segunda-feira, 9 de setembro de 2019

PASTOR ITINERANTE, FRANCISCO PELA 4ª VEZ DE VOLTA À ÁFRICA: registros sobre a 31ª viagem apostólica do Bispo de Roma.


Alder Júlio Ferreira Calado

Encerra-se, hoje, em Maurício, mais uma peregrinação do Papa Francisco pelo mundo. Em 6 anos e meio de pontificado, eis que Francisco, Bispo de Roma, aos seus quase 83 anos, realiza sua 31ª viagem apostólica, desta vez visitando terras e gentes de Moçambique, de Madagascar e das Ilhas Maurício, localizadas no Sudeste da África. Entre os dias 4 e 9 do corrente. Como missionário da esperança, da justiça e da paz, segue Francisco seu itinerário Profético Pastoral, fiel aos valores centrais do Evangelho, tomando os pobres do fim do mundo como alvo preferencial de sua missão.
Visita tanto mais relevante quanto oportuna, quando nos debruçamos sobre a escalada brutal das desigualdades sociais, bem como as crescentes agressões sócio-ambientais que veem marcando nossa realidade atual, nos quatro cantos do mundo, como expressão e resultado de um sistema de morte hegemonizado pelo Capitalismo, em sua fase mais necrófila, controlada pelas forças financistas, desde seus paraísos fiscais.
O que esperam Moçambicanos, Malgaxes (Madagáscar) e Mauricianos, especialmente os mais pobres? E o que o Papa Francisco lhes tem a dizer, como peregrino da justiça e da paz, e promotor do respeito a Mãe-Terra?
Comecemos por situar brevemente estes países, e por resumir seus principais traços histórico-geográficos, econômicos e culturais. Começando por Moçambique, localiza-se na Costa Sudeste Africana e sendo banhado pelo Oceano índico, limita-se com países tais como a Tanzânia, a África do Sul, Zimbabwe, Malawi.... Conta com uma área de pouco mais de 800 mil Km², em que vive uma população entorno de 28 milhões de habitantes. A exemplo de tantos outros países da Mãe-África, Moçambique tem uma longa história de colonialismo, cujas marcas ainda se manifestam, mesmo após sua independência de Portugal, em 1975, é possível observar-se uma série de traços de dominação estrangeira, graças aos atrativos econômicos, em especial no campo do petróleo e da mineração exercidos sobre forças transnacionais.


Também do ponto de vista religioso, cumpre observar a presença do cristianismo em parcelas significativas da população, enquanto consideráveis segmentos da população seguem suas mais antigas tradições religiosas.

Do ponto de vista econômico, destacam-se suas atividades agropastoris e extrativistas, com uma pequena escala de produção industrial, em geral ligada a produtos alimentícios e similares. Trata-se, com efeito, de um país marcado pelo empobrecimento da enorme maioria de seus habitantes, graças também a um longo período de conflitos internos, não sem a participação de fatores exógenos.
Para agravar tal situação, ainda em março e abril, próximo-passados, a população de Moçambique, especialmente os segmentos ocupando a zona central e norte do país, foi vítima de dois ciclones devastadores.
Como de hábito, dias antes de empreender viagem apostólica, o Papa Francisco envia à gente e ao país a serem visitados uma mensagem de saudação em que também realça os objetivos centrais de sua visita. No caso de Moçambique, o Papa Francisco destaca tratar-se de uma viagem apostólica com ênfase na paz, na esperança e na reconciliação. Objetivos que também lhe são realçados pela gente do país a ser visitado, inclusive por meio de seus bispos e autoridades civis que o visitam.

Conforme programação acordada, Francisco parte no dia 04 p.p., em via aérea, para sua trigésima primeira viagem apostólica a Moçambique e, em seguida, a Madagascar e às Ilhas Maurício. Chega a Maputo, à tarde do mesmo dia, após várias horas de viagem, sobrevoando vários países africanos. No dia 05 é que dá início aos seus compromissos oficiais, o primeiro dos quais é cumprido em sua visita ao Presidente Filipe Jacinto Nyusi e com outras autoridades civis e representantes do corpo diplomático. Na ocasião, o Presidente Nyusi, ao apresentar-lhe as boas-vindas, destaca aspectos recentes da história de Moçambique, em especial a partir de sua independência de Portugal, em 1975. Sublinha as boas relações do povo moçambicano com a Igreja Católica, da qual, desde seus inícios, recebe contribuições, em especial, nos campos da educação e da saúde. Rememora e agradece o papel da Igreja Católica, também, na oferta de sua solidariedade às vítimas dos dois ciclones, ocorridos na parte central e norte do país, provocando danos e devastações. Agradece ao Papa Francisco, pela sua visita, sublinhando os objetivos que ele vem cumprir: o de ser um promotor das condições de paz, de esperança e de reconciliação. O presidente Niusy, ainda expressa agradecimentos ao Papa Francisco, e a Igreja Católica citando inclusive o Papa Paulo VI, quando da visita recebida, em 1970, pelas lideranças do Cabo Verde, Guiné-Bissau, Angola e Moçambique, na qual o Papa Paulo VI os encorajava na busca da Paz, com base na justiça.
Em resposta ao discurso de boas-vindas pronunciado pelo Presidente de Moçambique, e dirigindo-se também a outras autoridades presentes, o Papa Francisco fez seu primeiro discurso, em terras moçambicanas. Expressou sua alegria de estar em terra de África, na companhia de sua gente, destacou seu encantamento pelas belezas naturais daquela terra, exortando suas gentes a seguirem cuidando bem da Mãe Natureza.
Reafirmou os objetivos centrais do seu compromisso, durante sua visita: buscar caminhos de paz, de reconciliação, de esperança. Compara a paz a uma flor frágil que, que busca desabrochar por entre as pedras da violência. Regozija-se do recente acordo de paz, celebrado entre diversas forças civis, desejando e orando para que se tenha uma paz duradoura.
Para Francisco, Bispo de Roma, paz não se resume à mera ausência de guerra, mas se trata de um horizonte a ser constantemente buscado e alimentado, inclusive pela prática da justiça social, diante de graves desigualdades sociais, de que é vítima parte expressiva daquela população. Neste sentido, acentua o papel dos jovens daquele país como agentes eficazes na construção da justiça e da paz.
Exorta os presentes e, por meio deles, a sociedade civil Moçambicana, acerca da urgência de cuidados para com a nossa casa comum, atualmente agredida sob vários aspectos, mundo afora. Confira o link: https://www.youtube.com/watch?v=hgb5Y7wuqGw .
Acontecimento memorável foi o de que participou o Papa Francisco em meio a dezenas de milhares de jovens moçambicanos, reunidos em espaço público, no encontro inter-religioso. Em ambiente jubiloso com músicas e danças das tradições daquela gente, coube aos próprios jovens a coordenação do encontro. Foram convidados jovens representantes de várias confissões cristãs e não cristãs, além de outros representantes da sociedade civil. Vale a pena destacar alguns aspectos das falas atentamente escutadas pelo Bispo de Roma, em especial pontos comuns então expressos. Um deles tem a ver com uma profunda inquietação manifesta pelos jovens, quanto à relevância do esforço coletivo pela consolidação da paz, no país. A este respeito, tomaram juntos a iniciativa de organizarem um coro, gritando em uníssono, dezenas de vezes: “Reconciliar, reconciliar, reconciliar! ” Outro aspecto comum expresso nas falas dizia respeito ao anseio dos mais pobres pelo respeito aos direitos socioeconômicos em que estavam empenhados. De fato, não têm sido à toa os critérios inspiradores das viagens apostólicas do Bispo de Roma: a priorização de visitar os países mais pobres do mundo, entre os quais se incluem Moçambique e Madagascar.
Em resposta aos clamores dos jovens, atentamente escutados, o Papa Francisco cuida de ecoar, em sua fala, os pontos mais fortes desses clamores, que podem ser resumidos nos seguintes:
- O esforço coletivo de consolidação da paz, especialmente desde a celebração do último acordo entre as forças em conflito, esforço em que os jovens são chamados a exercer seu relevante protagonismo, a partir inclusive do respeito pela diversidade de expressões religiosas, como aquele encontro estava testemunhando;
- Outro aspecto sublinhado na fala do Papa, à disposição e compromisso dos jovens moçambicanos, de se doarem à causa libertadora dos desvalidos, com base na justiça social exercitada como eficaz instrumento de combate às desigualdades sociais ali reinantes;
- Um chamamento geral ao cuidado com a nossa Casa Comum, agredida fortemente, mundo afora pela cobiça de acumulação ilimitada de riquezas.
Entre os compromissos assumidos pelo Papa Francisco, um deles foi cumprido na aposição em uma capela de uma placa comemorativa – “Lápide Mateus 25” –, relativa a uma edificante iniciativa, promovida pela Nunciatura apostólica naquele país, que consiste em servir víveres alimentícios e outros meios de sobrevivência aos necessitados perambulando pelas ruas de Maputo.
A visita do Papa Francisco a Moçambique foi encerrada com a celebração da Missa, cuja homilia foi por ele pronunciada com base na leitura do Evangelho, conhecida como o “Sermão do monte”, na passagem correspondente ao chamamento que Jesus faz aos Seus discípulos e discípulas de empreenderem o caminho do amor, do perdão e da compaixão, recusando a observância da Lei do Talião (“olho por olho, dente por dente”).
Com relação à ilha de Madagascar, situa-se perto da costa leste de Moçambique, banhada pelo oceano índico e se estende por uma área de cerca de 580 mil Km², onde vive uma população estimada em cerca de 20 milhões de habitantes. Tal como tantos outros países Africanos e de outros continentes, também Madagascar foi vítima secular do processo de colonização, hora pela Holanda (o próprio nome se deve a um rei holandês...), hora pela Inglaterra, hora pela França...
Trata-se da quarta maior ilha do mundo, cercada por um conjunto de outras pequenas ilhas. A ilha de Madagascar é também mundialmente reconhecida por concentrar a mais ampla biodiversidade do continente africano, contando com preciosas fauna e flora, inclusive a famosa árvore baobá, da qual detém seis espécies dentre as oito existentes no mundo (uma na Austrália e outra no Senegal). O baobá alcança, em sua maturidade, cerca de vinte a vinte e cinco metros de altura e entre sete e oito metros de diâmetro. Suas atividades econômicas correspondem às características de outros países vítimas de colonização: atividades agropastoris, pequenas indústrias alimentícias, pesca e outras atividades extrativistas, além do turismo. Sua população se apresenta bastante diversificada, do ponto de vista étnico, compreendendo múltiplas línguas, culturas e tradições. Parte considerável da população também pratica o cristianismo, a maioria, enquanto outra parte se distribui por religiões tradicionais/ancestrais.
É neste contexto geoeconômico e cultural que se dá a tão esperada visita do Papa Francisco. Ainda bem cedo, desembarca no aeroporto da capital. Também, pela manhã, é solenemente recebido pelo Presidente de Madagascar, Andry Rajoelina, e demais membros do governo, além de representantes da sociedade civil, da Igreja Católica e de outras confissões religiosas.
Em meio a um ambiente de muita alegria, acompanhado de belas músicas regionais, a mestra de cerimônia, assumindo seu posto, convida o Presidente da República de Madagascar a pronunciar seu discurso de boas-vindas ao Papa Francisco. Em sua fala, o Presidente daquela nação, após externar seus votos de boas-vindas ao ilustre visitante, faz questão de enfatizar a importância e a oportunidade da visita do Papa Francisco, interpretando-a como um extraordinário instrumento propulsor de consolidação da paz, naquele país, e como uma alavanca para a retomada dos esforços de desenvolvimento tão necessário a toda aquela gente.

Em se tratando de um presidente recém-eleito, fez questão de ressaltar, de público, seu compromisso de trabalhar sem cessar em prol da paz e do desenvolvimento do país e sua gente, em especial dos mais necessitados.

Em resposta ao pronunciamento presidencial, o Papa Francisco agradece aos demais membros do governo e às autoridades civis e religiosas ali presentes, a começar do próprio Presidente. Em seu primeiro discurso, o Bispo de Roma externa sua admiração pela gente e pelas belezas naturais que marcam aquela abençoada terra. Relembra as dificuldades sofridas pela maioria da população, em razão das desigualdades sociais que desafiam os cidadãos e, em especial, os setores governamentais. Enfatiza a importância da biodiversidade e das múltiplas riquezas daquela terra e de sua gente, exortando a todos de seu compromisso de zelarem por aquele tesouro ora ameaçado pela ganância, pela corrupção, pelo contrabando e pelas exportações ilegais. Conclama governantes e sociedade civil, inclusive com a participação dos membros das diversas confissões religiosas atuando no país a promoverem cada vez mais condições favoráveis ao exercício de uma cidadania participativa e includente, ressaltando a necessidade e a urgência do protagonismo dos mais pobres, na luta contra as desigualdades e pela justiça social.
Retomando a palavra, a mestra de cerimônia convida a todos os presentes a fruírem belos momentos musicais, propiciados por um coral de alta qualidade estética. Ao final desta sessão, a mestra convida o Presidente e o Papa a plantarem, em frente àquele edifício, uma muda de baobá, com a ajuda de voluntários.
No compromisso seguinte, o Papa se encontrou com bispos, para uma reflexão proposta pelo Bispo de Roma. Entre os pontos focados por ele, podemos sublinhar os seguintes:
- O agradecimento aos presentes pela ação missionária naquela terra, especialmente, junto aos mais pobres;
- Enfatizou as características mais fortes da ação missionária, entre as quais, a disposição e docilidade ao chamamento de Jesus, bem como a qualidade da ação missionária;
- Alertou os bispos quanto à importância do processo formativo dos candidatos ao sacerdócio, criticando a tentação de ordenar quaisquer candidatos, sem tomarem conta sinais claros de sua vocação;
- Denunciou a tentação do clericalismo, exortando a todos a não assumirem iniciativas de clericalização dos leigos e leigas, mas antes encorajando-os a assumirem sua missão, na Igreja e na Sociedade, como vocacionados à ação missionária conforme o conselho evangélico.
Ainda à noite do mesmo dia, o Papa fez questão de estar com os jovens de Madagascar, em uma vigília, durante a qual escutou testemunhos de um jovem e uma jovem relatando sua experiência vocacional. Em seguida, propôs a todos uma reflexão inspiradora, a partir dos belos testemunhos e relatos escutados. Em seu último dia em Madagascar, o Papa Francisco presidiu à celebração da Missa, com a presença de dezenas de milhares de gente daquela Terra. Em densa homília, sempre inspirada na leitura do Evangelho correspondente ao 23º Domingo comum, o Papa Francisco sublinha valores e urgências missionárias, já acentuadas ao longo desta sua 31ª viagem apostólica.
Seu último compromisso missionário, o Bispo de Roma fez questão de compartilhar, na companhia de Sacerdotes, Religiosos, Religiosas e Seminaristas. Nesta ocasião, cuidou de reconhecer e agradecer a todos os missionários e missionárias ali atuando, pelo seu testemunho de pobreza e pelo seu compromisso com a causa dos pobres, fazendo referências a episódios e experiências edificantes de sua caminhada.
Quanto às ilhas Maurício, o país se situa relativamente perto de Madagascar, contando com uma população estimada em torno de 1 milhão e 300 mil habitantes espalhados por uma área de 2040 Km². Do ponto de vista religioso, o hinduísmo e as religiões tradicionais ocupam relevante posição. O cristianismo, com menos participação. Trata-se de uma população fortemente diversificada, inclusive com marcante presença de grupos asiáticos (chineses e hindus). Do ponto de vista econômico, a ilha se apresenta com atividades bastante diversificadas, ainda tendo na cana de açúcar uma das maiores referências, além do turismo. Importa, também, observar que Maurício é considerado um país situado entre os relativamente bem sucedidos, do ponto de vista das condições de vida de sua população.
Em uma visita breve, a aquela terra e sua gente, o Papa Francisco participou como ponto alto de sua presença da celebração da Missa, com ampla participação da população local. Durante a Missa, foi reverenciada a figura do missionário Jacques Laval, cuja ação a serviço dos pobres da região é bem reconhecida.
Na homilia, inspirada no Evangelho das Bem-Aventuranças, o Bispo de Roma sublinhou, mais uma vez, o foco central da ação cristã: a defesa e a promoção do povo dos pobres e da Mãe Natureza.
Como se percebe, estas notas não se propõem como um relato, mas antes, como um instrumento de realce da ação profético-missionária do Bispo de Roma, enquanto discípulo fiel do Reino de Deus e Sua Justiça. Entendemos que se trata de reflexões relevantes e oportunas, inclusive, para repensarmos o adequado enfrentamento dos desafios que nos cercam no Brasil, e alhures. Dentre eles, o desafio das insuportáveis desigualdades sociais, e os descaminhos trilhados pelo atual desgoverno, sob o pretexto de resolver nossos problemas, por meio de sucessivas retiradas de direitos sociais (trabalhistas, previdenciários, educacionais, sanitários...).
Com o maciço apoio da mídia comercial, vende-se a falsa ideia de que nos faltam recursos, quando se sabe que recursos não faltam quando se trata do religioso pagamento dos juros e amortizações escandalosos da atual dívida pública...
João Pessoa, 9 de setembro de 2019.

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