quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

CINQUENTA ANOS APÓS SUA PUBLICAÇÃO, RESSOA, PATÉTICO E ATUAL, O CLAMOR DA “POPULORUM PROGRESSIO”


Alder Júlio Ferreira Calado

No próximo mês, mais precisamente em 26 de março, estaremos a comemorar meio século da publicação da Encíclica Social Populorum Progressio (O Desenvolvimento dos Povos) assinda pelo Papa Paulo VI, em 1967, menos de  dois anos após o encerramento do Concílio Vaticano II, do qual também tornou-se emblemática a Constituição Pastoral Gaudium et Spes (sobre a Igreja no mundo de hoje). Não estamos a comemorar apenas “mais uma encíclica”. De fato, pelo seu alcance social, pela relevância dos temas então enfrentados, bem como pela sua metodologia, trata-se de uma que avaliamos, ao lado das duas escritas por João XXIII e das mais recentes, da lavra do Papa Francisco, especialissimamente a “Lodato si”,   - das mais relevantes, dentre as cerca quinze publicadas, desde a “Rerum Novarum”, do Papa Leão XIII (1891).
Nas linhas que seguem, buscamos 1) contextualizar o processo de elaboração desta encíclica social; 2) destacar suas grandes linhas; 3) rememorar aspectos de sua recepção, em especial na América Latina e no Brasil; e 4) enfatizar a dramaticidade e a atualidade do seu clamor.

1) Recobrando aspectos do contexto em que apareceu a Populorum Progressio
Tempos de densa efervescência, os que coincidiram com a publicação da Encíclica Social Populorum Progressio (O Desenvolvmento dos Povos). Nos vários continentes, cresciam, assustadores, os índices de miséria, de fome, de mortalidade infantil, ao mesmo tempo em que, entre as populações dos países centrais do Capitalismo, ostentavam-se situações de abundância e de consumo desenfreado: “Os povos pobres ficam sempre pobres e os ricos se tornam cada vez mais ricos.” (PP, n. 57).  Vive-se o ápice dos conflitos decorrentes das perversas raízes do colonialismo, em especial nos países africanos, cujos povos vão conquistando, a duras penas, sua independência das velhas metrópoles européias. Emerbem “as jovens nações”, como a elas se referia, então. Diante das graves tensões entre Estados Unidos e União Soviética, um crescente número de países, nos diversos continentes, decidiam constuir um caminho de não-alinhamento a uma dessas potências, e se puseram a trilhar caminhos próprios, reforçando sua solidariedade na busca de autonomia. Tinham outras prioridades: em vez de tomarem partido de surviência a uma daquelas potências, optavam por reunir esforços no enfrentamento de tantos desafios de suas gentes, seja quanto ao combate à fome, à miséria, seja com relação a assegurar condições propícias para o enfrentamento exitoso de grandes dramas sociais, como o analfabetismo e o seu direito a uma inserção no cenário internacional justa e respeitosa de sua dignidade.

Respirava-se, com efeito, um cenário de intensas reivindicações de mudanças estruturais. Entre esses protagonistas mais destacados – operários, camponeses... – estavam os jovens estudantes, de várias partes do mundo, em especial na França, tendo sido um marco histórico expressivo o Maio de 1968, que já ao tempo da publicação da PP, se gestava nas escolas, nas praças e nas ruas de vários países.

A América Latina – sobretudo o chamado Cone Sul (Brasil, Chile, Argentina, Uruguai...) –, sufocada por um “rumor de botas” (Eder Sader), seguia mergulhada nam longo e tenebroso período de ditaduras civil-militares. Os povos andinos da Bolívia, do Peru, do Equador, da Colômbia... confrontavam-se com semelhantes desafios, enfrentados de modo aguerrido, a exemplo da atuação de jovens, camponeses e trabalhadores animados por figuras como Camilo Torres (padre, assessor dos universitários, assassinado na Colômbia, em 1966) e Che Guevara (assassinado na Bolívia, em 1967). Neste mesmo contexto de crescente efevescência, importa ter presente o alcance sócio-pastoral de alguns movimentos, a exemplo do Movimento Sacerdotes para Terceiro Mundo, atuando sobretudo na Argentina.

Convém lembrar o importante impacto da Populorum Progressio, também, nos preparativos e na realização da Conferência Episcopal Latino-Americana, em Medellín (1968), da qual se diz, a justo título, ter sido – ao lado do emblemático “Pacto das Catacumbas” (Roma, novembro de 1965), a forma latino-americana de recepcionar o Concílio Vaticano II. Este é celebrado pelas condições que promoveu à introdução da Igreja Católlica Romana na modernidade, o mesmo, todavia, não acontecendo em relação ao mundo dos pobres, em que pesem algumas referências significativas, em alguns dos seus dezesseis documentos.

No processo de elaboração deste documento, impõe-se uma menção. Graças a uma densa e longa atuação, em vários países do mundo, como pesquisador e como assessor, em sua área, é sabida a contriubuição do Pe. Louis-Joseph Lebret, colaborador próximo também do Papa Paulo VI. Tornou-se célebre, inclusive no Brasil, desde final dos anos 40, a contribuição do dominicano Pe. Lebret, fundador do Movimento Economia e Humanismo, tendo inspirado fecundas iniciativas de solidariedade com povos do Terceiro Mundo. Na França, ainda hoje,  goza de reconhecimento público o CCFD – Commité contre la faim et pour le développment.

Já duante o Concílio Vaticano II, a figura de Lebret constituía uma referência entre os assessores para temas sociais. Mas, foi decisiva sua participação efetiva no processo de redação da Populorum Progressio, tal a confiança e tal o reconhecimento que lhe foarm devotados pelo próprio Paulo VI. Lebret não viveria o suficiente para presenciar a publicação da Populorum Progressio: fez sua passagem um ano antes (1966) da publicação da mesma encíclica.

 2. Quais os enfoques mais enfáticos desta Encíclica do Papa Paulo VI

 Do ponto de vista de sua estruturação, a Populorum Progressio,  além da introdução (nn.1- 5) e da conclusão (nn. 76-87), comporta duas partes: a primeira, que vai do n. 6 até o n. 42, intitula-se “Para o desenvolvimento integral do homem”, enquanto a segunda parte estende-se desde o n. 43 ao n. 75, trazendo por título “Para um desenvolvimento solidário da humanidade”. Segue um roteiro similar ao de outras precedentes, em especial as mais recentes (Em especial, o Papa João XXIII, em suas famosas encíclicas Mater et Magistra e Passem in de Terris). Sente-se uma inspiração no já conhecido método “Ver-Julgar-Agir”. Sendo assim, trata de expor “dados do problema”, isto é, destacar impasses e desafios axiais, enfrentados pela humanidade. Em seguida, rememora os esforços da Igreja, à luz do Evangelho, e de seus predecessores, ao enfrentarem outros desafios, em sua época. Em seguida, cuida de aprofundar a reflexão sobre os desafios em tela, buscando situar suas raízes, sublinhando ambivalências e contradições a serem enfrentadas e superadas. Por último, trata de apontar pistas de superação, sempre à luz da Doutrina Social da Igreja. Tratamos, a seguir, de destacar suas principais idéias-força. Sua referência maior, já a partir do título, do início ao fim,  é a de desenvolvimento. Desenvolvimento não redutível à exclusividade da economia. Um desenvolvimento empenhado e comprometido com a causa dos humanos, portanto, um desenvolvimetno integral – do ser humano como todo e de todos os seres humanos. Desenvolvimento  dos povos e nações, em especial daqueles descritos como as grandes vítimas das gigantescas desigualdades socias. Estas aparecem fortemente, já no início, quando da apresentação dos “dados do problema”. Os alarmantes índices de empobrecimento de vários povos e nações, no que tange à fome, à miséria, às doenças endêmicas, ao analfabetismo, etc., e, por outro lado, o quadro privilegiado da situação dos países centrais, em especial das velhas metrópolis, fundamentam seu apelo veemente a um desenvolvimento solidário, sob pena dos riscos de convulsões sociais: “Quem não vê os perigos, que daí resultam, de reações populares violentas, de agitações revolucionárias, e de um resvalar para ideologias totalitárias?.” (n. 11). Mais adiante, também é salientado, no que diz respeito à contribuição da Igreja,  trabalho de figuras emblemáticas, a exemplo de Charles de Foucauld, pela sua inculturação junto a povos de cultura tão diversa, para o que foi muito importante atentar-se para os sinais dos tempos, adequadamente interpretados. É, com efeito, da adequada interpretação desses sinais (cf. nn. 12 e 13), que se vai percebendo a necessidade de se ter presente o caráter universal da destinação dos bens (aspecto, aliás, bem marcante, não apenas na Gaudium et Spes, como na sempre impactante tradição patrística (Basílio, Ambrósio...): “a propriedade privada não constitui para ninguém um direito incondicional e absoluto. Ninguém tem o direito de reservar para o seu uso exclusivo aquilo que é supérfluo, quando falta a outros o necessário.” (PP, n. 23).
Nota-se um “crescendum” ca, quanto ao sentimento de indignação na Encícleca diante das crescentes desigualdades sociais, ao ponto de advertir aos principais responsáveis por esta situação dos graves riscos de convulção social e de manifestações de caráter totalitário: “Certamente há situações, cuja injustiça brada aos céus. Quando populações inteiras, desprovidas do necessário, vivem numa dependência que lhes corta toda a iniciativa e responsabilidade, e também toda a possibilidade de formação cultural e de acesso à carreira social e política, é grande a tentação de repelir pela violência tais injúrias à dignidade humana. (PP n.30). Vale a pena obsevar a este respeito todo o cenário sócio político de crescente fermentação e agitação social reinantes em meados da década de 60, haja vista a intença mobilização dos estudantes na Europa. Bem como a situação explosiva reinante na América Latina. Percebesse, em consequência a dramaticidade do apelo para a necessidade e a urgência de profundas reformas,  inclusive como meio de se evitar os perigos de manifestaçõe populares: “Só a iniciativa individual e o simples jogo da concorrência não bastam para assegurar o êxito do desenvolvimento. Não é lícito aumentar a riqueza dos ricos e o poder dos fortes, confirmando a miséria dos pobres e tornando maior a escravidão dos oprimidos. São necessários programas para "encorajar, estimular, coordenar, suprir e integrar"[35] a ação dos indivíduos e dos organismos intermediários. Pertence aos poderes públicos escolher e, mesmo impor, os objetivos a atingir, os fins a alcançar e os meios para os conseguir e é a eles que compete estimular todas as forças conjugadas nesta ação comum. Tenham porém cuidado de associar a esta obra as iniciativas privadas e os organismos intermediários. Assim, evitarão o perigo de uma coletivização integral ou de uma planificação arbitrária que, privando os homens da liberdade, poriam de parte o exercício dos direitos fundamentais da pessoa humana (PP, n 33.)
Por outro lado, as profundas reformas pre-cononizadas. Pelo Papa Paulo VI vão além da espera econômica. Devem alcançar igualmente as distintas esferas da realidade humana, inclusive a da Cultura. Aqui, pode-se observar a preocupação da Polulorum Progressio com o que aí é chamado de risco materialista característico principalmente dos países ricos, a ser evitado em sua relação com os países pobres, risco que hoje traduzimos como o do consumismo. Em conclusão da primeira parte, Paulo VI volta a insistir no caráter integral do desenvolvimento proposto: É necessário promover um humanismo total. Que vem ele a ser senão o desenvolvimento integral do homem todo e de todos os homens?
A segunda parte da incíclica é consagrada a sugerir pistas que permitam a superação das desigualdades sociais, atribuindo aos povos ricos a responsabilidade maior pelo empreendimento do Desenvolvimento solidário da humanidade”. Para tanto, cuida de fundamentar suas propostas por meios de argumentos ético-políticos. Defende que tal solidariedade deve iniciar-se pelo empenho dos povos ricos, aos quais cabe maior responsabilidade pela situação de gritantes desigualdades sociais. Aponta 3 dimensões desse dever atribuído aos povos ricos: Uma que tem a ver com o dever de solidariedade; outra relativa à justiça social e a 3 referindo-se a caridade. (cf. n.44) Destas dimensões, destacamos com mais força a que expõe a grave responsabilidade dos povos ricos em reexaminarem e retificarem suas relações comerciais com os países pobres: “o do dever de justiça social, isto é, a retificação das relações comerciais defeituosas, entre povos fortes e povos fracos” (PP, n44).
Vêm, a seguir as pistas propostas como um programa de ação solidaria, o que é feito conforme as três dimensões enunciadas no número 44. De cada dimensão, oferecemos algumas ilustrações. Com relação ao dever solidariedade, cuja iniciativa maior  Paulo VI atribui aos ricos, é proposto um dever de assistência aos mais deserdados, a começar por uma campanha de combate à fome, a envolver organismos oficiais, como a FAO, e outras iniciativas de organizações, a exemplo do trabalho realizado pela Cáritas Internacional, em várias partes do mundo. Trata-se de uma ação necessária, mas por certo insuficiente, para responder, à altura, aos desafios dos nossos tempos, recolhece o Papa. Com efeito, urgem medidas mais consistentes, e organizadas em escala planetária. Uma dessas medidas sugeridas é a criação de um fundo mundial destinado a socorrer os países pobres, a ser criado com a redução dos escandalosos investimentos militares, mantidos pelos países ricos, em especial as grandes potências. Trata-se de um tipo de gasto supérfluo, que, não apenas não contriubui para a paz mundial, mas ainda agrava as tensões entre os povos. Com relação a despesas supérfluas, aliás, dirigem-se as palavras de denúnica mais  contundentes:  “Quando tantos povos têm fome, tantos lares vivem na miséria, tantos homens permanecem mergulhados na ignorância, tantas escolas, hospitais e habitações, dignas deste nome, ficam por construir, torna-se um escândalo intolerável qualquer esbanjamento público ou privado, qualquer gasto de ostentação nacional ou pessoal, qualquer recurso exagerado aos armamentos. Sentimo-nos na obrigação de o denunciar.” (PP, n. 53).

Ao propor a criação de um fundo mundial, de combate à miséria e em vista do desenvolvimento das nações pobres, a Encíclica cuida de sugerir esforços na gestão de um tal fundo, de modo a assegurar, em bases justas, o acesso e a participação nele das nações pobres, de modo a que, de um lado, não signifique uma esmola, e, de outro, se garantam condições efeticas de participação, conforme as reais possibilidades dos que recorrerem ao mesmo fundo.

O Papa Paulo VI não perde a oportunidade de advertir contra a tendência de cometimento de  graves injustiças cometidas, nas relações comerciais entre países ricos e países pobres, denunciando a truculência do império do Liberalismo, chegando a tratá-lo como uma “ditadura”: “uma economia de intercâmbio já não pode apoiar-se sobre a lei única da livre concorrência, que frequentes vezes leva à ditadura econômica. A liberdade das transações só é equitativa quando sujeita às exigências da j.” (PP, n. 59).
Nos nn. 60 e seguintes da mesma Encíclica, são postos em relevo princípios de justiça social, que devem orientar as relações econômicas entre povos e nações, com destaque para as relações comerciais. Apelo é feito aos países ricos, no sentido de respeitarem critérios de justiça e do dever de solidariedade, nas tratativas de preços justos e de garantia de produção, no que diz respeito aos países pobres.

Também, a Encíclica se volta às relações culturais, expressando suas preocupações com o racismo que pode estragar a boa convivência entre povos e nações. Eis por que enfatiza, com tanta força, a necessidade de se combater o individualismo, a falta de compromisso, inclusive, de jovens vindos de jovens nações, que, adquirindo maior capacitação profissional, em países mais avançados, são tentados, por vezes, a não perseverarem em seu compromisso com os povos e nações de onde vieram. Aí também se faz menção às aspirações nem sempre satisfeitas dos trabalhadores migrantes.

Em conclusão, a Encíclica salienta a importância do desenvolvimento integral, ao ponto de afirmar que tal desenvolvimento é “o novo nome da paz” (cf. n. 76). Para tanto, faz questão de dirigir uma palavra final a um conjunto de protagonistas-alvo do seu dramático apelo, de modo a incluir católicos, homens de boa vontade, chefes de Estado, sábios, entre outros, a quem interpela e convida a “unirem-se a vós fraternalmente. Porque, se o desenvolvimento é o novo nome da paz, quem não deseja trabalhar para ele com todas as forças? Sim, a todos convidamos nós a responder ao nosso grito de angústia, em nome do Senhor.” (PP., n. 87).

3. Na América Latina, no Brasil e em outas regiões, como se deu a recepção da Populorum Progressio?

Num mundo de impasses e dilemas tantos, resulta  compreensível a enorme repercussão da publicação da Populorum Progressio, de 26 de março de 1967. Principalmente, vinda de uma instância eclesial, tratando-se mais precisamente de um documento pontifício. A longa tradição conservadora – e por vezes, reacionária – em que vivia mergulhada a Igreja Católica Romana, antes do Concílio Vaticano II, suscitara a convicção de amplos setores sociais, de que ela só deveria tratar de assuntos “espirituais”, em que pese a profunda aliança política – revestida de um manto supostamente “apolítico”. Sucede então o conhecimento de uma postura profética que rompia com o tradicional conservadorismo das forças dominantes.
 A Populorum Progressio pela contundência de seu clamor, repercutiria amplamente no mundo de então, não só ao interno da Igreja Católica, mas também em diversos segmentos da sociedade civil, em várias partes do mundo. Nesse sentido, ela dá sequência ao profético clamor do Papa João XXIII, através de suas já mencionadas encíclicas. Ecoa, igualmente, os clamores de vários setores da sociedade civil, comprometidos com mudanças sociais estruturais. Aqui se destacam diversos movimentos sociais e organizações de base, em escala internacional, na América Latina, na Europa e em outros países.
Na África, por exemplo, despontam diferentes iniciativas de descolonização, tanto entre nações colonizadas pela França, por Portugal, etc. Na Europa, no Leste europeu crescia a resistência, não apenas contra o Capitalismo, mas também contra o regime Soviético, sob graves acusações das crueldades praticadas pelo regime Stalinista.
Na América Latina, ainda sob a influência da vitoriosa Revolução Cubana, expandem-se pelo continente, ações coletivas de resistência, às ditaduras militares récem-implantadas, principalmente no chamado Cone-Sul. Não se tratava de movimentos apenas anti-regime militar, mas também de luta contra o regime capitalista. É assim que, em vários países ganharam força experiências de grupos revolucionários, na Colômbia, na Bolívia, e posteriormente também no Cone-Sul. Um desses movimentos teve lugar na Argentina: o Movimento de Sarcedotes para o Terceiro Mundo, expressa inspiração na Populorum Progressio. (cf. “confira o link abaixo”)


A Populorum Progressio potencializou notavelmente, na América Latina e no mundo, a mensagem do Concílio Vaticano II dirigida ao mundo dos pobres – ao menos de alguns de seus documentos, a exemplo da Gaudium et Spes e alguns outros, como o célebre n. 8 da Constituição Lumen Gentiium (focado no compromisso da Igreja com os pobres). Mais: trouxe novo impulso à mensagem legada, em novembro de 1965, pelos 40 bispos signatários do “Pacto das Catacumbas”. Tal a afinidade com o clamor dramático da Populorum Progressio, que uma centena de Bispos do Terceiro Mundo, após a publicação desta Encíclica, e um pouco antes do início da Conferência Episcopal Latno-America de Medellín, fez circular um denso e profético “Manfieso de Obispod del Tercer Mundo, entre cujos signatários figuravam nomes de Dom Helder Câmara (Olinda e Reicfe), Dom Antônio Batista Fragoso (Crateús – CE), Dom Francisco Austregésilo de Mesquita (Afogados da Ingazeira – PE), Dom Severino Mariano de Aguira (Pesqueira – PE), Dom Manuel Pereira (Campina Grande – PB), Dom Davi Picão (Santos – SP), além de outros bispos de várias partes do mundo (Índia, Lao, China, etc.). Note-se que vários desses bisos foram signatários originais do “Paco das Catacumbas”.

Importa, também sublinhar a notável influência que a mesma Populorum Progressio exerceu sobre os preparativos e a realização da conferência Episcopal Latino-Americana, realizada em Medellín, na Colômbia, em 1968. Um (re)exame do Documento de Medellín pode facilmente comprovar a força profética daquela Encíclica, tanto no desenrolar daquele evento quanto em sua aplicação, nos anos seguintes.
No caso do Brasil sua repercussão se deu, de vários modos. Desde a CNBB a alguns Regionais e Dioceses, vários acontecimentos foram organizados, com o próposito de divulgar o documento pontifício.
Inlcusive, endioceses do Regional nordeste II. Até mesmo a Diocese de Pesqueira-PE tratou de estuda-la, junto a algumas comunidades rurais e das periferias urbanas, utilizando-se inclusive, de recursos audiovisuais.




4. Dramaticidade e atualidade do seu clamor

Meio século após a publicação da Populorum Progressio, eis que resta dramático nosso quadro histórico, sob tantos aspectos ali focados. Se nos encontramos, hoje, ante novos desafios, de um lado, por outro lado, não ainda não fomos capazes de responder a antigos desafios, como é o caso da fome, no mundo. Ainda hoje, os noticiários seguem pródigos na circulação de notícias, em vários países, principalmente na África, dando conta de populações inteiras subnutridas, vítimas de fome endêmica.
Se a fome em África em 2011 matou 260 mil pessoas, a atual crise está a caminho de se tornar "muito pior", com 20 milhões de vidas em risco.
Um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), divulgado segunda-feira, alertava que perto de 1,4 milhões de crianças podem morrer este ano devido à fome e malnutrição em apenas quatro países: Iémen, Nigéria e Sudão do Sul, por causa da guerra, e Somália, devido à seca.”.


O analfabetismo constitui outro item revelador da dramaticidade do mundo atual:
Mais de 700 milhões de adultos no mundo não sabem ler nem escrever. O levantamento é da Unesco,  que fez uma pesquisa em mais de cem países. O Brasil está no grupo daqueles que investem menos do que deveriam. São 13 milhões de brasileiros analfabetos.
“63% dos adultos analfabetos no mundo são mulheres, diz Unesco”


Citamos apenas dados escandalosos relativos à fome e ao analfabetismo. No entanto, grande é a lista de dados semelhantes, em diversas outras esferas da realidade, tais como: os índices de desemprego, o deficit de moradia, de saneamento, os altos índices de trabalho precário, os dados relativos às chamadas “doenças da pobreza”, de migração forçada, de escolarização e tantos outros completam uma lista quase infinda, reflexo da combinação de múltiplos fatores, a denunciarem a necessidade e a urgência de um novo modo de produção, de um novo modo de consumo e de um novo modo de gestão societal. A despeito de avanços pontuais obtidos em vários campos científico-tecnológicos, um balanço há de revelar qual pouco conseguimos, relativamente há 50 anos atrás.
Eis por que constatamos triste atualidade na encíclica analisada, cujo clamor segue a ressoar, com força sobre nossa contemporaneidade. Nossas esperanças, ontem como hoje, voltam-se para o protagonismo daquelas forças sociais grávidas de alternatividade.


João Pessoa, 22 de fevereiro de 2017

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Brasil

BRASIL - SOCIEDADE E IGREJA: Impasses, desafios e perspectivas

Alder Júlio Ferreira Calado

Como poucas vezes em sua história, o Brasil vem enfrentando uma conjuntura ético-política e sócio-econômica das mais complexas e desafiantes. Sabemos, todavia, que realidade semelhante não é exclusiva da sociedade brasileira. Enfrentam-na também, cada qual ao seu modo, todo o continente americano, a Europa e demais continentes. Aqui, focamos mais especificamente o caso da sociedade brasileira e suas interfaces com a(s) Igreja(s).

Não bastasse a profundidade da crise internacional, a golpear duramente povos e nações, a sociedade brasileira vem atravessando, nesses últimos anos, uma das maiores crises de sua história, seja pela sua complexidade, seja pela sua extensão, no tempo e no espaço. Nas linhas que seguem, tratamos de exercitar uma leitura crítica, a partir da perspectiva das classes populares e de setores cristãos ligados à  “Igreja na Base” (CEBs, pastorais sociais, CEBI, etc.).
Começamos por assinalar algumas observações que nos parece oportuno ter presentes, no início de uma  análise de conjuntura, por tratar-se de obviedades não raro esquecidas ou negligenciadas, nessas ocasiões.  Em primeiro lugar, convém atentar para a presença significativa de fatores ou componentes  estruturais que costumam incidir no espectro conjuntural. Com efeito, fatores econômicos (por ex., gigantescas práticas de desperdício de água, de energia, de alimento, de recursos públicos para a péssima gestão dos mesmos, enorme desperdício de recursos públicos com propagandas governamentais , as cifras alarmantes de desemprego...), políticos (por ex., sistemática violação de critérios republicanos, manutenção/ampliação de privilégios...) e culturais (por ex., “naturalização” de preconceitos e discriminações de classe, de gênero, de etnia, de procedência geográfica, de crenças, etc.) – devendo todos esses fatores ser percebidos em sua dinâmica interação – apresentam raízes estruturais, que têm a ver com toda uma história secular, a se refletirem também nas cenas conjunturais. Outra observação: importa ter presente aí a produção de um desencadeamento articulado das várias esferas da realidade social.

Em vão, tentaríamos compreender mais a fundo o que se passa no Brasil, contentando-nos com uma análise circunscrita exclusivamente a uma única esfera da realidade, seja ela a econômica, política ou cultural. Mesmo reconhecendo a relevância de qualquer uma delas, resulta imprescendível constatar a dinâmica interação que perpassa as esferas econômica, política e cultural. Outro registro digno de nota refere-se à necessidade de buscar as verdadeiras raízes desta crise, para além de sua imediatez, isto é: é ilusório pretender-se dar conta da atual realidade brasileira, analisando-se o que nela se tem passado apenas de três anos para cá, desde o desfecho das eleições presidênciais de 2014. Nestes útlimos anos, reside apenas o epifenômeno ou a ponta do “iceberg”, insuficiente para se dar conta, de modo consistente, da realidade observável, já que se deve tomar em conta fatores relevantes que se acham na raiz do atual desfecho da mencionada crise. Em vão, repete-se que a crise atual tenha tido origem com a divulgação do resultado das eleições presidenciais de 2014, sem negar, porém, seu peso específico no contexto da mesma crise. Sem dúvida, o processo eleitoral de 2014 comporta  marcas importantes para o desenvolvimento ulterior ao resultado das urnas, desde que o associemos a outros elementos não menos necessários à  análise do caso em tela.
Uma última observação a fazer, busca responder à expectativa e à legítima cobrança quanto ao referencial de análise aqui exercitado e já anunciado. Nosso olhar pretende ser o das classes populares, isto é, faz-se a partir dos interesses das necessidades e das aspirações da Classe Trabalhadora, comprometida com o processo de construção de um novo modos e produção, de um novo modo de consumo e de um novo modo de gestão societal, em consonância com respeito e a dignidade da  Mãe Terra e de toda a comunidade dos viventes, numa perspectiva alternativa ao Capitalismo e ao  o espectro metabólico  do Capital.

1.  Principais marcas do quadro conjuntural

Alguns sinais mais impactantes da atual realidade brasileira, concernentes às  suas distintas esferas, podem nos ajudar, como ponto de partida, nosta análise. Os índices oficiais de desemprego revelam-se aterradores: cerca de 12.3 milhões de desempregados! Cifra que pode alcançar o dobro, se incluídos no parâmetro de mensuração, certas variáveis de estimativa de desemprego não consideradas pelos critérios oficiais de mensuração do mesmo fenômeno. Situação ainda mais impactante, quando considerados certos segmentos demográficos mais afetados pelo desemprego, tais como jovens,  mulheres, negros...
Outro sinal preocuponte tem a ver com o crescente sucateamento dos serviços públicos essenciais (moradia, saneamento, saúde, educação, transporte público, segurança pública...). Ao mesmo tempo, há de se reconhecer as graves consequências resultantes do desinvestimento em políticas sociais essenciais, a exemplo da reforma agrária e da agrícultura famíliar, com pesadas consequências para a agroecologia, em contraste com o apoio e financiamento pelo Estado do hidro-agronegocio e das desastradas políiticas de mineração e de manejo florestal. Não menos danosa se tem mostrado  a atual política de endividamento, da qual decorrem o vertiginoso crescimento da dívida pública e seus respectivos serviços, sem esquecermos a exorbitante lucratividade obtida pelo setor financeiro e çelas transnacionais que atuam nos setores estratégicos da econômia brasileira. Eis alguns traços de nossa economia, a indicarem um quadro tenebroso para a enorme mairoia de nossa sociedade. Quadro fortemente alimentado pela cultura do desperdício e da corrupção sistêmica envolvendo altos setores empresáriais, grandes empreiteiras, altos funcionários das empresas estatais e políticos de referência nacional, de modo a comprometer profundamente qualquer projeto de recuperação econômica de curto prazo.

Ainda na esfera econômica, este mesmo quadro sombrio é agravado por várias outras políticas econômica em curso, tais como a política tributária, a política trabalhista e a política previdenciária. Sobre a primeira “a tributária” recai a responsabilidade por uma marcante participação no aprofundamento da desigualdade social, à medida que por um lado isênta de impostos setores econômicos prívilegiados cometendo em seu favor seguidos atos de renuncia fiscal e outros do genêro; por outro lado, penaliza os setores mais empobrecidos e a classe média seja infligindo-lhes pesada carga de impostos indiretos, seja atribuindo à classe média pesada carhga do Imposto de Renda, por meio de uma taxação relativamente regressiva, isto é, os sementos assalariados acabam pagando proporcionalmente mais do que os segmentos economicamente privilegiados.
No âmbito político, não são menos graves as injustiças e contradições imperantes, a começar pela atual organização político-partidaria, marcada pela atuação nociva de dezenas de siglas partídarias (muitas delas conhecidas como “partidos de aluguel”), São, em grandíssima parte, partido desprovidos de perfil ideológico, de compromissos programaticos repúblicanos, tendo como meta principal a de extrair vantagens, tais como fatias do fundo partidário, arrancar benesses, durante as campanhas eleitorais, em suas negociatas com os “grandes  partidos”, seja por meio de cessão de seu tempo de propganda oficial de rádio e televisão, seja por meio de acordos inconfessáveis com setores partidarios detentores de maiores chances de vitória eleitoral.

A isto se agrega um vício eleitoral recorrente, trata-se do financiamento espúrio, pelas grande empresas e empreiteiras, de partidos e de candidatos, do que decorre a instalação de uma concorrencia extremamente desigual em relação a partidos e candidatos ética e políticamente comprometidos com as classes populares, já durante a campanha eleitoral. Após esta, é apresentada, pelos financiadores aos “eleitos” a cobrança de compromissos com os interesses e prioridades, em projetos e votações ligados aos interesses de quem os financiou, pois, como diz o Adágio popular, “Quem come do meu pirão, prova do meu cinturão”...
Importa sublinhar que, dos cerca de trinta e cinco partidos com representação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, é prática corrente destes partidos, com uma ou outra exceção, a conformação a essas regras do jogo, o que é facilmene atestado pela pratica costumeira do aliancismo: Com o objetivo de vencer, a qualquer custo o processo eleitoral, são capazes de fazer aliança com Deus e com o Diabo.
Os partidos de esquerda, liderados pelo PT, até aos anos 80, mostravam-se mais vigilantes com relação aos criterios de aliança partidaria. A partir dos anos 90, tais criterios foram sendo cada vez mais relativizados e abandonados, o mesmo acontecendo à sua relação organica com os movimentos sociais e as organizações populares, que foram sofrendo uma sangria pelo crescente abandono de milhares de militantes qualificados, que passaram a ser arregimentados como assessores e quadros atuando quase que apenas nos espaços estatais. Tal foi o golpe sofrido pelos movimentos sociais populares e sindicais, que também estes passaram a alterar perigosamente seu modo de agir, de se organizar e de se formar, cada vez mais inebriados pela aposta em seus parceiros agora atuando nos vários aparelhos de Estado, fazendo retroceder toda uma tragetoria de lutas e de conquistas, bem como seu compromisso com processo organizativo e formativo de base.

No plano estritamente ético da ação política, partidos de esquerda historicamente reconhecidos pela sua lisura (ficou marcada, por exemplono imaginário popular brasileiro, a campanha intitulada “Ética na política”, protagonizada pelo PT, nos anos 90), passaram a descuidar-se deste compromisso e a resvalar em sucessivos casos de corrupção, em conluio com altos funcionários de empresas estatais e com grandes empreiteiras contratadas pelo Governo, para atuarem em obras públicas, especialmente na área de petróleo. A este respeito, tornaram-se famosos os casos julgados na Ação Penal 470 (mais conhecida como “Mensalão”) e o caso da Lava-Jato ainda em curso, em ambos os casos envolvendo diretamente grandes executivos empresariais, altos funcionários de empresas estatais, figuras operadoras do setor financeiro e lideranças políticas de vários pertidos.

No plano mais diretamente cultural, importa acentuar, pelo menos, 2 elementos relevantes: Um, que incide no plano dos valores e outro correspondente ao da mídia comercial e das redes sociais. O primeiro elemento –o dos valores- põe a nu um nítido processo de degradação ética do tecido social, grandemente influiciado pelas atitudes eticamente comprometidas de lideranças históricas de referência. Tal proceso de degradação pode ser atestado pelo comportamento cada vez mais distanciado de valores éticos almeijados. Isto se materializa em exemplos do cotidiano, tais como: a compulsão por extrair vantagens e privilégio no portar-se a uma fila de banco, ao aguardar sua vez no atendimento hospitalar, ao conduzir-se no trânsito ao aceitaer a cor dos ilícitos de compra e venda de votos, ao privatizar espaço e recursos públicos, no ambito de sua respectiva instituição de trabalho (privatizando tempo, recursos, materiais, equipamentos, etc..). Não se trata de insinuar que tal processo tenha sido desencadeaado a partir destes últimos anos. De fato, aqui se trata de uma cultura que tem raízes históricas mais profundas. Sustentamos apenas que, nas últmas decádas, tal tendência se vem acentuando sobremaneira, graças às condições favoráveis aí encontradas.

Outro aspecto a merecer destaque, no plano cultural, prende-se à estruturação e ao funcionamento dos grandes meios de comunicação (jornal, rádio e televisão), bem como ao comportamente das chamadas redes sociais. No primeiro caso, tem-se toda uma vasta população refém da difusão e da recepção acrítica dos interesses e valores  ideológico de uma meia dúzia de jornais, de canais de rádio e televisão, monopolizados por uma dezena de famílias. Esdrúxula situação em curso, já há décadas, a contrastar com o que dispõe a Constiutição brasileira, que define a exploração destes meios de comunição como serviços submetidos ao interesse público, razão por que sua exploração se dá como uma concessão pelo Estado, ao qual cabe regular, acompanhar e avaliar sua qualidade social, podendo inclusive renovar ou não tal concessão. Grande expectativa se alimentou, durante o  relativamente longo período de gestão dos governos do PT, sobre a abertura de discussão pública e de controle social da exploração de tais serviços, o que não se deu...

 Com relação âs redes sociais, conta-se, por um lado, com uma conquista social a ser celebrada, no campo da comunicação, em razão de seu crescente alcance social, e, por outro lado, dadas as condições de escassa criticidade da enorme maioria dos seus usuários, elas acabam, por vezes, tornando-se uma faca de dois gumes: tanto podem servir aos interesses dos “de baixo”, como podem propiciar um uso perversso dessas ferramentas, como se costuma observar na frequente circulação de mensagens, imagens e vídeos com uma terrível carga de preconceitos e discrimanações de classe, de gênero, de etnia, de procedência geográfica, etc., um quadro pantanoso a favorecer o desencadeamento de campanhas de alto teor misógino, homofóbico, racista, xenófobo, preconceituoso contra os presos, assim mantendo e ampliando, objetivamente, a grade de valores dominante. A respeito deste último ponto, por exemplo, não é gratuito o espectro tenebroso do sistema prisional brasileiro, sobre o qual se tornou famosa uma declaração do Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, do Governo Dilma, de que preferia morrer a experimentar as condições desumanas do sistema prisional do Brasil... O mais recente drama de sucessivos massacres de presos, em alguns Estados da do Brasil, só cnfirma este trágico espectro.
 Este é um desafio ingente, em especial, para as forças sociais comprometidas com mudanças estruturais, a exemplo dos movimentos sociais populares e de outras organizações de base.

2. Como se situam neste contexto a(s) Igreja(s) e outras forças sociais comprometidas com a construção de uma nova sociedade?

Comecemos por explicitar o que aqui estamos chamando “Igreja” e “outras forças sociais”. Tomada como  um todo – não é o que aqui fazemos -, a Igreja Católica, instituição complexa, multissecular, mutinacional, pluriclassista, reflete, em geral, as contradições que conformam todo o tecido social. Nela, podem encontrar-se as mais díspares posições, não apenas socialmente diferentes, mas por vezes, também antagônicas. Aqui lidamos, antes, com um setor dela e de outras Igrejas cristãs, que podem ser abrigadas sob um guarda-chuva conceitual – a chamada “Igreja na Base”, cujo perfil se inspira mais fortemente nas primeiras comunidades cristãs, marcadas por valores como o compromisso com as causas libertadoras dos pobres, com a solidariedade, com a partilha, com o bem comum, com o respeito às diferenças, com a compaixão em relação aos desvalidos, aos mais vulneráveis da sociedade, aos doentes e marginalizados, com os injustiçados, mas fazendo-o, de modo a tomár-los, não como alvo de dó, mas como protagonistas de sua libertação, nos termos como os assumiu, por exemplo, a Conferência Episcopal Latino-Americana de Medellín (Colômbia, 1968) e a de Puebla (México, 1979). Trata-se de um setor da Igreja Católica, contando com a solidariedade de setores de algumas Igrejas evangélicas (Metodista, Anglicana, por exemplo), que se constituiu numa relevante referência para a caminhada dos pobres, na América Latina, graças ao protagonismo de uma geração de bispos pastores-profetas, vários  dos quais foram signatários do emblemático “Pacto das Catacumbas” (Roma, 16.11.1965, pouco antes do encerramento do Concílio Ecumênico Vaticano II), circundados por uma multidão de leigos, leigas, de religiosas, de religiosos, de padres...), que conseguiram dar um novo rumo e novos caminhos de discipulado e missão, de que foi o maior sinal a opção pelos pobres. Deste setor de Igreja(s) faziam parte as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), as Pequenas Comunidades de Religiosas e Religiosos insedridos no Meio Popular (PCIs), as pastorais sociais – o Conselho Indigenista Missionário (CIMI, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Encontro com Irmãos, a Ação Católica Operária (ACO)/Movimento dos Trabalhadores Cristãos (MTC), a Comissão Pastoral Operária (CPO), a Pastoral de Juventude do Meio Popular (PJMP), a Pastoral Universitária (PU)/Movimento dos Cristãos Universitários (MCU), a Comissão Pastoral dos Pescadores (CPP), a Comissão de Justiça e Paz,  os Centros de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH), Movimento Fé e Política (e suas respectivas Escolas) o Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI), a Ação dos Cristãos no Meio Rural (ACR), o Movimento de Evangelização Rural (MER), a Teologia da Libertação (TdL)/Teologia da Enxada e tantas outras experiências eclesiais e variantes ou desdobramentos do mesmo gênero.   

Como, pois, têm-se comportado esses segmentos, diante dos impasses da atual crise, seja quanto às suas relações  “ad extra”, seja quanto às suas relações ao interno dos espaços eclesiais? Para uma melhor apreciação, importa ter aí presentes dois momentos de sua atuação, que, em poucas linhas, cuidamos de resumir. Um primeiro momento remonta às suas origens, ou seja, ao período que vai dos anos 60 aos anos 80, e o momento atual que recobre sobretudo as últimas décadas. Em suas origens, tais segmentos, seja pelo seu compromisso com os empobrecidos, seja pelo seu modo de atuar, de organizar-se, de prover sua formação e de se mobilizar, tiveram uma influência decisiva nas organizações de base de nossa sociedade. Não é, com efeito,  por acaso que várias das atuais forças sociais civis nasceram daqueles ou naqueles  segmentos eclesiais. Quem não sabe de onde vem o MST (da CPT)? Quem não se lembra do lugar ocupado por esses segmentos eclesiais na formação do PT e da CUT? De onde vieram numerosos dos seus militantes? Como se explica tamanha influência? Até que ponto esses mesmos segmentos souberam perseverar nesse seu modo de agir, de se organizar e de se formar? No tocante ao modo de atuação  - organizativo, formativo de mobilização -, podemos resumidamente destacar algumas de suas características mais fortes: --a. No plano organizativo:
- relação constante e orgânica com as bases (com as “minorias abraâmicas, pequenas comunidades, círculos bíblicos...);
- horizontalidade nas relações (protagonismo, não de uma só pessoa, mas do conjunto dos participantes, nas discussões e decisões);
- esforço de autonomia e de interconexão (cada núcleo tinha vida própria e dinamicamente articulada com outras instâncias);

 - zelo pela delegação, isto é, para a conexão com outras instâncias, em âmbitos diocesano, regional, nacional), cabia à(o)s delegados e delegadas transmitir, com fidelidade, as decisões dos membros locais, não o que bem lhes aprouvesse...);
 - observância do rodízio ou da alternância de cargos de coordenção colegiada (ênfase, não sobre o desempenho individual dos coordenadores, mas  no “co” de coordençaão): findo o prazo da gestão da equipe de coordenadores, estes voltavam ao trabalho como membros na/da base, enquanto gente da base era eleita para a coordenação;
- aposta no autofinanciamento: busca de fazer com que as atividades fossem financiadas pelos próprios membros do coletivo, evitando assim laços de dependência que lhes ferissem a automia;

b.No plano formativo:
- maior clareza sobre a importância fundamental do processo formativo, que devia ser contínuo e assegurado não só às lideranças, mas também ao pessoal da base;
- o processo formativo contínuo se dava a partir dos desafios do dia-a-dia, tanto os ligados à realidade social quanto ao aprofundamento da espiritualidade bíblica e temas ligados à caminhada do Povo de Deus, na história;
- um dos pontos altos desse processo formativo reside em sua metodologia de trabalho, feita a partir do conhecido méto de revisão de vida: o método  “Ver-Julgar-Agir”, vindo da Ação Católica Especializada (JAC, JEC, JIC, JOC e JUC);
- em todos os ambientes formativos (em casa, no trabalho, na rua, nas lutas, nos espaços eclesiais...), todos se sentem aprendizes, a partilharem seus conhecimentos e experiências de vida, uns com os outros, ou seja, todos se sentem protagonistas do seu processo formativo, cada qual com sua contribuição;
- o foco maior dos participantes estava na incessante busca de transformação da realidade, a partir da mudança de vida dos próprios formandos, lá onde a vida os coloca;
- um lugar especial nesse processo formativo o exercício da memória histórica das lutas, das conquistas, bem como dos insucessos e reveses sofridos pela humanidade, em sua história;
- outro marco dessa formação está em manter acesa a esperança, a utopia, a partir da perseverança nas lutas do dia-a-dia, junto com os “de baixo” e olhos fitos na experiência do Movimento de Jesus de Nazaré, ao longo da história...

c. No âmbito da mobilização

- entenendo-se e comportando-se como segmentos a serviço das classes populares, as diversas expressões da “Igreja na Base” não atuam enquanto um movimento social autônomo, mas, antes, como fiéis aliados dos desvalidos e marginalizados, tratados, estes sim, como sujeitos de sua libertação, a quem tais segmentos ofereciam seu apoio, sua solidariedade;
- não têm reivndicação prórpria: assumem as demandas e as lutas dos distintos movimntos sociais populares e sindicais, bem como de forças partidárias aliadas aos interesses e aspirações dos “de baixo”;
- ao fazê-lo, não poupavam esforço nem perdiam oportunidade de testemunhar sua solidariedade, inclusive nos momentos mais arriscados das lutas populares. Vasta é a lista de mártirees, de presos e perseguidos,  ligadas à “Igreja na Base, por causa de seu efetivo compromisso com as lutas das classes populares.
Tanto as forças progressistas de maior referência, perante a sociedade civil, quanto os mencionados segmentos da “Igreja na Base”, durante o primeiro período (correspondendo ao de suas origens) nutriam sérias desconfianças e quase nenhuma expectativa na ação do Estado e seus aparalhos. Não só porque se tratava ainda de um Estado sob tutela militar. Sua desconfiança também se estendia ao Estado como órgão capaz de assegurar em processo digesão correspondente às aspirações dos protagonistas da construção de uma nova sociedade, alternativa ao Capitalismo.

Tdos esses esforços empreendidos pela ”Igreja na Base” e seus aliados comportava, por certo, lacunas e limitações várias. Não obstante tal limitação, seu legado alcançou uma densidade tal que influênciou profundamente todas essas forças sociais então nascentes. O PT e a  CULT, por exemplo em suas origens, se inspiraram profundamente nos processos organizativo formativo, caracteristicos da Igreja na “Base”. Exemplos ilustrativos emblemáticos desta afirmação podem ser comprovado por exemplo, no forte investimento feito pelo PT e pela CUT na núcleação, nas decisões tomadas pela base, no autofinanciamento de suas atividades no combate à hieraquização e ao culto a personalidade, na gestão colégiada na aposta no processo formativa, no auto-financiamento, no zelo pela sua autonomia, frente ao Mercado e ao Estado, na aposta, na construção de uma nova sociedade, antes que no novo Estado...

Tanto os segmentos da ‘Igreja na Base” quanto aquelas forças sociais da sociedade civil não deram salvo exceções, prósseguimento ao seu modus opertandi. Em novo contexto inciado já nos anos 90, e a profundado nas décadas seguintes, todas elas cada uma ao seu modo, passaram a relativizar ou a negligenciar, não poucos dos seus compromissos de origem. A firme aposta na construção de uma nova sociedade foi cedendo e sucumbindo ao atalho, isto é, à progressiva aposta no suposto potencial transformador do Estado e seus aparelhos, antes objeto de desconfiança, dada a retrospectiva histórica das experiências totalitárias do chamado “Socialismo Real”. Inebriadas pelos efeitos pirotécnicos de sucessivos resultados eleitorais, nas últimas décadas passaram a distanciar-se, salvo execções das lutas e Movimento Sociais, à medida que iam apostando todas as suas esperanças nas crescentes conquistas eleitorais e acesso aos espaços estatais (Câmaras Municipais, Prefeituras, Legislativo Estadual, Governos Estaduais, Senado Federal, Ministérios, Presidência...). No fundo, estavam convencidas – equivocadamente – de que, pelo fato de os novos ocupantes das instâncias estatais serem comprometidas com os interesses populares, uma vez instalados seus representantes nesses espaços estatais, as decisões de Estado, tomadas por meio das políticas sociais, teriam o poder de mudar as estruturas sociais iníquas. Sem negar avanços significativos alcançados, durante esses governos, há de se reconhecer, num balanço crítico  e auto-crítico, que, ao fim e ao cabo a balança pesou mais para o lado adverso. Confiram-se os resultados, em ítens tais como: quanto do bolo orçamentário foi destinado à Reforma Agrária e à Agricultura familiar, de um lado, e, do outro, quanto se destinoou ao hidro-agronegócio? O que representa o montante do erário destnado aos programas socias, quando comparado com os ganhos do setor bancário e outras grandes empresas, inclusive via isenção fiscal, sonegação e renúncia fiscal? Quais os frutos efetivos do aliancismo, no terreno ético-político? Qiamto terá custado à credibilidade das forças de esquerda, aos olhos da opinião pública e mesmo dos setores populares, o vencer eleições com parceiros portadores, há muito tempo, de um perfil ampalamente duvidoso, para se dizer omínimo? Numerosos e frequentes foram os sinais, há muito tempo emitidos, sobre essa tragédia anunciada. Por que, inclusive em setores influentes da “Igreja na Base”, o pouco caso, a ausência de reação, no tempo devido? Quando começaremos a esboçar gestos convincetes em direção ao exercício (coletivo e pessoal) de uma autocrítica? Os questionamentos são tantos....

3. CENÁRIOS PROSPECTIVOS

No horizonte da história, movemo-nos nos limites da  provisoriedade. Sabemos que “tudo muda”, mas desconhecemos para que direção, em que proporção, se para melhor ou para pior... Isto vai depender de um conjunto de fatores objetivos e subjetivos, inclusive e sobretudo da qualdidade social de nossas práticas, concepções e projetos. Nada está dado definitivamente. Convivemos no plano das possibilidades, até  do imponderável. Ao mesmo tempo, dispomos de uma margem de previsibilidade, de probabilidades. Entre um âmbito e outro, é que ousamos projetar  alguns cenários prospectivos, seja quanto a desafios de caráter societal, seja quanto a perspectivas eclesiais.

No plano societal, tanto podemos marchar em direção acenando para superação de impasses, apontando para um horizonte pós-capitalista e dos traços metabólicos do Capital, como podemos seguir dando passos em falso, ainda que com um discurso afiado, logo desmentido pela força do concreto. Neste último caso, como isto pode dar-se? Primeiro, se as forças de transformação, os movimentos sociais populares, sindicais, da esquerda consequente e outras organizações de base não assumirem, para valer, nosso compromisso de auto-avaliação (coletiva e pessoal), ante uma sucessão de graves desencontros e infidelidades ao nosso próprio horizonte. Tal desisão passa, por exemplo, pelo claro reconhecimetno do progressivo distanciamento (por parte de dirigentes e de setorers da base), em relação a diversos pontos axiais de nossas origens. Istoo implica em reexaminarmos, com coragem e determinação, o que fizemos, ao longo dessa trajetória e deixamos de fazer, em consonância e em discrepância desses compromissos de base: tanto os de natureza organizativa, quanto os de caráter formativo, quanto os de mobilização.
Num exercício desse porte, muito teríamos a ganhar, se buscamos identificar a partir de onde, as coisas (e que coisas) começam a tomar um rumo e uma dinâmica discrepantes dos compromissos assumidos, tantas vezes e em distintas instâncias decisórias de nossa organização. Sem assumirem o compromisso de auma auto-avaliação, não apenas perdem ainda mais credibilifade perante a sociedade civil e perante os próprios setores das classes populares, de quem se dizem representantes, mas também já não merecem figurar entre os protagonistas fiéis à Classe Trabalhadora e seu projeto de transformação. Neste mister, vão ser suas novas práticas – e não mais seu discurso – a grande referência para as classes populares, que vão estar ainda mais vigilantes aos frutos concretos de sua autocrítica.

Assim, hão de conseguir “dar a volta por cima”, e retomar seus trabalhos, em novo estilo, junto com o conjunto de suas bases. Desde então, estarão mais sensíveis e solidárias a um amplo leque de lutas que andam acontecendo, no campo e na cidade. Saberão (re)descobrir a força transformadora – ainda que de modo molecular – que se acha em numerosas experiências populares, prenhes de alternatividade. Vão (ree)descobrir um certo número de iniciativas em curso, ao longo do país. Desde o campo das experiências de convivência alternativa com o Semiárido, a elas se juntando e as fortalecendo e potencializando, a tantas outras similares que sinalizam, no conteúdo e na metodologia, práticas e concepções alternativas ao modelo imperante, sendo, elas próprias, seu antídoto, desde já, a médio e longo prazos.

No tocante especificamente à “Igreja na Base”, têm desafios semelhantes, a começar de sua disposição de fazer também sua auto-crítica, tomando como referencia práticas e concepções que foram decisivas em suas origens, com enorme influência sobre várias organizações de base da sociedade civil então nascentes. É possível que lhes sejam úteis perguntas do tipo:
- Até que ponto, a despeito de nossas predicas, estamos sendo coerentes com aquelas práticas e concepções que tantam alimentaram nossas origens, nas ações organizativas, formativas e de mobilização?
- Numa comparação (auto) crítica de nossas atuações antes e depois dos governos petistas, será que tivemos a mesma força profetica de denúncia, em relação a fatos e mazelas da mesma natureza?
- Em que medida, em vez de influenciar positivamente várias organizações da sociedade civil junto às quais atuamos, acabamos, por vezes também sucumbindo às armadilhas ético-políticas que o modelo imperante nos infligiu?
- Em que medida terá sido benéfica uma aproximação demaisado intíma com as forças sociais partidarias ocupantes dos espaços estatais, em vez de preferimos manter o minímo de distância crítica, como condição de exercício ético?
- Teremos sido suficientemente auto-vigilantes quanto ao esforço de renovação do nosso pessoal na prestação dos vários serviços  as classes populares, inclusive de acessória?

Como dito, o exercício de autocrítico constitui o primeiro passo necessário, em vista de uma retomada consistente e crediível das atividades, em novo estilo, junto aos diversos protagonistas do mundo dos pobres e das classes populares de cuja causa libertadora  nos pomos a serivço. Retomada em novo estilo que se há de fazer, com destaque no processo organizativo, no compromisso formativo e na ação mobilizadora. Retomada em novo estilo não significa partir da estaca zero. Quantas lições podemos recolher de nossa atuação – seja no plano organizativo, seja no âmbito formativo, seja no terreno da mobilização -  nos anos 80, por exemplo, e cuja eficácia transformadora foi testada, enquanto a elas nos mantivemos fiéis! Também, hjoje, somos instados a reavaliar propositivametne nossa agenda, à luz de dezenas, cenenas de experiências grávidas de alternatividade, espalhadas pelo Brasil e pelo Nordeste. Experiências que, em sendo por vezes moleculares, são portadoras de sementes da nova sociedade que buscamos construir, no chão do nosso cotidiano, para além de nossa cega teimosia em seguirmos apostando no que não dá certo – “pelos frutos se conhecem as árvores””...

João Pessoa, 14 de fevereiro de 2017.




sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

NO DISCIPULADO E NA MISSÃO, CRISTÃ(O)S REENCANTAM O MOVIMENTO DE JESUS: notas a propósito do empenho pela unidade dos Cristã(o)s

NO DISCIPULADO E NA MISSÃO, CRISTÃ(O)S  REENCANTAM O MOVIMENTO DE JESUS: notas a propósito do empenho pela unidade dos Cristã(o)s

Alder Júlio Ferreira Calado

Nesses tempos atípicos e de profunda crise, multiplicam-se e se agravam os contrastes. A eleição (seguida da recente posse) de Trump se acha nas antípodas do papel de liderança de novo tipo, cumprido pelo Bispo de Roma, em gestos, palavras e escritos (cf., por ex., recente entrevista deste, concedida a El Paí, onde expõe suas fundadas inquietações acerca dos justificados temores em relação ao novo governo dos Estados Unidos: http://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/21/internacional/1485022162_846725.html) Tempos de guerra e de paz. Tempos de misérias e de esperanças. A carnificina em curso no sistema prisional brasileiro contrasta com os avanços moleculares observáveis em não poucas iniciativas de convivência com o Semiárido e com distintos biomas. Do alcance destas últimas dá mostras uma simples comparação entre os terríveis efeitos socioambientais provocados pela seca de 1979 a 1983, e os danos relativamente reduzidos da prolongada seca atual (cujos efeitos nocivos foram relativamente  menos ressentidos pelas populações do Semiárido, em comparação com a longa estiagem precedente). Ao reacionarismo que hoje prevalece, em tantas partes do mundo, opõem-se ousados empreendimentos alternativos à barbárie, sob diversos aspectos. No plano das Igrejas Cristãs, ante o ascenso de aterradoras práticas e concepções fundamentalistas, despontam experiências moleculares, portadoras de promissores sinais de relançamento do Movimento de Jesus (na perspectiva abordada por Gerd Theissen e outros).

Nunca é demais lembrar que, num mundo globalizado, em vão se cuida dos desafios crescentes, em escala apenas setorizada: para problemas globais, soluções globais. Assim, também aqui, nossa perspectiva é a humanidade, cercada de complexa diversidade, a requerer um esforço de construção de uma unidade dentro desta diversidade. Se tratamos, nessas linhas, da unidade dos Cristãos, é apenas como um ponto de partida em busca de alcançarmos a humanidade inteira, composta, em considerável medida, por cristãos, cuja importância é reconhecida, pela influência – positiva ou negativa – que exerce no mundo atual. Se com eles, com elas, podemos contar positivamente, por que não tentar?
Dos imensos e complexos desafios diante de nós, seja-nos permitido destacar apenas três exexmplos - o último dos quais tomaremos como alvo destas notas. São dignos de registro, pelo seu alcance inovador, os avanços de grupos, associações e movimentos de Leigas e Leigos, em diversas partes do mundo, a protagonizarem iniciativas e ações clamando por mudanças na/da organização estrutural eclesiástica. Em especial, cumpre destacar a ação inovadora de alguns grupos de mulheres e teólogas feministas, cujo alcance inovador  nos faz lembrar o ímpeto instituinte  de vários movimentos leigos da baixa Idade Média, em especial o Movimento das Beguinas, ao qual nos temos reportado, em outras ocasiões. Ainda recentemente, em entrevista concedida ao jornal Lacroix, de 5 de maio de 2016,  o Papa Fransisco perguntado sobre sua leitura da progressiva redução do clero da Europa, não hesitou em asinalar que, em algumas partes do mundo, (a exemplo da Coreia do Sul), foram os leigos e as leigas os principais protagonistas da evangelização, graças à  ação do Espírito Santo (Cf. http://www.la-croix.com/Religion/Pape/Entretien-exclusif-avec-pape-Francois-integralite-2016-05-17-1200760636). Em diferentes espaços eclesiais (católicos, ortodoxos, reformados), não têm sido raros relatos de expeiências inovadoras, empenhadas e inspiradas pelo propósito de responder a velhos e novos desafios do nosso tempo, à luz do Movimento de Jesus, do qual se distanciaram significativamente não poucas práticas e concepções institucionais dessas Igrejas cristãs. O terceiro exemplo a ser aqui destacado, reporta-se ao enorme esforço envidado por setores dessas mesmas Igrejas cristãs, de  construção de sólidas bases em vista da unidade dos Cristã(o)s. Este último ponto, como já assinalado, é que tomamos como objeto destas linhas. E propomos fazê-lo, da seguinte maneira: 1) começamos por contextualizar este esforço, ilustrando com alguns fatos recentes e menos recentes, nessa direção; e 2)  sublinhando alguns desafios sócio-eclesiais, cuidamos de salientar algumas condições de novo tipo, em termos de critérios comuns a serem assumidos pelos Cristã(o), empenhados na busca de uma unidade, em novo estilo (isto é, que não tenha mais a ver com uma pretensa quanto falsa uniformidade).

1) Passos recentes e menos recentes a reacenderem as esperanças de unidade dos Cristã(o)s

Tal como o Povo de Deus, em todos os tempos, também os seguidores de Jesus, tempos depois conhecideos como Cristãos, sempre se apresentaram em sua diversidade, desde seus começos. A unidade descrita em alguns textos neotestamentários, como em Atos dos Apóstolos (cap. 2, cap 4), não se fez sem a incidência de diferenças e mesmo de dissensos, inclusive em meio a figuras suas das mais destacadas, como é o caso relatado do dissenso entre Paulo e Barnabé (cf. At 15, 36-49), ou entre Paulo e Pedro (cf. Gl 2, 11-16). O conviver humano pressupõe a diversidade. É a condição em que se tecem laços de unidade. Nos casos referidos, o diálogo que permitia a exposição e superação de eventuais antagonismos e de meljhor lida com as diferenças, exercia-se por meio d os concílios, o de Jerusalém tendo sido o primeiro. Aqui se inaugura, por assim dizer,uma certa cultura consultiva ou conciliar ou sinodal, isto é, uma via democrática de se enfrenar e de se superar confilitos, que também fazem parte da caminhada humana, incidindo portanto ao interno dos espaços eclesiais.

Ocorre que, assim como sucede aos caminhos de liberdade – sempre ameaçados pelos caprichos do poder -, a via consultiva iria sofrer sucessivos ataques. Entre os que se diziam cristãos, também, era grande a avidez de poder, por parte de grupos minoritários, a quem pouco ou nada interessa uma organização em constante movimento, desde a base.

Acompanhando a evolução histórica do Cristianismo, constatamos, om tristeza, a crescente inflluência de grupos minoritários sobre o conjunto do povo cristão, a implicar crescente concentração de poder nas mãos de seus protagonistas, isto é, do clero. Para tanto, este passa a conceber e a pôr em prática várias estratégias de controle do poder. Uma primeira prende-se a estabelecer uma progressiva apartação de seus membros em relação ao conjunto dos cristãos, no que diz respeito sobretudo à forma de organização das estruturas eclesiásticas (normativa, disciplinar, litúrgica, teológica, formativa), cada vez mais enraizadas en  sólida base do pensamento helenístico – donde a força atribuída aos conceitos e definições (nominalismo), ainda que descolados do chão da vida.

Outra estratégia eficaz – diretamente derivada do processo de helenização -  foi a






 elaboração de um sistema normativo, aplicado ao conjunto dos cristãos, com o claro objetivo de fazer valer os privilégios da camada dominante. Tal sistema normativo passava pela elaboração de uma teologia capaz de justificar a imposição e observância de seus privilégios. Aqui, vale ressaltar o papel fundamental cumprido pelo processo de helenização do Cristianismo, característica maior dos primeiros tempos da Cristandade. Ainda que incorporando conceitos bíblicos, estes passariam a ser interpretados de modo cada vez mais distanciado das práticas e valores do Movimento de Jesus. Nesse mesmo sentido, muito tem contribuído seu sistema doutrinário, que mais separa do que liga fé e vida. Em sua grade sacramental, por exemplo, ainda que confira ao Batismo o um lugar de relevo -  é o primeiro a ser citado, além de nos conferir uma condição de radical igualdade fraterna perante Deus -, na prática, porém, acaba sendo o Sacramento da Ordem o mais importante, não raro utilizado para garantir seus privilégios, a partir de sua exclusiva prerrogativa de produtores e controladores dos bens simbólicos, doutrina cuja eficácia – mais de poder hierárquico do que d serviço gratuito – interage dinamicamente  com sua divisão territorial em dioceses e paróquias, cujos titulares se comportam, não raro, mais como senhores feudais do que como autênticos servidores do Povo de Deus. E com uma agravante: tal estilo de organzação também contamina um número expressivo de leigos e leigas, que, por vezes, agem mais como padres autoritários do que como leigos servidores... Assim agindo, destoam consideravelmente do estilo organziativo das primeiras comunidades cristãs e do Movimento de Jesus, cujas palavras não deixam dúvida: os chefes das nações assim se comportam, mas entre vocês, não seja assim (cf. Mc 10, 42-45).   

Como é sabido, o Movimento de Jesus tem como fundamento o serviço aos pobres e desvalidos de todas as sociededades. Seus valores fundamentais são a fraernidade (portanto, o cultivo da horizontalidade nas relações de con-vivência), a partilha, o estilo de vida de sobriedade e de simplicidade, a coversão, o respeito à diversidade, a misericórida, a solidariedade, especialmente com os mais sofredores, o serviço gratuito alegre e discretamente prestado, sobretudo aos mais vulneráveis e injustiçados, isto fazendo, não como se estes fossem meros alvos de “caridade”, mas como protagonistas de sua própria libertação – “Tua fé te salvou!” - como ....  Não foram bem tais práticas e valores que constituíram ou que sigam constituindo a marca da Cristandade.  O que aqui se tem feito, salvo exceções honrosas e venerandas, vai em direção oposta. Com efeito,l o processo de apartação significou e significa, na prática, a negação desses valores, ainda que o discurso os mantenha, mas sem convencerem... Ao longo de séculos, principalmente a partir da era constatiniana (séc. IV), o clero vai aprofundando seus privilégios, para o que todo aquele sistema normativo – do qual é expressão relevante o famigerado Código de Direito Canônico – se vem mostrando enormemente eficaz..

Tal sistema normativo tem atravessado séculos, a despeito de vozes proféticas terem se levantado, em todo esse percurso. O Concílio Vaticano II (1962-1965), em que pese a ação reacionária de sombrias forças eclesiásticas, representou uma lufada de primavera, que, infelizmente, não prosperaria. Alguns de seus documetnos conclusivos, entre os quais as constituições Lumen Gentium e Gaudium et Spes. Esforço que se aprofundaria na América Latina, a partir da Conferência Episcopal Latinoamericana de Medellín (Colômbia, 1968) e de Puebla (México, 1979). Estas experiências representaram, por parte da Igreja Católica, as iniciativas mais fecundas de retomada do Movimento de Jesus. Todavia, durante os pontificados do Papa João Paulo II e do Papa Bento XVI, sofreram grave retrocesso, até à chegada do Papa Francisco, em 2013, sendo que ele segue ainda sendo uma voz no deserto...

E, em relação às demais Igrejas Cristãs, o que se tem passado, desde os respectivos processos de separação da Igreja Católica Romana? Em linhas sucintas, lembramos que, com a separação da Igreja Ortodoxa (ou das Igrejas Ortodoxas – a de Antioquia, a da Rússia, a de Alexandria...), em 1054, e das Igrejas Reformadas, em suas diferentes denominações – as ditas históricas, as pentecostais, as neo ou pós-pentecostais... (a partir de 1517), sua trajetóira específica, em relação ao Movimento de Jesus, também comporta altos e baixos, à semellhança da trajetória histórica da Igreja Católica Romana.

Nesse sentido, orientamo-nos por perguntas do tipo: que motivos fundamentais induziram tais Igrejas à separação? Teriam sido principalmente motivos doutrinais ou práticas concretas inspiradas pelo Movimento de Jesus? Como entendermos a mútua excomunhão, cometida pela Igreja Católica Romana e, em reação, também pela Igreja Ortodoxa? Que inspiração direta tem tal decisão, vinda do Movimento de Jesus?

Sem prejuízo da evolução clericalizante, a cristandade foi estendendo-se, não apenas pela Ásia Menor, mas também pela Europa Oriental e Europa Ocidental. Conflitos aqui e ali eram resolvidos, parcial ou totalmente, pelos concilios, quase todos motivados por uma disputa doutrinal, da qual resultaram diferentes dissensos doutrinais, acusados de Heresias, isto é, posições discordantes da linha doutrinal então dominante. A própria separação da Igreja Ortodoxa, da Igreja Católica Romana, se deu em razão de disputa doutrinal (principalmente em relação às interpretações sobre o mistério da Santíssima Trintade). Por outro lado tal cisão também se deveu a uma disputa de poder: enquanto a Igreja Ortodoxa sustentava uma posição favoravel a uma organização paritária dos principais centros de organização eclesial, com perfil autonomo para cada centro, sem prejuízo de sua unidade (diz-se tratar-se de Igreja autocéfalas), a Igreja Católica Romana, por seu lado, propugnava por uma hegemonia sobre as demais, pretendendo aquela que o Bispo de Roma (chamado “Papa”) tivesse ascendência sobre os demais centros eclesiais (sobre o de Antioquia, sobre o de de Alexandria, sobre o da Grécia, sobre o da Rússia), razão principal da separação, ainda que não sofresse alteração maior sua forma interna de ogarnização, apenas a Igreja Ortodoxa passou a ter como referencia de unidade, não o Papa, o Bispo de Roma, mas o Patriarca de Antioquia.

Cerca de cinco séculos após a separação da Igreja Ortodoxa, teria lugar a separação das Igrejas Reformadas. Justamente em outubro próximo, as Igrejas Reformadas estarão a comemorar quintentos anos do início da Reforma, cuja referência mais forte residiu na afixação na porta do templo de Wittemberg, por Martinho Lutero, de suas famosas 95 teses, que, como se sabe, se contrapuhhan a pontos doutrinais e disciplinares do sistema normativo católico, o que agravaria o quadro das relações entre o papado e seus apoiadores, de um lado, e parte considerável de cristãos, de outro, do que resultaria uma sucessão de episódios e represálias, inclusive a excomunhão do monge agostiniano Martinho Lutero, sucessão que também desembocou na realização, décadas depois, do Concílio de Trento, marcando uma verdadeira contra-reforma feita pela Igreja Católica, como tentativa de fortalecer seus quadros cntra a difusão das Igrejas Reformadas.

Dois pontos a destacar, a essa altura. As dissensões que culminaram com a separação dos irmãos reformados não tiveram início, nessa época. Séculos antes, eram notáveis as dissensões, ao interno da Igreja Católica. Nesse sentido, os séculos XII a XV constituem um período de numerosas sublevações, em especial da parte dos moviemntos  pauperísticos, a denunciarem os graves desmandos da alta hierarquia da Igreja Católica. Neste caso, as dissensões se davam sobretudo no campo pastoral, bem mais do que no plano doutrinal. Como se pode perceber, através de uma leitura atenta das teses de Lutero, aqui as divergências se dão especialmente no campo doutrinal, ainda que com reprecussão no plano também organizacional (mas, também, com justificativas amparadas na douotrina, bem mais do que nas característica mas fortes do Moviemento de Jesus: preferência pelos pobres, fraternidade radical, solidariedade, partilha, estilo de vida – algo bem mais comum nos movimentos pauperísticos. Destes esteve mais próximo, inclusive, um colega de Lutero, com quem dialogou um bom tempo, depois acabando distanciados. Referimo-nos ao também teólogo Thomas Muntzer, que, a exempplo de Lutero, também sustetava críticas contra a alta hierarquia, mas ia bem além de Lutero, à medida que foi capaz de radicalizar suaposição de solidariedade e defesa dos camponeses alemães, não apenas contra a alta hierarquia da Igreja Católica, mas também contra os príncipes.

A Igreja Ortodoxa, à semelhança da Igreja Católica Romana e das Igrejas Reformadas, sempre cuidou de preservar elementos fundantes do Cristianismo de Origem , principalmente no campo dourinal. Sucede que, no plano organizacional, todas seguiram ao seu modo, críterios Hierarquizantes, do tipo piramidal, em que os ministros ordenados – quase todos homens- controlam o conjunto de cada Igreja e em que seus fieis em grande parte compostos por mulheres não são contemplados pelo direito de decidir sobre as questões fundamentais do caminhar de cada Igreja. Neste particular, não lhes é fácil atestar a sua fidelidade ao moviemtno de Jesus.

Nos ultimos tempos, principalmente em algumas Igrejas Reformadas, constatam-se promissores passos de efetivo reconhecimento à condição de radical fraternidade conferida a todos pelo Batismo, inclusive reconhecendo legetimidade da vocação de mulheres à condição de diaconisas de presbíteras e de episcopisas.


2) Desafios e condições de aprofundamento do empenho, por parte dos Cristã(o)s, em recontruir a unidade, na perspectiva do Movimento de Jesus

Há de se reconhecer, de partida, que não vem de ontem ou de hoje o empenho pela unidade dos Cristã(o)s. Passos inúmeros têm sido dados, nessa direção. A despeito de avanços pontuais, aqui e ali, também é verdade que muita estrada ainda há pela frente. Trata-se de um desafio enorme. Basta lembrarmos que já conta com um milênio... Por outro lado, mais recentemente, novos passos nessa direção têm resultado promissores, especialment pela inovação das tentativas mais recentes. Hão de se destacar, por exemplo, no campo das relações Igreja Católica-Igreja Ortodoxa, algumas iniciativas fecundas recém-produzidas por seus respectivos líderes.

Com efeito, reconhecendo uma sequência de iniciativas pela unidade dos cristãos, pelo menos desde o Concílio Vaticano II e no imediato pós-Vaticano, graças inclusive ao protagonismo de Papa Paulo VI, do Patriarca Atenágoras, de Constantinopla e de figuras evangélicas a exemplo de Roger Schütz, além de outras. Nesse sentido, cabe sublinhar a visita feita pelo Papa Paulo VI ao Conselho Ecumênico de Igrejas, em Genebra, em 1969: cf. https://w2.vatican.va/content/paul-vi/fr/speeches/1969/june/documents/hf_p-vi_spe_19690610_consiglio-ecumenico-chiese.html
 Antes mesmo, ainda durante uma aula conciliar do Concílio Vaticano II, mais precisamente, em 7 de dezembro de 1965, repercutiu positivamente a declaração conjunta emitida pelo Papa Paulo VI e pelo Patriarca Atenágoras, da Igreja Ortodoxa de Constantinopla, na qual manifestavam sua disposição comum de mútuo reconhecimento de descaminhos trilhados, no passado (desde 1054), bem como de se empenharem na superação desta chaga, ainda que também reconheçam a complexidade da causa, em favor da superação da qual estavam dando um passo (cf.
  
Sucede que é, a partir do pontificado do Papa Francisco, que se têm dado passos mais promissores, seja em relação à Igreja Ortodoxa – em significativos encontros com o Patriarca Bartolomeu, da Igreja Ortodoxa Grega, com o Patriarca Kirill, da Igreja Ortodoxa Russa, seja com o Arcebispo Hieronymos, de Atenas -, seja com líderes de Igrejas Reformadas, a exemplo do encontro por ocasião dos preparativos da comemoração dos 500 anos das Igrejas Reformadas, atendendo ele a convite dos dirigentes da Federação Mundial  Anglicana, em Lund, na Suécia, além de sua presença em encontros ecumênicos na Itália.

A novidade desses encontros reside na disposição de pôr em prática um ecumenismo de base evangélica, na perspectiva do Movimento de Jesus, cujo propósito fundamental não é de examinar pontos doutrinais, mas o de buscar pontos comuns, a partir dos valores evangélicos – de serviço à causa dos pobres e desvalidos, da justiça, da, da solidariedade com os sofredores. Trata-se de aspectos bem presentes nesses encontros, como sucedeu em sua visita comum a Lesbos, em tocante iniciativa de solidariedade aos refudiados, sempre abertos e prontos à força da oração e do diálogo fraterno. O mesmo vale em relação à busca comum de unidade com os irmãos e irmãs reforados.

O quê, então, ressaltar com mais força dessas iniciativas de busca de unidade, em novo estilo? Vários pontos podem ser destacados. De nossa parte, sublinhamos alguns deles. Um primeiro aspecto decisivo a merecer destaque, é de se entender e se viver essa nova busca de unidade entre os cristãos, como expressão do contínuo processo de conversão, a que são chamados todos os que se colocam a serviço da (re)constrção da unidade. Em séculos passados, ficou gravada a expressão: “Ecclesia semper reformanda est” (A Igreja deve estar sempre em processo de reforma). Uma variante desta expressão é a seguinte: “Reformata, Ecclesia semper reformanda est.” É claro que isto guarda forte atualiade: a renovação é um horizonte sempre presente em nossa vocação discipular-missionária. Sem embargo, a mesma expressão pode ser interpretada como um apelo mais institucional – e o é! – do que um chamamento mais direto a uma constante renovação dos Cristã(o), seja no âmbito institucional, seja no plano pessoal. Para evitar certa tendência a uma interpretação apenas institucional, talvez melhor nos sirva o apelo mais direto à conversão, entendida como processo, cmo algo ininterrupto, algo susceptível de ser assim expresso: “Conversi, Christiani semper convertendi sunt” (Uma vez convertidos, os Cristã(0) devem sempre estar em processo de conversão). Não apenas sua instituição, mas também pessoalmente. Daí o apelo mais forte ao movimento como modo de superar o risco da institucionalização, vale dizer, da burocratização. Daí a grande inspiração no Movimento de Jesus. São evidentes os riscos burocratizantes e de engessamento dos carismas pela rotinização institucional. Daí a inspiração no Movimento de Jesus, constituído de, e animado por uma discipulado itinerante, sempre aberto ao novo, sempre pronto a novos aprendizados e novas experiências missionárias. Processo de vonversão que implica novos critérios de organização, de formação, de mobilização.

Um outro aspecto deste esforço mais recente em busca da unidade dos Cristãos – como passo necessário à busca de unidade na diversidade do conjunto dos Humanos, tem a ver com incorporação e desenvolvimento de novos  critérios. À diferença de tentativas precedentes, as mais recentes se acham sobremaneira impregnadas de uma unidade que se vá construindo a partir da experiência conjunta de presença e solidariedade efetiva com os pobres e sofredores. Os próprios momntos de oração comum se acham bem inspirados de motivações de promoção da justiça, como fundamento de construção da paz desejada. Aí não se trata de uma presença assistencialista – expressão de um sentimento de dó -, mas, antes, de um empenho em ajudar os pobres, os desvalidos, os injustiçados a despertarem e a porem em prática suas potencialidades libertadoras, seu protagonismo libertáio. Mais uma vez, somos instados a, rente às urgências presentes e aos apelos maiories do Evangelho,  relativizar disputas doutrinárias em prol de assumirmos a essencialidade do Seguimento de Jesus: a causa libertadora dos pobres. Se na Idade Média (e para além dela), houve quem tornasse prioridade a questão doutrinária – diferentemente do Evangelho e do testemunho de Jesus de Nazaré -, a ponto de se bradar que “Extra Ecclesiam nulla salus” (Fora da Igreja, não há salvação), hoje, contudo, somos chamados a bradar e a pôr em prática outro clamor: “Extra pauperes, nulla sallus” (Fora dos pobres, não há saída)... Aqui, nos cumpre exercitarmos uma interpretação adequada e atualizada de quem são esses pobres, essas vítimas, esses injustiçados, para além de uma interpretação que os restrinja apenas aos pobres convencionais, de modo a incluir também: a Mãe-Terra, as mulheres, as vítmias de feminicídio, de misoginia, de etnocídio, de genocício, de racismo, de homofogia, de xenofobia, etc., etc., etc. Nesse sentido, somos convidados a associar-nos às lutas travadas, por exemplo, nos Estados Unidos, juntando-nos a uma significativa rede de mulheres, de religiosas, de cristãos de várias Igrejas e confissões e sem confissão...) que se têm organizado e mobilizado cntra as distintas de formas de barbárie representadas pela proposta de Trump e companhia...    

Um outro aspecto a enfatizar como critério a ser observado, em nossa aventura de busca de unidade entre os Cristãos – sempre tendo em vista a perspectiva de unidade dos Humanos, em comunhão com a dignidade da Mãe-Terra – tem a ver com o nosso compromisso de cuidar decididamente de nossa “Casa Comum”, causa primordial para a qual aponta tão bem a proposta feita na “Laudato sì”, feita aos Humanos pelo Bispo de Roma.

Nessa mesma busca de unidade, em novo estilo, cumpre ressaltar a necessidade de uma crescente abertura comum à diversidade humana. Os caminhos do Reino de Deus, anunciado e inaugurado por Jesus, são de uma diversidade inesgotável. Quem pode limitar as vias escolhidas pelo Espírito Santo? Quem é capzar de fechar-Lhe os caminhos? Quem é capaz de enjaular o Espírito Santo, Espírito de Liberdade? Não será que a  unidade que todos somos chamados a ir construindo, não passa pelo reconhecimento da inesgotável diversidade dos caminhos do Espírito Santo, sendo nosso papel o de tecelões e tecelãs dos infinitos fios desta diversidade, seguindo os critérios do Movimento de Jesus?



 João Pessoa, 03 de fevereiro de 2017