segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Para onde vai o Ocidente? Dilemas e perspectivas

  Para onde vai o Ocidente? Dilemas e perspectivas  


Alder Júlio Ferreira Calado


Em recente viagem a Portugal, o Papa Francisco perguntou aos seus ouvintes: ”Para onde vocês navegam, Europa e Ocidente?” O Papa expressa sua inquietação quanto aos rumos para os quais o Ocidente acena, preocupado que se sente pela escalada de conflitos que aí ou que daí têm lugar.


Somos expressão e resultado de uma longa história de encontros e desencontros multiculturais de povos variados: Ameríndios, europeus, africanos, asiáticos, da Oceania. Nas linhas que seguem, enunciaremos brevemente aspectos relativos especialmente aos povos do Ocidente, portadores de tantas maravilhas e de tantas misérias. 


Comecemos pelas maravilhas. Na esfera dos saberes, os ocidentais seguem reconhecidos como grandes protagonistas. No campo da Filosofia, por exemplo, a Europa se destaca amplamente, inclusive cultuando-se como berço da filosofia, desde a Grécia antiga, por vezes desatenta às contribuições de povos de outros continentes. No campo científico igualmente, já aqui compartilhando os louros com a América do Norte. A partir do seu reconhecido aporte no desenvolvimento das ciências, importa realçar o Ocidente como o grande protagonista no campo tecnológico. 


No âmbito das artes, o Ocidente continua apresentando-se como relevante fonte de inspirações estéticas seja no domínio das artes plásticas, seja no vasto campo da literatura. A este respeito, segue sendo de amplo e profundo reconhecimento obras-primas de alcance universal, a exemplo de Dante Alighieri, de Boccaccio, de Cervantes, Shakespeare, Balzac, Victor Hugo, Dostoievski, Tolstoi, Dickens, só para mencionar alguns deles.         


As maravilhas do Ocidente ainda são reconhecidas em tantos outros campos, como no quadro de grandes invenções científico-tecnológicas de vanguarda, como no caso dos primorosos avanços na área da saúde reiterando tal reconhecimento, importa fazê-lo criticamente isto é: em todas essas áreas, ao lado dos benefícios, devem ser lembrados muitos malefícios. Na área da saúde, por exemplo, há de se reconhecer tantos efeitos danosos resultantes da alopatia, e sobretudo da mercantilização dos serviços de saúde, dos quais seus grandes laboratórios mais se preocupam com o lucro do que com a saúde, especialmente dos pobres.  


Ao mesmo tempo, pesam sobre o Ocidente não poucas denúncias de atrocidades cometidas contra parte de sua população e, sobretudo, contra povos de outros continentes. Os principais modos de produção classistas (escravismo, feudalismo, capitalismo) tiveram lugar especial no Ocidente, inclusive como centro difusor, como é o caso do modo de produção capitalista. Em conexão com este modo de produção, trágicas experiências para a humanidade foram aí dominantes.


Na esfera religiosa, o Ocidente também se destaca como o grande irradiador da cultura judaico-cristã. Com efeito, após as regiões da Ásia Menor, os países ocidentais, sobretudo na era constantiniana, protagonizaram a expansão da religião cristã, tornando-a inclusive a religião do Império Romano. Sob o pretexto de cristianizar o Império, acabaram paganizando o legado cristão, à medida que, recorrendo à aliança entre trono e altar, e assumindo a tradição helenística de vida, foram tomando crescente distância da Mensagem e da Tradição de Jesus.  


Impérios de grande referência vingaram no Ocidente, de modo a expandir mundo afora seus efeitos pernósticos, a exemplo do Colonialismo, imposto aos povos ameríndios, como aos povos africanos, asiáticos e da Oceania. Com o colonialismo, a vigência duradoura do escravismo, marcado por relações desumanizantes, seja do ponto de vista ético, seja do ponto de vista socioeconômico e cultural, inclusive pelo recurso à dominação religiosa. 


Relevantes guerras - a exemplo da primeira e da segunda grandes Guerras - aí se processaram. Também aí teve lugar o Holocausto, cujas consequências se espalharam pelo Oriente Médio, em especial na questão Palestina, cuja terra e cuja gente ainda hoje amargam os horrores do Estado Sionista de Israel, em conluio com os Estados Unidos e com potências europeias.  


É conhecida uma lista de autores e autoras, a denunciarem a superestimação ou hipertrofia do legado dos povos europeus, na idade moderna. Dois deles aqui destacamos: Enrique Dussel (1934-2023) e Edward Said (1935-2023). Ambos se somam a vários outros que identificam uma auto avaliação por parte dos europeus, caracterizada por uma tendência a supremacia a superioridade em relação a outros povos. A este propósito tanto Enrique Dussel, especialmente em seu” 1492:o encobrimento do outro” e Edward Said, em “Orientalismo”, cada qual ao seu, modo conseguem demonstrar as profundas contradições praticadas pelo Ocidente. A ambos também se aliam diversos outros, inclusive o filósofo francês Roger Garaudy, de quem se tornou célebre a expressão “O Ocidente é um acidente.” No  próprio campo das análises feitas pelos europeus e outros povos, despontam registros significativos desta tendência, até hoje observável.


Seja quando se ocupam de si, seja quando se debruçam sobre outros povos, constata-se uma forte tendência, salvo exceções, a um olhar prepotente, arrogante, auto-suficiente, sem disposição de nada aprenderem do legado de outros povos, limitando-se, em geral, a passarem como mestres dos outros. Tais características contribuíram e seguem contribuindo para explicar a essência do imperialismo, do Colonialismo que impõem, quer a parcelas majoritárias de suas populações (das classes populares, imigrantes Africanos, Asiáticos, latino-americanos e outros), quer aos demais povos do mundo, para o que não hesitam em usar e abusar da violência, da indústria de armamentos, da exploração predatória dos recursos naturais de outros povos, da extrema concentração de poder, de renda e de riquezas, sem prescindir de toda uma sofisticada máquina de propaganda, expressa pela mídia corporativa e pela mídia digital, a fazerem circular, em escala mundial, seu pensamento único, suas narrativas mentirosas e suas meias verdades. Neste sentido, o Estado sionista de Israel representa a cara fiel do Ocidente…


Olhando, porém, por um espectro de média/longa duração, ou seja, em perspectiva histórica, consola-nos saber que o Ocidente hegemônico não terá a última palavra, entre os humanos.


João Pessoa 11 de Dezembro 2023               




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