maisonneuve et Larose, 2005.
    Uma rápida e incompleta lista dos principais textos recentes de AMIN, sem incluir uma enorme série de artigos seus, pode nos sugerir uma idéia de quais são suas principais teses, bem como de sua coerente evolução como intelectual orgânico das classes populares. Fato raro, nesses tempos de “Esqueçam o que escrevi...”
TRAÇOS DA MÃE-ÁFRICA:
em busca de nossas raízes (XIII)

Alder Júlio Ferreira Calado

2/11/2005

    Quanto mais buscamos mergulhar no universo africano, tanto mais nos impactam as descobertas, que não cessam de nos surpreender. Não deveria ser assim, não fosse a longa distância que, desde o pacto colonial, se tem cultivado entre nós. Alegra-nos, a propósito, saber que as novas gerações terão menos dificuldade, a julgar pela recente conquista de espaço curricular nas escolas brasileiras, acerca do universo africano. A publicação do roteiro temático, publicado no número anterior, há de ser um promissor atestado do que estamos afirmando.
    De fato, sob os mais diferentes prismas, a Mãe-África se mostra um precioso tesouro escondido. Aqui, vamos destacar mais um ponto desse vasto e complexo universo: a contribuição dos intelectuais africanos – mulheres e homens -, na área das ciências sociais. Tomemos, desta vez, o caso de SAMIR AMIN, cuja densa obra é conhecida nos mais distintos continentes.
    Nascido no Egito, em 1931, já nos anos 50, Samir Amin começava a revelar-se um intelectual respeitado. Tem passagem relevante pelo Mali, pelo Senegal, pela Europa e outras partes do mundo. Dentre sua vasta obras, destacam-se, entre outros textos: La acumulación a escala mundial (1970), El desarrollo desigual (1973), La nación árabe (1976) y La desconexión (1986).
    Ainda recentemente, em 2000, por ocasião da realização do Seminário organizado em função das comemorações dos 80 anos do economista Celso Furtado, e dos 40 anos da fundação da SUDENE, esteve em Recife Samir Amin, juntamente com outros expositores internacionais e nacionais (além do próprio Celso Furtado, Ignacy Sachs, Francisco de Oliveira, Cristovam Buarque...). Em sua exposição, Samir Amin fez um balanço da economia política característica do século XX. De forma bastante fundamentada, passou em revista os principais desafios dos países periféricos em relação à sua emancipação social das forças do Capitalismo.
    Como outros bons intelectuais, fiéis aos interesses das classes populares, Samir Amin continua a apostar na união e na organização das forças populares, em âmbito internacional. Não é por acaso, que sempre tem trabalhado com uma equipe de pesquisadores africanos, asiáticos e latino-americanos. Voltaremos a dizer algo mais sobre Samir Amin.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

TRAÇOS DA MÃE-ÁFRICA: em busca de nossas raízes (XXXIII)

TRAÇOS DA MÃE-ÁFRICA:
em busca de nossas raízes (XXXIII)

Alder Júlio Ferreira Calado

    E as crianças e os adultos africanas de que brincam? O ser humano é, como se sabe, multidimensional. Um ser complexo. Sob quantas facetas ele se apresenta?! Até mais do que as dimensões dele já abordadas. A ludicidade é apenas uma delas. Não certamente a menos importante! Ai de nós Humanos, não fossem as coisas alegres da vida: o humor, o riso, a diversão, as brincadeiras, os jogos, enfim, a ludicidade! Faz parte da condição humana, independentemente de lugar e de tempo, o recurso ao lúdico. E não apenas como uma dimensão restrita à criança.
Mas, e a Mãe-África o que nos tem a dizer, especialmente sobre jogos e brincadeiras de crianças e adultos? Aqui mal dá para fornecermos alguns poucos exemplos, tal a diversidade e tal a riqueza de brincadeiras e jogos característicos daquele complexo cultural que é a Mãe-África, com suas Gentes e suas terras. Aqui tratamos de mencionar uns poucos exemplos, de forma assistemática.
Comecemos por um conhecido como Fanorana, exercitado por dois jogadores. É originário de Madagascar. Consiste de um tabuleiro (semelhante, até certo ponto, a um tabuleiro de damas, mas também pode ser comparado a um misto de jogo de damas, do chamado “jogo da onça” e jogo de xadrez) traçado de linhas verticais, linhas horizontais e linhas diagonais, cujas interseções correspondem às “casas”, onde vão ser colocadas, vinte e duas pedras, de um lado, e vinte e duas pedras, do outro, de modo a deixar vazia a “casa” central. Para as regras do jogo, remeto as pessoas interessadas à seguinte página: http://pt.wikipedia.org/wiki/Fanorona Aqui se acha, inclusive, a figura colorida do referido jogo e as respectivas peças posicionadas.
    Outro jogo bastante popular, em diferentes regiões da África, é um conhecido como “Awari” (Mas, atenção!, os nomes variam, de acordo com a região: “Mancala”, “Ayo”, “Bao”, “Giuthi”, “Lele”, “Omweso”, “Owari”, “Tei”, “Songo”, “Kalaha”...). Tem uma história milenar. O jogo se pratica com quarenta e oito pedrinhas (podem ser caroços ou algo assim) e doze ou quatorze “casinhas” ou recipientes. O objetivo do jogo é fazer um número de pedras maior do o do adversário. Tendo em vista que há quarenta e oito pedras, ao ser iniciado o jogo, quando se conseguir “matar” vinte e cinco, a partida estará ganha. As pedras são movidas no sentido contrário ao ponteiro do relógio. Para saber das regra do jogo, ver a página:
    Um terceiro exemplo de jogos africanos é o “Yatê”, praticado sobretudo na África Ocidental. É também semelhante ao jogo de damas. Uma característica própria desse jogo é que, além de “comer” uma das pedras do adeversário, o jogador também escolher uma segunda pedra em qualquer posição do tabuleiro, não havendo portanto nenhuma “casa” segura no tabuleiro do jogo.(cf.: : http://www.lapcra.org/product_info.php )
    Há, também, um que se conhece pelo nome de “Dara”, corresponde a uma família de jogos dos “Três na raia”, muito popular na região do Golfo da Guiné. Joga-se colocando três pedras na raia, no sentido horizontal ou vertical. Quando se consegue, pode-se escolher qualquer pedra do adversário e “come-la”. Ganha a partida quem conseguir “comer” todas as pedras do adversário.
    É claro que para jogar, não bastam informações superficiais. O nosso interesse é divulgar formas de diversão das culturas africanas, em especial alguns jogos. Aos interessados no aprendizado dos mesmo, remeto-os às seguintes páginas, para mais informações e para as respectivas regras.
http://umoyasalamanca.blogspot.com/2007/06/juegos-africanos.html
http:/www.ikuska.com/Africa/Etnologia/juegos.htm
    Chamo a atenção, especialmente, para este último site. Traz um instigante conjunto de temas específicos de jogos africanos, tratados como expressão e exercício da interculturalidade dos povos africanos. Tem um fecundo propósito pedagógico de alto nível. Uma rica diversidade cultural da Mãe-África. Vale a pena conferir!



quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

TRAÇOS DA MÃE-ÁFRICA:

TRAÇOS DA MÃE-ÁFRICA:
em busca de nossas raízes (XXXIV)
Alder Júlio Ferreira Calado

Mitos, fábulas, lendas, narrativas, histórias (ou “estórias”) constituem importantes fios a
tecerem o imaginário dos povos, em qualquer lugar e em qualquer tempo. Não poderia ser
diferente em relação aos Africanos. E não é mesmo! Berço da humanidade, vasto continente de
mais de 30 milhões de Km², por onde se distribuem tantos povos, nações e tribos, com uma
espantosa variedade de expressões étnicas, lingüísticas, religiosas, de costumes, etc., etc. Eis um
ambiente propício para a produção e propagação de um rico imaginário, uma profusão de mitos,
lendas, fábulas e casos similares. Qualquer que seja o nome mais apropriado, aqui estamos
interessados em tocar de leve algumas dessas manifestações do imaginário dos povos africanos,
com o propósito de recolher elementos que nos permitam fazer uma leitura mais atenta do
legado cultural de alguns povos africanos.
Aqui vamos nos limitar apenas a alguns mitos de criação, entendendo por mito um
elemento simbólico (fábula, história) relevante, capaz de oferecer uma visão de conjunto dos
tipos de relações mais características do dia-a- dia desses povos. Passemos, pois, a enunciar
alguns dos mitos de criação de alguns desses povos.
Um desses mitos de criação é o Zulu, um antigo mito, conhecido como “Unkulunkulu”,
alusivo ao criador, originado de plantas, dando origem às pessoas e aos animais. Ele também
criou tudo quanto é montanha, riacho, cobra, e tendo ensinado o Zulu a pescar, a fazer o fogo, a
assegurar o alimento. É considerado como sendo o primeiro Homem que está presente em tudo
que foi criado. Outro desses mitos é conhecido como “Boshongo”, da tribo Bantu, de acordo
com o qual, no começo só havia a escuridão, a água e o grande deus Bumba. Certo dia, em
função de um mal-estar estomacal, vomitou o sol, que teria secado parte da água, tendo em
seguida abandonado a Terra. Novo mal-estar no estômago teria levado Bumba a vomitar a lua,
as estrelas, e, em seguida, também os animais e alguns seres humanos, um dos quais teria sido
Yoko Lima, que era branco branco como Bumba.
Na região correspondente à Nigéria, é conhecida da narrativa de Efik, segundo o qual o
criador Abassi criou dois seres humanos e, depois, não mais permitiu que habitassem a Terra,
sua mulher, Atai, o teria convencido a permitir. Para mantê-los, porém, sob seu controle, Abassi
exigiu que eles fizessem todas as refeições junto com ele. Ele também os proibira de procriar.
Mas não tardou, e a mulher começou a cultivar plantas na Terra, até que eles cessaram de se
apresentarem para comer junto com Abassi. Depois, o homem uniu-se à mulher, pelos campos,
e tiveram crianças. Abassi foi queixar-se de sua mulher sobre essa reviravolta, mas ela lhe disse
que assim iria continuar. Ela, então, mandou para a Terra a morte e a discórdia para guardar as
pessoas no lugar deles.
Em regiões como a Nigéria e o Benin, cultiva-se a mitologia Ioruba, cujo deus supremo
é Olorun, também conhecido como Olodumare, que não aceita oferendas, posto que, na
condição de criador, tudo já lhe pertence. Pelo criador Olorun foram moldados o mundo, águas
e terras, plantas e animais. Por fim, ordenou que Oxalá criasse o homem, recorrendo ao ferro e à
madeira, materiais que não foram de seu agrado, por serem ambos rígidos. Criou-o, então, de
pedra. Não gostou: era muito frio. De água, o ser humano ficava sem forma. De fogo, também
não deu: ele se consumia no próprio fogo. Fé-lo de ar, e ele virou puro ar. Ainda tentou criá-lo
por outras vias. Em vão. Triste, Oxalá vem a ser consolada, e se reanima com a atitude de Nanã
(cultivada como deusa das chuvas), que mergulha no rio e de suas profundezas lhe traz lama,
com que cria finalmente o homem, ao perceber que ele se mexe, é flexível, move olhos, braços,
pernas. Por fim, lhe sopra a vida.
Como não perceber uma semelhança, pelo menos com aspectos de narrativas de outros
povos, inclusive com aspectos alusivos à narrativa do Gênesis, da cultura hebraica? Um
ensinamento que podemos recolher dessas narrativas tem a ver com a força do imaginário no
processo de formação dos humanos. É mais um dos tantos legados que recolhemos da vasta e
complexa herança cultural dos povos

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

BEBENDO NO POÇO DE MEMÓRIAS IRRUPTIVAS, EVOCADAS POR 2018

BEBENDO NO POÇO DE MEMÓRIAS IRRUPTIVAS, EVOCADAS POR 2018

Alder Júlio Ferreira Calado

Para além de todo saudosismo estéril, eis-nos a revisitar o passado, em busca de melhor entender o presente e de ousar ensaiar passos eficazes de alternatividade ao atual modelo societal, bem como, no que toca especificamente aos cristãos e cristãs, em busca de reavivar a memória revolucionária do Movimento de Jesus. Com efeito, revisitamos, uma vez mais, o passado, como quem busca remover cinzas sob as quais ardem brasas, a desprenderem centelhas carregadas de energia transformadora. E como precisamos, hoje, dessas memórias irruptivas, das quais cuidemos de recolher lições ou pistas de um exitoso enfrentamento de velhos e novos desafios, acumulados. Nesse sentido, o ano de 2018, pelas memórias irruptivas - recentes e menos recentes - que evoca, bem se presta a um fecundo exercício de beber nessas fontes memoriais.

Nesse dia 16 de fevereiro p.p., estivemos a rememorar a trajetória revolucionária de Dom Pedro Casaldáliga, que completou seus bem vividos 90 anos. Como missionário da Tradição de Jesus, e como Bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, segue sendo testemunha e protagonista de lutas e de iniciativas dignas de um verdadeiro discípulo de Jesus de Nazaré. Também, no dia 13 p.p., Elizabeth Teixeira completou seus fecundos 93 anos. Parafraseando o título do filme de Eduardo Coutinho “Cabra marcado para morrer”, alusivo à figura de João Pedro Teixeira, dela podemos dizer, como o faz Genaro Ieno, tratar-se de uma “Mulher marcada para viver”. Neste sentido, dada a sucessão de riscos de morte que também Dom Pedro Casaldáliga teve que enfrentar, a ele podemos estender o mesmo dito de “homem marcado para viver”. Do mês de fevereiro, é o que podemos destacar. como aperitivo para revisitarmos episódios de um passado carregado de energia transformadora.

De início, indo além dos espaços eclesiais aqui revisitados com mais ênfase, duas ocorrências (entre outras, sendo que estas ambas coincidentes tendo como referência o mês de maio) nos chamam a atenção: a comemoração do bicentenário do natalício de Karl Marx e os 50 anos do acontecimento Maio de 1968. Qualquer que seja a posição em relação a Marx, impossível não reconhecer nele um legado que constitui um marco na história contemporânea. Dele, a exemplo de outras figuras de semelhante estatura ético-política, pode-se dizer que parte considerável do ódio que atrai, tem muito a ver com o quase completo desconhecimento do seu legado - de sua vida e de sua obra. Não raro, é-se contra, sem que dele mesmo nada ou quase nada se tenha lido. Não é esta a ocasião de tentar esboçar um panorama de seus feitos. Que seja bastante aqui destacar-lhe alguns aspectos, de passagem. É tocante sua capacidade imensa de diálogo com as mais distintas correntes de pensamento do seu tempo e de épocas precedentes, inclusive a atenção que dedica ao pensamento greco-latino. As notas de pé de página de vários de seus livros - escritos numa época em que não se dispunha de variados recursos tecnológicos, como a internet -, são de tal modo volumosas, que alcançam o número de páginas de um livro… Tal sua sede de de busca da verdade. Escolha que o levou a dedicar décadas de incessantes pesquisas, em condições das mais precárias, e tendo como objetivo maior ser fiel ao seu compromisso (até hoje inexcedível) de dissecar à exaustão a vasta e complexa estrutura e funcionamento do modo capitalista de produção, em vista de desnudar as multiformes tramas de escamoteamento, aos olhos dos segmentos mais explorados, como primeiro passo de uma resistência exitosa. Sem condição de investir, com a mesma contundência, na investigação de esboço de uma nova sociedade - tarefa de revolucionários e revolucionárias contemporâneos - fez sua parte genial, sem a qual não se teria como organizar caminhos alternativos, em busca de uma sociabilidade alternativa à barbárie capitalista.

As grandes mobilizações juvenis, em escala mundial, às quais se costuma aludir como "Maio de 68", na França, na Europa e alhures, constituem outro grande marco contemporâneo de inspiração, seja pela ousadia de crítica e autocrítica, seja pela força utópica desencadeada ("Soyez réalistes: demandez l'impossible"...).

Outro marco de enorme relevância - este sobretudo ao interno das comunidades cristãs - foi a realização, na Colômbia, mais precisamente em Medellín, em 1968, da II Conferência Episcopal Latinoamericana, protagonizada por uma geração atípica de bispos profetas, a alguns dos quais o Teólogo José Comblin dedica um capítulo do seu livro A Profecia na Igreja (São Paulo: Paulus, 2008, p.203-244). Em linguagem cristã, o acontecimento Medellín representou, para a Igreja latinoamericana, um novo Pentecostes, tal a força de sua irrupção profética. Tida como a melhor recepção do concílio Ecumênico Vaticano II, alguns de cujos documentos apenas afloram levemente o que se daria em Medellín, em relação à causa libertadora dos empobrecidos - conhecida como a “opção pelos pobres” -, foi, com efeito, em Medellín, que segmentos relevantes da Igreja Católica Romana rompem com toda uma tradição de conchavos com as forças dominantes do continente, e se empenham em testemunhar o Evangelho, secularmente escanteado pelos cristãos, no caso da América Latina, desde o início da colonização.
Mais do que um desdobramento das decisões enunciadas em documentos do Concílio Vaticano II, Medellín constitui um eco mais ampliado do Pacto das catacumbas, celebrado, nos arredores de Roma, por 40 bispos, pouco antes do encerramento do Concílio Vaticano II, mais precisamente em 16 de Novembro de 1965. Como lembra o Teólogo José Comblin, o pacto das catacumbas constituiu uma iniciativa profética de um pequeno grupo de 40 bispos, conscientes da desigual correlação de forças reinante nas Aulas conciliares, que quis testemunhar sua posição evangélica de compromisso com a causa libertadora dos pobres. Não é por acaso que a maioria dos membros do signatários do pacto das catacumbas fosse oriunda do chamado terceiro mundo.

Outro aspecto digno de registro, em relação a segunda II conferência episcopal de Medellín, tem a ver com seu contexto de enorme efervescência latinoamericana de resistência às ditaduras civil-militares então reinantes. Mais: há de se considerar, igualmente, o ascenso de movimentos populares, especialmente no cone sul, inclusive na Argentina, onde o movimento chamado Sacerdotes para o terceiro mundo sinalizava um protagonismo relevante, alcançando inclusive alguma influência em setores componentes da Conferência de Medellín.

O Documento final resultante desta Conferência constitui, ainda hoje, um marco profético na trajetória dos cristãos e cristãs latinoamericanos. Não tanto pro ser um documento, mas fundamentalmente por expressar um acontecimento novo gestado no interior dos povos latino-americanos e caribenhos. Sinaliza para a autonomia da Igreja latino-americano, que passa a ter rosto próprio, superando sua condição de mero reflexo de uma eclesiologia eurocêntrica.

Tanto em seus conteúdos, como em sua forma, o Documento de Medellín é expressão viva de um novo Pentecostes, a inspirar novas práticas e nova metodologia, a luz da tradição de Jesus. Os próprios títulos do referido documento constituem sinais convincentes da força da palavra de deus. O Documento parte sempre da realidade concreta dos povos latino-americanos, em especial dos pobres. Seja quando trata de temas como “promoção humana”, “justiça”, “paz”, “juventude”, “educação”, e outros, seja quando lida com a forma de tratar esses mesmos desafios, o documento apresenta candente novidade, à medida que parte de um exame criterioso dessas diversas realidades, para, em seguida, confrontar tais realidades com a palavra de Deus, apresentando, por fim, pistas pastorais a serem ensaiadas.  

 Sobretudo a partir do acontecimento Medellín, desencadeia-se, no continente, uma sucessão de fecundas experiências sócio-eclesiais inéditas, quanto ao conteúdo e quanto à forma, no tocante às práticas seculares de se lidar com os pobres. O eixo das iniciativas gira em torno da “opção pelos pobres”, expressão que recobre uma diversidade de experiências de base evangélica, que se apresentam como uma boa notícia aos pobres. Não se trata de pretender que, somente a partir de então, a(s) Igreja(s) cristã(s) cuida(m) dos pobres, mas de se passar a fazê-lo com um novo olhar, em relação às experiências tradicionais dominantes, ao longo de séculos. É claro que, em certas épocas históricas (na baixa Idade Média, por exemplo, com os movimentos pauperísticos), também se teve um olhar evangélico para os pobres. Mas, isto foi exceção. A regra era lidar-se com os pobres como meros alvos de “caridade”, tratando-os como sujeitos passivos, de um lado, e, por outro, fazendo-se alianças - as mais espúrias - com os setores privilegiados, em busca de se recolherem migalhas das mesas dos ricos para os pobres Lázaros…

A partir, sobretudo, de Medellín, vai-se lidar com os pobres, de outro modo. São tratados como os destinatários primeiros do Reino de Deus, neles se reconhecendo a presença viva de Jesus, portadores privilegiados da mensagem de libertação, conforme a leitura do texto de Lc 4, 16-19. Mais do que alvos de comiseração (no sentido ambíguo de “caridade”), os pobres passam a ser tratados como protagonistas do processo de evangelização, sujeitos de sua libertação histórica, cidadãos e cidadãs do Reino, no mundo e nos espaços eclesiais, ainda que, neste último sentido, ainda de modo bastante reticente…

Nos anos subsequentes, o acontecimento Medellín vai-se enraizando nas experiências comunitárias, em diversas áreas do continente. No caso do Brasil, especificamente, o acontecimento Medellín vai impulsionar de modo extraordinário, experiências tais como as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), as Pequenas Comunidades de religiosas inseridas no Meio popular, pastorais sociais (CIMI, CPT, CPO, PJMP, etc), bem como movimentos eclesiais de libertação dos Pobres, tais como ACO, MER, ACR, PU, etc), além de inspirar sobremaneira a produção de um novo modo de fazer Teologia, no caso, a teologia da Libertação. Opera-se durante algumas década uma ação revolucionária de transformação, não apenas das relações sociais, mas também ao interno da vida eclesial, ainda que sob um comprometedor controle hierárquico.

A este respeito, o ano de 2018 também evoca os 40 anos da realização em João Pessoa do III encontro intereclesial das CEBs, tematizando a Igreja enquanto povo que se liberta. Após os 2 primeiros encontros das CEB’s, em Vitória (es) é o nordeste- e mais precisamente João Pessoa - a região escolhida para a realização do III intereclesial das CEBs, num contexto de extraordinária fermentação dos movimentos populares, animados pela Igreja na base. É aí que tem lugar a ação fecundante do que veio a chamar-se  Teologia da Enxada, a inspirar fecundas experiências organizativas e formativas da Igreja na Base, ainda hoje apresentando frutos admiráveis.

Rememoramos estes acontecimentos, justamente em 2018, quando pelo menos 2 outras iniciativas têm lugar no Brasil. A Igreja Católica no Brasil houve por bem dedicar ao Laicato o ano de 2018. Eis uma oportunidade rara para as Leigas e os Leigos ensaiarem passos decisivos de assumirem sua missão, de modo mais amadurecido, isto é, de modo mais consciente de sua vocação e missão. Sobre isto, ainda recentemente, propusemos, à guisa de reflexão, um texto intitulado “POR UM NOVO LAICATO, RUMO A UM NOVO CONCÍLIO: ensaiando passos, ao nosso alcance”, ao qual remetemos a quem interessar possa, acessando-se o link http://textosdealdercalado.blogspot.com.br/2017/12/por-um-novo-laicato-rumo-um-novo.html

A segunda iniciativa, acima aludida, é a realização, prevista para novembro do corrente ano, em Aparecida-SP, do Fórum Mundial do Povo de Deus, em mais uma edição, organizada por delegados e delegadas de movimentos de renovação da Igreja, dentre os quais o Movimento Internacional Somos Igreja (IMWAC - International Movement We Are Church), que também no Brasil (em São Paulo e João Pessoa) tem representação.

Sirvam-nos estas memórias de inspiração a um exitoso enfrentamento de velhos e novos desafios, presentes no Mundo e nos espaços eclesiais.

João Pessoa, 20 de fevereiro de 2018.