sexta-feira, 22 de novembro de 2019

DEPUTADO DESTRÓI CHARGE CERTEIRA E “A ARTE BATE O PREGO NA FERIDA"


DEPUTADO DESTRÓI CHARGE CERTEIRA
E “A ARTE BATE O PREGO NA FERIDA"

Alder Júlio Ferreira Calado

Inspirado em um mote criativo
Recolhido no espaço virtual
Eu me ponho a glosá-lo, afinal
Sempre atento e seguindo o meu crivo
E assim o combate eu reativo
Viva a arte, expressão de plena vida
E os artistas, sua obra atrevida
A Latuff, o louvor contra a asneira
Deputado destrói charge certeira
e “a Arte bate o prego na ferida".

João Pessoa, 22 de novembro de 2019.

terça-feira, 19 de novembro de 2019

É ECOCIDA A SANHA DO DESPERDÍCIO! Por um modo de consumo alternativo.

É ECOCIDA A SANHA DO DESPERDÍCIO! 
Por um modo de consumo alternativo.


Alder Júlio Ferreira Calado 

Dentre os vícios mais danosos de nossas sociedades contemporâneas, destaca-se o da cultura do desperdício, não se trata de práticas pontuais de esbanjamento, mas de uma crescente sucessão de formas de desperdício caracterizando uma grave mazela de nossos tempos. No caso da sociedade brasileira, a mania de desperdício vem impactando, sob vários aspectos, constituindo uma enorme cadeia de uma cultura do dilapidação em sua vasta multiplicidade, constatamos desperdícios, diferentes campos da realidade: desde a esfera econômica, passando pelo plano político, e estendendo-se a diversas manifestações da esfera cultural. A cultura do desperdício afeta negativamente o planeta e os humanos. Antes, de situarmos vários exemplos de desperdícios praticados, em diversas sociedades, inclusive no Brasil, fazemos questão de destacar que este tema merece sempre ser tratado, de modo a realçar a íntima conexão entre os macro e os micro desperdícios, isto é, entre a utilização abusiva dos bens e produtos da Terra e da Humanidade, por parte do Mercado (Mercado Transnacionais, grandes empresas atuando na industria, no Comercio, no Agronegócio, nos serviços…) e do seu Estado, e, por outro lado, as práticas perdulárias das pessoas comuns, no dia a dia. Por exemplo, no caso do uso da água, não se deve esquecer que o agronegócio é um dos grandes esbanjadores deste bem da humanidade, no caso do Estado, temos outro exemplo de macroesbanjador: basta ver, os gastos públicos escandalosos com milhares de obras inacabadas. 

No Brasil, são desperdiçados, diariamente, alimentos, produtos tecnológicos, água, energia, solo, subsolo, florestas, mares e oceanos, tempo e trabalho no âmbito da política, modos de sentir, de pensar, de querer, de agir, incidindo também no campo da Cultura. Não é por acaso que insistimos em que não se trata de desperdícios pontuais, mas produzidos em forma de sistema, a revelar, sobretudo, a face mais perversa do modo de consumo que prevalece, no atual modo de produção capitalista do que trataremos nas linhas que seguem. Nosso propósito não se esgota na descrição sumária das formas de desperdício, bem como numa mera denúncia, mas também ousamos propor pistas de superação dos múltiplos desperdícios, em vista de semear ideias e compromissos rumo a um modo de consumo alternativo a este estado de coisas.

Em nosso dia a dia, podemos observar a enorme variedade de manifestações de desperdícios. Comecemos por relembrar formas de esbanjamento, pelo que se passa com os produtos alimentícios nas feiras, nos mercados, somos constantemente testemunhas de uma insana prática de desperdício. Estragamos verduras,  frutas, carnes e tantos outros produtos alimentícios, inclusive industrializados. Não se trata de um comportamento apenas individual, não se trata de desperdício cometido por uma única pessoa ou por uma única família, trata-se, em verdade, de dezenas, centenas e milhares de pessoas e famílias, numa mesma cidade, a usarem e abusarem desses alimentos. Prova disto está, por exemplo, na bela iniciativa de muita gente indo às feiras e aos mercados e outros lugares de comércio, em busca de recolher em cestas, balaios destes produtos plenamente ainda aproveitáveis e, no entanto, jogados no lixo. Estas equipes benevolentes os recolhem e os destinam a tarefas bastante louváveis, à medida que transformam cestas e mais cestas coletadas em refeições saborosas para multidões de pessoas necessitadas.

Além do desperdício no campo dos alimentos, convém lembrar outras formas de esbanjamento. Por exemplo, o desperdício de água. Mesmo sabendo a escassez e a preciosidade da água, bem comum da humanidade, seguimos pouco atentos e menos ainda comprometidos com seu bom uso. Em nosso dia a dia, desperdiçamos água, em vários momentos: gastamos, em um banho, muito mais água do que necessitamos; desperdiçamos água quando deixamos grandes vazamentos na rede pública, por muito tempo ponto, ao lavarmos a louça, ao escovar os dentes e até ao lavarmos as mãos e abusar das descargas. E o que dizer, até do abuso de papel higiênico e papel toalha? E como lidamos com o plástico? Tudo poderia e deveria ser feito sem qualquer prejuízo para a nossa saúde. Mas a cultura do desperdício nos induz a práticas da nossas ao planeta e aos humanos. 

No caso da energia, também são diários os casos de desperdício. Desperdiçamos energia, dia a dia, em nossa casa, quando deixamos lâmpadas acesas desnecessariamente. E, desperdiçamos energia quando abusamos do chuveiro elétrico, podendo usar o chuveiro elétrico em bem menos tempo; desperdiçamos energia - e o que é mais grave - nas escolas públicas ao deixarmos acesas as lâmpadas, ainda quando não estão acontecendo as aulas; desperdiçamos energia ao não nos conformarmos ao ritmo das estações, preferindo o uso e o abuso de salas ambientados, com ar-condicionado, fator considerável do consumo de energia, de modo a demandar ainda mais hidrelétricas, a fim de satisfazer nossos caprichos consumistas. 

Mas não para aí a cultura do desperdício. Estende-se, não menos, ao abuso de aquisição de produtos tecnológicos, muitos dos quais ainda em bom funcionamento. Mesmo quando perdem um pouco de velocidade ou eficácia funcional, muitas vezes um simples conserto é capaz de repará-los, mas, consumistas contumazes preferimos, deixá-los ou mesmo jogá-los no lixo. E não se trata apenas de computadores e celulares. Em verdade, são muitos os produtos, os utensílios e objetos que jogamos fora, com o único objetivo de adquirir novos  objetos, sem qualquer compromisso com os efeitos nocivos deste desperdício, profundamente danoso ao planeta e aos humano. A este respeito, aliás, nunca é demais acentuar a sanha consumista à qual se subordina o comércio de uma vasta gama de bens e produtos, indo de roupa, calçado, produtos cosméticos, automóveis, situação que nos convida, cada vez mais, a passarmos da sanha consumista a uma cultura da sobriedade (do Bem Viver). 

Também no plano político, é forte a incidência consumista, manifesta em diferentes situações. Por exemplo, o que dizer da esdrúxula quantidade de partidos políticos existentes (em torno de 36), além de outros 70 pleiteando reconhecimento, junto às instâncias competentes a que atribuir fenômeno tão excêntrico? Como explicar que, da própria sociedade, sejam retirados, com critérios duvidosos, recursos públicos para financiamento de fundos partidários eleitorais, destinados à alimentar esta senha parasitária, em nossa sociedade? como explicar uma variedade tão grande de partidos (em torno de uma centena, entre os atualmente existentes e as propostas em curso), como também houvesse perdão como se houvesse como se também houvesse uma centena de diferentes ideologias, abalisar hein projetos e programas partidários, em vista da sociedade interrogação não se trata de uma única anomalia, mas as manifestações de desperdício ocorre também, sob outros aspectos Tempo perdido, nos espaços do congresso, destinados a discutirem assuntos completamente estranhos aos interesses da maioria da sociedade? O próprio processo eleitoral vem acompanhado de profundas anomalias e desperdício de tempo e energia, graças à produção circulação em massa de fake news, a influenciar decisivamente os resultados eleitorais.


Por um modo de consumo alternativo, que nos permita passar da sanha Consumista a uma cultura da sobriedade 

Historicamente chamados à liberdade, somos também e por isso mesmo vocacionados a darmos passos efetivos em direção a um modo alternativo de consumo. Mesmo sabendo que tal horizonte não se constrói a golpes de vontade, vamos tentando ousar passos que nos conduzam processualmente em direção a este horizonte - um modo de consumo alternativo à barbárie capitalista. Neste sentido, podemos perguntar-nos, seja do ponto de vista coletivo, seja na perspectiva individual: o que está efetivamente ao nosso alcance? Do ponto de vista coletivo, os desafios são enormes. Um deles tem a ver ver com criarmos condições favoráveis, a esboçarmos políticas públicas, nesta direção. E isto, sobre vários aspectos. Por exemplo, no caso da mobilidade urbana, grande é o desafio de implementarmos uma política de transporte público compatível com o nosso horizonte. Na prática, isto exige de nós, cidadãos e cidadãs comprometidos com a dignidade do planeta e dos humanos, um empenho crescente na direção de uma política de transporte público correspondente a este projeto. Não é mais possível continuarmos a manter uma política de transportes, de modo a privilegiar automóveis sem limite, em detrimento de transportes de massa de alternativas mais ao alcance, como no caso da bicicleta. Mais. Precisamos reavaliar, de fato, se vale a pena seguirmos dependentes da energia fóssil, ainda que saibamos que isto requer certo tempo. Também, não faz sentido continuarmos a produzir, em escala crescente, automóveis movidos à gasolina, álcool ou mesmo a gás, em vez de acelerarmos a oferta de automóveis, em escala menor, movidos a uma energia limpa. Precisamos reconhecer, por exemplo, a importância de outros modais, tais como o ferroviário, o aquático, entre outros. O que já não é mais aceitável é seguirmos renunciando parcelas significativas do orçamento público, para o financiamento das montadoras convencionais. 

Outro embate irrenunciável a travarmos tem a ver com o empenho progressivo em irmos substituindo, em prazo razoável, as fontes de energia convencionais, em favor de fontes energéticas limpas, e exemplos da energia solar, principalmente tendo em conta as vantagens evidentes características de várias de nossas regiões.

Um outro exemplo de consumo alternativo, ainda no plano macrossocial, diz respeito ao compromisso com o dinheiro público, considerando, por exemplo, os desperdícios frequentes e volumosos que se verificam em tantas obras inacabadas. Do ponto de vista político, temos muito a caminhar. Dificilmente, senão de modo impossível, seguimos apostando em que o Estado, em todas as suas esferas, seja capaz de responder positivamente aos desafios de monta encontrados. Tem feito parte da natureza do Estado sua imprescindível funcionalidade ao mercado capitalista, de tal modo que as políticas econômicas concebidas e implementadas tem a ver quase sempre com os interesses das grandes transnacionais operando nas mais diversas atividades da economia, da cultura, da Educação e até no mundo religioso.

No horizonte do consumo relativo aos cidadãos e cidadãs, de modo individual ou de pequenos grupos, há toda uma agenda a ser tomada a sério, no dia a dia de nossas relações. Neste sentido, ainda que tenhamos consciência de que muito mais coisas são necessárias a serem implementadas, temos alegria de constatar que muitas experiências alternativas, nesta direção, estão sendo desenvolvidas, principalmente no âmbito do que costumamos chamar de "correnteza subterrâneas". Dezenas e centenas de experiências apontando para avanços consideráveis, seja no plano da agroecologia, seja no da permacultura, seja nas técnicas populares de convivência com o semiárido. Vale a pena, nesta mesma caminhada, tomarmos cada vez mais fecunda iniciativa de irmos chegando perto destas experiências alternativas ao modo de consumo capitalista danosa aos humanos, à mãe natureza, à toda a comunidade dos viventes.

A título de arremate das inquietações acima alinhavadas, ousamos compartilhar dois registros, um de feição avaliativa e outro de caráter prospectivo. O primeiro registro diz respeito à necessidade de despertarmos com relação ao tamanho dos estragos cometidos, sobretudo nestes nestes últimos anos, que assim resumo: de um lado, somos instados a tomar seriamente em consideração uma gama de retrocessos, de reveses, cometidos, tanto no campo econômico, quanto na esfera política e no plano cultural. Com efeito, muitos retrocedemos, nestes últimos tempos, principalmente neste ano, à interminável sucessão de desmandos, em todas as esferas, cometidos pelo desastrado (des)governo. Não se trata de tomar em conta apenas os retrocessos sócio-ambientais, ameaçando a honra do nosso povo, perante as nações, nem se trata apenas do retrocesso em matéria econômica (a onda de privataria do patrimônio nacional), mas também no que se tem passado de retrocessos profundos na área educacional, na área cultural, todos alimentados por uma cegueira profunda da razão, negando avanços e fatos científicos comprovadamente, em todas as áreas, suscitando uma onda tenebrosa de obscurantismo. Por outro lado, somos também instados, como cidadãos e cidadãs, a despertarmos nossa atenção em relação também ao que deixamos de continuar perseguindo, isto é, ao que deixamos de avançar. Não fossem  suficientes retrocessos, importa tomar em consideração, não apenas os muitos passos que demos para trás, mas também tantos passos que poderíamos ter dado em direção a um Horizonte de humanização. 
Outro registro tem a ver com nossos compromissos em relação ao futuro. começando já por nossos passos efetivos, no presente. Neste sentido, sempre vale a pena recorrermos à Educação Popular, de feição freiriana. Ela, com efeito, nos oferece uma notável lista de compromissos a serem por nós assumidos. Um deles, por exemplo, concerne à necessidade de fitarmos continuamente a memória histórica, Isto é a gesta de nossos povos, em suas buscas, em suas lutas, em suas conquistas e em seus reveses. Revisitar esta infindável lista de fatos, em âmbito internacional, latino-americano e brasileiro, permitindo-nos agudizar nossa consciência e nosso compromisso de tirarmos lições desta história, não apenas quanto às nossas conquistas, como também em relação aos retrocessos. Além de nos induzir ao exercício da memória histórica dos oprimidos, a Educação Popular também nos ajuda consideravelmente a mantermos sempre aceso o horizonte que perseguimos no sentido de que estejamos atentos à meta que estamos buscando alcançar, sob pena de nos desviarmos do caminho que nos guia à tal meta. Esta mesma educação popular, ao trazermos elementos vigorosos com relação aos nossos compromissos frente ao passado (memória histórica dos oprimidos) e ao futuro (horizonte almejado), também nos instiga principalmente  ao exercício da Práxis, isto é, ao exercício dos nossos compromissos atuais, frente aos desafios enfrentados. 


João Pessoa, 19 de novembro de 2019

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

BRASIL, UMA REPÚBLICA? Breves considerações sobre a caminhada libertária do povo negro.


Alder Júlio Ferreira Calado

Estamos a vivenciar, de modo mais intenso, as comemorações relativas à semana da Consciência Negra. Ao mesmo tempo - já agora, a partir do calendário oficial -, hoje se celebra o dia da Proclamação da República, somos mesmo uma República? Como e por quem foi gestada, e a partir dos interesses de quem? De lá para cá, que evolução vimos tendo? Quem ganha e quem perde com esta República? Como nela se situam as classes populares: os povos originários, as comunidades quilombolas, os camponeses e camponesas, os operários e operárias, os povos das águas, das florestas, ribeirinhos, os pescadores…? E como vivem os segmentos privilegiados de nossa sociedade: os do mundo das finanças, dos paraísos fiscais do agronegócio, das grandes indústrias,  das grandes empresas comerciais e de serviço, os controladores da mídia corporativa, todos respaldados pelo Estado e seus respectivos aparelhos?

Considerando, por exemplo, a saga de Canudos, numa perspectiva crítica, o que terá representado para a comunidade de Canudos, esta República, desde suas origens? E o que dizer da saga dos povos originários e, em especial, do povo negro? O processo de colonização se revelou extraordinariamente cruel para com os “debaixo”, especialmente no processo histórico brasileiro. 

Diferentemente do contexto histórico do processo de colonização ocorrido em outros países americanos, a sociedade brasileira apresenta espantosas especificidades. Destas, com base em autores tais como Décio Freitas, Clóvis Moura, Jacobe Gorender, Júlio Chiavenato, entre outros, destacamos três: a quantidade de africanos e africanas aqui escravizados, a extensão territorial do processo escravagista e a extensão temporal. 

Do ponto de vista do efetivo demográfico de africanos e africanas aqui escravizados, o Brasil desponta como insuperável, em relação a outros países, levando-se em conta, inclusive, a subestimação dos números oficiais. No tocante à extensão territorial, há de se lembrar que, no Brasil, o processo escravagista se deu em todas as regiões, diferentemente dos Estados Unidos, cujo efetivo de africanos escravizados se concentra basicamente ao sul do país. Com relação a extensão temporal, vale destacar que, enquanto entre 1808 e 1830, o processo formal de abolição fez-se coincidir com a separação política das respectivas metrópoles, eis que, no caso do Brasil, o processo formal de abolição se estendeu, como é sabido, até 1888, 66 anos após a impropriamente chamada “Independência do Brasil”... 

E, na prática, o que redundou para os afro-brasileiros e afro-brasileiras a Proclamação da República um ano após a abolição formal da escravatura, no Brasil? Com que objetivos concretos se fez a abolição, e no que ela resultou para as condições de vida e de trabalho os ex escravos?

Fazendo um rápido balanço desses  130 anos de República no Brasil, vale a pena questionar, do ponto de vista dos “debaixo’’, tantas situações a ela ligadas. E não se trata de qualquer desprezo ou subestimação ao valor da República enquanto tal, isto é, de um verdadeiro organismo a serviço do Público, como se observa a partir mesmo de sua  etimologia - “Res publica” -, mas de questionar o verdadeiro sentido que os “donos do Poder” ( parafraseando Raymundo Faoro ), têm feito desta República, quando avaliamos a situação concreta da enorme maioria da população brasileira, majoritariamente negra, nas condições de trabalho, nas condições de vida, no acesso ao emprego, na ocupação de cargos decisórios no País, no Estado no município, nas repartições públicas?

Qual é a real posição majoritária ocupada por membros do Povo Negro? No sistema carcerária, por exemplo, quem perfaz a enorme maioria da população prisional no Brasil? Qual o percentual de negros e negras ocupando cargos decisivo, nesta República? Seja na esfera da União, dos Estados ou dos Municípios, seja ainda nos respectivos poderes (Legislativo,Judiciário e Executivo e mesmo nas Forças Armadas), na mídia corporativa, nas empresas, etc. A quantos membros do Povo Negro - mulheres e homens - se dá a oportunidade de ler e interpretar a lei maior do país, a Constituição, por exemplo no título II, capítulo II, art 7º  e em outros artigos, relativos aos direitos sociais tais como em relação ao valor do salário-mínimo, alimentação, habitação, a saúde, a educação, ao lazer e outros itens ali assegurados formalmente? Quando se veem em sua situação concreta no dia a dia, o que pensar dos direitos constitucionalmente assegurados e não usufruídas devidamente? Para quem, no dia a dia, se volta esta República? Qando se lança um olhar, por outro lado, para as condições de vida privilegiadas usufruídos pelas elites brasileiras, econômicas, políticas e culturais, que avaliação se pode ter? No sistema público de saúde, por exemplo, quem recorre ao SUS? Quem usa transporte público? Onde se acham matriculados seus filhos? E em relação as classes populares, quais as condições de defesa que lhe são assegurados, no sistema judiciário? São Tantas perguntas...  República deveria ter a ver com coisa pública, isto é, com a situação do público, quer dizer da população, do conjunto dos cidadãos e cidadãs. Quem de fato tira proveito na gestão desta República? São perguntas tantas que poderíamos acrescentar, no sentido de lembrar as elites brasileiras de sua perversidade, ao comemorarmos 130 anos de república, durante os quais, não apenas não tivemos oportunidade de assegurar direitos formalmente inscritos nas leis, como também a manter privilégios seculares até hoje. 

Nem tudo, entretanto, na trajetória do povo negro das classes populares, se resume a trevas e reveses. Há, sim, muito também a comemorar. Ontem como hoje, tem sido animadora sua trajetória de resistência, nos diversos Campos da realidade. De fato, as lutas do Povo trabalhador brasileiro nos inspiram, a todos os componentes das classes populares, a manterem viva sua esperança, a medida que buscam beber sua força da memória histórica dos oprimidos, no Brasil, na América Latina e no mundo. De esperança e luta continuará sendo a saga do povo negro, em busca de uma verdadeira República democrática, socioambientalmente comprometida, economicamente justa, politicamente participativa e culturalmente diversa, que faça jus a dignidade dos humanos e do planeta, por meio da construção, a curto, médio e longo prazos, de um novo modo de produção, de consumo e de gestão societal, ainda que de maneira processual e molecular.

João Pessoa, 15 de Novembro de 2019 

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Por um Brasil, em busca de saída sustentável: perguntas (des)concertantes.

Alder Júlio Ferreira Calado
Aprofundam-se as manifestações de barbárie, pelos quatro cantos do mundo. Também na América Latina e no Brasil. Ampliam-se os registros de agravamento da crise climática, em várias partes, com o aumento do nível do mar, a emissão de carbono, a poluição dos mares, dos rios, do solo, do subsolo, no ar (infelizmente, o caso de Nova Dalhi não é o único…); como desmatamento, com o envenenamento das plantas, dos animais, dos humanos… Na Esfera Econômica, volta a atacar a ferocidade privatista sob a alegação de modernização. Promove-se a escancarada retirada das leis de proteção aos direitos trabalhistas. O mesmo se dá no desmonte das leis previdenciárias. Não bastasse a deficitária fiscalização sócio-ambiental, eis que retira-se ainda mais o pouco de medidas de fiscalização. Inútil, por um lado, quedar-nos impassíveis perante os sinais de barbárie. Inútil, também, pretendermos superá-los a passos de mágica, por mero capricho voluntarista. Se, por um lado, estamos de acordo com o dito, segundo qual os humanos não se põem problemas para os quais já não esbocem elementos de resposta; por outro lado, somos continuamente instados a exercitar buscas de saída sustentável, com discernimento e critérios consistentes. Um destes tem a ver com a consciência de que o que hoje se passa, a despeito das diferenças, é preciso decifrar no contexto da história, de modo a não perdermos de vista tremendos desafios enfrentados por nossos antepassados, e menos ainda as formas como eles foram capazes de supera-los, o que não quer dizer sucumbir ao simplismo de reeditar mecanicamente seus feitos.
O propósito das linhas que seguem, é o de ousar compartilhar questionamentos, num exercício permanente de diálogo com tantas e tantos interlocutores, dentre os quais nos pomos a dialogar com Gustavo Barreto, a partir de seu questionamento: “Eu queria mesmo era saber onde foi que nos perdemos e, principalmente, onde estávamos mesmo?” (cf. http://consciencia.net/onde-foi-que-nos-perdemos/)
É possível obtermos êxito nos enfrentamentos nos desafios presentes, empenhando-nos apenas no conhecimento mais objetivo das forças adversárias, sem que também nos comprometamos a examinar permanentemente a natureza, os frutos e a coerência de nossas ações internas?
A quem acompanha atentamente os acontecimentos sócio históricos das últimas décadas, no Brasil, na América Latina e no mundo, assiste o direito de espanto ante os desdobramentos conjunturais em que ainda nos sentimos mergulhados? A relutância persistente por parte de nossas organizações de base em assumir qualquer responsabilidade nas experiências de retrocesso em curso, em que nos ajuda a trilhar caminhos alternativos? Mais: em que nos garante de recaídas?
Do ponto de vista dos valores que caracterizam as forças sociais de transformação, comprometidas com os interesses e com as lutas das classes populares temos sido vigilantes em sua vivência?
Historicamente chamados a ousar passos em permanente busca de uma sociedade alternativa à barbárie capitalista, temos sido coerentes e eficazes em trilhar horizonte, caminhos e posturas compatíveis?
A busca incessante de tal rumo comporta necessariamente práticas e concepções antagônicas ao modelo hegemônico e, ao mesmo tempo, compromissos concretos condizentes com o caráter do rumo almejados no que toca, por exemplo, ao horizonte almejado bem sabemos que o modelo hegemônico é movido necessariamente pela aliança orgânica entre Mercado e Estado. Até que ponto, a despeito de nossas lutas contra as principais forças do Mercado capitalista temos sucumbido reiteradamente ao fascínio dos espaços governamentais, sabidamente parceiros indissociáveis da implementação das políticas econômicas do Mercado Capitalista.
Ao revisitarmos espectro complexo da esquerda brasileira, nas últimas décadas, constatamos a enorme dificuldade de se tomar distância dos embates protagonizados Pelas nossas organizações de base, quanto a sua participação nos Espaços governamentais. com efeito, bem sabemos que, mesmo dentro de uma correlação de forças desfavorável, conquistas relevantes foram obtidas, durante os governos populares. sabemos, por outro lado, que tais conquistas só foram obtidas Graças a concessões fundamentais feitas aos setores dominantes de nossa sociedade, inclusive tendo que ceder para os mesmos setores dominantes, em especial o rentista, as fatias mais substanciosa do bolo econômico da sociedade brasileira. Eis porque insistimos em perguntar: tendo em vista que, há cerca de meio século, estivemos a apostar em tais estratégias, fundadas em concessões de migalhas das riquezas socialmente produzidas, destinados às classes populares. Que garantias temos de quê as organizações de base de nossa sociedade, em especial os movimentos sociais populares atuando com a busca de construção de um projeto alternativo de sociedade, vamos passar para uma verdadeira priorização de estratégias eficazes contra esta ordem de coisas?
Sem desconhecermos avanços pontuais conseguidos pela Via dos espaços governamentais, não podemos ignorar que os ganhos maiores resultam em direção dos setores dominantes de tal modo a agravarem os níveis das desigualdades sociais, resumidas na constatação de termos ricos cada vez mais ricos à custa de pobres cada vez mais pobres? 
Do ponto de vista econômico, por exemplo, apreciando criticamente a lista de ganhos obtidos pelas classes populares, durante os governos populares, nas primeiras décadas deste século, que resultados substantivos podemos obter? E a que custo? as sucessivas concessões estratégicas, inicialmente tidas como meras táticas conjunturais, a que ponto nos levaram? Será que, não obstante uma lista significativa de ganhos populares, representados pelas políticas compensatórias (aumento real do salário mínimo, Bolsa Família, programa Minha Casa Minha Vida, acesso de jovens das classes populares as universidades e institutos federais, além de tantas outras conquistas semelhantes), lograram manter-se por quanto tempo? De que Valerão às sucessivas táticas eleitorais, de caráter profundamente aliancista, sob alegação da necessária governabilidade?
A despeito de sucessivos e crescentes “acidentes”(?), no transporte do Petróleo, nas grandes barragem de mineração e atividades do gênero, teimamos - mesmo as forças de esquerda - em apostar cegamente num desenvolvimentismo que agride profundamente oceanos, rios, vales, solo, subsolo, flora e fauna, além dos humanos. estamos, ou não, a cometer graves equívocos em seguirmos apostando nesta via? Crescem as evidências da insanidade do Capitalismo no agravamento  das condições de vida do Planeta e dos Humanos, enquanto ainda continuamos apostando cegamente nas riquezas do pré-sal, e da mineração…

João Pessoa, 14/11/2019