sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Aprendendo com nossos clássicos a interpretar e reinterpretar o Brasil, na perspectiva de sua transformação

 Aprendendo com nossos clássicos a interpretar e reinterpretar o Brasil, na perspectiva de sua transformação


Alder Júlio Ferreira Calado


De tanto ver e conviver com as águas da superfície, corremos o risco de esquecer as correntes subterrâneas. De modo semelhante, de tanto estarmos submersos ao bombardeio ideológico das narrativas dos vencedores, ao nos exercitarmos o senso crítico e autocrítico à luz da mística revolucionária, acabamos, com frequência, por neutralizá-las, não percebendo seus efeitos perversos - porque baseados na mentira de classe. Para uma melhor percepção desses efeitos, trazemos alguns exemplos ilustrativos. Na conhecida novela “O Rei do Gado”, a personagem Geremia Berdinazzi, grande fazendeiro de café, chama o Delegado de Polícia para vir a sua casa, para lhe cobrar informações sobre o assassinato de um de seus empregados. De tão corrente, tal episódio, inclusive nos recantos rurais da atualidade, corremos o risco de receber com naturalidade esse tipo de comportamento.


No recente episódio protagonizado na patética figura de Roberto Jefferson, o Presidente hediondo dá ordem ao “seu” Ministro da Justiça, diante do mandado de prisão de Jefferson pelo Ministro do STF, visando a “negociar” com o Delegado de Polícia Federal. Em vão se procura entender objetivamente o perfil médio dos agentes institucionais do Brasil - seja no Executivo, no Legislativo, no Judiciário ou nas Forças Armadas, sem se buscar as razões mais fundas, no desenrolar de nossa história. Como entender-se a figura da cúpula militar brasileira, sem se interpretá-la como herdeira da Casa Grande? Como entender-se a fundo a figura do presidente da Câmara, sem se rastrear seus ascendentes da Casa Grande? Em vão se busca compreender o perfil abjeto de um Presidente necrófilo, sem que se busque sua ascendência histórica - dele e de seus aliados? Em vão se tenta entender a política classista predominante no Judiciário, sem se buscar situar parcela de seus membros como herdeiros beneficiários do sistema escravista. E sobretudo em vão busca-se entender as práticas perversas dos agentes da burguesia brasileira, sem que se faça uma análise histórica do legado colonialista/patrimonialista até hoje ditando as regras econômicas, políticas e culturais de nossa sociedade.


Seguimos em diálogo com a moçada - militantes de base dos movimentos populares e das pastorais sociais -, instigando-os/as a se manterem firmes no processo formativo contínuo, para o qual resulta imprescindível um constante exercício crítico de leitura da realidade, em busca de sua transformação. Para uma leitura crítica da realidade,  na perspectiva de sua transformação, não basta uma mera análise de conjuntura, pois na configuração do contexto conjuntural, residem elementos relevantes, concernentes à estrutura desta realidade, razão pela qual se torna necessária uma revisitação de nossas raízes, das quais os nossos clássicos oferecem valiosa contribuição.


Verdadeiro universo eurístico tem sido o legado de nossos clássicos, especialmente aquelas figuras que se empenharam em nos apresentar um quadro panorâmico da formação social da sociedade brasileira,na pespectiva de sua transformaçâo. Nos últimos anos, tenho retomado com persistência o trabalho de revisitação de vários desses clássicos brasileiros, dentre os quais: Antonil (1649-1716), Capistrano de Abreu (1853-1927), Lima Barreto (1881-1922), Gilberto Freyre (1900-1987), Mário Pedrosa (1900 - 1981), Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), Caio Prado Júnior (1907-1990), Alberto Passos Guimarães (1908-1993), Alice Canabrava (1911-2003), Edson Carneiro (1912-1972), José Honório Rodrigues (1913-1987), Rui Facó (1913-1963), Antonio Candido (1918-2017), Florestan Fernandes (1920-1995), Celso Furtado (1920-2004), Paulo Freire (1921-1997), Maria Yedda Linhares (1921 - 2011), Éric Sachs (1922 - 1986), Darcy Ribeiro (1922-1997), Jacob Gorender (1923-2013), Raimundo Faoro (1925-2003), Clóvis Moura (1925-2003), Rui Mauro Marini (1932-1997), Moniz Bandeira (1935-2017), Theotônio dos Santos (1936-2018), Décio Freitas (1922 -2004), Octávio Ianni, Vânia Bambirra (1940 - 2015), (1926-2004) Emília Viotti da Costa (1928-2017), Alfredo Bosy (1936-2021), Éder Sader (1941 - 1988), Carlos Nelson Coutinho (1943-2012), Carlos Guilherme Mota (1941 - ). Para citar apenas os que me vêem  à lembraça. Aos não iniciados nesta temática, dirigindo-me especialmente aos jovens militantes dos movimentos populares, pode parecer um diletantismo nosso empenho de entender, de forma mais aproximativa possível da realidade, o significado e os elementos dos vários componentes característicos da formação social do Brasil. No entanto, trata-se que algo indispensável para quem se empenha em entender nossa realidade atual. Com frequência, ao exercitarmos o esforço de compreensão da conjuntura nacional, latinoamericana, mundial,  somos tentados a relativizar a importância de conhecermos nossas raízes históricas, nas quais estão plantados aspectos essenciais de ordem econômica, política, cultural, para uma compreensão mais objetiva dos dramas e dos dilemas que hoje enfrentamos. É indispensável que continuemos, de forma aplicada, a entendermos o que se passa atualmente em nosso mundo, na América Latina, no Brasil. Não podemos subestimar o esforço de uma leitura contínua de nossa realidade atual, que buscamos fazer de forma objetiva, em busca de nos prepararmos melhor para transformar esta mesma realidade. Eis a razão pela qual não podemos tão pouco subestimar uma leitura crítica das raízes históricas de nossa realidade atual. Daí a necessidade de, sem deixarmos de nos manter atentos e criticamente ao que se passa no cotidiano do nosso atual contexto econômico, político, cultural, tomar a sério nossa tarefa de identificarmos fatores históricos, enraizados em nossa trajetória, em relação aos quais uma compreensão crítica e objetiva dos complexos elementos formadores do que seja a sociedade brasileira. 


Tratamos, nas linhas que seguem, sem esquecermos a relevância de elementos de pesquisa, em vários campos de nossa realidade, recolhidos de uma plêiade de intelectuais, aqui nos restringimos a alguns pontos extraídos das contribuições oferecidas de 2 desses teóricos do Brasil, Clóvis Moura e Rui Mauro Marini.


Desde Antonil, pseudônimo com que se tratava Giovanni Antonio Andreoni, jesuíta italiano, de Luchi, conseguimos apreender elementos da realidade colonial brasileira, em seus primeiros séculos, sobretudo em sua conhecida obra “Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas”, em cujos capítulos faz aparecerem os chamados ciclos econômicos do Brasil, a partir da cana de açúcar, ciclo seguido pelo do tabaco, da mineração, e do ciclo do gado e couro. A partir destes elementos, intérpretes relevantes vão colher inspiração para sua leitura da realidade histórica e historiográfica da sociedade brasileira. Entre eles, faz-se presente o cearense Capistrano de Abreu, que nasceu, em Maranguape-CE, de família de recursos tendo se revelado o aluno relapso, do ponto de vista dos critérios de escolaridade formal, já que, desde cedo, se mostrava um adolescente/jovem ávido de leitura e cultivador  de autonomia. Estudou no ateneu cearense e no famoso Seminário da prainha, ambiente em que não se encontrou. Seu pai, em busca de torná-lo “disciplinado” o envia para o Rio, para prosseguir seus estudos. Atuou escrevendo artigos em jornais. Notabilizou-se pelo seu trabalho no museu nacional, cuja biblioteca passou a ser o ambiente mais propício para sua formação de historiador. Dentre suas obras, merecem destaque: 


Sobretudo em seus “Capítulos da Colonização Brasileira”, nos quais também reconhece a contribuição de Antonil, bem como dos relatos de viagens produzidos por estudiosos e escritores estrangeiros, em suas passagens pelo Brasil, dos quais são reconhecidas as contribuições de suas crônicas de viagem. Capistrano de Abreu cuida, em sua vasta obra, de apanhar elementos emblemáticos destas leituras da realidade brasileira, as quais ele próprio acrescenta, de modo analítico, sua própria interpretação.


Protagonista no campo literário, Lima Barreto também se apresenta de grande valia ao fornecer elementos significativos da realidade brasileira, a partir de seus romances (não apenas seu famoso “Triste fim de Policarpo Quaresma”), suas crônicas, seus artigos jornalísticos de reconhecido senso crítico aos valores dominantes na sociedade brasileira do seu tempo, tendo inclusive contribuído com destaque com a imprensa anarquista, razão por que teve que amargar dura oposição, inclusive na “grande imprensa”.


Ainda nas primeiras décadas do século XX, aparecem trabalhos relevantes, na busca de uma interpretação da realidade histórica do Brasil, esforços dos quais se destaca a obra de Gilberto Freire, a exemplo de sua celebrada “Casa Grande e Senzala”, datada de 1933, sendo ele também autor de diversos outros livros, como ‘’Sobrados e Mocambos’’ e ‘’Nordeste’’. Ao reconhecermos a relevância de sua obra, inclusive pela sua estética literária, importa notar nele o caráter predominantemente  ’’senhorial’’ (Carlos Guilherme Mota) de sua interpretação.


Também nesta década, aparecem contribuições valiosas de interpretação da realidade histórica do Brasil, a exemplo de “Raízes do Brasil” de autoria de Sérgio Buarque de Holanda. Sérgio Buarque de Holanda apresenta uma leitura histórica da realidade brasileira marcada por uma visão de cordialidade predominante nas relações sociais brasileiras.  


Importa, ainda, mencionar a sólida contribuição do historiador e historiógrafo José Honório Rodrigues, com vasta e valiosa contribuição, apreciada por estudiosos de renome, a exemplo do que podemos acompanhar na conferência proferida pelo historiador inglês Leslie Bethell, acerca da contribuição histórica e historiográfica de José Honório Rodrigues (cf. https://www.youtube.com/watch?v=IQQ6jHatRKQ). Raimundo Faoro consalbertotitui um desses intérpretes de nossa realidade, inspirando-se numa chave Weberiana de interpretação, especialmente em seu livro, talvez sua obra prima, “Os donos do poder”. Também lembramos da “Formação do Brasil Contemporâneo”, de autoria de Caio Prado Júnior, que se notabiliza por haver inaugurado, juntamente com Nelson Werneck Sodré, uma abordagem marxista de interpretação da realidade brasileira. Nascido no Rio de Janeiro, em 1911, Sodré teve uma formação militar, até se desligar definitivamente em meados dos anos 60, em razão de sua posição socialista. Revelou-se um escritor multitemático, tendo atuado em alguns jornais de São Paulo e região, inclusive produzindo crítica literária em suas páginas. Além da questão militar brasileira, Nelson Werneck Sodré também se notabiliza pela sua erudição no campo da literatura e da cultura nacional. Alguns de seus livros versam sobre a literatura brasileira, tendo aí atuado principalmente entre 1938 e 1943. Do ponto de vista de sua contribuição à historiografia brasileira, sublinhamos sua formação da sociedade brasileira, livro escrito e publicado em 1944. Diversos outros livros e escritos seus apareceram nos anos 40, 50 e 60. Foi contemporâneo e amigo de figuras de grande notabilidade, no campo da literatura e da política, a exemplo de  Jorge Amado e Graciliano Ramos, dele ainda vale destacar o seu “O que se deve ler para conhecer o Brasil”, de meados dos anos 1940.

A tese fundamental de Caio Prado Junior, que tende a explicar a trajetória histórica do Brasil apenas ao modo de produção capitalista, se acha, por vezes, questionada inclusive por outros autores marxistas, tais como Alberto Passos Guimarães, que atribui peso determinante às características feudais do processo de formação da sociedade brasileira. É o que faz em seu famoso “Quatro séculos de latifúndio”. 

Próximo da abordagem de Alberto Passos Guimarães, também se coloca Ruy Facó, especialmente em seu livro “Cangaceiros e Fanáticos”, uma interpretação marxista do que acontece especialmente no Nordeste brasileiro, quanto ao fenômeno do cangaço e dos seguidores de Antônio Conselheiro. Ainda a propósito desta polêmica entre intérpretes marxistas, vale notar uma posição mais nuançada, oferecida por Nelson Werneck Sodré, em sua obra, à medida que reconhece a predominância das relações capitalistas em parte do período do período colonial brasileiro, ao mesmo tempo em que também reconhece traços feudais aí presentes.

Nunca é demais reconhecer a relevância da contribuição dos trabalhos literários, ao campo da História. Neste sentido, cumpre destacar significativos elementos extraídos de obras como as de José Oiticica, Antonio Candido e  Alfredo Bosi, entre outros.

 

Celso Furtado é igualmente interpretado como portador de relevante contribuição, especialmente no campo da economia, ao esforço de compreensão da realidade histórica do Brasil, em várias de suas obras, especialmente “Formação Econômica do Brasil”, aportando uma contribuição sobretudo à luz do chamado desenvolvimentismo sustentado pela CEPAL.


A contribuição de Paulo Freire, sobre quem há um largo reconhecimento que já tivemos oportunidade de compartilhar em vários textos (www.textosdealdercalado.blogspot.com), segue uma referência interpretativa a não perder de vista.


Darcy Ribeiro representa um dos intelectuais brasileiros que se dedicaram a interpretar a realidade brasileira, especialmente a partir do universo dos povos originários, de que é exemplo “Viva o Povo Brasileiro”.


Acerca de Jacob Gorender, importa realçar sua contribuição criativa, principalmente, no que concerne a uma interpretação marxista do capitalismo no Brasil tendo como pano de fundo “O escravismo colonial”, ao qual importa associar densas contribuições de Clóvis Moura, sem esquecer o aporte de Edison Carneiro.


Cumpre igualmente apreciar a contribuição de outras figuras relevantes,a exemplo de Carlos Nelson Coutinho,de quem recolhemos preciosos elementos de sua análise política. Estendemos nosso reconhecimento a Octavio Ianni, sociólogo dos mais celebrados  pela qualidade de suas análises. Moniz Bandeira, sobretudo no campo das relações políticas,deixou nos um legado considerável, assim como Décio Freitas o fez nos escritos relativos aos quilombos, a começar pelo Quilombo dos Palmares. Carlos Guilherme Mota também merece especial atenção,quando se trata de situar criticamente o legado ‘’ senhorial’’ da obra de Gilberto Freyre.

A despeito do nosso esforço, (ainda) não logramos  fazer justiça ao lugar das mulheres na interpretação histórica da realidade brasileira. É visível  a desproporção, a este respeito, entre intérpretes homens e mulheres. Mesmo assim, trazemos à lembrança, além das historiadoras acima mencionadas, figuras femininas como Nísia Floresta (Direitos das mulheres e injustiça dos homens), Maria Angelina Soares, muito atuante em revistas e jornais anarquistas, Maria Lacerda de Moura (Em torno da educação, cumprindo relevante trabalho,inclusive em periódicos anarquistas,alèm de livro ), Bertha Lutz, diplomata, bióloga e educadora, que se notabilizaram no campo feminista,  orientadas por valores anarquistas.


Dinamicamente interconectados, os escritos desses autores e autoras, ainda que em proporção diferenciadas, nos convencem da necessidade de um melhor entendimento dos desafios atuais, tarefa urgente sobretudo para os jovens militantes. Conscientes do caráter incipiente destas linhas aqui apresentadas  nos permitimos salientar com toda ênfase nossa especial afinidade a três figuras: Florestan Fernandes, Clóvis Moura e Ruy Mauro Marini. Quanto ao primeiro,já tendo tido a oportunidade de refletir, ainda recentemente (cf. nosso blog acima citado), estamos diante de um intérprete perspicaz de nossa realidade, haja vista sua densa obra atinente à valiosos aspectos da formação social brasileira - Mudanças sociais no Brasil, A integração do negro na sociedade de classes, Sociedade de classes e subdesenvolvimento, A revolução burguesa no Brasil: Ensaio de Interpretação Sociológica, entre outros escritos.


Não menos importante é a contribuição crítica apontada por Clóvis Moura, um dos autores mais fecundos e criativos, quando se trata de interpretação da realidade brasileira. Clóvis Moura, nascido em Amarante, no Piauí, em 1925, tendo vivido um tempo em sua primeira juventude no Rio Grande do Norte, e depois passando pela Bahia, seja em Salvador, seja em Juazeiro, tendo depois se radicado em São Paulo, vindo a nos deixar em 2012.

Um autor ainda por merecer um justo reconhecimento da qualidade da sua contribuição, Clóvis moura nos brinda com uma obra percuciente, da qual fazem parte, entre outros escritos: ’’Rebeliões da Senzala: ’’(1959), ’’O negro:de bom escravo a mau cidadão?’’(1977), ’’Os Quilombos e a Rebelião’’ (1981), ’’Brasil: as raizes do protesto Negro’’ (1981), ’’A sociologia do Negro no Brasil’’ (1988).

Dentre vários aspectos a destacar a contribuição oferecida por Clóvis moura, ressaltamos os seguintes:

  • ele sustenta, diferentemente, de vários autores, a tese da presença da luta de classes no legado de resistência dos africanos aqui escravizados, inclusive durante o processo abolicionista;

  • ele desenvolve o conceito de “Super-exploração’’ a que os Negros foram subimetidos, pelo regime colonialista, combinando com relações capitalistas.


 

Ruy Mauro Marini, ainda que menos conhecido no Brasil do que outros de sua estatura intelectual, oferece uma interpretação da sociedade brasileira deveras percuciente, pelo que nos parece o principal representante da Teoria da Dependência, no espectro  maxista, tendo-nos brindado com escritos de grande alcance interpretativos, a exemplo do que podemos perceber, não apenas na sua obra mais conhecida  - ’’Dialética da dependência’’ - bem como em ‘’Reformismo e contra-revolução’’, entre outros.

A vida de Ruy Mauro Marini é marcada por uma profunda e contínua entrega pela causa revolucionária, no Brasil, no México, no Chile e na Europa (França e Alemanha). No Brasil, atuou como militante da ''Política operária” (POLOP), em razão da qual foi perseguido, preso e torturado, em 1964, pelo Golpe Militar. Tendo conseguido habeas corpus, posteriormente se exila na Embaixada do México para onde segue e onde continua militando e sendo referência internacional, especialmente a partir de seu escrito acerca da conjuntura brasileira, na época do Golpe de Estado. Do México migra para o Chile, em Concepción, e depois para Santiago, em 1970, onde, além da principal referência do MIR (Movimiento de la Izquierda Revolucionária), passa a integrar a seleta equipe do CESO (Centro de Estudios Sociales), juntamente com outros brasileiros e latino-americanos, entre os quais, Theotônio dos Santos, Vânia Bambirra, Eder Sader, Marco Aurélio Garcia, André Gunder Frank, Marta Harnecker…

A grande contribuição oferecida por Ruy Mauro Marini também tem a ver com os conceitos de “Super Exploração da Força de Trabalho” e “Sub-Imperialismo”, que se acham em dissidência com alguns autores marxistas, inclusive, Nelson Werneck Sodré, ao tempo em que seu conceito de “Super Exploração da Força de Trabalho” guarda proximidade com o mesmo conceito formulado por Clóvis Moura. Para uma exposição pertinente sobre estes e outros conceitos utilizados por Marini, recomendamos o vídeo de Fernando Correia Prado (https://www.youtube.com/watch?v=Vsay2BvvHIA).


Neste breve  exercício de revisitação de nossas fontes históricas, tomando o cuidado de fazê-lo sob diversos ângulos, ainda que tendo clara preferência interpretativa (refiro-me aquelas correntes inspiradas no método histórico dialético e na perspectiva da revolução), trata de mencionar, de passagem, alguns autores e algumas de suas principais obras, como instrumento de aprendizado para uma aproximação de nossa atual conjuntura, na qual muitos aspectos de nossas raízes históricas se fazem bastante presentes, e sem as quais não lograremos qualquer êxito, em uma perspectiva de transformação social, ainda que a médio e longo prazos.

Nos limites destas linhas, apenas nos dispusemos a oferecer um brevíssimo panorama  de autores  e autoras em quem buscamos elementos de análise de nossa realidade histórica, à guisa de um aperitivo, com o objetivo de incentivar nossa moçada militante a cumprir relevantes tarefas históricas.



João pessoa, 30 de dezembro de 2022






quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Capítulo XIX: Capital financeiro

 MARX, K. Le Capital. Critique de l´Économie Politique.  Éditions du Progrès, Moscou, 1976. Livre III, chap. 19, pp. 330-338.*

 

Resumo do Capítulo XIX: Capital financeiro

Alder Júlio Ferreira Calado

 

* O capital financeiro constitui um aspecto do processo de produção capitalista. Está mais diretamente conectado às operações técnicas do dinheiro. Também, tem a ver com o processo de circulação do capital industrial e do capital comercial.

* Ainda que conectado com o capital industrial e com o capital comercial, o capital financeiro, dada a dinâmica impressa pelo movimento do dinheiro, empreende uma dinâmica própria, relativamente autônoma.

* O capital financeiro expressa uma fração do capital industrial e uma fração do capital comercial, que vai assumir uma dinâmica própria enquanto capital-dinheiro, tornando-se assim uma forma de capital relativamente autônoma do capital total.

* Tal como sucede ao processo de acumulação, o capital investido passa a ser o ponto de partida e o ponto de chegada, na dinâmica capitalista, significando uma etapa transitória no processo de construção capitalista.

* Tal movimento é que gera a metamorfose representada na fórmula M - A – M.

* A depender da troca de mercadorias, o dinheiro pode atuar seja sob a forma de meio de circulação, seja como meio de pagamento, permitindo ao capitalista tanto aplicar uma grande soma de dinheiro como receber uma enorme soma de dinheiro.

* Essas operações fazem parte da dinâmica própria das técnicas operacionais do dinheiro ou dos encargos e taxas, não criando, porém, valor. Tais operações são protagonizadas por um segmento particular dos capitalistas (os que lidam com o universo financista).

 

* “Uma determinada fração de capital deve sempre existir sob a forma de tesouro, de capital-dinheiro, em potencial: reserva de meio de compra e de pagamento.” (p. 331)

* Em função da divisão social do trabalho, essas operações técnicas relativamente autônomas do capital, asseguram em geral a manutenção dos interesses de todos os segmentos capitalistas.

 * Graças à sua dinâmica crescente, o capital financeiro vai permitir uma crescente complexificação das operações técnicas, ocasionando um amplo universo de espaços operacionais no sistema financeiro, do que se beneficiam, direta ou indiretamente, todos os segmentos do capital total.

* Também, em função de tal potente dinâmica, o sistema financeiro vai ganhando escala globalizante, de tal modo a expressar-se também na importância da circulação do dinheiro sob a forma de moedas nacionais e locais, para o que o sistema cambiário exige a adoção de um valor-padrão que é o ouro, como parâmetro internacional de câmbio.

 * São bastante amplas e sutis as vinculações do capital financeiro com as demais formas de capital (industrial e comercial), não obstante seu relativo grau de autonomia. Isto se dá graças à incessante expansão dos negócios do capital por todo o mundo, a implicar múltiplas operações financeiras (de câmbio, de moedas, de moeda-lastro), sem contar as inúmeras operações relacionadas ao comércio de metais que escapam, por vezes, do circuito financeiro propriamente dito.

*  Em algumas passagens do capítulo, sente-se bem o cuidado do autor em sublinhar a crescente e complexa evolução do capital financeiro, cujas operações puramente técnicas vão ganhando autonomia, sem que isto signifique a manutenção de laços orgânicos com o espírito do capital total.

 * Importa, sobretudo, ao  final do capítulo, tentar para os laços orgânicos e eficazes que unem todas as formas sob as quais atua o capital total – seja sob a forma de capital industrial, seja para a forma de capital comercial, seja sob a forma de capital financeiro: de todos os modos os capitalistas são os ganhadores à custa da exploração da Classe Trabalhadora e do esbulho da natureza.

João Pessoa, 9 de novembro de 2015

*Texto/Resumo elaborado em função dos estudos de O Capital, como tarefa coletiva da Oficina do saber, coordenada pelo Professor Ivandro da Costa Sales, com reuniões mensais realizadas no município do Conde - PB


sábado, 17 de dezembro de 2022

Cada vez, fica claro para o mundo / O caratér necrófilo do Capital

 Cada vez, fica claro para o mundo 

O caratér necrófilo do Capital


ALDER JÚLIO FERREIRA CALADO


Pela enésima vez, se fazem cortes

De dinheiro pros serviços essenciais


Número 3 é flagrado no Catar:

É risível a desculpa que inventou


Um “pendrive” levou com fatos gravados

Pra fazer a denúncia no Catar


São crueis de tantos cortes, na gestão

De serviços vitais da Coisa Pública


Cidadãos acumulam, sem cessar 

Os estragos crescentes do Desgoverno


O poder da retórica é fascinante

Em verdade converte o absurdo


Seu antìdoto: uma sólida consciência

O exercício da crítica e autocrítica


“Fake news” ’tem efeito quase nulo

Nas pessoas que exercem o senso crítico


Orçamento secreto é um escândalo

Mas não falta quem o defenda, com astúcia


Os eleitos nos dizem representar

No congresso, a pirâmide é invertida 


Farisaico o espanto da burguesia

Ante os atos corruptos e a violência 


Suprassumo burguês, o financismo

Ameaça ao Planeta e aos humanos  


Preço altíssimo pagaram os brasileiros

Elegendo figuras tão macabras


O Mercado sangrou nosso País 

O seu lucro aumentou, na pandemia 


Nesse intento, constrange os jornalistas

A fazerem pressão sobre o Governo


Claro ato terrorista, em Brasília

E a Polícia não prende um sequer 


Como pôde um reles capitão

Comandar generais, no mau caminho?


A questão militar, não resolvida

É urgente despartidarizá-la


O inventário dos Clássicos nos instiga

A forjar pistas boas pro futuro


Conhecer o contexto é necessário

É o passo primeiro pra transformá-lo


Extermínio de dados, eis o que fez

A gestão Bolsonaro, em mais um crime


Às centenas, decretos hão de vir

Revogando as barbáries de Bolsonaro


A mais nova barbárie de Bolsonaro:

Permitir o negócio em terra indígena


João Pessoa, 17 de dezembro de 2022



sábado, 10 de dezembro de 2022

COMO ANDA ATUALMENTE NA IGREJA A PROFECIA?


COMO ANDA ATUALMENTE

NA IGREJA A PROFECIA?


Alder Júlio Ferreira Calado



Amigas! Amigos!



    O fraterno encontro do lançamento do mais recente livro do nosso querido Pe. José Comblin, A Profecia na Igreja (São Paulo: Paulus, 2009), no Centro de Defesa dos Direitos Humanos Dom Oscar Romero, em meio à calorosa acolhida da Comunidade de Tibiri, me inspirou compartilhar com vocês algumas impressões que guardei da leitura deste abençoado e fecundo livro.

    Gostaria, pois, de partilhar com vocês os pontos que mais me tocaram do livro. E achei melhor faze-lo em forma de versos de nossa poesia sertaneja.

    Para tanto, em recente viagem a Aracaju, aproveitei bem o tempo, na ida e na volta, e tratei de escrever esses versos que seguem.

    Participando de um mutirão, como o que o encontro do lançamento do livro nos favorecerá, teremos oportunidade de dizer e de ouvir de tantas pessoas suas impressões acerca do mesmo livro.

    Tratei de intitular esses versos “Na Igreja atualmente / Como anda a Profecia?” Nessa troca fraterna, estou desejoso de ouvir os testemunhos de muitos, de muitas de vocês. Permitam, então, que lhes conte em versos o que senti acerca do livro do Pe. José.



João Pessoa, 20 de fevereiro de 2009

(Alder)





NA IGREJA ATUALMENTE


João Pessoa-Aracaju-João Pessoa


2009



Outra vez Pe. José

Ardoroso missionário

Do Evangelho servidor

E dos pobres solidário

Nos convida à conversão

Não deixemos ser em vão

Dos profetas o calvário!



Relembrando pontos vários

É louvável o seu gesto

De nos pôr a refletir

Nesse tempo indigesto

De profetas tão escassos

Em que tantos caem no laço

Do sistema, sem protesto



O propósito é manifesto

“Profecia na Igreja”

Pelo título deste livro

Eu entendo que ele anseja

Despertando leigas e leigos

Pra que sejam dóceis, meigos

Ao que Cristo bem almeja



Como vive nossa Igreja?

Do Evangelho segue o rumo

Ou é cúmplice do poder?

Vocação de leigo assumo?

Ou me calo ante o sistema?

Nosso barco aonde rema?

Qual é mesmo o nosso prumo?



Do bom livro eu resumo

As idéias principais

Onze são os seus capítulos.

Na abertura o Autor faz

Pedagógica introdução

Relembrando de Dom Helder

Palavras tão radicais



“Não permitam que jamais”

- Disse o Dom a Irmão Marcelo -

“Se extinga a profecia!”

Que recado santo e belo

Suas palavras derradeiras!

Desse homem sem fronteiras

Que cumpramos seu anelo”


À bondade agora apelo

Dos leitores bem atentos

Para ver o profetismo

No Antigo Testamento

O primeiro dos assuntos

Que nós curtiremos juntos

Alguns pontos eu comento



Noutros povos tem assento

A figura dos profetas

Não há só na Palestina

Mas, distintas são as metas

Pois, enquanto em Israel 

Só a Deus ele fiel

Noutros, rei é quem decreta



Só Deus é quem indica a seta

Moisés bem assim se sente

Escolhido pra missão

Eliseu, de igual corrente

Chama Elias, atrai Amós

Isaías logo após

“Vem e vai dizer à Gente!



Jeremias também sente

Do chamado o desafio

A princípio, desconversa

Revelando-se arredio

Confiou em Deus, porém

Do Senhor se fez refém

Afinal, Deus seduziu-o



Contra a corrente do rio

De opressão e de injustiça

Contra os pobres, deserdados

O profeta vê e atiça

Junto aos pobres, solidário

Denuncia seu calvário

E sua voz não fica omissa



Não se prende a culto, a missa

Qual profeta do Oriente

Defender a Aliança

É tarefa sempre urgente

E do pobre ouve o gemido

Socorrendo o desvalido

E o faz sentir-se Gente



Mas, o livro segue em frente

Vem Jesus como profeta

Ele eleva à perfeição

Seu sentido, então, completa

Jesus cita-os amplamente

Mas se põe à sua frente

Ele alcança toda a meta



Distinções Ele acarreta

Dos profetas de outrora

- Mais em grau que em natureza -

Se vingança antes vigora

Ele ensina a compaixão

Sem deixar de dizer NÃO

À riqueza, a toda hora



Basta remeter agora

A Mateus, em vinte e três

Às seguindas maldições

Ao estilo algo burguês

Farisaico, incoerente

De oprimir a pobre gente

Em grotesca estupidez



Também pobre Ele se fez

Operário, um carpinteiro

Ele próprio anunciando

Ser do Pai o Mensageiro

Pra forjarmos outro mundo

De justiça mais fecundo

Onde os últimos são primeiros



Outro assunto alvissareiro:

Como era a profecia

Lá nos tempos primitivos

Quando ainda não havia

A nociva apartação

= Uns decidem, outros não -

Em cerrada hierarquia?



Do Evangelho se esvazia

Quem sucumbe a rumo tal

O sentido de irmandade

Adquire tom formal

A servir, Jesus nos chama

Preferimos mais a fama

Isso é coisa de Baal...



Paulo apóstolo como tal

Também vem a ser profeta

Em seus textos acentua

De uma forma bem concreta

“Não extingam a profecia”

Era assim que ele dizia

Do cristão seja uma meta



Em Coríntios bem completa

Dos carismas há u´a lista

Em seguida ao de apóstolo

Profecia bem se avista

Isto muito pouco dura

O poder faz ditadura

E os profetas saem de vista



Mesmo assim, há quem insista

Profecia é dom divino

Homem algum pode detê-la

Controlar o seu destino

Matam um, surgem mais duas

Não se ausentarão das ruas

Não descansam repentino



Segue era de confino

A partir do século dois

Quando a instituição 

Profecia não propôs

Restringindo ao bispo o mando

Ao profeta escanteando

O silêncio vem depois



Noutra página, nos expôs

Da Patrística três figuras 

João, Basílio e mais Gregório

Crivam de palavras duras

Quem os pobres espolia

Recobrando a profecia

Contra os que vivem de usura



O profeta não descura

O que a Bíblia assevera

Primazia é dos pobres

Que padece em meio às feras

Pois Jesus toma seu lado

Defendendo os deserdados

Hoje é assim? Ah, quem nos dera!



Quinto ponto nos espera:

Como era a profecia

No distante medievo?

Quem de tantos ousaria

Enfrentar poder e leis

Duma época que se fez

Do Evangelho arredia?



Algum monge seguiria

A denúncia dos antigos

Se afastando da luxúria

Preferindo o desabrigo

Procuravam no deserto

A Jesus viver aberto

Da pobreza sendo amigos



De Francisco os passos sigo

Deste livro no relato

Convertido a vida nova

Com os pobres mais cordato

Reprovado pelo pai

Decidido agora vai

Assumir o anonimato



O que antes era chato

Ele torna relevante

Do supérfluo já não vive

A Pobreza lhe garante

Tantos ganhos e alegria

Que, profeta, ele iria

De seu tempo estar distante



Da Pobreza vira amante

Nela encontra fundamento

De fazer-se enquanto homem

Ao chamado estando atento

De servir Jesus no pobre

Rejeitando o ouro, o cobre

E a vida de convento



Eis que o dia corre lento

Nessa era medieval

Com Francisco e companheiros

A viver seu ideal

Testemunham a Boa Nova

Denunciam a falsa trova

Do poder imperial