quinta-feira, 26 de setembro de 2019

DEMOCRACIA, SIM! MAS, QUAL?


DEMOCRACIA, SIM! MAS, QUAL?


Em tempos de obscurantismo, parecem mais frequentes ocorrências esdrúxulas. Algo do tipo: Cristianismo sem Jesus, ditadores revestidos de democratas, ecocidas travestidos de defensores de causas sócio-ambientais... O Grito dos Excluídos, que se vem realizando, no Brasil, há 25 anos, na primeira semana de setembro, bem expressa tal estranhamento, a partir mesmo de seu tema: “este sistema não vale: LUTAMOS POR JUSTIÇA, DIREITOS E LIBERDADE. ”. C.f: https://www.gritodosexcluidos.com

Como poucos regimes políticos do mundo contemporâneo a democracia segue sendo alvo frequente de manifestações de ódio e paixão. Ainda recentemente em declaração feita por uma dos membros da família Bolsonaro em mais uma avaliação insana de modo insinuado foi desferida contra a democracia. 


Ao parafrasear o Papa Francisco, em sua última viagem apostólica à terra e suas gentes das nações africanas  em missão de reconciliação e de paz, ele se referiu a esta como uma frágil flor. Tomamos a liberdade de também nos servir de semelhante imagem para afirmar ser a democracia uma frágil flor que teima em desabrochar por entre as pedras da violência.  


A experiência vivenciada em Atenas segue valiosa à medida que centramos no poder popular a fonte primeira das decisões fundamentais a serem tomadas pela sociedade, compreendida e formada pelo conjunto de seus cidadãos.


 Que marcas mais fortes devemos sublinhar na Democracia? Vejamos alguns traços dignos de destaque.


Um primeiro se acha à vista, a partir mesmo de sua etimologia:o povo como fonte maior de poder, tal como se acha inscrito nas Constituições vigentes em tantos países inclusive na Constituição do Brasil: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição." (Artigo 1º: Parágrafo único.)


Outro ponto a merecer realce diz respeito à forma como tal poder deve ser exercido: diretamente ou de forma representativa. O que isto quer dizer? Comecemos, pela forma direta com a efetiva participação dos seus cidadãos e cidadãs, nas decisões fundamentais de interesse do conjunto da sociedade.
Desde sua etimologia (“demos”:povo; e “Kratos”: poder), Democracia aponta a Grécia como um berço. Com efeito, a Ágora ateniense constituía o espaço social, no qual se reunia a “Ekklesia” (Assembléia, Igreja). Por outro lado, convém não superestimar a democracia ateniense, por mais que lhe reconheçamos o mérito de sua inventividade. A despeito de sua etimologia, a Democracia não era exercida por todos os seus habitantes. Dela ficavam excluídas as mulheres, além dos escravos e outros segmentos considerados inferiores. Dela só participavam os homens livres. Aí se acha seu pecado original que se expandiria mundo à fora e por séculos ulteriores, até o presente.
Os limites com que nasceu a Democracia, não devem servir de pretexto para sua invalidação. Seria jogar fora a água suja da bacia com o bebê, seus limites devem antes ser entendidos como desafios a serem superados, devemos tratar tal limites como um convite à constante superação e, portanto, como um passo inicial para seu incessante aprimoramento. 


Neste sentido, importa ter sempre presentes suas potencialidades e suas lacunas. Dentre suas potencialidades, podemos sublinhar: 


·  O efetivo protagonismo do conjunto de cidadãos e cidadãs, na tomada das decisões de interesse geral (atendendo ao significado de sua etimologia: poder popular);
·  Manter viva organização e formação de cidadãos e cidadãs, como condição do exercício consciente de seus direitos e deveres;
·  assegurar o rodízio constante de cidadãos e cidadãs, como delegados e representantes dos núcleos e conselhos, organizados de forma autônoma e interconectada; 
·  submeter constantemente ao conjunto de cidadãos e cidadãs as decisões fundamentais, pertinentes à organização econômica, política e cultural do conjunto da sociedade.


Com relação às armadilhas com que se tem deparado o regime democrático no Brasil e alhures, podemos sublinhar as seguintes:
·  tem sido frequente alvo de manipulação, exercida pelos setores dominantes da sociedade (transnacionais, potências centrais do Capitalismo, monopólio financista, grandes empresas mineradoras e do agronegócio, etc.);
·  submissão da maioria da população à mídia comercial, portadora dos interesses dos setores dominantes;
·  fragilização da sociedade civil, como resultado da crise dos movimentos sociais populares e outras organizações de base, refletindo-se na insuficiente ação organizativa e formativa da sociedade civil.


A despeito dos limites da democracia, sobretudo na contemporaneidade não devemos perder de vista que, se o mundo vai mal com ela, será muito pior sem ela. Isto, contudo, não significa que nos conformamos com os seus esdrúxulos limites do presente. Somos interpelados, enquanto cidadãos e cidadãs, comprometidos com o bem comum e com a dignidade dos humanos e do Planeta, a nos empenharmos mais e mais, na direção de um Horizonte capaz de fazer justiça ao gênero humano e a toda a comunidade dos viventes 


 Neste sentido, permitimos-nos propor alguns questionamentos, a título de provocação. 


É verdade que, de todos os modos, teremos que conviver ver com os limites da democracia. Mas, não de maneira passiva. Precisamos avaliar constantemente as causas e os fatores que tem feito retroceder a democracia, no mundo contemporâneo. Por isto, seguem algumas indagações: 


Até que ponto modo de produção capitalista, principalmente nesta sua fase de profunda degradação, comandada pelo setor mais parasita deste sistema - o sistema financista -, rima com democracia ? 


          Em que país a democracia vai bem, quando subordinada aos ditames das transnacionais,das grandes potências, das grandes empresas do ramo financista, etc?


Até  que ponto o Estado, sendo um componente essencial do Capitalismo, tem compromisso com o Bem Comum e com o zelo pela dignidade do Planeta?


         Não será hora, para nossas organizações de base, retomarem, em novo estilo, o trabalho de base, priorizando o processo organizativo e formativo, para além das disputas eleitorais?        
    
          P.S. Partes deste texto acham-se citadas em caderno especial do jornal A União, de 22.09.2019 recolhidas pelo jornalista Alexandre Nunes, juntamente com outras reflexões sobre a Democracia.

João Pessoa, 26 de setembro de 2019.

terça-feira, 24 de setembro de 2019

ESTADO X SOCIEDADE: remendar tecido roto ou ousar tecer novos fios?


ESTADO X SOCIEDADE: remendar tecido roto ou ousar tecer novos fios?

Alder Júlio Ferreira Calado

"Vocês roubaram meus sonhos e minha infância com suas palavras vazias.” (...) “Vocês estão falhando conosco. Mas os jovens estão começando a entender sua traição. Os olhos de todas as gerações futuras estão sobre você. E se vocês optarem por falharem em relação a nós, eu digo: Nós nunca os perdoaremos. ” (...) “Nós não vamos deixar vocês se safarem disso. Bem aqui, agora é onde traçamos a linha. O mundo está acordando. E a mudança está chegando, goste ou não.".

(Trechos da fala de Greta Thunberg, ontem, na cúpula sobre o clima, em Nova York, criticando as lideranças políticas: https://www.npr.org/2019/09/23/763452863/transcript-greta-thunbergs-speech-at-the-u-n-climate-action-summit)

Ainda ontem, 23.09.2019, tivemos na fala da adolescente suéca Greta Thunberg, mais uma expressão convincente do enorme fosso existente, no Brasil e no mundo, entre os verdadeiros interesses da população mundial e seus respectivos governos.

As linhas que seguem, foram escritas com um propósito didático, de servirem como subsídios ao Trabalho de Base desenvolvido junto a comunidades e organizações de base tendo o Estado como alvo central de nossas reflexões críticas, atendo-nos também a aspectos relevantes vivenciados em recentes experiências formativas junto a tais organizações. 

Multiplicam-se, a olhos vistos (para quem quer ver, claro...) os sinais de crescente deterioração do Estado no que diz respeito à sua pretensa capacidade de atender aos reclamos fundamentais da sociedade, no Brasil, na América Latina e no mundo agiganta-se o abismo entre os vícios malfeitos do Estado e seus aparelhos, de um lado, e as aspirações mais legítimas da enorme maioria da população, por outro lado, quando se trata de atender e fazer valer os interesses básicos da enorme maioria da sociedade. Embora isto não seja tomado na devida conta, inclusive, por parcelas significativas das forças vivas da sociedade, em verdade este abismo entre os reclamos da enorme da maioria e os malfeitos do Estado vem atravessando séculos, ainda que se venha agravando, nas últimas décadas -. Embora não venha de hoje é verdade, este abismo entre os reclamos da maioria e os feitos do Estado vem atravessando séculos, vindo agravando-se, nas últimas décadas -, as principais vítimas deste gigantesco iato parecem de tal modo acomodadas a tal realidade, que tendem a sucumbir a uma certa “naturalização” desses males. Mesmo parte expressiva das próprias forças vivas da sociedade, ainda quando reconhece os sinais desse descaminho, tende a seguir apostando o melhor de suas forças e de suas energias em vã tentativas de remendar o já roto tecido do Estado, dele tornando-se reféns objetivos...

Não se trata de mera opinião formada acerca da incapacidade do Estado, de responder positivamente às demandas públicas fundamentais da enorme maioria da população, mas de constatações observáveis por meio dos próprios dados oficiais disponíveis, não obstante frequentes manipulações governamentais de que são alvo. A este respeito convém lembrar seguidas manifestações de desagrado ou de reprovação por parte de membros do Executivo a divulgar versões manipuladas de dados e estatísticas, inclusive refutando sem fundamento credível institutos oficiais de reconhecida base científica.

Em cada sociedade, no Brasil e alhures, organizada por via do Estado, despontam abundantes sinais de caducidade do Estado como organismo supostamente revestido da “missão” de promover o Bem Comum, ainda que, aqui e li, exceções se observem, graças à ação de agentes (no Executivo, no Legislativo, no Judiciário) comprometidos com os interesses das parcelas majoritárias da mesma sociedade. Todavia, como regra geral, o Estado, em consonância ou em subordinação às forças dominantes do Capitalismo, limita-se a fazer prevalecer as políticas sociais e econômicas ditadas por tais forças, com a agravante de que, nas últimas décadas, a voracidade do Capital financeiro vem alcançando níveis absolutamente insuportáveis. Com efeito, em todas as esferas da realidade social e s socioambiental os exemplos de morte e de perversidade se multiplicam a olhos vistos. Outros exemplos ilustrativos podem ser agregados à “saciedade” ao bel prazer. No terreno socioambiental a despeito de sucessivas conferências climáticas e organizadas, em escala mundial, desde décadas atrás, constata-se sistemático descumprimento dos compromissos assumidos, em cada uma delas, pelas potências mais diretamente responsáveis pelo acelerado aquecimento global, demonstrando a ausência de interesse e de atenção por parte dos respectivos Estados.

Neste sentido, cabe perguntarmos: diante dos incessantes casos de tragédia protagonizados pelas grandes empresas de mineração, a que interesses servem?

Em massa e redes sociais, ao monopólio exercido pela mídia comercial, espécie de partido único do Capital, a manipular, o dia todo e todos os dias, a consciência de cidadãos e cidadãs, desprovidos de condições de uma formação adequada de sua consciência crítica. Na área da educação, igualmente, campeiam as indústrias de diplomas, sem qualquer compromisso com a qualidade social da educação oferecida. Até mesmo no universo religioso, influenciado pela famigerada Teologia da Prosperidade, pontificam as estratégias de imbecilização de parcelas expressivas de nossa gente, ao ponto de, na expressão de um mote glosado por repentistas populares, assim foi traduzido o fenômeno: "No comércio da fé, Jesus não passa / De um produto vendido a prestação"...

Uma indagação a ser feita é a seguinte: por quê, observados os vícios contumazes do Estado ainda remanesce amplo apoio a seu favor? Algumas hipóteses podem ser úteis: uma primeira tem a ver com as estratégias ideológicas produzidas pelas classes dominantes. por exemplo, no cotidiano da sociedade da escola, das igrejas, da família, e principalmente por meio da mídia comercial, a enorme maioria da população acaba refém da circulação de ideias, crenças, valores e interesses, apresentados como sendo do conjunto da população, sendo, contudo, expressão dos interesses da classe dominante. Com efeito, as transnacionais, as grandes empresas, principalmente as que lidam com o rentismo, com o sistema financeiro tratam de introjetar, dia após dia, seus interesses, suas crenças, seus valores, como se fossem correspondentes aos de toda a sociedade.

Neste sentido de ideias e valores cotidianamente veiculados, e que repercutem sobre a maioria da população como se fossem verdades irrefutáveis alguns exemplos para título de ilustração: veicula-se que os pobres são pobres por conta dá má sorte. Daí o uso frequente de termos e expressões do tipo: "classe menos favorecida", "pessoas menos favorecidas pela sorte", como se a obtenção de bens e riquezas estivesse dependendo de mera sorte. Outro exemplo: a divulgação de comentários sobre pessoas ricas, bem-sucedidas, em função do seu trabalho: "Fulano hoje é muito rico, graças ao seu trabalho, pois começou quase do nada, era um simples camelô...".

Estratégias que tais acabam introjetando nas massas populares a ideia, que acaba como uma convicção pessoal, de que são pobres por que não trabalharam o suficiente para acumulação de bens e riquezas, mesmo elas próprias sabendo como sua vida é uma sucessão de esforços malogrados, reféns à uma jornada interminável de trabalhos semi-escravo, não passando da obtenção de um mísero salário mínimo. Mais grave ainda é o que se passa com sistemática ocultação, aos olhos dos "de baixo", dos mecanismos perversos de obtenção e da acumulação de bens e riquezas, por parte dos membros da classe dominante. Elas tratam de esconder sistematicamente como suas riquezas foram acumuladas, graças a exploração do trabalho de trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, nas mais diversas atividades econômicas controladas pelos setores dominantes, com a cumplicidade do Estado, através da mais-valia (absoluta e relativa), isto é a apropriação indevida de tempo de trabalho social executado pelos trabalhadores (por parte dos proprietários de terra, dos grandes industriais, dos grandes comerciantes, em breve, do conjunto da classe dominante). Tratam, ainda, de ocultar aos olhos dos trabalhadores o fato de que a apropriação dos meios de produção (terras, Indústrias, bancos, equipamentos pesados) constitui o fator determinante de acumulação de bens e riquezas, à custa do suor, do trabalho e do sangue da enorme maioria da sociedade composta de trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade.

Enfim, em qualquer das atividades exploradas nos diversos setores da economia (extrativismo, agricultura, pecuária, indústria, comércio, serviços), a engrenagem do capitalismo está sempre azeitada, voltada a extrair mais-valia, lucro dos trabalhadores e trabalhadoras em qualquer país e em qualquer tempo.

Sucede, porém, que nas últimas décadas, a voracidade do capital tem sido exacerbada, especialmente por força do rentismo, por força dos vários organismos financistas, sobretudo de seus paraísos fiscais. Com efeito, também na área dos mais diversos serviços, tais como saúde educação Cultura e no próprio Campo religioso, as atividades financeiras tem se expandido, por todo o mundo, inclusive no Brasil. Vale notar, contudo, que não se trata de se isolar o financista de outros setores do capitalismo, uma vez que, também nas atividades industriais e nas atividades comerciais, todas as atividades do capitalismo se acham organicamente interligadas. Uma prova disto pode ser verificada, por meio do exemplo de grandes grupos empresariais brasileiros dentre os quais o sistema Globo. Grande parte do seu capital é aplicada em atividades fora da área das Comunicações. A Globo detém e explora outras atividades econômicas, tais como notável número de fazendas espalhadas pelo país, além nem de extrair parte expressiva de sua renda por meio de aplicações financeiras. Isto não se dá apenas com o sistema Globo muitos outros grupos empresariais assim também atuam, no Brasil e no mundo.

Muito raramente, esses mecanismos de exploração ficam visibilizados pela imensa maioria da população, para a qual o acúmulo de riquezas tem a ver apenas com o talento administrativo de seus proprietários. Dificilmente, entende-se a dinâmica da engrenagem capitalista. Outro engano, consiste, com frequência: a falsa ideia de separação entre o capital desenvolvido, em âmbito nacional, desenvolvido em outros países. Ora, o capital só pode ser bem compreendido tomando-se em conta sua dimensão globalizante, sem o quê a percepção de seu potencial acumulativo fica prejudicada. Para se desvelar esta Trama, só é possível por meio das forças sociais - movimentos populares, sindicatos de trabalhadores, cooperativas, associações e outras organizações de base de nossa sociedade - às quais compete não apenas perceber os fios desta Trama, como também ajudar os trabalhadores e trabalhadoras, no sentido de percebê-las, criticamente, e também e sobretudo de combatê-las, pela raiz. Em vão, se espera que o próprio mercado capitalista e seu Estado disto se encarreguem, uma vez que seu papel é justamente o contrário: o de esconder, ao máximo, dos olhos Duos "de baixo" os fios desta mesma Trama.
É justamente aí que ganha corpo a ideia do necessário processo formativo das classes populares, tendo nas organizações de base sua referência neste sentido, nunca é demais insistir em que o processo formativo da classe trabalhadora deve ser obra da própria classe trabalhadora, isto é, não se deve esperar que esta formação venha a ser oferecida pelo mercado ou pelo Estado.
Seria como esperar que que a raposa cuidasse do galinheiro...

Disto resulta a necessidade imperiosa, por parte dos movimentos populares, das associações, dos sindicatos de trabalhadores comprometidos com os interesses da classe trabalhadora, de assumirem criticamente, o papel de se ocuparem deste mesmo processo formativo e de quê formação se trata. E de que formação se trata?

Em primeiro lugar, convém ressaltar que esta formação não se deve confundir com a escolarização assegurada pelo mercado e pelo Estado sem que os trabalhadores e trabalhadoras dispensem também a escolaridade, é fundamental que esta formação seja protagonizada pelos movimentos populares e outras organizações de base de nossa sociedade. Trata-se, por conseguinte, de uma formação distinta da Escola oficial, a medida que deve acontecer de forma continua, incessante, ao tempo em que é protagonizada pelos próprios trabalhadores e trabalhadoras no sentido de ser uma formação que associe várias características. Além de sua necessária continuidade destaquemos alguns traços deste processo formativo:

- Trata-se de uma formação continua, na qual os educadores e educadoras também se sentem aprendizes, enquanto educam, enquanto, por outro lado, educandos e educandas também devem exercer seu protagonismo, a partir de seus reconhecidos saberes que trazem acumulados de sua experiência;

- Tem a ver com a necessária clareza do Horizonte Libertador para o qual se orienta tal formação: trata-se de uma formação que contribua indispensavelmente no processo de humanização. Um processo que deve combinar a sensibilidade de educadores e educandos formarem em todas as suas potencialidades, ao mesmo tempo em que todos são chamados a se darem conta de seus limites. É, sim, fundamental se trabalhar continuamente limites e possibilidades.

- Tem a ver com a necessidade, exigida pelo próprio processo de humanização, exercitado com a convergência entre memória histórica, práxis e utopia, trabalhar a memória histórica significa exercitar continuamente a consciência de como a humanidade, em vários tempos e lugares tem acumulado experiências de saberes, conquistas, avanços e reveses. Trata-se, também, revisitar estas experiências históricas do passado recente e menos recente da humanidade, com o objetivo de extrair lições capazes de ajudar os sujeitos históricos a compreenderem seus limites e potencialidades, conscientes de que há diferenças consideráveis entre os desafios enfrentados no passado e por outros povos, em relação aos desafios presentes.

Não se trata de revisitar estas experiências de lutas, conquistas e derrotas, com o objetivo de um conhecimento puramente abstrato sem nexo com o presente, mas compreender os diferentes contextos sócio históricos em que se deram tais experiências, delas buscando recolher lições, além do ânimo e da inspiração que tiveram aqueles sujeitos do passado, em busca de fortalecer a consciência crítica e o potencial transformador diante dos desafios atuais.

O exercício da memória histórica pode dar-se, de modo variado, seja por meio da mística, seja pela leitura pessoal ou coletiva de uma biografia de uma figura ou de um sujeito coletivo tomada como referência para os formandos e formandas, ou por meio de outra via.  

Outro componente relevante deste processo formativo diz respeito a cotidiana materialização pessoal e coletiva dos compromissos e tarefas assumidos. Isto comporta um extenso leque de atividades, dentre as quais podemos destacar algumas. Uma delas tem a ver com o cotidiano esforço (pessoal e coletivo) de aprimoramento da capacidade perceptiva da realidade social, isto se faz pela incessante busca de ver melhor os sinais da realidade interpretar adequadamente seus sinais e toma-los a sério. Exercícios tais como análise de conjuntura constituem uma dessas tarefas, a demandar de formadores e formandos especial atenção à complexidade e dinâmica com que se dá a realidade social, em seu cotidiano. Neste sentido, a contínua atenção à diversidade de fontes ajuda consideravelmente a se ter um olhar diversificado a mesma realidade, o que ajuda a evitar-se os riscos de reducionismo ou de endogenia, isto é, a tendência de nos acomodarmos às fontes internas, sem a necessária recepção crítica e autocrítica. 

João Pessoa, 24 de setembro de 2019.

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

JOVENS SACODEM A CONSCIÊNCIA PLANETÁRIA DOS HUMANOS: traços da ação revolucionária dos jovens, inclusive da adolescente Greta Thunberg.


JOVENS SACODEM A CONSCIÊNCIA PLANETÁRIA DOS HUMANOS: traços da ação revolucionária dos jovens, inclusive da adolescente Greta Thunberg.

Alder Júlio Ferreira Calado

Nas últimas décadas, face às crescentes devastações e outras manifestações do aquecimento global, têm sido os jovens os principais protagonistas de iniciativas vigorosas, em defesa do Planeta. No momento em que, graças a insânia do desgoverno Bolsonaro e seus apoiadores necrófilos a Amazônia e outros biomas, segue ardendo em chamas, resulta fundamental acompanharmos e nos comprometermos com diversas ações em defesa do Planeta e dos humanos, protagonizadas por centenas de milhares de jovens espalhados pelos diversos continentes, em cerca de 1659 cidades de 105 países (cf. https://www.anda.jor.br/2019/04/adolescente-vegana-vence-o-prix-liberte-e-doa-premio-de-mais-de-r-100-mil-para-ongs/).

A este propósito, julgamos oportuno destacar o papel relevante cumprido por uma adolescente de 17 anos Greta Thunberg, a liderar, a partir do seu país (Suécia), o movimento de jovens que, às sextas-feiras (“Fridays for Future”) reúnem-se em frente ao parlamento, a fim de clamarem por políticas socioambientais. Vale a pena, a este respeito, (re)ouvir/ver o vídeo ou (re)ler o respectivo texto, pronunciado, ainda recentemente na Polônia durante um encontro internacional acerca das urgências socioambientais: cf. https://www.youtube.com/watch?v=dmOLlJBig8E

Se, de um lado, devemos saudar o avanço de conhecimento, de que se dispõe hoje sobre os malfeitos socioambientais, não podemos e não devemos, por outro lado, também desconhecer que o simples tomar conhecimento não é suficiente para frear os instintos deletérios dos humanos contra o planeta. As várias conferências climáticas realizadas desde inícios dos anos 1970 contando inclusive com a Rio 92 e outras q se lhe seguiram, não têm logrado o cumprimento assumido pelos participantes das tarefas acordadas, em relação ao efetivo combate do aquecimento global e suas gravíssimas consequências.

Daí a nossa responsabilidade de seres humanos e de cidadãos e cidadãs do Planeta, de tomarmos a sério nossas responsabilidades.

Nestas linhas, como acima anunciado, nos reporamos à ação protagonista dos jovens, sem, contudo, esquecer relevantes contribuições, a este respeito, igualmente oferecidas por outros cidadãos e cidadãs, a exemplo de Francisco, Bispo de Roma, especialmente por meio de sua encíclica denominada “Laudato Sì”, bem como por sucessivas intervenções suas, pelo mundo afora.

Aqui, porém, estamos a sublinhar especificamente a contribuição de uma adolescente, Greta Thunberg, de quem nos permitimos citar a seguinte intervenção:

“Nós, os jovens, estamos profundamente preocupados com o nosso futuro. A humanidade está, atualmente, causando a sexta extinção em massa de espécies e o sistema climático global está à beira de uma crise catastrófica. Seus impactos devastadores já são sentidos por milhões de pessoas em todo o mundo. No entanto, estamos longe de alcançar as metas do Acordo de Paris.
Nós, jovens, somos mais da metade da população global. Nossa geração cresceu com a crise climática e teremos que lidar com isso pelo resto de nossas vidas. Apesar disso, a maioria de nós não está incluída no processo decisório local e global. Nós somos o futuro sem voz da humanidade.
Nós não aceitaremos mais essa injustiça. Nós exigimos justiça climática! Exigimos justiça para todas as vítimas passadas, atuais e futuras da crise climática. Por isso estamos lutando! Milhares de jovens tomaram as ruas, nas últimas semanas, em todo o mundo. Agora vamos fazer nossas vozes serem ouvidas. No dia 15 de março, protestaremos em cada continente.
Temos que, finalmente, tratar a crise climática como uma crise. É a maior ameaça na história da humanidade e não aceitaremos a nossa extinção. Nós não aceitaremos uma vida com medo e devastação. Temos o direito de viver nossos sonhos e esperanças. As mudança climáticas já acontecem. Pessoas morreram, estão morrendo e vão morrer por causa disso, mas podemos e vamos parar com essa loucura.
Nós, os jovens, começamos a nos mobilizar. Nós vamos mudar o destino da humanidade, quer você goste ou não. Unidos vamos nos levantar no dia 15 de março e muitas vezes mais, até vermos a justiça climática. Exigimos que os tomadores de decisão do mundo assumam a responsabilidade e resolvam essa crise ou renunciem.
Vocês nos falharam no passado. Se vocês continuarem nos falhando no futuro, nós, os jovens, faremos a mudança acontecer por nós mesmos. A juventude desse mundo começou a se mobilizar e não vamos parar!”

Reconhecendo a densa contribuição dessa jovem, especialmente fortalecida pelo seu testemunho de vida, sentimo-nos remetidos a outras tantas ocasiões, em que indivíduos fizeram e fazem a diferença, nos processos de mudança, ao longo da história. Toda via sua ação só resulta fecunda, com o nosso compromisso coletivo de levar adiante suas provocações, em favor da causa libertária do Planeta e dos humanos.
Estamos mesmo dispostos a fazer, cada um, cada uma, nossa parte?

João Pessoa, 16 de setembro de 2019.


segunda-feira, 9 de setembro de 2019

PASTOR ITINERANTE, FRANCISCO PELA 4ª VEZ DE VOLTA À ÁFRICA: registros sobre a 31ª viagem apostólica do Bispo de Roma.


Alder Júlio Ferreira Calado

Encerra-se, hoje, em Maurício, mais uma peregrinação do Papa Francisco pelo mundo. Em 6 anos e meio de pontificado, eis que Francisco, Bispo de Roma, aos seus quase 83 anos, realiza sua 31ª viagem apostólica, desta vez visitando terras e gentes de Moçambique, de Madagascar e das Ilhas Maurício, localizadas no Sudeste da África. Entre os dias 4 e 9 do corrente. Como missionário da esperança, da justiça e da paz, segue Francisco seu itinerário Profético Pastoral, fiel aos valores centrais do Evangelho, tomando os pobres do fim do mundo como alvo preferencial de sua missão.
Visita tanto mais relevante quanto oportuna, quando nos debruçamos sobre a escalada brutal das desigualdades sociais, bem como as crescentes agressões sócio-ambientais que veem marcando nossa realidade atual, nos quatro cantos do mundo, como expressão e resultado de um sistema de morte hegemonizado pelo Capitalismo, em sua fase mais necrófila, controlada pelas forças financistas, desde seus paraísos fiscais.
O que esperam Moçambicanos, Malgaxes (Madagáscar) e Mauricianos, especialmente os mais pobres? E o que o Papa Francisco lhes tem a dizer, como peregrino da justiça e da paz, e promotor do respeito a Mãe-Terra?
Comecemos por situar brevemente estes países, e por resumir seus principais traços histórico-geográficos, econômicos e culturais. Começando por Moçambique, localiza-se na Costa Sudeste Africana e sendo banhado pelo Oceano índico, limita-se com países tais como a Tanzânia, a África do Sul, Zimbabwe, Malawi.... Conta com uma área de pouco mais de 800 mil Km², em que vive uma população entorno de 28 milhões de habitantes. A exemplo de tantos outros países da Mãe-África, Moçambique tem uma longa história de colonialismo, cujas marcas ainda se manifestam, mesmo após sua independência de Portugal, em 1975, é possível observar-se uma série de traços de dominação estrangeira, graças aos atrativos econômicos, em especial no campo do petróleo e da mineração exercidos sobre forças transnacionais.


Também do ponto de vista religioso, cumpre observar a presença do cristianismo em parcelas significativas da população, enquanto consideráveis segmentos da população seguem suas mais antigas tradições religiosas.

Do ponto de vista econômico, destacam-se suas atividades agropastoris e extrativistas, com uma pequena escala de produção industrial, em geral ligada a produtos alimentícios e similares. Trata-se, com efeito, de um país marcado pelo empobrecimento da enorme maioria de seus habitantes, graças também a um longo período de conflitos internos, não sem a participação de fatores exógenos.
Para agravar tal situação, ainda em março e abril, próximo-passados, a população de Moçambique, especialmente os segmentos ocupando a zona central e norte do país, foi vítima de dois ciclones devastadores.
Como de hábito, dias antes de empreender viagem apostólica, o Papa Francisco envia à gente e ao país a serem visitados uma mensagem de saudação em que também realça os objetivos centrais de sua visita. No caso de Moçambique, o Papa Francisco destaca tratar-se de uma viagem apostólica com ênfase na paz, na esperança e na reconciliação. Objetivos que também lhe são realçados pela gente do país a ser visitado, inclusive por meio de seus bispos e autoridades civis que o visitam.

Conforme programação acordada, Francisco parte no dia 04 p.p., em via aérea, para sua trigésima primeira viagem apostólica a Moçambique e, em seguida, a Madagascar e às Ilhas Maurício. Chega a Maputo, à tarde do mesmo dia, após várias horas de viagem, sobrevoando vários países africanos. No dia 05 é que dá início aos seus compromissos oficiais, o primeiro dos quais é cumprido em sua visita ao Presidente Filipe Jacinto Nyusi e com outras autoridades civis e representantes do corpo diplomático. Na ocasião, o Presidente Nyusi, ao apresentar-lhe as boas-vindas, destaca aspectos recentes da história de Moçambique, em especial a partir de sua independência de Portugal, em 1975. Sublinha as boas relações do povo moçambicano com a Igreja Católica, da qual, desde seus inícios, recebe contribuições, em especial, nos campos da educação e da saúde. Rememora e agradece o papel da Igreja Católica, também, na oferta de sua solidariedade às vítimas dos dois ciclones, ocorridos na parte central e norte do país, provocando danos e devastações. Agradece ao Papa Francisco, pela sua visita, sublinhando os objetivos que ele vem cumprir: o de ser um promotor das condições de paz, de esperança e de reconciliação. O presidente Niusy, ainda expressa agradecimentos ao Papa Francisco, e a Igreja Católica citando inclusive o Papa Paulo VI, quando da visita recebida, em 1970, pelas lideranças do Cabo Verde, Guiné-Bissau, Angola e Moçambique, na qual o Papa Paulo VI os encorajava na busca da Paz, com base na justiça.
Em resposta ao discurso de boas-vindas pronunciado pelo Presidente de Moçambique, e dirigindo-se também a outras autoridades presentes, o Papa Francisco fez seu primeiro discurso, em terras moçambicanas. Expressou sua alegria de estar em terra de África, na companhia de sua gente, destacou seu encantamento pelas belezas naturais daquela terra, exortando suas gentes a seguirem cuidando bem da Mãe Natureza.
Reafirmou os objetivos centrais do seu compromisso, durante sua visita: buscar caminhos de paz, de reconciliação, de esperança. Compara a paz a uma flor frágil que, que busca desabrochar por entre as pedras da violência. Regozija-se do recente acordo de paz, celebrado entre diversas forças civis, desejando e orando para que se tenha uma paz duradoura.
Para Francisco, Bispo de Roma, paz não se resume à mera ausência de guerra, mas se trata de um horizonte a ser constantemente buscado e alimentado, inclusive pela prática da justiça social, diante de graves desigualdades sociais, de que é vítima parte expressiva daquela população. Neste sentido, acentua o papel dos jovens daquele país como agentes eficazes na construção da justiça e da paz.
Exorta os presentes e, por meio deles, a sociedade civil Moçambicana, acerca da urgência de cuidados para com a nossa casa comum, atualmente agredida sob vários aspectos, mundo afora. Confira o link: https://www.youtube.com/watch?v=hgb5Y7wuqGw .
Acontecimento memorável foi o de que participou o Papa Francisco em meio a dezenas de milhares de jovens moçambicanos, reunidos em espaço público, no encontro inter-religioso. Em ambiente jubiloso com músicas e danças das tradições daquela gente, coube aos próprios jovens a coordenação do encontro. Foram convidados jovens representantes de várias confissões cristãs e não cristãs, além de outros representantes da sociedade civil. Vale a pena destacar alguns aspectos das falas atentamente escutadas pelo Bispo de Roma, em especial pontos comuns então expressos. Um deles tem a ver com uma profunda inquietação manifesta pelos jovens, quanto à relevância do esforço coletivo pela consolidação da paz, no país. A este respeito, tomaram juntos a iniciativa de organizarem um coro, gritando em uníssono, dezenas de vezes: “Reconciliar, reconciliar, reconciliar! ” Outro aspecto comum expresso nas falas dizia respeito ao anseio dos mais pobres pelo respeito aos direitos socioeconômicos em que estavam empenhados. De fato, não têm sido à toa os critérios inspiradores das viagens apostólicas do Bispo de Roma: a priorização de visitar os países mais pobres do mundo, entre os quais se incluem Moçambique e Madagascar.
Em resposta aos clamores dos jovens, atentamente escutados, o Papa Francisco cuida de ecoar, em sua fala, os pontos mais fortes desses clamores, que podem ser resumidos nos seguintes:
- O esforço coletivo de consolidação da paz, especialmente desde a celebração do último acordo entre as forças em conflito, esforço em que os jovens são chamados a exercer seu relevante protagonismo, a partir inclusive do respeito pela diversidade de expressões religiosas, como aquele encontro estava testemunhando;
- Outro aspecto sublinhado na fala do Papa, à disposição e compromisso dos jovens moçambicanos, de se doarem à causa libertadora dos desvalidos, com base na justiça social exercitada como eficaz instrumento de combate às desigualdades sociais ali reinantes;
- Um chamamento geral ao cuidado com a nossa Casa Comum, agredida fortemente, mundo afora pela cobiça de acumulação ilimitada de riquezas.
Entre os compromissos assumidos pelo Papa Francisco, um deles foi cumprido na aposição em uma capela de uma placa comemorativa – “Lápide Mateus 25” –, relativa a uma edificante iniciativa, promovida pela Nunciatura apostólica naquele país, que consiste em servir víveres alimentícios e outros meios de sobrevivência aos necessitados perambulando pelas ruas de Maputo.
A visita do Papa Francisco a Moçambique foi encerrada com a celebração da Missa, cuja homilia foi por ele pronunciada com base na leitura do Evangelho, conhecida como o “Sermão do monte”, na passagem correspondente ao chamamento que Jesus faz aos Seus discípulos e discípulas de empreenderem o caminho do amor, do perdão e da compaixão, recusando a observância da Lei do Talião (“olho por olho, dente por dente”).
Com relação à ilha de Madagascar, situa-se perto da costa leste de Moçambique, banhada pelo oceano índico e se estende por uma área de cerca de 580 mil Km², onde vive uma população estimada em cerca de 20 milhões de habitantes. Tal como tantos outros países Africanos e de outros continentes, também Madagascar foi vítima secular do processo de colonização, hora pela Holanda (o próprio nome se deve a um rei holandês...), hora pela Inglaterra, hora pela França...
Trata-se da quarta maior ilha do mundo, cercada por um conjunto de outras pequenas ilhas. A ilha de Madagascar é também mundialmente reconhecida por concentrar a mais ampla biodiversidade do continente africano, contando com preciosas fauna e flora, inclusive a famosa árvore baobá, da qual detém seis espécies dentre as oito existentes no mundo (uma na Austrália e outra no Senegal). O baobá alcança, em sua maturidade, cerca de vinte a vinte e cinco metros de altura e entre sete e oito metros de diâmetro. Suas atividades econômicas correspondem às características de outros países vítimas de colonização: atividades agropastoris, pequenas indústrias alimentícias, pesca e outras atividades extrativistas, além do turismo. Sua população se apresenta bastante diversificada, do ponto de vista étnico, compreendendo múltiplas línguas, culturas e tradições. Parte considerável da população também pratica o cristianismo, a maioria, enquanto outra parte se distribui por religiões tradicionais/ancestrais.
É neste contexto geoeconômico e cultural que se dá a tão esperada visita do Papa Francisco. Ainda bem cedo, desembarca no aeroporto da capital. Também, pela manhã, é solenemente recebido pelo Presidente de Madagascar, Andry Rajoelina, e demais membros do governo, além de representantes da sociedade civil, da Igreja Católica e de outras confissões religiosas.
Em meio a um ambiente de muita alegria, acompanhado de belas músicas regionais, a mestra de cerimônia, assumindo seu posto, convida o Presidente da República de Madagascar a pronunciar seu discurso de boas-vindas ao Papa Francisco. Em sua fala, o Presidente daquela nação, após externar seus votos de boas-vindas ao ilustre visitante, faz questão de enfatizar a importância e a oportunidade da visita do Papa Francisco, interpretando-a como um extraordinário instrumento propulsor de consolidação da paz, naquele país, e como uma alavanca para a retomada dos esforços de desenvolvimento tão necessário a toda aquela gente.

Em se tratando de um presidente recém-eleito, fez questão de ressaltar, de público, seu compromisso de trabalhar sem cessar em prol da paz e do desenvolvimento do país e sua gente, em especial dos mais necessitados.

Em resposta ao pronunciamento presidencial, o Papa Francisco agradece aos demais membros do governo e às autoridades civis e religiosas ali presentes, a começar do próprio Presidente. Em seu primeiro discurso, o Bispo de Roma externa sua admiração pela gente e pelas belezas naturais que marcam aquela abençoada terra. Relembra as dificuldades sofridas pela maioria da população, em razão das desigualdades sociais que desafiam os cidadãos e, em especial, os setores governamentais. Enfatiza a importância da biodiversidade e das múltiplas riquezas daquela terra e de sua gente, exortando a todos de seu compromisso de zelarem por aquele tesouro ora ameaçado pela ganância, pela corrupção, pelo contrabando e pelas exportações ilegais. Conclama governantes e sociedade civil, inclusive com a participação dos membros das diversas confissões religiosas atuando no país a promoverem cada vez mais condições favoráveis ao exercício de uma cidadania participativa e includente, ressaltando a necessidade e a urgência do protagonismo dos mais pobres, na luta contra as desigualdades e pela justiça social.
Retomando a palavra, a mestra de cerimônia convida a todos os presentes a fruírem belos momentos musicais, propiciados por um coral de alta qualidade estética. Ao final desta sessão, a mestra convida o Presidente e o Papa a plantarem, em frente àquele edifício, uma muda de baobá, com a ajuda de voluntários.
No compromisso seguinte, o Papa se encontrou com bispos, para uma reflexão proposta pelo Bispo de Roma. Entre os pontos focados por ele, podemos sublinhar os seguintes:
- O agradecimento aos presentes pela ação missionária naquela terra, especialmente, junto aos mais pobres;
- Enfatizou as características mais fortes da ação missionária, entre as quais, a disposição e docilidade ao chamamento de Jesus, bem como a qualidade da ação missionária;
- Alertou os bispos quanto à importância do processo formativo dos candidatos ao sacerdócio, criticando a tentação de ordenar quaisquer candidatos, sem tomarem conta sinais claros de sua vocação;
- Denunciou a tentação do clericalismo, exortando a todos a não assumirem iniciativas de clericalização dos leigos e leigas, mas antes encorajando-os a assumirem sua missão, na Igreja e na Sociedade, como vocacionados à ação missionária conforme o conselho evangélico.
Ainda à noite do mesmo dia, o Papa fez questão de estar com os jovens de Madagascar, em uma vigília, durante a qual escutou testemunhos de um jovem e uma jovem relatando sua experiência vocacional. Em seguida, propôs a todos uma reflexão inspiradora, a partir dos belos testemunhos e relatos escutados. Em seu último dia em Madagascar, o Papa Francisco presidiu à celebração da Missa, com a presença de dezenas de milhares de gente daquela Terra. Em densa homília, sempre inspirada na leitura do Evangelho correspondente ao 23º Domingo comum, o Papa Francisco sublinha valores e urgências missionárias, já acentuadas ao longo desta sua 31ª viagem apostólica.
Seu último compromisso missionário, o Bispo de Roma fez questão de compartilhar, na companhia de Sacerdotes, Religiosos, Religiosas e Seminaristas. Nesta ocasião, cuidou de reconhecer e agradecer a todos os missionários e missionárias ali atuando, pelo seu testemunho de pobreza e pelo seu compromisso com a causa dos pobres, fazendo referências a episódios e experiências edificantes de sua caminhada.
Quanto às ilhas Maurício, o país se situa relativamente perto de Madagascar, contando com uma população estimada em torno de 1 milhão e 300 mil habitantes espalhados por uma área de 2040 Km². Do ponto de vista religioso, o hinduísmo e as religiões tradicionais ocupam relevante posição. O cristianismo, com menos participação. Trata-se de uma população fortemente diversificada, inclusive com marcante presença de grupos asiáticos (chineses e hindus). Do ponto de vista econômico, a ilha se apresenta com atividades bastante diversificadas, ainda tendo na cana de açúcar uma das maiores referências, além do turismo. Importa, também, observar que Maurício é considerado um país situado entre os relativamente bem sucedidos, do ponto de vista das condições de vida de sua população.
Em uma visita breve, a aquela terra e sua gente, o Papa Francisco participou como ponto alto de sua presença da celebração da Missa, com ampla participação da população local. Durante a Missa, foi reverenciada a figura do missionário Jacques Laval, cuja ação a serviço dos pobres da região é bem reconhecida.
Na homilia, inspirada no Evangelho das Bem-Aventuranças, o Bispo de Roma sublinhou, mais uma vez, o foco central da ação cristã: a defesa e a promoção do povo dos pobres e da Mãe Natureza.
Como se percebe, estas notas não se propõem como um relato, mas antes, como um instrumento de realce da ação profético-missionária do Bispo de Roma, enquanto discípulo fiel do Reino de Deus e Sua Justiça. Entendemos que se trata de reflexões relevantes e oportunas, inclusive, para repensarmos o adequado enfrentamento dos desafios que nos cercam no Brasil, e alhures. Dentre eles, o desafio das insuportáveis desigualdades sociais, e os descaminhos trilhados pelo atual desgoverno, sob o pretexto de resolver nossos problemas, por meio de sucessivas retiradas de direitos sociais (trabalhistas, previdenciários, educacionais, sanitários...).
Com o maciço apoio da mídia comercial, vende-se a falsa ideia de que nos faltam recursos, quando se sabe que recursos não faltam quando se trata do religioso pagamento dos juros e amortizações escandalosos da atual dívida pública...
João Pessoa, 9 de setembro de 2019.