terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Ocorrências do ano, quais destacar? Positivas/malignas, quais ter presentes?

                                                     Ocorrências do ano, quais destacar?

Positivas/malignas, quais ter presentes?



Alder Júlio Ferreira Calado


O Governo Lula 3 foi instalado

Multidões, em Brasília, dando vivas!


A barbárie pintou, no dia 08

Foi contida, porém, no mesmo dia!


Bolsonaro responde a mil processos:

Será preso, no tempo determinado


Eleição vencedora definia:

Orçamento pro pobre; pro rico, o imposto


Hegemônica é a mídia direitista

Só propaga o que diz a Faria Lima…


O Congresso devora, com avidez

As riquezas do Povo e da Nação 


O Governo de Lula, prisioneiro

De um Congresso retrógrado, direitista


A Direita acena a novo golpe

O Congresso esvazia o Poder Executivo


Afrontando os Poderes da República

Quer reinar solitário, soberano


Não existe Centrão, é só Direita

A pilhar o tesouro da Nação


O seu alvo é o regime parlamentar

Engessando o mandato do Presidente


No orçamento, avançam, a passos largos

Haja vista o previsto pra 24


Só de emendas, retêm 53

Pra gastar onde bem lhes aprouver


Outro escândalo é o fundo eleitoral

Quase 5 bilhões pra sua farra


Novo golpe, semeia o Parlamento

Em conluio com o agro e os banqueiros


Sociedade civil dormita forte

Movimentos, passivos, deixam rolar…


O Brasil passa à nona economia

Nos governos golpistas era a 11


Geopolítica avança no Oriente

Erodindo o monopólio do Ocidente


Na América Latina altos e baixos

A Colômbia nos dando bons sinais


Distopia: o Milei, na Argentina

O Império destroça a economia


Argentina é palco de barbárie

Mesmo tarde, seu povo resistirá!


Sionismo perpetua genocídio

O Império é cúmplice da barbárie


Só de mortos, são mais de 20 mil

Maior parte, crianças e indefesos


Israel não será pra sempre impune

Pagará muito caro, com os aliados


O Menino Jesus renasce em Gaza

Sobrevive à chacina por Israel


Em havendo Capital, das relações 

O Trabalho é o fio condutor.


Se o Marxismo, sozinho, não salva o mundo

Ele ausente, Capital destrói a vida



João Pessoa, 26 de dezembro de 2023


sábado, 23 de dezembro de 2023

Assentamento de Capim de Cheiro: 50 anos de lutas, resistências e conquistas

Assentamento de Capim de Cheiro: 50 anos de lutas, resistências e conquistas


Alder Júlio Ferreira Calado


Assim como Sói acontecer em relação a outros anos, também 2023 tem concentrado uma gama de efemérides relevantes. Por exemplo, no plano eclesial, não devemos esquecer a celebração, em 1º de maio, de 50 anos do manifesto  intitulado “Eu ouvi os clamores do meu povo”, firmado por 11 Bispos do Nordeste (Dom Hélder Câmara, Dom Antônio Batista Fragoso, Dom José Maria Pires, Dom Francisco Austregésilo Mesquita, Dom Severino Mariano de Aguiar, entre outros) e 8 superiores religiosos da mesma região. Sobre ele, já tivemos oportunidade de rememorar seus traços mais fortes. (Cf. https://textosdealdercalado.blogspot.com/2016/07/eu-ouvi-os-clamores-do-meu-povo-um.html).


Nas linhas que seguem, nos limitamos a ressoar aspectos que me pareceram mais relevantes da comemoração de 50 anos das lutas, resistência e conquista da comunidade do Assentamento Capim de Cheiro, no município de Caaporã-PB, realizada no dia 18 próximo passado.Uma das animadoras de referência, Tânia Souza, da Coordenação da CPT, da Arquidiocese da Paraíba, acompanhada da Ir. Verônica (das Irmãs Doroteias), logo cedo pela manhã me ofereceu carona para a comemoração, ao lado de Luiz Sena e Pe. Jean.


Ao chegarmos ao Assentamento de Capim de Cheiro, já encontramos montada a estrutura de organização deste dia memorável: uma tenda coberta, cadeiras em linha, brinquedos para crianças, música tocando e diversas pessoas a nos acolherem, alegremente. Enquanto nos sentamos, a conversar com animação, pessoas da equipe local nos convidaram para tomar um café.


Por volta das 10 horas, o pessoal da Coordenação do Assentamento - nas pessoas de  Iolanda e  Luis Augusto - deu início à comemoração. Luis Augusto deu as boas-vindas, como membro da Coordenação, anunciando a programação do dia , bem como seus objetivos. Iolanda, por sua vez, convidou Pe. Jean o Presbítero Teofanes e mais duas outras pessoas a tomarem assento à mesa, em frente ao público.


Em seguida, retornando a palavra ao Pe. Jean, este deu início ao primeiro momento daquela comemoração: O momento orante, fazendo questão de lembrar que não se tratava nem de uma Missa nem de um Culto, mas de um breve exercício de espiritualidade. Tratou, então, de convidar o Presbítero Teofanes para conduzir uma reflexão sobre aquele momento. Ele, em sua reflexão, inspirou-se inicialmente no Salmo 24. Em seguida, convidando a Equipe de animação a entoar, junto com a comunidade, um canto de louvor antes da leitura do Evangelho, leitura extraída de Lucas 6, 20-26, acerca das bem-aventuranças e das maldições. Convidou o Diácono Alder Júlio a uma breve reflexão sobre a leitura recém-proclamada.        


A seguir, Iolanda convida João Muniz a cantar o hino da Comunidade, tendo-se acompanhado pela Banda da CPT bem como um cordel preparado por ele, narrando a história dos 50 anos de lutas e resistência daquela comunidade. Foi, então, convidado Gabriel, filho da primeira geração de protagonistas - homens e mulheres - de Capim do Cheiro, a dar seu testemunho desta memória histórica.


Gabriel cuidou de recordar o contexto histórico das primeiras lutas travadas pela comunidade. Tratava-se de famílias de agricultores exploradas pelos proprietários de um extenso canavial, cujo território alcançava o Estado vizinho de Pernambuco. Gabriel rememora momentos de conflitos agudos enfrentados por aquelas famílias, fazendo questão de destacar o protagonismo de pessoas como Manoel, “Munguba” , Dona Lourdes entre tantos outros, fazendo questão de destacar a convivência fraterna de pessoas de diferentes religiões (Católicos, protestantes, espíritas, pessoas sem confissão religiosa). Lembra que ainda era criança, quando seu pai, já cansado pela idade, não desistia da luta, mesmo quando Gabriel teve que ir ganhar a vida  em São Paulo. Por insistência do pai, retorna a Capim de Cheiro, com a sua esposa Maria do Carmo, e desde então, se juntaram de novo naquela resistência que culminaria com a conquista da Terra há 30 anos atrás.


Ao mesmo tempo, fez questão de sublinhar a contribuição profética que várias pessoas da Arquidiocese da Paraíba, há começar por Dom José Maria Pires, bem como de figuras corajosas como a Irmã Tonny, Irmã Marlene, Frei Hermano José, Frei Anastácio, Tânia, Genaro, Wanderley Caixe, entre tantas outras pessoas.


Passou, então, a convidar as pessoas presentes a rezarem a oração universal do Pai Nosso. Dando prosseguimento, Pe.Jean, sempre lembrando a presença e a contribuição decisivas das mulheres daquela Comunidade, desde as origens e de suas resistências convidou os participantes a fazerem seu ofertório, solicitando às mulheres para abençoarem o pão produzido pela Comunidade, que foi por todos partilhado. 

 

Chegou o momento em que Pe. Jean solicita que a sra Maria do Carmo trouxesse seu filhinho bebe, para, sob a canção “Feliz Natal”, dar a benção final.


Encerradas as atividades da manhã, todos foram convidados a saborear uma deliciosa feijoada comunitariamente preparada e partilhada.


Após o almoço, a Coordenação convidou todos a tomarem assento na sede  da Associação, para assistirem a um curto documentário registrando  relatos sobre a trajetória de lutas, conquistas e resistências do assentamento Capim de Cheiro. De volta à tenda todos puderam acompanhar as apresentações previstas para a parte da tarde.


O sentimento principal de aí vivenciamos foi o da importância de fazer memória dos relevantes acontecimentos protagonizados por mulheres e homens daquela Comunidade apoiados pela CPT e outros parceiros e aliados.  


João Pessoa, 23 de Dezembro de 2023   



 














sábado, 16 de dezembro de 2023

Por seus frutos, a árvore se conhece, Capital só produz miséria e morte.

                                                      Por seus frutos, a árvore se conhece

Capital só produz miséria e morte


Alder Júlio Ferreira Calado 


Dividiram entre si médio Oriente

Séculos antes, ilharam nossos povos

Das Américas colheram recursos novos

Massacraram, roubaram, impunemente

E assim vêm sofrendo nossas gentes

Seu racismo se faz também no esporte

‘Té na fé, tenta impor, impõe lei - a do mais forte

Importante é manter seus interesses

Por seus frutos, a árvore se conhece

Capital só produz miséria e morte


Invenções e saberes milenares

Produzidos por povos tão diversos

Perscrutando os fenômenos do Universo

Europeus os transferem a seus lares 

Da autoria se apossam, cavalares 

Foi assim que pilharam, os do Norte  

Africanos, indígenas, povos fortes 

Apostando em que tudo certo desse

Por seus frutos, a árvore se conhece

Capital só produz miséria e morte


Grandes guerras modernas, quem alimenta?

Armamentos letais, quem os produz?

Quem venenos espalha, à plena luz?

Essa gente é hipócrita, não é isenta

Pra ganhar lucro fácil, tudo arrebenta 

A Amazônia destrói, com boi de corte 

Garimpeiros destroçam lugares fortes

São infindos os casos, eis sua messe

Por seus frutos a árvore se conhece

Capital só produz miséria e morte


De onde vem o fasci-nazi-sionismo?

E a miséria dos pobres mundo afora?

A Mãe-Terra, os humanos, quem devora?

Um punhado de ricos, já não cismo

Ocidente sempre amplia trágico abismo 

Quem desastres produz, de grande porte?

Brumadinho, Mariana, há quem suporte?

É preciso lutar, não basta a prece

Por seus frutos, a árvore se conhece

Capital só produz miséria e morte


Quem a crise climática precipita?

Quem massacra africanos, palestinos?

Genocídio em Gaza é cristalino

Sul-global denuncia tal desdita 

Expressão de pilhagens vis, malditas

Os demônios, enfim, descem do Norte

Do império provêm, são seus consortes

Desmentindo, sua marca de “finesse”

Por seus frutos, a árvore se conhece

Capital só produz miséria e morte


Um milhão de detentos no Brasil

Maioria de pretos, pobres, pardos

Com processos (ou sem), sempre em retardo

Mas, os ricos, espertos, de modos mil

Sempre arranjam quem preste serviço vil

Do real sempre impondo seu recorte

A verdade, sempre há quem a aborte

Pelos atos, nada valem suas preces 

Por seus frutos, a árvore se conhece

Capital só produz miséria e morte 


João Pessoa, 16 de Dezembro de 2023   


segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Para onde vai o Ocidente? Dilemas e perspectivas

  Para onde vai o Ocidente? Dilemas e perspectivas  


Alder Júlio Ferreira Calado


Em recente viagem a Portugal, o Papa Francisco perguntou aos seus ouvintes: ”Para onde vocês navegam, Europa e Ocidente?” O Papa expressa sua inquietação quanto aos rumos para os quais o Ocidente acena, preocupado que se sente pela escalada de conflitos que aí ou que daí têm lugar.


Somos expressão e resultado de uma longa história de encontros e desencontros multiculturais de povos variados: Ameríndios, europeus, africanos, asiáticos, da Oceania. Nas linhas que seguem, enunciaremos brevemente aspectos relativos especialmente aos povos do Ocidente, portadores de tantas maravilhas e de tantas misérias. 


Comecemos pelas maravilhas. Na esfera dos saberes, os ocidentais seguem reconhecidos como grandes protagonistas. No campo da Filosofia, por exemplo, a Europa se destaca amplamente, inclusive cultuando-se como berço da filosofia, desde a Grécia antiga, por vezes desatenta às contribuições de povos de outros continentes. No campo científico igualmente, já aqui compartilhando os louros com a América do Norte. A partir do seu reconhecido aporte no desenvolvimento das ciências, importa realçar o Ocidente como o grande protagonista no campo tecnológico. 


No âmbito das artes, o Ocidente continua apresentando-se como relevante fonte de inspirações estéticas seja no domínio das artes plásticas, seja no vasto campo da literatura. A este respeito, segue sendo de amplo e profundo reconhecimento obras-primas de alcance universal, a exemplo de Dante Alighieri, de Boccaccio, de Cervantes, Shakespeare, Balzac, Victor Hugo, Dostoievski, Tolstoi, Dickens, só para mencionar alguns deles.         


As maravilhas do Ocidente ainda são reconhecidas em tantos outros campos, como no quadro de grandes invenções científico-tecnológicas de vanguarda, como no caso dos primorosos avanços na área da saúde reiterando tal reconhecimento, importa fazê-lo criticamente isto é: em todas essas áreas, ao lado dos benefícios, devem ser lembrados muitos malefícios. Na área da saúde, por exemplo, há de se reconhecer tantos efeitos danosos resultantes da alopatia, e sobretudo da mercantilização dos serviços de saúde, dos quais seus grandes laboratórios mais se preocupam com o lucro do que com a saúde, especialmente dos pobres.  


Ao mesmo tempo, pesam sobre o Ocidente não poucas denúncias de atrocidades cometidas contra parte de sua população e, sobretudo, contra povos de outros continentes. Os principais modos de produção classistas (escravismo, feudalismo, capitalismo) tiveram lugar especial no Ocidente, inclusive como centro difusor, como é o caso do modo de produção capitalista. Em conexão com este modo de produção, trágicas experiências para a humanidade foram aí dominantes.


Na esfera religiosa, o Ocidente também se destaca como o grande irradiador da cultura judaico-cristã. Com efeito, após as regiões da Ásia Menor, os países ocidentais, sobretudo na era constantiniana, protagonizaram a expansão da religião cristã, tornando-a inclusive a religião do Império Romano. Sob o pretexto de cristianizar o Império, acabaram paganizando o legado cristão, à medida que, recorrendo à aliança entre trono e altar, e assumindo a tradição helenística de vida, foram tomando crescente distância da Mensagem e da Tradição de Jesus.  


Impérios de grande referência vingaram no Ocidente, de modo a expandir mundo afora seus efeitos pernósticos, a exemplo do Colonialismo, imposto aos povos ameríndios, como aos povos africanos, asiáticos e da Oceania. Com o colonialismo, a vigência duradoura do escravismo, marcado por relações desumanizantes, seja do ponto de vista ético, seja do ponto de vista socioeconômico e cultural, inclusive pelo recurso à dominação religiosa. 


Relevantes guerras - a exemplo da primeira e da segunda grandes Guerras - aí se processaram. Também aí teve lugar o Holocausto, cujas consequências se espalharam pelo Oriente Médio, em especial na questão Palestina, cuja terra e cuja gente ainda hoje amargam os horrores do Estado Sionista de Israel, em conluio com os Estados Unidos e com potências europeias.  


É conhecida uma lista de autores e autoras, a denunciarem a superestimação ou hipertrofia do legado dos povos europeus, na idade moderna. Dois deles aqui destacamos: Enrique Dussel (1934-2023) e Edward Said (1935-2023). Ambos se somam a vários outros que identificam uma auto avaliação por parte dos europeus, caracterizada por uma tendência a supremacia a superioridade em relação a outros povos. A este propósito tanto Enrique Dussel, especialmente em seu” 1492:o encobrimento do outro” e Edward Said, em “Orientalismo”, cada qual ao seu, modo conseguem demonstrar as profundas contradições praticadas pelo Ocidente. A ambos também se aliam diversos outros, inclusive o filósofo francês Roger Garaudy, de quem se tornou célebre a expressão “O Ocidente é um acidente.” No  próprio campo das análises feitas pelos europeus e outros povos, despontam registros significativos desta tendência, até hoje observável.


Seja quando se ocupam de si, seja quando se debruçam sobre outros povos, constata-se uma forte tendência, salvo exceções, a um olhar prepotente, arrogante, auto-suficiente, sem disposição de nada aprenderem do legado de outros povos, limitando-se, em geral, a passarem como mestres dos outros. Tais características contribuíram e seguem contribuindo para explicar a essência do imperialismo, do Colonialismo que impõem, quer a parcelas majoritárias de suas populações (das classes populares, imigrantes Africanos, Asiáticos, latino-americanos e outros), quer aos demais povos do mundo, para o que não hesitam em usar e abusar da violência, da indústria de armamentos, da exploração predatória dos recursos naturais de outros povos, da extrema concentração de poder, de renda e de riquezas, sem prescindir de toda uma sofisticada máquina de propaganda, expressa pela mídia corporativa e pela mídia digital, a fazerem circular, em escala mundial, seu pensamento único, suas narrativas mentirosas e suas meias verdades. Neste sentido, o Estado sionista de Israel representa a cara fiel do Ocidente…


Olhando, porém, por um espectro de média/longa duração, ou seja, em perspectiva histórica, consola-nos saber que o Ocidente hegemônico não terá a última palavra, entre os humanos.


João Pessoa 11 de Dezembro 2023               




quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

A Caravana de Natal da Coca-Cola: a perversão ético-simbólica da religião do Mercado

A Caravana de Natal da Coca-Cola: a perversão ético-simbólica da religião do Mercado


Alder Júlio Ferreira Calado


Sábado próximo findo, teve lugar pelas ruas principais de João Pessoa mais um desfile-show da caravana de natal da coca-cola, evento que arrasta multidões, em época natalina, em diversas cidades e capitais do Brasil. Ao retornarmos de Campina Grande, do Encontro Estadual do Movimento Fé e Política, sábado passado, tivemos que enfrentar um grande engarrafamento por conta daquela caravana da Coca-Cola. Chamava-nos a atenção a quantidade de gente postada ao longo de várias ruas, durante horas, à espera da passagem da caravana. Perguntamo-nos: qual a receita milagrosa para tal encantamento?


Há décadas, tentamos, com extrema dificuldade, reunir aqui e ali, algumas dezenas de pessoas para encontros regulares de formação, enfrentando incessantes obstáculos, conseguimos manter, a duras penas, nossos encontros formativos. Por outro lado, sentimo-nos interpelados por esta eclosão de encantamento suscitada pela coca-cola. Como entender  a força e alcance multitudinário deste espetáculo? Que traços fundamentais o compõem e circundam? De que modo este fenômeno se apresenta como um dos traços do atual modo capitalista, de assegurar sua hegemonia? Como ensaiar passos, ainda que moleculares, em vista de sua superação?.


Em sua atual fase/face, o modo capitalista de produção, de consumo e de gestão societal vem alcançando, em escala mundial, um poder deletério exponencial, manifestado em sua ação crescente nas mais diversas áreas: da sócio-ambiental, econômica, política, cultural, educacional, artística, religiosa…Qual Rei Midas da atualidade, tudo aquilo de que se aproxima, transforma em “Ouro”, isto é, em mercadoria em fonte de lucro, fazendo reduzir ou mesmo fenecer relações e valores tais como solidariedade, partilha, comunhão, ou seja, tudo o que se mostre em linha com o processo de humanização.


Nesta direção, a expansão internacional do movimento fascista resulta como uma expressão necessária deste potencial destrutivo, desumanizante, sempre a mover-se pelo ódio, pela mentira, pela violência, pelo acúmulo de poder e de riquezas à custa da miséria, da fome e da subordinação da enorme maioria da população mundial. A tragédia que se passa em Gaza há mais de 75 anos, constitui a ponta deste abominável “iceberg”.


Sempre lembrando a extrema e crescente diversidade de seus efeitos deletérios, nas rápidas linhas que seguem, limitamo-nos à sua dimensão ético simbólica, ao mesmo tempo em que destacamos a dinâmica conexão presente entre todas as suas dimensões. Como toda dominação de classes, mormente no Capitalismo, a dominação mais forte incide no fator ideológico, à medida que os valores dominantes do sistema imperante logram prescindir do recurso à força: os dominados, de tanto ouvirem as versões circulantes do dominador, acabam por introjetar suas ideias, suas crenças, seus valores, passando a se comportarem de acordo com a vontade do dominador. Aí se instala a consciência alienada, que transforma multidões em marionetes, ainda que isto não se dê de forma mecânica e sem resistência de minorias. Eis o que se passa, por exemplo, no âmbito da maioria das Igrejas Cristãs, inclusive na atualidade. Servindo-se da boa fé das massas populares, suas lideranças, em nome da religião, por meio de uma rica infraestrutura e truques midiáticos, conseguem “vender” um tipo de religião (no caso, a Cristã) como se fosse expressão do próprio Evangelho. Graças ao uso e abuso da desinformação, das mentiras grosseiras ou verdades aparentes diariamente transmitidas por uma poderosa rede de televisão, de rádio e mídia digital, multidões são mantidas alheias ao que dizem as próprias fontes cristãs. Uma ilustração didática dessas estratégias foi criticamente bem trabalhada por Rosa Luxemburgo, em um texto seu que data de 1905, intitulado “O Socialismo e as Igrejas”, que pode ser acessado em PDF (cf. https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/46202/751375139030). Nele, uma mulher que se confessa Ateia, é quem, citando os atos dos Apóstolos, João Crisóstomo, Basílio de Cesareia, Gregório, Nazianzeno, se empenha em recriminar os sacerdotes de então - sempre respeitando as exceções - por estarem traindo a Fé Cristã que dizem seguir.  


É assim que, qual brasa recoberta de camadas de cinzas, o Evangelho passa a ser ocultado do seus destinatários - o povo dos pobres - por camadas superposta de cinzas ideológicas, isto é, de cultos, devoções, adornos religiosos, cujos ideólogos transformam em instrumentos de dominação, a serviço de seus próprios interesses, ainda que jurando fazê-lo em nome de Deus ou do Evangelho, razão por que jesus dizia:”Este povo me louva com os lábios, mas seu coração está longe de mim!” (Mt.15,8)


Por outro lado, assim como ao longo de séculos de dominação imperialista-clerical, desde a era constantiniana, nunca cessaram os clamores e a resistência profética do povo dos pobres, haja vista a resistência profética dos movimentos pauperístas da Idade Média, também hoje as “minorias abraâmicas” (como costumava dizer Dom Helder Câmara) seguem denunciando estas distorções, ao mesmo tempo em que se empenham em ensaiar passos moleculares, na perspectiva de um novo amanhecer que faça justiça à dignidade da Mãe Terra, dos humanos e  de toda a comunidade dos viventes.


João Pessoa, 06 de Dezembro de 2023.