sexta-feira, 31 de março de 2023

"A Esperança dos pobres vence e renova a vida": breve nota sobre a 3ª Romaria missionária no Santuário de Santa Fé, celebrativa dos 100 anos do Pe. José Comblin

 


Alder Júlio Ferreira Calado 


Como anunciada amplamente, realizou-se, em Santa Fé (Solânea-PB), entre os  dias 24, 25 e 26 próximo-passados, a 3ª Romaria missionária (reeditada a cada cinco anos), com a participação de pessoas - a grande maioria, participantes das Escolas de Formação Missionária, espalhadas pelo Nordeste (Juazeiro-BA; Esperantina-PI; Santa Fé-PB; Floresta-PE; Barra-BA) e em São Félix do Araguaia -MT, a partir de sexta-feira dia 24 foram chegando as caravanas de romeiros e romeiras, todos envolvidos em uma ambiência de alegria, de esperança e de compromisso dispostos a contribuírem com a Equipe Organizadora nas diferentes tarefas organizativas (recepção, acolhida,  inscrição, infraestrutura, comunicação, distribuição dos grupos, Liturgia, animação, entre outras).


No sábado dia 25, os participantes da III Romaria  Missionária foram distribuídos em 8 grupos temáticos, inspirados  nos principais livros escritos pelo Pe. José Comblin:


  1. Igreja Povo de deus, animado por João Batista, tendo Magal como secretária;

O Concílio Vaticano II teve como uma de suas principais contribuições recuperar o sentido “Povo de Deus” como referência maior da organização eclesial, em detrimento do exclusivismo da hierarquia como quase única referência dos processos decisórios da Igreja Católica Romana. Em que pese a lentidão de se fazer cumprir o lugar de Povo de Deus como a grande referência nas tomadas de decisão, vale lembrar que, sobretudo desde Medellín (1968), segue sendo considerável a consciência das Leigas e Leigos, em assumirem seu lugar nos processos decisórios da organização eclesial. Neste sentido, sobretudo a partir do Papa Francisco, alguns passos importantes (ainda que insuficientes) vêm sendo dados,tais como o  sínodo da Amazônia, da Assembléia Eclesial e do Sínodo da Sinodalidade em curso.

  1. Missão e Igreja em saída, com a coordenação de Pe. Hermínio Canova, com a secretaria de Anunciada.

Em seu relatório, o grupo destacou aspectos decisivos da Exortação Apostólica a “Alegria do Evangelho”, primeiro documento que o Papa Francisco publicou, em 2013.Nele o Bispo de Roma, alem de ressaltar o dom da alegria como marca de todo discípulo/discípula de Jesus, convoca os cristões a porem em prática o que ele chama de uma “Igreja em saída”, ressaltando a necessidade de testemunhamos o Seguimento de Jesus, a partir da busca constante de servirmos os pobres, lá onde eles se encontram: nas periferias geográficas e existenciais, ao mesmo tempo em que lança duras críticas ao clericalismo.   


  1. Os Pobres no centro do Evangelho, com a coordenação de Pe. Isaías e na secretaria Milena 

Mediante uma metodologia criativa, cada pessoa do grupo foi convidado a expressar seu entendimento, por meio de um desenho do significado do tema trabalhado pelo grupo. Na leitura e socialização de cada desenho com muita criatividade, se pode destacar a centralidade do povo dos pobres, no Evangelho, seja por meio da denúncia as estruturas injustas que sufocam e marginalização os pobres, seja pelo anúncio e construção de uma base fraterna permitindo que todos tenham vida, e vida plena.   


  1. A Ação do Espírito Santo com Monica coordenando e Marta na secretaria.

Dos temas trabalhados pelo Pe. José Comblin, foi o da ação do Espírito Santo, aquele que constitui sua melhor contribuição de teólogo, a medida que, seja em sua ação transformadora da sociedade, seja em sua atuação voltada para a Igreja, ao longo da história, o Espírito Santo cuida de rememorar o Projeto de Jesus, ao tempo em que não cessa  de iluminar e animar os discípulos e discípulas a seguirem e a testemunharem os sinais da  presença, entre nós, da presença do Reino de Deus e sua Justiça, para o que nos dá os meios de agirmos, com discernimento, em nosso dia-a-dia nesta perspectiva.

  

  1. Viver na Esperança, com a animação de Helvídio e a secretaria com Aline

Sempre com base no livro de Comblin, o tema contou com uma exposição inicial da parte de Helvídio seguido pela partilha de outras pessoas. A esperança constitui um tema recorrente na obra de Comblin. Apoiado por estudos bíblicos de profundidade, o Pe. José apresenta a experiência Evangélica com relevante fundamento da vida Cristã. Esperança que não se reduz a um mero esperar, mas constitui o horizonte cristão que anima os discípulos e discípulas de Jesus a seguirem firmes no seu caminho: caminho de libertação de todo tipo de correntes opressivas. Tema igualmente presente em livros tais como: “O Caminho: ensaio sobre o seguimento de Jesus” e em “A Profecia na Igreja”, entre outros.


  1. Seguindo o Caminho de Jesus, com Frei Roberto como coordenador e Valnice como secretária

Tal como outros temas, este também é especialmente desenvolvido em “O Caminho: ensaio sobre o seguimento de Jesus”, no qual Pe. José traz à tona instigante reflexão sobre as virtudes teologais (Esperança, Fé e Amor). É marcante a forma como Comblin se porta no desenvolvimento desses três capítulos, iniciando pelo da Esperança. Não é por acaso que este livro tem sido trabalhado coletivamente por diversos grupos. Cabe ainda,  observar a feliz coincidência com um livro escrito por Frei Roberto (“Caminhando com Jesus”), no qual compartilha densas experiências missionárias, vivenciadas no meio dos pobres. 


  1. Vocação para a Liberdade com coordenação de Ana Claudia e secretaria de Valberto

Os discípulos e discípulas de Jesus, em seu processo de humanização, são chamados a Liberdade, sem a qual a vida humana perde seu sentido. Nosso compromisso com a Liberdade se faz presente, no dia-a-dia, em cada gesto pessoal ou comunitário, em que não abrimos mão de nossa Liberdade, que implica respeito à liberdade dos outros, do Planeta e dos demais seres viventes, em sua vasta diversidade.

Não é por acaso que, no cotidiano de nossas Escolas de Formação Missionária, nos inspiram três princípios: o da convivência, o da oração e o do trabalho.    


  1. O anúncio do Reino no mundo presente com Glaudemir coordenando e  Paulinho secretariando

Diferentemente do que certa tradição clericalista nos orienta a fazer, o Seguimento de Jesus nos convoca a agir no mundo, e não dele nos distanciar, pois é pela nossa ação missionária que Jesus, por meio do Espírito Santo, nos instiga a construir o Reino de Deus e sua justiça desde o presente, inspirando-nos a semear sementes de uma nova humanidade, através de nossa ação de “fermento na massa”, afinal, como Ele próprio disse: "Não foram vocês que me escolheram, mas fui Eu quem os escolheu e os enviei, para que vocês deem fruto, e este fruto permaneça." (Jo 15,16).


Importa observar a estética adotada para a reunião de cada grupo, seja sob belas tendas, seja em outros espaços adequados, todos marcados por forte simbologia, além de uma fraterna animação. 


Também por ocasião do almoço, preparado comunitariamente com muito carinho, pudemos experimentar um saudável espírito de comensalidade e partilha, ainda contando com a animação de uma equipe inspirada a apresentar belas músicas, com acompanhamento. Por volta das 14 horas, deu-se a continuidade dos trabalhos constantes da apresentação, por cada Grupo, com seu respectivo Coordenador/coordenadora e seu Relator/Relatora, fazendo um resumo do que foi trabalhado em cada grupo, tendo sido reservados 10 minutos para cada um.


Antes, porém, da apresentação de cada grupo, o Coordenador dos trabalhos da tarde, atendendo à solicitação de algumas pessoas, anunciou um momento de breves lançamentos de alguns escritos. Pe.Hermínio Canova, de posse de um exemplar do livro “O Espírito Santo e a Tradição de Jesus”, livro póstumo do Pe. José Comblin, recém publicado pela Editora Paulus, cuidou de fornecer relevantes elementos deste livro, considerado como um testamento espiritual e teológico do Pe. Comblin,texto que corresponde a terceira versão,da qual o Pe Hermínio é co-autor do prefácio. Em seguida, Pe.Hermínio informou aos presentes da organização em curso da XIII semana teológica Pe.José Comblin,sobre a qual outros detalhes podem ser encontrados no site teologianordeste.net


Adauto Guedes, organizador do livro “José Comblin, um guia de leitura”, elaborado por Eduardo Hoornaert e Alder Júlio, compartilhou os principais aspectos tratados neste livro, editado, na versão E-book, pela Universidade Estadual da Paraíba.Nele,importa ressaltar densa contribuição de Eduardo Hoornaert,profundo conhecedor da obra do Pe.Comblin Por sua vez, Pe. José Floren, conterrâneo e amigo de Pe. Comblin, apresentou ao público participante  traços básicos de seu trabalho mais recente sobre o Pe. José Comblin.Pe Jose.Floren é um ardoroso colaborador do santuário de Santa Fé, do qual também foi Reitor, tendo reconhecido participação em alguns estudos sobre o Pe.Ibiapina. Foi a partir das reflexões feita nesses Grupos, bem como de cada relato apresentado, que Alder Júlio foi chamado a oferecer uma síntese dos trabalhos. Sua fala destacou diversos aspectos, focando em três palavras-chave:

  

  • Memória, Compromisso e Esperança,tendo partido desta última. 

Parte considerável dos livros de Comblin trabalha reiteradamente  o tema “Esperança”, como a nos lembrar o horizonte da Tradição de Jesus, a ser constantemente testemunhado pelo seus discípulos e discípulas. Trata-se de manter sempre aceso o horizonte do Reino de Deus, bem como os caminhos compatíveis com este horizonte. Disto tem dado prova, ontem como hoje, proféticas experiências de figuras coletivas e individuais. Em seu livro “A Profecia na Igreja”, Pe José Comblin faz questão de dedicar um capítulo, fazendo memória de dez Bispos latino-americano que ele chama de “Santos Padres da América Latina”. Nesta lista ele inclui figuras como Dom Oscar Romero, Dom Helder Câmara, para mencionar apenas dois exemplos.


Em busca de mantermos acesso este horizonte do “esperançar”, somos chamados a assumir, a cada dia, o compromisso de continuar firmes nesta caminhada. Por meio da perseverança, somos interpelados pelo Evangelho a contribuirmos pessoal e comunitariamente com o anúncio da boa nova, especialmente pela força do testemunho. Neste sentido, somos fortemente inspirados pelo espírito do Ressuscitado a exercitar continuamente a memória coletiva e pessoal dos discípulos e discípulas do movimento de Jesus, de ontem (as Comunidades cristãs primitivas, João Crisóstomo, Basílio, Francisco de Assis, Clara de Assis os Valdenses, as Beguinas, Frei António de Montesinos, Frei Bartolomeu de Las Casas,Pe José Antônio Ibiapina), e de hoje (irmã Dorothy, Pe José Comblin e tantos outros).


A partir da fala de Alder Júlio, foi aberto um momento de diálogo, com as pessoas presentes fazendo comentários e questionamentos. Um desses questionamentos chamou especial atenção: João Batista, Frei Roberto e Glaudemir,  cada qual à sua maneira, manifestaram preocupação,  entre nós, de certa desarticulação. Em que pese a apresentação, nestes casos,  de algum tipo de justificativa, somos todos chamados a fazer autocrítica de nossa parcela de responsabilidade, na perspectiva de nos mantermos firmes na caminhada.


A partir das 17 horas, com a coordenação de Luís Barros e João Batista, teve início a celebração litúrgica, em frente ao auditório.iniciou-se com a animação cultural oferecida pela Comunidade Carinhena dos crioulos forte momento de memória, por meio dos cantos e da ciranda,da resistência Quilombola. Com a relevante participação dos membros da Fraternidade do Discípulo Amado (João Batista, Claudemir, Luiz Barros), após a execução de hinos litúrgicos, diante da fogueira acesa, prenunciando a Ressurreição de Jesus, os participantes foram convidados a saírem em procissão até a Quadra, onde, presidida por Dom Frei Luiz Flávio Cappio, Bispo de Barra- BA, deu-se sequência a Concelebração Eucarística.


Vivíamos, na ocasião - festa da Anunciação de Maria, Mãe de Jesus - uma profunda experiência de Fé, bem presente em toda a sequência litúrgica, inclusive por meio dos cantos e de uma rica simbologia cuidadosamente preparada pela Equipe de Liturgia, animada por Luiz Barros.


Outro ponto marcante da celebração foi o da homilia feita por Frei Luiz Cappio, que testemunhou um profundo exercício de escuta e de partilha, ao longo da Romaria, acentuando a importância do testemunho perseverante do Evangelho pelos discípulos e discípulas do Seguimento de Jesus. Frei Luiz tratou de ressaltar, com ênfase, nossa missão de cuidar da Mãe Natureza, bem como compartilhar a homilia com outros concelebrantes. Um deles, Pe. Isaias, ao enfatizar a importância do agir, lembrou também o Pe. Ibiapina, para quem importa orar "com as mãos e os pés”, enquanto outro presbítero destacava a relevância do nosso cuidado em relação à emergência climática, com gestos concretos no dia-a-dia. 


A Celebração Eucarística foi encerrada com a benção de Frei Luiz, que, antes de abençoar, generosamente houve por bem chamar duas pessoas com nula ou baixíssima visão, para se postarem ao seu lado, considerando o empenho de Eliseu e de Alder em se manterem firmes na caminhada com a graça de Deus. Os participantes voltaram ao refeitório para a partilha da ceia. Em seguida, algumas caravanas vindas de mais longe, tiveram que partir enquanto uma parte permaneceu até a manhã do dia seguinte.


Voltamos todos alegres e agradecidos ao Deus da Vida, por esses momentos abençoados, cada grupo retornando às suas respectivas comunidades: uns para Mato Grosso (São Félix do Araguaia), outras pessoas para o Piauí, outras pra Bahia (Juazeiro, Barra), outras para Sergipe (Propriá, Poço Redondo…), Alagoas, Pernambuco (Arcoverde, Recife, Petrolina...), Paraíba (Alagoa Grande, Guarabira, Solânea, Bayeux, Mamanguape, João Pessoa…), Rio Grande do Norte, Ceará, também agradecidos pela contribuição de tanta gente que não pôde estar fisicamente presente, além de outras pessoas da caminhada que já fizeram sua Páscoa definitiva. Ficamos mais fortalecidos e mais convictos de que “A Esperança dos pobres vence e renova a Vida”.


João Pessoa 31 de Março 2023.   


sexta-feira, 24 de março de 2023

É EM VÃO RESTRINGIR-SE AO OCIDENTE / O DIREITO DE EXERCER A DEMOCRACIA

 É EM VÃO RESTRINGIR-SE AO OCIDENTE 

O DIREITO DE EXERCER A DEMOCRACIA


Alder Júlio Ferreira Calado 

 

No Ocidente, o que é mesmo Democracia?

Paraíso dos ricos, inferno dos pobres


É farsesco o regime democrático 

Da maneira exercida no Ocidente 

 

O regime democrático do Ocidente 

Cumpre a risca a tirania do capital 


O Império não aceita que a China 

Se revele a primeira economia 


Para além das sanções punindo a Rússia 

Grande alvo do Império é mesmo a China 


Tribunal sentencia prisão de Putin

Sem que Rússia integre o TPI


Os Estados Unidos, igualmente

Não integram o mesmo Tribunal


É bizarro que o Império venha impondo

Que países implementem a punição


Palavrão não convém à autoridade

Só traz lenha à fogueira do adversário


Palavrão furioso contra ex-juiz

Não anula a excelência da entrevista


Jornalistas do canal 247

Entrevistam Lula, longamente

(https://www.youtube.com/watch?reload=9&v=bjxJCHGywuM)


Reduzir entrevista de hora e meia

A um termo infeliz, é pequenez 


Convincente, didático, assertivo 

Presidente reitera compromissos 


Presidente da FIESP, além de Stiglitz

Lançam crítica pesada a juros altos


Perguntado a respeito, Lula mantém 

Dura crítica a Roberto Campos Neto


Reitera, com força, a diferença 

Entre gasto e o que é investimento 


Não devemos jamais chamar de gastos 

O dinheiro investido no bem público 


Gastar é cobrar juros estratosféricos

Impedindo o país de investir 


Bons países mantém como estratégicas

As empresas que são chave pro bem público


Água, Luz, Energia, até Correios

Nunca saem do controle do Estado


Um escândalo, a venda da Eletrobras

Por um preço muito aquém do seu valor


Não contente, Paulo Guedes ainda agrava:

Concedeu ao privado controle máximo 


O Estado participa com quarenta

Mas seu voto só vale dez por cento


Nos revolta a omissão deliberada

Do que Lula falou na entrevista 


Da entrevista de mais de meia hora 

A Direita extraiu sete segundos 


Só assim é possível distorcer 

A essência do que diz a própria fonte 


Desprezar o contexto é velha tática 

Só importa a aparência, não a verdade 


Ideal é ouvir toda a entrevista 

Pra se ter consciência do conjunto 


Jornalista Helena quer saber 

De seus dias vividos na prisão 


Respondeu dos bons tratos recebidos 

Bem assim de perguntas capciosas


Uma delas: quando solto, o que fará?

Provocando revolta no encarcerado


Percebendo malícia da pergunta

Disparou impropério contra Moro


Veio-lhe à tona toda a carga de injustiças 

Das quais Moro é peça decisiva 


Exigir de um ser tão massacrado 

Que se porte friamente, é razoável?


Logo após, vem à tona forte denúncia 

A juíza divulga plano iminente 


PCC ameaça Sérgio Moro

Nisto, Lula suspeita "armação"


Mas,sem prova,encadeia fortes críticas 

 Poderia,no caso,se conter 


O rentismo sufoca a maioria

Mas a mídia burguesa detona Lula…

 

Argentinos venceram a ditadura 

Inclusive, punindo generais 


24 de Março lá é lembrado 

Resistir é preciso a qualquer golpe


Bravas Mães da valente praça de maio 

Solidárias, clamando por justiça 


Pela enésima vez, nós sustentamos:

Sem ter povo na rua,Direita cresce 


Petroleiros do Brasil nos dão exemplo:

Sua luta não para,são resistentes.




 

João Pessoa, 24 de Março de 2023


quarta-feira, 22 de março de 2023

Uma Experiência de formação contínua, no Mutirão

 Uma Experiência de formação contínua, no Mutirão 


Alder Júlio Ferreira Calado 



Antes de compartilharmos elementos do último encontro com o Grupo do Mutirão, fazemos questão de prestar nossa reverência ao Padre José Comblin (1923-2011), "profeta da liberdade", hoje, quando celebramos cem anos do seu natalício. Durante esta semana e nos próximos meses, teremos ocasião de rememorar o fecundo legado deste Missionário itinerante, seja por ocasião da terceira romaria missionária, a realizar-se em Santa Fé (Solânea-PB) nos dias 24, 25 e 26/03, seja por ocasião da décima terceira Semana Teológica Padre José Comblin, que se desdobra durante vários meses, até setembro.


Nos anos 90, "Mutirão" constituía uma comunidade nascente, situada na parte mais elevada de um dos bairros de Bayeux. O nome ("Mutirão") se deveu a um programa habitacional desenvolvido, durante o Governo Wilson Braga, ainda nos anos 80, que incluía o regime de mutirão como parte daquele Projeto habitacional.


Devido à influência do regime militar, ainda vigente nos inícios dos anos 80, amplificada pela mídia comercial, os grupos dominantes, com o apoio das instâncias municipais de Bayeux, acabaram impondo outro nome àquela Comunidade, passando a ser chamada "Mário Andreaza" conhecido personagem da Ditadura Militar, o famoso "Tocador de obras".


Desde os anos 90, a Comunidade de Mutirão, passou a ser animada, como Área Pastoral, pelo Pe. Vicente Zambello, que passou a ser conhecido e apreciado como um diligente Missionário, comprometido com a causa libertadora do povo dos pobres. Nasce, então, um fecundo trabalho pastoral com forte incidência na vida comunitária e social daquela gente, graças inclusive a ação profética de um grupo de leigas e leigos que juntos, promoveram relevantes iniciativas de lutas populares, reivindicando água pra comunidade, medidas protetivas (por exemplo, passarelas) na BR... Ainda recentemente, em meados do ano passado, por ocasião da visita do Pe. Vicente (que hoje se encontra na Itália), e com o objetivo de prestar homenagem póstuma a Margarida Lucena de Freitas, uma das missionárias mais atuantes daquela Comunidade, foram realizados no Mutirão, alguns encontros com a participação de algumas dezenas de leigos e leigas do Mutirão, admiradores do Pe. Vicente, desde os anos 90.


Destes encontros cabe registrar especialmente dois resultados: 

A publicação de um livrinho em homenagem a Margarida Lucena de Freitas, contendo uma biografia e diversos testemunhos sobre Margarida;

A decisão tomada pelo Grupo, de fortalecer o processo de formação contínua, por meio de um encontro mensal, que vem sendo realizado desde então.


No dia 18 de Março próximo-findo, teve lugar mais um encontro formativo, desta vez, no Centro de Formação do Movimento Popular, em Bayeux. 


Como de hábito, após a chegada e os cumprimentos dos participantes, acolhidos pelo casal Arimateia e Lúcia (a primeira Vereadora do PT de Bayeux), a receberem com alegria as pessoas que viam participar do Encontro: Além de Lúcia e Arimateia compareceram Chicão, Francisca Almeida, Wellington, Domício, Ana, Luciano, Francisca, Gloria, Luzia, Alder, além da breve passagem por lá de Paulo, José Carlos, enquanto Nino justificou sua ausência.


Passou-se a refletir como primeiro ponto de pauta,  sobre a leitura do Evangelho correspondente ao IV Domingo da Quaresma, trecho extraído do Evangelho de João, cap.9, acerca da cura, por Jesus, do cego de nascença.


Seguiu-se uma primeira roda de partilha sobre esta leitura. Neste sentido, deu-se ênfase à atitude provocativa de Jesus, diante dos fariseus, para quem nada se devia fazer em dia de sábado, em respeito à lei Judaica, ainda que fosse para fazer o bem, como o da cura de um cego de nascença. Lei à qual Jesus não obedeceu, pois, como Ele próprio dizia, "O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado" (Mc 2, 27).


Em seguida, demos sequência à leitura do livro "O Caminho: Ensaio sobre o Seguimento de Jesus", de autoria do Pe. José Comblin, partindo da Introdução, na qual o autor apresenta, de forma critica e contextualizada, os capítulos constantes do livro, refletindo sobre a Esperança, a Fé e o Amor.


O terceiro ponto de pauta versou sobre os preparativos para o XV Intereclesial das CEBs, a realizar-se em Rondonópolis-MT, no próximo mês de julho, do qual Glória Carneiro, participante deste encontro, foi escolhida delegada juntamente com Daniel, da Comunidade de Mamanguape.


O último ponto de pauta tratou da confirmação dos/das que irão participar da III Romaria Missionária Pe. José Comblin, a realizar-se nos dias 24, 25 e 26 próximos, em Santa Fé, Município de Solanea, cujo objetivo principal é o de celebrar os 100 anos do Pe. José Comblin, que lá está sepultado, ao lado do Pe. Ibiapina.


Para o dia 25, sábado, constam da Programação reflexões sobre oito temas, cada um a cargo de um grupo:


"1. Igreja – Povo de Deus João Batista(coordena)  Magal (secretaria)

2. A Missão e Igreja em Saída Pe. Hermínio (coordena) Anunciada (secretaria) 

3. Os Pobres no centro do Evangelho Pe. Isaías (coordena) Milena (secretaria) 

4. A Ação do Espírito Santo Monica (coordena)  Marta (secretaria)

5. Viver na Esperança Helvídio (coordena) Aline(secretaria)

6. Seguindo o Caminho de Jesus Frei Roberto (coordena) Valnice ( secretaria) 

7. Vocação para a Liberdade Ana Claudia (coordena) Valberto (secretaria)  

8. O anúncio do Reino no mundo presente Glaudemir (coordena) Paulinho (secretaria) 

 E para a grande plenária e síntese geral: Alder Júlio."

Como anunciou José Renato, um dos componentes da Equipe de Organização da III Romaria.


Com Chicão acompanhando ao violão, foram executados vários cantos da caminhada, encerrando com uma merenda oferecida pelos anfitriões e por outros membros do Grupo.


João Pessoa, 22 de março de 2023






sexta-feira, 17 de março de 2023

Que nos sirva a memória, de alerta / Nunca mais Ditadura! Nunca mais!



Alder Júlio Ferreira Calado


Nunca é tarde pra gente aprender:

"Examinem de tudo, escolham bem"( 1 Ts 5,21)


Ditaduras tivemos, longamente:

No Império, Reinado e na “República”


Militares golpistas, desde sempre

Bolsonaro tentou, mas foi contido


Cada março nos move a relembrar

As prisões, as torturas da Ditadura 


Apagar a memória é suicídio 

Desgoverno Bolsonaro é um exemplo


Quem votou bolsonaro, com certeza

esqueceu o regime militar 


É tarefa primeira dos Movimentos

 refrescar a memória do nosso Povo 


"Podcasts"diversos nos ajudam

A fazer a memória do pós-golpe


Por exemplo: "Os crimes da ditadura"

Acrescendo tantos filmes desta época

(cf.https://open.spotify.com/show/0nNMHxhaoDsMdrgpqDS2Jf


Dirigentes apanhados do período: 

As prisões, as  torturas, a resistência 


Outro exemplo é "arte e repressão "

A censura, às vítimas da Ditadura

(cf.https://open.spotify.com/show/2qxvpiK85YsSMDcr0X5e0V


Cada vez me convenço que a memória 

É vital pro combate à tirania 


Camponeses, Operários, estudantes:

Os esteios de nossa resistência 


É urgente estudar os Militares

Seu papel destrutivo, em nossa história


Nunca houve contexto tão propício

De conter o "Partido Militar"


Salvo raras exceções, protagonizam

a história dos Golpes de Estado


Militares também honram nossa história:

Nelson Werneck, Lamarca e Gregório 

(cf. Lamarca: https://www.youtube.com/watch?v=KqmY5yIBs3U

(cf. Gregório: https://www.youtube.com/watch?v=PBvpK9zeTzQ

(cf. Marighella: https://www.youtube.com/watch?v=K3bWGGHpHq0


É infinda a lista de malfeitos:

Bolsonaro é uma máquina destrutiva 


Mais recente é o caso dos pacotes 

De valiosas, ricas jóias desviadas

(cf. https://www.youtube.com/watch?v=wBM-ctyvmhw


Todo dia, eu me indago, com iracúndia 

Por que tantos votaram em Bolsonaro?


Março lembra também o Cone Sul:

Ditadura Argentina foi letal


Antes disto, Pinochet o Chile arrasa

Instaurando a tortura e o terror 


Uma lição é preciso recolher:

O Fascismo tem parte com os Liberais 


A pior Ditadura é o Capital

Desafio ingente a superar


17 de março de 2023.






segunda-feira, 13 de março de 2023

Elementos para um balanço dos 10 anos de Ministério Petrino de Francisco

 Elementos para um balanço dos 10 anos de Ministério Petrino de Francisco


Alder Júlio Ferreira Calado 


Hoje, 13 de Março, é um dia que faz confluírem impactantes efemérides, dentre as quais: 

  • O natalício de Gregório Bezerra, brasileiro exemplar que atraiu contra si o mais cruel da Ditadura civil-empresarial-militar das forças tenebrosas que instituíram o Golpe de Estado de 1964;

  • A realização do famoso Comício da Central do Brasil, em 13 de Março de 1964, com o protagonismo das forças operárias, camponesas e estudantis, com a participação do presidente João Goulart, a  clamarem pelas "reformas de base" (Reforma Agrária, Reforma Urbana,Reforma Bancária, Reforma Educacional…), comício que assustou ainda mais as forças reacionárias/escravocratas, precipitando-as ao desencadeamento do famigerado golpe de estado de 1964;

  • Marca também a celebração dos dez anos de Pontificado do Papa Francisco, do qual nos limitamos aqui a trazer alguns elementos em vista de um balanço.


Francisco, Bispo de Roma, hoje, alcança dez anos à frente do seu Ministério, ocasião propícia para uma reflexão mais detida sobre os bons frutos produzidos, neste período, sem que isto nos exima de apontar eventuais lacunas. Oportunidade também favorável para fazermos um balanço do comportamento da Comunidade Católica, durante este mesmo período.


Com relação ao Papa Francisco, muita coisa já se tem escrito, com base em seus pronunciamentos, suas homilias, seus escritos (sem esquecer seu livro “Vamos Sonhar Juntos: O Caminho Para um Futuro Melhor” de 2020), entrevistas, mensagens, viagens apostólicas, inclusive de nossa parte, em diversas vezes (cf. www.textosdealdercalado.blogspot.com). Comecemos, então, a trazer alguns elementos que possam ser úteis a um balanço, inicialmente, quanto aos 10 anos do Ministério De Francisco, e, em seguida, dos caminhos da Igreja Católica no mesmo período.


O Papa Francisco assume suas funções em um contexto bastante turbulento, seja ao interno da Igreja Católica, seja no cenário macro-social internamente, a Igreja Católica enfrentava uma série de escândalos morais e financeiros, de grandes proporções, a tal ponto que o Papa Bento XVI, inclusive por suas frágeis condições de saúde, decide renunciar ao Governo eclesiástico. Convém não esquecer que o próprio Papa Bento XVI havia sucedido ao longo pontificado do seu antecessor, o Papa João Paulo II. Somados, esses dois pontificados alcançaram mais de 30 anos, tendo protagonizado um tempo de retrocesso e de perseguição às forças progressistas da Igreja Católica (a “ igreja na base”, as CEBs, as pastorais sociais, a Teologia da Libertação, a CNBB, a CLAR, as Universidades Católicas e Institutos Católicos, entre outros). 


Aquele cenário sombrio que precedeu imediatamente a renúncia de Bento XVI e a eleição de Francisco, não parecia desembocar em um tempo de renovação eclesial. A própria eleição do Cardeal Bergoglio como Bispo de Roma soou como grata surpresa. Com efeito, desde o cerimonial de sua apresentação, desde o Vaticano, era visível o perfil do novo Bispo de Roma, inclusive pelo nome por ele escolhido, o de Francisco. Este perfil de simplicidade, de humildade e de compromisso com a causa do Evangelho só foi se aprofundando, com o passar do tempo. De fato, não era comum que um Papa se apresentasse como um ser humano falível, situando-se também  na condição de pecador.


Além das suas mensagens pronunciadas duas vezes por semana (“Angelus” ou a recitação da Oração Mariana conhecida como “Regina Coeli”), em que se tem empenhado em estimular os católicos e os cristãos em geral a conhecerem melhor o Evangelho, também passou a assumir o compromisso de se fazer presente à Jornada da Juventude, no Rio de Janeiro, poucos meses após assumir suas funções, ao mesmo tempo, dava início às suas numerosas viagens apostólicas, a última das quais realizou na República Democrática do Congo e o Sudão do Sul, em fevereiro passado. 


Outra marca inesquecível de sua atuação se faz presente em seus diversos escritos, dos quais, além de escritos mais recentes (Exortação Apostólica "Alegrai-Vos e exultai", na qual o Papa Francisco enfatiza que a santidade é um chamamento para todos os seguidores e seguidoras de jesus; Carta apostólica "desiderio desideravi”, de 2022, acerca da relevância da formação litúrgica dos membros do Povo de Deus) Merecem destaque especial: 

  • A Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium” (A alegria do Evangelho), escrita em 2013 (?), na qual propunha um roteiro de governança eclesial, para os próximos anos;

  • A encíclica Social "laudato si" ( louvado seja),publicada em 2015,refletindo os grandes desafios da “Casa Comum”;

  • A Exortação Apostólica “amoris Laetitiae” (A Alegria do Amor);

  • A Encíclica Social "fratelli tutti’ ( todos irmãos),publicada em 2020, tematiza o desafio contemporâneo da amizade social.


A primeira grande iniciativa tomada pelo Papa Francisco foi a de propor um programa de governo eclesial, a ser vivenciado neste novo período. A "Evangelii Gaudium"constitui a marca de sua proposta inicial. Não foi sem razão a escolha do título de seu primeiro documento.Com efeito, a alegria é assumida como uma das marcas essenciais dos discípulos e discípulas do Seguimento de Jesus e de quantos e quantas decidiram entrar no seu Caminho, a exemplo de Francisco e Clara. O enfrentamento dos grandes desafios eclesiais e do mundo não devem ser enfrentados com a sisudez, mas  com a alegria do Evangelho.

“”O grande risco do mundo atual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada. Quando a vida interior se fecha nos próprios interesses, deixa de haver espaço para os outros outro destaque fundamental que caracteriza a proposta ministerial do Papa Francisco é sua insistência em uma "Igreja Em saída", razão pela qual afirma o Papa:(“Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, do que uma Igreja enferma pela oclusão e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (EG 49).

"já não entram os pobres, já não se ouve a voz de Deus, já não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo de fazer o bem."

“Há cristãos que parecem ter escolhido viver uma Quaresma sem Páscoa. Reconheço, porém, que a alegria não se vive da mesma maneira em todas as etapas e circunstâncias da vida, por vezes muito duras. Adapta-se e transforma-se, mas sempre permanece pelo menos como um feixe de luz que nasce da certeza pessoal de, não obstante o contrário, sermos infinitamente amados.”

Este documento, após explicitar a fonte onde bebe o Evangelho, cuida de refletir sobre os principais desafios enfrentados pela Igreja, dos quais aponta com força a doença do clericalismo, da tentação de uma mentalidade principesca presente no cotidiano eclesiastico.

Em resumo, além de apresentar um roteiro pastora para os próximos anos, Francisco destaca os seguintes pontos:


-  a Igreja, fiel ao Evangelho, e chamada a sair em missão, em busca dos pobres e necessitados,lá onde eles se encontram,ou seja, nas periferias geográficas e existenciais;

- a alegria do Evangelho deve ser a marca de todo discípulo,de toda discípula de Jesus,movidos pela solidariedade,pela compaixão, pelo compromisso com a libertação das correntes do consumismo,do individualismo da indiferença e da exclusão social.


Já nesta primeira Exortação, o Papa Francisco aponta, com coragem profética,o dever da Igreja de anunciar o Evangelho,denunciando também as causas e consequências das desigualdades sociais mantidas pelo sistema econômico de privilégios de uns,à custa da exclusão e da miséria de grandes parcelas de nossas sociedades.     


Para surpresa de muitos, o Papa Francisco incluiu em sua proposta-programa a homilia como ponto de sua preocupação. E não é por acaso. Ignorando o caráter e o alcance pedagógicos da homilia não poucos clérigos se mostram distantes do significado da homilia, seja delas se utilizando para explorar de agressões superficiais que pouco ou nada tem a ver com o espírito do Evangelho, seja por abusarem do tempo da fala, até porque não raramente se exime de preparar.

Dois anos depois, já em meio a uma intensa agenda de viagens e compromissos, eis que o Papa Francisco nos brinda com suas Encíclica sociais "Laudato si", mergulhando de cheio no mais relevante desafio da humanidade, nos dias de hoje: a emergência climática. Este assunto, mais do que uma pauta da Igreja Católica e dos cristãos, emerge como a pauta principal do gênero humano, pois se trata de salvar nossa “Casa Comum”, sem a qual resulta inviável a vida humana, à medida que com o proguessivo aumento da temperatura, derretem-se as calotas, inundando os oceanos, de modo a aumentarem o nível das águas, inundando parte das áreas costeiras de modo a submergir muitas ilhas e cidades.

A Encíclica Social "Laudato si” constitui o mais relevante escrito do Papa Francisco, por diversas razões.Diferentemente de seus imediatos predecessores, sobretudo dedicados às questões intra-eclesiástica,o Papa Francisco, obediente ao Seguimento de Jesus, volta sua especial atenção aos grandes dramas da Humanidade e do planeta,sem esquecer de cuidar também de temas eclesiais. Ao “laudato si” ressoa como um dramático chamamento aos humanos sobre nossa responsabilidade quanto às causas e aos efeitos da emergência climática.


Na elaboração da “Laudato si”, o Papa Francisco recorreu aos melhores especialistas no tema, mundialmente conhecidos, a exemplo de Leonardo Boff. Uma das marcas de excelência deste Documento reside em sua ênfase metodológica: Francisco propõe uma ecologia integral na abordagem do tema e no enfrentamento de seus desafios.



 “A violência, que está no coração humano ferido pelo pecado, vislumbra-se nos sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos. Por isso, entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que ‘geme e sofre as dores do parto’ (Rm 8, 22(...)”. "Esquecemo-nos de que nós mesmos somos terra (cf. Gn 2, 7). O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar, e a sua água vivifica-nos e restaura-nos.”A desigualdade não afeta apenas os indivíduos mas países inteiros, e obriga a pensar numa ética das relações internacionais.“ O reconhecimento da dignidade peculiar do ser humano contrasta frequentemente com a vida caótica que têm de fazer as pessoas nas nossas cidades. Mas isto não deveria levar a esquecer o estado de abandono e desleixo que sofrem também alguns habitantes das áreas rurais, onde não chegam os serviços essenciais e há trabalhadores reduzidos a situações de escravidão, sem direitos nem expectativas duma vida mais dignificante.”

“O bem comum pressupõe o respeito pela pessoa humana enquanto tal, com direitos fundamentais e inalienáveis orientados para o seu desenvolvimento integral.”

“Quando as pessoas se tornam auto referenciais e se isolam na própria consciência, aumentam a sua voracidade: quanto mais vazio está o coração da pessoa, tanto mais necessita de objectos para comprar, possuir e consumir”


Importa, em resumo, reconhecer a profundidade e o alcance sócio-ambientais desta Encíclica, valendo a pena destacar até mesmo a força do método, em sua fecundidade: ver, julgar, agir, já ressaltado em 1961 pelo bom Papa João XXIII em sua primeira Encíclica Social “Mater et Magistra”. 

"Para levar a realizações concretas os princípios e as diretrizes sociais, passa-se ordinariamente por três fases: estudo da situação; apreciação da mesma à luz desses princípios e diretrizes; exame e determinação do que se pode e deve fazer para aplicar os princípios e as diretrizes à prática, segundo o modo e no grau que a situação permite ou reclama. São os três momentos que habitualmente se exprimem com as palavras seguintes: "ver, julgar e agir" (n. 235)”. É a velha e sempre nova metodologia da Ação Católica.

Outro Documento impactante foi por ele escrito, intitulado "Amoris Laetitia” (Alegria do amor), no qual surpreende positivamente pela compreensão da vivência do amor entre os casais como um dom de Deus e motivo de alegria:


‘’ “Como Maria, (as famílias) são exortadas a viver, com coragem e serenidade, os desafios familiares tristes e entusiasmantes, e a guardar e meditar no coração as maravilhas de Deus (cf. Lc 2, 19.51)``. (numeral 30, capítulo 1)”.


Um traço fundamental do ministério exercido pelo Papa Francisco, ao longo destes 10 anos,aponta necessariamente para a sua fecunda missão itinerante, concretizada quarenta viagens apostólicas, percorrendo e visitando terras e gentes de cinco continentes.

         

Ainda importa destacar seu incessante empenho em exercitar o diálogo ecumênico com diversas autoridades de Igrejas Cristãs Ortodoxas e Reformadas, em busca de testemunhar o chamamento evangélico a uma unidade, dentro da diversidade. Neste sentido, tem falado forte a agenda do Bispo de Roma, a visitar e a participar de diversos encontros ecumênicos, pelo mundo, seja a convite de irmãos ortodoxos, seja de irmãos reformados, seja de irmãos de outras religiões.


Traço de sua atuação profética tem sido sua forte posição de denúncia às causas das migrações forçadas, bem como seu compromisso de Efetiva Solidariedade aos migrantes, haja vista dois momentos emblemáticos por ele protagonizados, em especial Lampedusa (Sul da Itália) e em Lesbos (Grécia).


A "fratelli tutti” representa o mais recente chamado de Francisco a um compromisso concreto de avaliação e de redesenho das relações sociais livres da estratégia característica do atual modo de produção, de consumo e de gestão societal, de modo a permitir o exercício de uma verdadeira fraternidade/sororidade entre os humanos e o Planeta:

   Cuidar do mundo que nos rodeia e nos sustenta significa cuidar de nós mesmos. (17

  1. Empanturram anos de conexões e perdemos o gosto da fraternidade. (33)

  2. O princípio do ‘salve-se quem puder’ traduz-se rapidamente no ‘todos contra todos’, e isso será pior que uma pandemia. (36)

  3. O direito à propriedade privada só pode ser considerado como um direito natural secundário e derivado do princípio do destino universal dos bens criados. (120)


Não devemos esquecer a densidade e a extensão que têm revestido o legado do atual Bispo de Roma, do qual, nestas linhas, apenas esboçamos os principais elementos para um balanço. Neste sentido, não devem ficar de fora fecundas iniciativas pastorais por ele animadas, das quais destacamos as seguintes:

  • O Sínodo da Amazônia, que representa significativos avanços socioclesias,em linha principalmente com a "Laudato si";

  • O Sínodo da Juventude;

  • A Assembleia Eclesial,inovação considerável,no que diz respeito ao modo tradicional de se organizar As conferências Episcopais latino-Americanas ,das quais apenas os Bispos eram os participantes;

  • O Sínodo da Sinodalidade, ainda em curso, que representa mais um esforço do Papa Francisco, de pôr em prática o espírito do Concílio Vaticano II,sobretudo no que diz respeito à prioridade do povo de Deus,como principal sujeito das decisões eclesiais.

  • A realização dos Encontros Mundiais de representantes de Movimentos Sociais. 

  • A Economia de Francisco e Clara

  • Encontro por uma nova educação.


Cada um desses itens merecia uma avaliação mais detida.

Com o propósito de trazer a tona traços especiais do seu legado, tomamos a liberdade de sublinhar diversas dessas palavras-chave: Evangelho como núcleo maior de nossa Fé, "Igreja em saída", ”Nossa Casa Comum", a figura do polígono, "Pirâmide Invertida”, ”Cultura do descarte", "Funcionário do Sagrado.

“Alegria”, Aconchego (vicinanza), “Uma Igreja pobre para os pobres”, Não tenham medo, “Igreja em saída missionária”, “Ternura”, Misericórdia, “Periferias geográficas e existenciais”, Humildade, “Povo de Deus”, “Conversão”, “O Espírito Santo como Guia”, “A Humanidade (e não apenas a Igreja), como alvo da missão”, “Por uma Cultura do trabalho humanizador”, Unidade na diversidade como expressão do Espírito Santo, “Nossa Casa Comum (o cuidado com a Criação)”, “Santidade como vocação de todos, não como privilégio de uns”.

  • O próprio Francisco é o primeiro a reconhecer, como ser humano seu inacabamento. Já na cerimônia  de sua apresentação, ele fez questão de se confessar um ser incompleto, falível, pedindo à multidão que o abençoasse e, como o tem feito sem cessar, que por ele todos rezassem. 


  • Durante esses 10 anos,nem tudo se passou às mil maravilhas.sem esquecermos os grandes limites representados por uma estrutura eclesiástica caduca, certas atitudes de Francisco suscitam questionamentos por parte de diversos grupos católicos e não católicos. Citemos alguns exemplos:

  • Já durante as aulas conciliares, conduzidas pelo Cardeal Suenens, este manifestava a coragem de perguntar aos seus pares onde estava a outra metade da Igreja, formada pelas mulheres. Passados 60 anos, eis que a composição androcêntrica das estruturas decisórias continua mantida, apesar de leves iniciativas trazidas pelo papa Francisco, ainda longe de atenderem aos clamores das mulheres católicas, especialmente as teólogas feministas;

  • O que leva o Papa Francisco a manter a velha tradição da obrigatoriedade do celibato para todos os clérigos, quando tal tradição não tem base evangélica nem acolhida, no mundo de hoje?

  • No plano macro social, a condução do papa Francisco no tocante à guerra Rússia X Otan, em que pese seus incessantes apelos pela paz, é, por vezes, interpretada como pouca crítica ao lado ocidental.



Não faz muito sentido esboçar um balanço do Ministério Petrino de Francisco, neste período de 10 anos sem conectá-lo também com um balanço do percurso mais recente da própria Igreja Católica Romana. A expectativa “natural”, da parte de quem tenta esboçar tal balanço, é de encontrar mais semelhanças e afinidades do que dissensos. Sucede, porém, que não é bem o caso. Mesmo tendo-se consciência de que o exercício do Pontificado não coincide necessariamente com a trajetória institucional da Igreja Romana, causa surpresa ao analista a considerável desconexão constatada. 


Enquanto o Papa Francisco surpreende agradavelmente o mundo/até mais do que as instituições cristãs, revelando-se inclusive como uma liderança de novo tipo-, eis que os mais diversos órgãos da organização eclesiástica, salvo exceções, fazem ouvidos moucos ao chamado profético do Bispo de Roma. Desde a Cúria romana, as conferências episcopais, inclusive a CNBB, o clero, os principais movimentos eclesiásticos, as chamadas “comunidade de fé", além de amplas parcelas do próprio Laicado tendem amplamente a fazerem mais "Religião" do que a seguirem o Evangelho, isto é, mostram-se mais dispostos a fazerem apologia institucional, a se comportarem como "funcionários do Sagrado” do que a se preocuparem com os dramas da humanidade. 


Neste sentido, podemos destacar uma distância significativa entre o atual episcopado (sempre com gratas exceções) e aquela geração de Bispos signatários do Pacto das catacumbas, da Conferência Episcopal Latino-Americano de Medellín (Colombia, 1968), da confêrencia de Puebla (1979), bem como de Bispos da CNBB signatários de documentos proféticos, tais como “A Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e marginalização social" (1971), “Eu ouvi os clamores do meu Povo” (publicado em 1973), "Igreja e problemas da terra” (1980), entre outros. Importa ressaltar que, para além dos bispos, devemos lembrar a atuação igualmente profética de Leigos e Leigas, inclusive no Nordeste, onde, já em 1967, apareceu pela ACO (Ação Católica Operária), o manifesto intitulado “Nordeste - desenvolvimento sem justiça”, seguido, pouco tempo depois, de outro ainda mais contundente, intitulado “Nordeste — o Homem Proibido”.


Ao esboçarmos um leve balanço do caminhar da Igreja Católica, nestes últimos 10 anos, estamos seguros de que as críticas trazidas não alcançam todo o episcopado brasileiro, onde se acham - ainda que como exceção - figuras comprometidas com a causa libertadora dos pobres. Por outro lado, não pretendemos uma mera reprodução dos feitos daquela geração de Bispos dos anos 1960 e 1970, até porque cada geração tem o seu modo próprio de intervir na realidade social e eclesial. Sem embargo, isto não exime nenhum discípulo do Seguimento de Jesus guiado pelo espírito do Ressuscitado, de cumprir fielmente sua missão. 


Diferentemente da geração de bispos-profetas dos anos 70 e 80, que não se cansava de denunciar e anunciar em favor dos pobres e marginalizados, inclusive em plena Ditadura civil-militar,a geração de bispos, e de padres de hoje, salvo uma pequena minoria, apresenta uma postura de resignação diante das glamorosas injustiças preferindo manter-se ocupado de meras funções eclesiásticas (quanto a isto, o Papa Francisco não exita em advertir do risco para os clérigos de se tornarem “Funcionários do Sagrado”), por vezes até sinalizando certa cumplicidade com a terrível onda bolsonarista, nos últimos anos, em vez de prestarem ouvidos ao clamor profético do Papa Francisco, a insistir em uma "Igreja Em Saída", como já lemos acima, em que o Bispo de Roma diz preferir uma Igreja Acidentada por correr o risco de estar com os pobres, a uma Igreja adoecendo pela sua reclusão nos espaços das sacristias… 


Conforta-nos, por outro lado saber da fidelidade do povo dos pobres à Boa Nova de Jesus, a exemplo das comunidades eclesiais de base, a caminho do XV Encontro intereclesial, a acontecer em julho próximo, em Rondonópolis-MT, ao qual somos todos convidados a manifestar solidariedade, inclusive acompanhando por meio do Texto-base, sobre  o qual vale apenas conferir a refração do Pe.Benedito Ferraro: (cf.https://www.youtube.com/watch?v=F0bvN52j5Z8


João Pessoa, 13 de março de 2023