Alder Júlio Ferreira Calado
Encerra-se, hoje, em Maurício,
mais uma peregrinação do Papa Francisco pelo mundo. Em 6 anos e meio de
pontificado, eis que Francisco, Bispo de Roma, aos seus quase 83 anos, realiza
sua 31ª viagem apostólica, desta vez visitando terras e gentes de Moçambique,
de Madagascar e das Ilhas Maurício, localizadas no Sudeste da África. Entre os
dias 4 e 9 do corrente. Como missionário da esperança, da justiça e da paz,
segue Francisco seu itinerário Profético Pastoral, fiel aos valores centrais do
Evangelho, tomando os pobres do fim do mundo como alvo preferencial de sua
missão.
Visita tanto mais relevante
quanto oportuna, quando nos debruçamos sobre a escalada brutal das
desigualdades sociais, bem como as crescentes agressões sócio-ambientais que
veem marcando nossa realidade atual, nos quatro cantos do mundo, como expressão
e resultado de um sistema de morte hegemonizado pelo Capitalismo, em sua fase
mais necrófila, controlada pelas forças financistas, desde seus paraísos
fiscais.
O que esperam Moçambicanos, Malgaxes
(Madagáscar) e Mauricianos, especialmente os mais pobres? E o que o Papa
Francisco lhes tem a dizer, como peregrino da justiça e da paz, e promotor do
respeito a Mãe-Terra?
Comecemos por situar brevemente
estes países, e por resumir seus principais traços histórico-geográficos,
econômicos e culturais. Começando por Moçambique, localiza-se na Costa Sudeste
Africana e sendo banhado pelo Oceano índico, limita-se com países tais como a
Tanzânia, a África do Sul, Zimbabwe, Malawi.... Conta com uma área de pouco
mais de 800 mil Km², em que vive uma população entorno de 28 milhões de
habitantes. A exemplo de tantos outros países da Mãe-África, Moçambique tem uma
longa história de colonialismo, cujas marcas ainda se manifestam, mesmo após
sua independência de Portugal, em 1975, é possível observar-se uma série de
traços de dominação estrangeira, graças aos atrativos econômicos, em especial
no campo do petróleo e da mineração exercidos sobre forças transnacionais.
Também do ponto de vista
religioso, cumpre observar a presença do cristianismo em parcelas
significativas da população, enquanto consideráveis segmentos da população
seguem suas mais antigas tradições religiosas.
Do ponto de vista econômico,
destacam-se suas atividades agropastoris e extrativistas, com uma pequena
escala de produção industrial, em geral ligada a produtos alimentícios e
similares. Trata-se, com efeito, de um país marcado pelo empobrecimento da
enorme maioria de seus habitantes, graças também a um longo período de
conflitos internos, não sem a participação de fatores exógenos.
Para agravar tal situação, ainda
em março e abril, próximo-passados, a população de Moçambique, especialmente os
segmentos ocupando a zona central e norte do país, foi vítima de dois ciclones
devastadores.
Como de hábito, dias antes de
empreender viagem apostólica, o Papa Francisco envia à gente e ao país a serem
visitados uma mensagem de saudação em que também realça os objetivos centrais
de sua visita. No caso de Moçambique, o Papa Francisco destaca tratar-se de uma
viagem apostólica com ênfase na paz, na esperança e na reconciliação. Objetivos
que também lhe são realçados pela gente do país a ser visitado, inclusive por
meio de seus bispos e autoridades civis que o visitam.
Conforme programação acordada,
Francisco parte no dia 04 p.p., em via aérea, para sua trigésima primeira
viagem apostólica a Moçambique e, em seguida, a Madagascar e às Ilhas Maurício.
Chega a Maputo, à tarde do mesmo dia, após várias horas de viagem, sobrevoando vários
países africanos. No dia 05 é que dá início aos seus compromissos oficiais, o
primeiro dos quais é cumprido em sua visita ao Presidente Filipe Jacinto Nyusi
e com outras autoridades civis e representantes do corpo diplomático. Na
ocasião, o Presidente Nyusi, ao apresentar-lhe as boas-vindas, destaca aspectos
recentes da história de Moçambique, em especial a partir de sua independência
de Portugal, em 1975. Sublinha as boas relações do povo moçambicano com a
Igreja Católica, da qual, desde seus inícios, recebe contribuições, em
especial, nos campos da educação e da saúde. Rememora e agradece o papel da
Igreja Católica, também, na oferta de sua solidariedade às vítimas dos dois
ciclones, ocorridos na parte central e norte do país, provocando danos e
devastações. Agradece ao Papa Francisco, pela sua visita, sublinhando os
objetivos que ele vem cumprir: o de ser um promotor das condições de paz, de
esperança e de reconciliação. O presidente Niusy, ainda expressa agradecimentos
ao Papa Francisco, e a Igreja Católica citando inclusive o Papa Paulo VI,
quando da visita recebida, em 1970, pelas lideranças do Cabo Verde,
Guiné-Bissau, Angola e Moçambique, na qual o Papa Paulo VI os encorajava na
busca da Paz, com base na justiça.
Em resposta ao discurso de
boas-vindas pronunciado pelo Presidente de Moçambique, e dirigindo-se também a
outras autoridades presentes, o Papa Francisco fez seu primeiro discurso, em
terras moçambicanas. Expressou sua alegria de estar em terra de África, na
companhia de sua gente, destacou seu encantamento pelas belezas naturais
daquela terra, exortando suas gentes a seguirem cuidando bem da Mãe Natureza.
Reafirmou os objetivos centrais
do seu compromisso, durante sua visita: buscar caminhos de paz, de
reconciliação, de esperança. Compara a paz a uma flor frágil que, que busca desabrochar
por entre as pedras da violência. Regozija-se do recente acordo de paz,
celebrado entre diversas forças civis, desejando e orando para que se tenha uma
paz duradoura.
Para Francisco, Bispo de Roma,
paz não se resume à mera ausência de guerra, mas se trata de um horizonte a ser
constantemente buscado e alimentado, inclusive pela prática da justiça social,
diante de graves desigualdades sociais, de que é vítima parte expressiva
daquela população. Neste sentido, acentua o papel dos jovens daquele país como
agentes eficazes na construção da justiça e da paz.
Exorta os presentes e, por meio
deles, a sociedade civil Moçambicana, acerca da urgência de cuidados para com a
nossa casa comum, atualmente agredida sob vários aspectos, mundo afora. Confira
o link: https://www.youtube.com/watch?v=hgb5Y7wuqGw .
Acontecimento memorável foi o de
que participou o Papa Francisco em meio a dezenas de milhares de jovens
moçambicanos, reunidos em espaço público, no encontro inter-religioso. Em
ambiente jubiloso com músicas e danças das tradições daquela gente, coube aos
próprios jovens a coordenação do encontro. Foram convidados jovens
representantes de várias confissões cristãs e não cristãs, além de outros
representantes da sociedade civil. Vale a pena destacar alguns aspectos das
falas atentamente escutadas pelo Bispo de Roma, em especial pontos comuns então
expressos. Um deles tem a ver com uma profunda inquietação manifesta pelos
jovens, quanto à relevância do esforço coletivo pela consolidação da paz, no
país. A este respeito, tomaram juntos a iniciativa de organizarem um coro,
gritando em uníssono, dezenas de vezes: “Reconciliar, reconciliar, reconciliar!
” Outro aspecto comum expresso nas falas dizia respeito ao anseio dos mais
pobres pelo respeito aos direitos socioeconômicos em que estavam empenhados. De
fato, não têm sido à toa os critérios inspiradores das viagens apostólicas do
Bispo de Roma: a priorização de visitar os países mais pobres do mundo, entre
os quais se incluem Moçambique e Madagascar.
Em resposta aos clamores dos
jovens, atentamente escutados, o Papa Francisco cuida de ecoar, em sua fala, os
pontos mais fortes desses clamores, que podem ser resumidos nos seguintes:
- O esforço coletivo de
consolidação da paz, especialmente desde a celebração do último acordo entre as
forças em conflito, esforço em que os jovens são chamados a exercer seu
relevante protagonismo, a partir inclusive do respeito pela diversidade de
expressões religiosas, como aquele encontro estava testemunhando;
- Outro aspecto sublinhado na
fala do Papa, à disposição e compromisso dos jovens moçambicanos, de se doarem
à causa libertadora dos desvalidos, com base na justiça social exercitada como
eficaz instrumento de combate às desigualdades sociais ali reinantes;
- Um chamamento geral ao cuidado
com a nossa Casa Comum, agredida fortemente, mundo afora pela cobiça de
acumulação ilimitada de riquezas.
Entre os compromissos assumidos
pelo Papa Francisco, um deles foi cumprido na aposição em uma capela de uma
placa comemorativa – “Lápide Mateus 25” –, relativa a uma edificante
iniciativa, promovida pela Nunciatura apostólica naquele país, que consiste em
servir víveres alimentícios e outros meios de sobrevivência aos necessitados
perambulando pelas ruas de Maputo.
A visita do Papa Francisco a
Moçambique foi encerrada com a celebração da Missa, cuja homilia foi por ele
pronunciada com base na leitura do Evangelho, conhecida como o “Sermão do
monte”, na passagem correspondente ao chamamento que Jesus faz aos Seus
discípulos e discípulas de empreenderem o caminho do amor, do perdão e da
compaixão, recusando a observância da Lei do Talião (“olho por olho, dente por
dente”).
Com relação à ilha de Madagascar,
situa-se perto da costa leste de Moçambique, banhada pelo oceano índico e se
estende por uma área de cerca de 580 mil Km², onde vive uma população estimada
em cerca de 20 milhões de habitantes. Tal como tantos outros países Africanos e
de outros continentes, também Madagascar foi vítima secular do processo de
colonização, hora pela Holanda (o próprio nome se deve a um rei holandês...),
hora pela Inglaterra, hora pela França...
Trata-se da quarta maior ilha do
mundo, cercada por um conjunto de outras pequenas ilhas. A ilha de Madagascar é
também mundialmente reconhecida por concentrar a mais ampla biodiversidade do
continente africano, contando com preciosas fauna e flora, inclusive a famosa
árvore baobá, da qual detém seis espécies dentre as oito existentes no mundo
(uma na Austrália e outra no Senegal). O baobá alcança, em sua maturidade,
cerca de vinte a vinte e cinco metros de altura e entre sete e oito metros de
diâmetro. Suas atividades econômicas correspondem às características de outros
países vítimas de colonização: atividades agropastoris, pequenas indústrias
alimentícias, pesca e outras atividades extrativistas, além do turismo. Sua
população se apresenta bastante diversificada, do ponto de vista étnico,
compreendendo múltiplas línguas, culturas e tradições. Parte considerável da
população também pratica o cristianismo, a maioria, enquanto outra parte se
distribui por religiões tradicionais/ancestrais.
É neste contexto geoeconômico e
cultural que se dá a tão esperada visita do Papa Francisco. Ainda bem cedo,
desembarca no aeroporto da capital. Também, pela manhã, é solenemente recebido
pelo Presidente de Madagascar, Andry Rajoelina, e demais membros do governo,
além de representantes da sociedade civil, da Igreja Católica e de outras
confissões religiosas.
Em meio a um ambiente de muita
alegria, acompanhado de belas músicas regionais, a mestra de cerimônia,
assumindo seu posto, convida o Presidente da República de Madagascar a
pronunciar seu discurso de boas-vindas ao Papa Francisco. Em sua fala, o
Presidente daquela nação, após externar seus votos de boas-vindas ao ilustre
visitante, faz questão de enfatizar a importância e a oportunidade da visita do
Papa Francisco, interpretando-a como um extraordinário instrumento propulsor de
consolidação da paz, naquele país, e como uma alavanca para a retomada dos
esforços de desenvolvimento tão necessário a toda aquela gente.
Em se tratando de um presidente
recém-eleito, fez questão de ressaltar, de público, seu compromisso de
trabalhar sem cessar em prol da paz e do desenvolvimento do país e sua gente,
em especial dos mais necessitados.
Em resposta ao pronunciamento
presidencial, o Papa Francisco agradece aos demais membros do governo e às
autoridades civis e religiosas ali presentes, a começar do próprio Presidente.
Em seu primeiro discurso, o Bispo de Roma externa sua admiração pela gente e
pelas belezas naturais que marcam aquela abençoada terra. Relembra as
dificuldades sofridas pela maioria da população, em razão das desigualdades
sociais que desafiam os cidadãos e, em especial, os setores governamentais.
Enfatiza a importância da biodiversidade e das múltiplas riquezas daquela terra
e de sua gente, exortando a todos de seu compromisso de zelarem por aquele
tesouro ora ameaçado pela ganância, pela corrupção, pelo contrabando e pelas
exportações ilegais. Conclama governantes e sociedade civil, inclusive com a
participação dos membros das diversas confissões religiosas atuando no país a
promoverem cada vez mais condições favoráveis ao exercício de uma cidadania participativa
e includente, ressaltando a necessidade e a urgência do protagonismo dos mais
pobres, na luta contra as desigualdades e pela justiça social.
Retomando a palavra, a mestra de
cerimônia convida a todos os presentes a fruírem belos momentos musicais,
propiciados por um coral de alta qualidade estética. Ao final desta sessão, a
mestra convida o Presidente e o Papa a plantarem, em frente àquele edifício,
uma muda de baobá, com a ajuda de voluntários.
No compromisso seguinte, o Papa
se encontrou com bispos, para uma reflexão proposta pelo Bispo de Roma. Entre
os pontos focados por ele, podemos sublinhar os seguintes:
- O agradecimento aos presentes
pela ação missionária naquela terra, especialmente, junto aos mais pobres;
- Enfatizou as características
mais fortes da ação missionária, entre as quais, a disposição e docilidade ao
chamamento de Jesus, bem como a qualidade da ação missionária;
- Alertou os bispos quanto à
importância do processo formativo dos candidatos ao sacerdócio, criticando a
tentação de ordenar quaisquer candidatos, sem tomarem conta sinais claros de
sua vocação;
- Denunciou a tentação do
clericalismo, exortando a todos a não assumirem iniciativas de clericalização
dos leigos e leigas, mas antes encorajando-os a assumirem sua missão, na Igreja
e na Sociedade, como vocacionados à ação missionária conforme o conselho
evangélico.
Ainda à noite do mesmo dia, o
Papa fez questão de estar com os jovens de Madagascar, em uma vigília, durante
a qual escutou testemunhos de um jovem e uma jovem relatando sua experiência
vocacional. Em seguida, propôs a todos uma reflexão inspiradora, a partir dos
belos testemunhos e relatos escutados. Em seu último dia em Madagascar, o Papa
Francisco presidiu à celebração da Missa, com a presença de dezenas de milhares
de gente daquela Terra. Em densa homília, sempre inspirada na leitura do
Evangelho correspondente ao 23º Domingo comum, o Papa Francisco sublinha
valores e urgências missionárias, já acentuadas ao longo desta sua 31ª viagem
apostólica.
Seu último compromisso
missionário, o Bispo de Roma fez questão de compartilhar, na companhia de Sacerdotes,
Religiosos, Religiosas e Seminaristas. Nesta ocasião, cuidou de reconhecer e
agradecer a todos os missionários e missionárias ali atuando, pelo seu
testemunho de pobreza e pelo seu compromisso com a causa dos pobres, fazendo
referências a episódios e experiências edificantes de sua caminhada.
Quanto às ilhas Maurício, o país
se situa relativamente perto de Madagascar, contando com uma população estimada
em torno de 1 milhão e 300 mil habitantes espalhados por uma área de 2040 Km².
Do ponto de vista religioso, o hinduísmo e as religiões tradicionais ocupam
relevante posição. O cristianismo, com menos participação. Trata-se de uma
população fortemente diversificada, inclusive com marcante presença de grupos
asiáticos (chineses e hindus). Do ponto de vista econômico, a ilha se apresenta
com atividades bastante diversificadas, ainda tendo na cana de açúcar uma das
maiores referências, além do turismo. Importa, também, observar que Maurício é
considerado um país situado entre os relativamente bem sucedidos, do ponto de
vista das condições de vida de sua população.
Em uma visita breve, a aquela
terra e sua gente, o Papa Francisco participou como ponto alto de sua presença
da celebração da Missa, com ampla participação da população local. Durante a Missa,
foi reverenciada a figura do missionário Jacques Laval, cuja ação a serviço dos
pobres da região é bem reconhecida.
Na homilia, inspirada no
Evangelho das Bem-Aventuranças, o Bispo de Roma sublinhou, mais uma vez, o foco
central da ação cristã: a defesa e a promoção do povo dos pobres e da Mãe
Natureza.
Como se percebe, estas notas não
se propõem como um relato, mas antes, como um instrumento de realce da ação
profético-missionária do Bispo de Roma, enquanto discípulo fiel do Reino de
Deus e Sua Justiça. Entendemos que se trata de reflexões relevantes e
oportunas, inclusive, para repensarmos o adequado enfrentamento dos desafios
que nos cercam no Brasil, e alhures. Dentre eles, o desafio das insuportáveis
desigualdades sociais, e os descaminhos trilhados pelo atual desgoverno, sob o
pretexto de resolver nossos problemas, por meio de sucessivas retiradas de
direitos sociais (trabalhistas, previdenciários, educacionais, sanitários...).
Com o maciço apoio da mídia
comercial, vende-se a falsa ideia de que nos faltam recursos, quando se sabe
que recursos não faltam quando se trata do religioso pagamento dos juros e
amortizações escandalosos da atual dívida pública...
João Pessoa, 9 de setembro de
2019.
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