TRAÇOS DA MÃE-ÁFRICA:
em busca de nossas raízes (XXXIV)
Alder Júlio Ferreira Calado
Mitos, fábulas, lendas, narrativas, histórias (ou “estórias”) constituem importantes fios a
tecerem o imaginário dos povos, em qualquer lugar e em qualquer tempo. Não poderia ser
diferente em relação aos Africanos. E não é mesmo! Berço da humanidade, vasto continente de
mais de 30 milhões de Km², por onde se distribuem tantos povos, nações e tribos, com uma
espantosa variedade de expressões étnicas, lingüísticas, religiosas, de costumes, etc., etc. Eis um
ambiente propício para a produção e propagação de um rico imaginário, uma profusão de mitos,
lendas, fábulas e casos similares. Qualquer que seja o nome mais apropriado, aqui estamos
interessados em tocar de leve algumas dessas manifestações do imaginário dos povos africanos,
com o propósito de recolher elementos que nos permitam fazer uma leitura mais atenta do
legado cultural de alguns povos africanos.
Aqui vamos nos limitar apenas a alguns mitos de criação, entendendo por mito um
elemento simbólico (fábula, história) relevante, capaz de oferecer uma visão de conjunto dos
tipos de relações mais características do dia-a- dia desses povos. Passemos, pois, a enunciar
alguns dos mitos de criação de alguns desses povos.
Um desses mitos de criação é o Zulu, um antigo mito, conhecido como “Unkulunkulu”,
alusivo ao criador, originado de plantas, dando origem às pessoas e aos animais. Ele também
criou tudo quanto é montanha, riacho, cobra, e tendo ensinado o Zulu a pescar, a fazer o fogo, a
assegurar o alimento. É considerado como sendo o primeiro Homem que está presente em tudo
que foi criado. Outro desses mitos é conhecido como “Boshongo”, da tribo Bantu, de acordo
com o qual, no começo só havia a escuridão, a água e o grande deus Bumba. Certo dia, em
função de um mal-estar estomacal, vomitou o sol, que teria secado parte da água, tendo em
seguida abandonado a Terra. Novo mal-estar no estômago teria levado Bumba a vomitar a lua,
as estrelas, e, em seguida, também os animais e alguns seres humanos, um dos quais teria sido
Yoko Lima, que era branco branco como Bumba.
Na região correspondente à Nigéria, é conhecida da narrativa de Efik, segundo o qual o
criador Abassi criou dois seres humanos e, depois, não mais permitiu que habitassem a Terra,
sua mulher, Atai, o teria convencido a permitir. Para mantê-los, porém, sob seu controle, Abassi
exigiu que eles fizessem todas as refeições junto com ele. Ele também os proibira de procriar.
Mas não tardou, e a mulher começou a cultivar plantas na Terra, até que eles cessaram de se
apresentarem para comer junto com Abassi. Depois, o homem uniu-se à mulher, pelos campos,
e tiveram crianças. Abassi foi queixar-se de sua mulher sobre essa reviravolta, mas ela lhe disse
que assim iria continuar. Ela, então, mandou para a Terra a morte e a discórdia para guardar as
pessoas no lugar deles.
Em regiões como a Nigéria e o Benin, cultiva-se a mitologia Ioruba, cujo deus supremo
é Olorun, também conhecido como Olodumare, que não aceita oferendas, posto que, na
condição de criador, tudo já lhe pertence. Pelo criador Olorun foram moldados o mundo, águas
e terras, plantas e animais. Por fim, ordenou que Oxalá criasse o homem, recorrendo ao ferro e à
madeira, materiais que não foram de seu agrado, por serem ambos rígidos. Criou-o, então, de
pedra. Não gostou: era muito frio. De água, o ser humano ficava sem forma. De fogo, também
não deu: ele se consumia no próprio fogo. Fé-lo de ar, e ele virou puro ar. Ainda tentou criá-lo
por outras vias. Em vão. Triste, Oxalá vem a ser consolada, e se reanima com a atitude de Nanã
(cultivada como deusa das chuvas), que mergulha no rio e de suas profundezas lhe traz lama,
com que cria finalmente o homem, ao perceber que ele se mexe, é flexível, move olhos, braços,
pernas. Por fim, lhe sopra a vida.
Como não perceber uma semelhança, pelo menos com aspectos de narrativas de outros
povos, inclusive com aspectos alusivos à narrativa do Gênesis, da cultura hebraica? Um
ensinamento que podemos recolher dessas narrativas tem a ver com a força do imaginário no
processo de formação dos humanos. É mais um dos tantos legados que recolhemos da vasta e
complexa herança cultural dos povos
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