sábado, 28 de dezembro de 2019

CAPITALISMO E BARBÁRIE: manifestações e desdobramentos recentes no Brasil


CAPITALISMO E BARBÁRIE: manifestações e desdobramentos recentes no Brasil 



Alder Júlio Ferreira Calado

Hoje, bem mais do que em décadas passadas, o Capitalismo segue ameaçando a vida do planeta e dos humanos, sob as mais diversas formas. Também no Brasil, têm-se multiplicado, a olhos vistos, os sinais de barbárie, principalmente no (des)governo Bolsonaro. Todas as esferas da vida social não cessam de ser afetadas. Nas linhas que seguem, cuidaremos de compartilhar nossas reflexões avaliativo-prospectivas deste macabro cenário, que se acha organicamente vinculado a semelhantes manifestações, em tantos outros países. Trataremos, igualmente, de buscar despertar e fortalecer a consciência crítica e autocrítica de nossas organizações de base, comprometidas com a construção de condições, em vista de uma nova sociedade, alternativa à barbárie do atual modo de produção, de consumo e de gestão societal.
 Sinais de barbárie se multiplicam, mundo afora 
No plano da produção, constata-se uma sucessão de políticas econômicas destinadas a disponibilizar, ainda mais profundamente, os bens e riquezas do Brasil, expondo-os à voracidade e aos caprichos do grande capital, nacional e internacional, de modo privilegiado, de seus setores financistas (organicamente articulados aos demais setores do capitalismo). 
Escandaloso sinal de barbárie observa-se, quando o Brasil, uma das nove maiores potências mundiais, chega a ocupar o penúltimo pior lugar no “ranking” das desigualdades sociais. Sinais de barbárie se dão, quando, durante anos a fio, se mantém o importante parque industrial parcialmente ocioso, em que pese a constatação de mais de 12 milhões de desempregados, além de outros tantos milhões de subempregados, “desalentados”, jovens que nem trabalham e se acham fora da escola com a cumplicidade explícita ou tácita da burguesia industrial, que prefere manter ociosos seus bens industriais, a mantê-los em funcionamento, até porque encontram acolhida tentadora nos paraísos fiscais, onde podem até depositar suas fortunas, ganhando mais com o seu capital parasitário do que investidos na produção industrial. Sinais de barbárie se dão quando a imensa riqueza de nossa biodiversidade, as nossas matas e florestas, nosso rico subsolo, nossas grandes extensões de terras agricultáveis são devastadas, seja pelos desmatamentos criminosos, seja pela expansão do extrativismo mineral ilegal, seja pela expansão de terras destinadas à pecuária e ao agronegócio, seja pela criminosa invasão de terras indígenas e de Comunidades Quilombolas. Sinais de barbárie acontecem quando se submete a vocação industrial do nosso país à condição de mero fornecedor de ‘’commodities’’, gerando altas margens de lucros aos grandes exportadores do agronegócio, enquanto vários desses mesmos produtos exportados acabam ficando fora do alcance de parcelas significativas de nossa população, daí resultando encarecimento dessas matérias-primas, no âmbito local.
As manifestações de barbárie, todavia, não param por aí. Não satisfeitas com escandalosos margens de lucros, “as elites do atraso”, as oligarquias multibilionárias empenham-se em ampliar ainda mais sua lucratividade, sempre à custa do crescente empobrecimento da enorme maioria de nossa população. Referimo-nos ao setor financista, cujas margens de lucro, em determinadas operações, tais como as do cartão de crédito ou do cheque especial, alcançam as nuvens, com uma lucratividade correspondendo a mais de 300% cobrados como juros nos cheques especiais. Um verdadeiro assalto legalizado! Por outro lado, os setores dominantes de nossa sociedade seguem com sua sede insaciável de lucro. Desde o governo Temer, tais setores têm pressionado no sentido de agravamento das condições precárias da enorme maioria do povo trabalhador. Desta vez, impondo goela abaixo dos trabalhadores e das trabalhadoras profundas alterações nas leis de proteção ao trabalho, impropriamente chamadas de "reforma trabalhista". Recorrendo a uma insana publicidade, feita inclusive com recursos públicos, não hesitam em rasgar parte expressiva da CLT, sob o pretexto de modernização, com o firme propósito de retirar direitos trabalhistas fundamentais de parcelas expressivas de trabalhadores e trabalhadoras do Brasil. Para tanto, não hesitaram em anunciar tal desmonte, prometendo a criação de empregos, que não vieram (pelo menos, na proporção esperada). Em dezenas de artigos da nova lei trabalhista, resultam claros os prejuízos, bem como a retirada de direitos, em benefício dos “de cima”. Ainda, sob a alegação de modernização das leis trabalhistas, introduziram na legislação o famigerado “trabalho intermitente”, sob a égide do qual ficam os grandes empresários à vontade para terem trabalhadores destituídos de direitos fundamentais, à medida que o trabalho intermitente permite aos empregadores se comprometer em apenas pagarem o correspondente às horas trabalhadas. Verdadeira barbárie!
O exemplo ilustrativo, acima mencionado, corresponde a um dentre tantos outros que atestam a violenta retirada de direitos trabalhistas. Retirada de direitos na área sócio-econômica, que também está longe de esgotar outras políticas nocivas, recém implantadas. Já no (des)governo Bolsonaro, o pacote de maldades contra a imensa maioria do povo brasileiro tem sequência em outras tantas Medidas Provisórias e mesmo em desmontes impropriamente chamados de reformas, como no caso da Reforma da Previdência Social. Aqui também, a enorme maioria dos empobrecidos acabou pagando caro, enquanto os segmentos realmente privilegiados tais como os bancos, resultaram beneficiados, ainda mais.
Outra forma, sob a qual tem lugar as manifestações de barbárie, estende-se por outras áreas, como as medidas de criminalização dos movimentos sociais e sindicais, entre outros. Em que pese certa posição de distanciamento ante o (des)governo, por parte do Congresso Nacional, este segue firme em sucessivas aprovações aprofundando as maldades neoliberais, tão ao gosto do ministro Paulo Guedes, grande admirador do modelo chileno de Pinochet, hoje em plena ruína. Neste sentido, enganam-se profundamente os que interpretam as atitudes dos presidentes da Câmara Federal e do Senado, como sendo dissociadas do plano Bolsonaro. Na verdade, as “elites do atraso”, inclusive representadas no Congresso Nacional, a despeito de seus comentários críticos em relação aos esdrúxulos rompantes do Presidente Bolsonaro, acabam alinhadas e satisfeitas com sua política econômica.
Ainda no plano político, a cada dia, são noticiadas medidas de profundas agressões à saúde (ver a autorização pelo órgão respectivo de dezenas de agrotóxicos já proibidos em vários países do mundo), as constantes agressões dirigidas às Universidades, a desorganização impressa pelo atual Ministro da Educação a vários setores, indicando que também este Ministro se acha intimamente alinhado às políticas de desmonte não apenas no tocante às ações de desmonte na área educacional, como também no que diz respeito ao desmonte institucional em vários campos.
No caso da cultura, vimos observando, durante o atual (des)governo, uma sucessão de medidas de forte ataque às instituições culturais, a exemplo do que se tem dado na política relativa ao cinema e às artes. Prosseguindo no mesmo campo, medidas grotescas têm sido tomadas, visando atacar a dignidade do povo negro, tal como se deu no caso da nomeação de uma figura completamente dissociada da causa Negra, para ocupar a presidência da Fundação Palmares, assumindo, o recém-nomeado, inclusive, atitudes racistas condescendentes à escravidão, no ataque acintoso à dignidade do povo negro.
Um outro traço repugnante do trágico legado bolsonarista - em verdade, expressão do macabro paradigma da pós-verdade - se faz presente no chamado negacionismo, isto é, na estúpida contestação a dados científicos consolidados, tais como o da esfericidade da Terra, a teoria evolucionista, entre outros. Embalado por esse clima, o legado bolsonoriano arroga-se o direito de definir, conforme suas conveniências de momento o que é e o que não é verdade, tudo feito pelas vias mais ridículas e grotescas. Nesse sentido, em tal paradigma não cabe sequer a noção de ética. Isto se comprova de vários modos. Um deles é pela sistemática atitude, por parte do atual Presidente, de voltar atrás, em relação a afirmações, a acusações ou a promessas feitas, A palavra dada nada vale, ou vale muito pouco, para gente desse tipo. O trágico deste contexto não se resume a quem assim se comporta, na condição de Presidente do Brasil, mas, antes, no público que o apóia, inclusive formado por parcelas significativas de gente que se diz cristã. Um Cristianismo sem Jesus ou contra Jesus...
No mesmo plano da cultura, situam-se frequentes aberrações religiosas, em que pessoas e grupos supostamente em nome de deus, não hesitam em pregar a violência como meio de correção dos vícios (alheios!) não hesitando em preconizar verdadeiras cruzadas modernas contra os infiéis... não se apercebem de sua própria condição humana, também eivada de limites e insuficiências, sucumbindo à tentação de monopolizarem a verdade sua e dos seus. um dos casos desta tendência se acha na percepção de vícios como a corrupção. "eu não sou corrupto. os meus também não." Corruptos são os outros, corruptos são os políticos: a Globo vive a denunciar, quase todos os dias. como se a própria Globo e outros canais de televisão e de rádio devessem ser imunes e portadores da verdade e de isenção!
Podemos começar tentando uma posição crítica em relação ao fenômeno da corrupção. O que se tem visto, no primeiro ano de Governo Bolsonaro, é uma sucessão de casos comprometedores, seja no âmbito do Partido pelo qual se elegeu, seja ao interno de sua própria família. Acerca deste ponto, cumpre assinalar que, no campo da Direita, nada de estranho se tem a registrar. Ao longo de nossa história política, a corrupção nunca deixou de ser um vício característico principalmente das forças ligadas ao “status quo” aqui e ali, também se tem notícia de casos a pessoas ou grupos de Esquerda. Há, contudo, de se estranhar a frequência e o volume de recursos desviados, atribuídos a forças de esquerda. Tal situação nos leva a uma reflexão (auto)crítica sobre o caso específico da corrupção. 
Construindo condições de um novo horizonte societal, por caminhos compatíveis
Após havermos tentado um breve exercício avaliativo de nossas atuais condições sócio-históricas, cujo resultado apresenta para nós a certeza de que não há saída humanizadora, nos quadros impostos pelo Capitalismo, cuidaremos, neste item, de fazer um exercício prospectivo, a partir da ótica dos de baixo, isto é, das forças sociais de transformação, em busca de lançarmos sementes de uma nova sociedade, de um novo modo de produção, de um novo modo de consumo e de um novo modo de gestão societal comum, alternativo à barbárie capitalista. O propósito é, portanto, compartilhar nossa compreensão quanto às urgências, desafios e tarefas, relativas às nossas organizações de base, em especial os movimentos sociais populares, partindo de iniciativas e experiências já existentes, ainda que proporção molecular, bem como o de externar algumas dúvidas em relação à compreensão hegemônica, alimentada por expressivas forças de transformação, acerca dos caminhos de resistência amplamente priorizados, sem articulação orgânica com nossos compromissos com passos consistentes em direção ao horizonte almejado.
Uma primeira tarefa histórica para nossas organizações de base tem a ver com o seu compromisso de manter aceso o horizonte de uma nova sociedade que se vai construindo passo a passo a partir das relações do dia a dia. Uma nova sociedade que se vai revelando às antípodas do modelo hegemônico, em tudo que estiver ao alcance dos seus protagonistas.
Há, com efeito, em curso - e já há algum tempo- diversas experiências de reconhecido potencial alternativo ao modelo vigente. No plano da agroecologia e da permacultura, por exemplo, tem sido amplamente reconhecido caráter inovador e de grande potencial transformador de várias das experiências protagonizadas por alguns de nossos movimentos sociais populares do campo. Em várias regiões do Brasil, iniciativas revolucionárias têm vindo a lume, seja no cuidado com a qualidade das sementes, com o manejo da terra e da água, seja com os critérios quanto ao quê e ao como plantar e cultivar, seja com relação à distribuição dos produtos.
Já há alguns anos, vários movimentos sociais do campo vem protagonizando as feiras agroecológicas, com reconhecido sucesso, pelo seu potencial inovador, carregado de alternatividade frente à lógica mercantil hegemônica. Outras tantas iniciativas também se acham em curso, seja nas organizações feministas, seja nas iniciativas de organização do povo negro, seja nas experiências protagonizadas pelos povos indígenas, seja por meio de experiências inovadoras em curso em tantas comunidades e favelas espalhadas pelo nosso país ao mesmo tempo. Cumpre ressaltar a importância capital do modo como tais experiências são construídas, trazendo em comum alguns procedimentos dignos de nota. A forma de organização apresentada em cada uma delas - umas mais aprimoradas do que outras - tem a ver com seu potencial de alternatividade ao modelo hegemônico vigente. Em comum, observamos nelas uma aposta gradual na força do mutirão, no potencial associativo alcançado, no planejamento coletivo, na repartição das tarefas, no processo avaliativo, nos periódicos encontros e reuniões, com o objetivo de retificação de caminhos e de aprimoramento das mesmas iniciativas.
Trata-se, em geral, de experiências organizativas estreitamente vinculadas ao esforço formativo de seus membros. Atenção especial é dispensada aos trabalhos desenvolvidos, que não se resumem a planejar e a avaliar aspectos exclusivamente organizativos, mas também cuidam de tornar estes encontros espaços de formação da consciência crítica dos participantes. Alguns princípios que norteiam a caminhada e o espírito destas experiências: a coordenação colegialmente exercida; estímulo ao protagonismo de todos os membros; especialmente na tomada de decisões; espírito de trabalho em equipe; preocupação em alternar periodicamente o quadro de coordenação ou de direção; o cuidado com o autofinanciamento, muitas vezes, realizado pela partilha de produtos agrícolas, no esforço de superação da velha dicotomia entre trabalho intelectual e trabalho manual, no esforço de tocar a experiência por meios próprios, de modo a preservar a autonomia frente ao mercado capitalista e seu Estado…
Semelhante cuidado também se dá, quanto ao processo formativo dos mesmos protagonistas. Observa-se, também aí, o cuidado com uma formação permanente dos membros da base e dos membros da coordenação. A memória histórica vem, com frequência, a figurar na pauta desses encontros periódicos. Rememoram-se lutas e conquistas do passado recente e menos recente, também os reveses experimentados, durante momentos de conflitos. Ao mesmo tempo, cuida-se de exercitar uma mística revolucionária, a iniciativa de reverenciar grupos e pessoas de referência, no que diz respeito ao seu testemunho e a sua contribuição. Trata-se, portanto, de um esforço de vivência pessoal e comunitária da Práxis, isto é, do compromisso com o horizonte almejado, buscando cumprir passos, estratégias e táticas, correspondentes à magnitude dos desafios atuais.
Há, contudo, situações que suscitam dúvidas em não poucos dos membros desses movimentos sociais. Dúvidas que tem a ver com o sentimento ainda amplamente dominante, especialmente, nos membros de direção e de coordenação desses movimentos populares, no que se refere à participação político partidária, numa conjuntura extremamente complicada, por várias razões. Vale a pena seguir apostando cegamente nos espaços governamentais, como o meio principal de transformação, dentro do horizonte almejado? Sucessivas experiências de revés não têm sido suficientes ainda para nos advertir da armadilha e do campo minado em que os espaços governamentais têm representado, a julgar pelos sucessivos escândalos em que, não raramente, nos vemos metidos? Não estamos a sugerir que coloquemos entre parênteses o Estado e seus aparelhos, tampouco que as forças sociais de transformação abandonem abruptamente os espaços governamentais, mas, sim, que levemos mais a sério as amargas lições que extraímos de uma participação acrítica no processo eleitoral e no funcionamento ordinário do parlamento e outras instâncias do Estado. Não nos esqueçamos de que, nem sempre, em nossa história dita republicana, nossas organizações de base estiveram a ocupar os espaços governamentais. Não apenas durante a Velha República, mas também em distintos períodos, no final da década de 30 até 45, não se deu tal participação, nem por isto, nossas organizações de base deixaram de fazer a resistência possível. Nosso apelo é no sentido de que se invertam as prioridades organizativas, formativas e de mobilização que hoje predominam, em busca de uma retomada, em novo estilo, do trabalho de base. Isto é pedir demais?

 João Pessoa, 28 de dezembro de 2019.








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terça-feira, 17 de dezembro de 2019

DA SABEDORIA DA PIRRALHA E DA DEMÊNCIA DOS SENIS: efeito deletério da necropolítica

DA SABEDORIA DA PIRRALHA E DA DEMÊNCIA DOS SENIS: efeito deletério da necropolítica

Alder Júlio Ferreira Calado
“Eu te bendigo, ó Pai (...), porque ocultaste estas coisas aos prepotentes, e as revelaste aos pequenos.”. (Mt 11,25-30)

“Depois disto, derramarei o meu espírito (...) Vossos filhos e vossas filhas profetizarão (...), vossos jovens terão visões”. (Jl 3-4)


Revisitando malfeitos recentes e menos recentes das “bilionários oligarcas” revela-se fulminante o consórcio das elites do atraso. A memória histórica dos oprimidos se e quando adequadamente exercitada, segue sendo uma preciosa fonte de compreensão objetiva da realidade. Neste sentido, sempre vale a pena revisitar figuras de referência no processo analítico (também da realidade brasileira). Dentre tais figuras de referência, aqui pensamos especialmente em duas: Florestan Fernandes e Darcy Ribeiro. Quanto ao primeiro, vem-nos à lembrança uma de suas reflexões, apresentada a participantes de um seminário, promovido, em 1971, pela Universidade de Harvard (como recentemente lembrou seu filho Florestan Fernandes Jr., em pronunciamento feito ao canal TV 247), acerca daquela conjuntura brasileira. Naquela ocasião, Florestan Fernandes tinha a compreensão de que o Fascismo não morre com Mussolini, mas continua cumprindo o papel de braço militar do neoliberalismo. Por sua vez, tornou-se conhecida a afirmação de Darcy Ribeiro, segundo a qual as elites latino americanas compõem o que há de mais perverso no ideário das elites mundiais.

Ainda que necropolítica não possa e não deva restringir-se aos tempos atuais - de fato, já há um tempo considerável, temos presentes suas manifestações, ainda que em graus diferenciados - de uma década para cá, este fenômeno se tem acentuado consideravelmente. Suas manifestações mais recentes seguem afetando profundamente o planeta, os humanos e toda a comunidade dos viventes.

Nos últimos dias, por exemplo, mais algumas manifestações do mesmo fenômeno. A conferência organizada pela ONU, desta vez em Madrid, acerca da emergência climática, pode constituir-se num desses exemplos. Outro que vem tendo lugar no Reino Unido, diz respeito à acachapante vitória eleitoral de aprovação do Brexit, confirmando os propósitos das forças mais obscurantistas que, ao se separarem da União Europeia, tendem a ser atraídas ainda mais por Trump, em sua desastrada política de ameaça às condições de vida do planeta e dos humanos. Vale a pena comentar, mais detidamente, estes aspectos reveladores da plena vigência da estratégia mais conhecida como fake news, intimamente associada ao paradigma da pós verdade. Por outro lado, como contrapontos destes dois exemplos ilustrativos, entendemos oportuno sublinhar a importância do processo formativo das classes populares, assunto do qual devem ocupar-se as organizações de base de nossas sociedades, em especial, os movimentos sociais populares lidando com o empenho na construção de um novo modo de produção, de um novo modo de consumo e de novo modo de gestão societal, alternativos à barbárie capitalista. Destas questões nos ocuparemos, nas linhas que seguem.

Encerrou-se, anteontem, dia 15 de Dezembro de 2019, a conferência sobre a emergência climática, organizada pela ONU e realizada em Madrid. A quem se deu ao trabalho de acompanhar mais de perto os debates e as deliberações dos chefes de estado e de governo de cerca de 200 países, deparamo-nos com uma nova situação de impasses, dando sequência, aliás, às decisões tomadas, mas não cumpridas, em conferências precedentes, em sua grande maioria, reféns dos mesmos protagonistas do paradigma da pós-verdade, por força do qual fazem valer suas estratégias de fake news e outras similares. Estamos a assistir a mais uma conferência cujo processo e cujos resultados correspondem a mais um descompromisso entre o que dizem e o que fazem os protagonistas desta conferência, ressalvadas as exceções. Como em ocasiões anteriores, a enorme maioria destes chefes de estado e de governo não se cansam de prometer medidas consensualmente deliberadas, ao tempo em que, de volta aos seus respectivos países, fazem letra morta dos compromissos assumidos de boca para fora, o que nos remete a um conhecido dito italiano: “Fra il dire e il fare, c´è in mezzo il mare”. Eis porque, bem nos solidarizamos com a iracûndia profética da “pirralha” Greta Thunberg contra a hipocrisia reinante entre a enorme maioria dos chefes de Estado e de Governo, inclusive o desastrado representante do “des”governo brasileiro.

O processo de humanização não é algo por si mesmo garantido. Tem-se, com efeito, avanços e retrocessos, Isto é, passos em direção a um Horizonte de humanização, e passos de regressão, de desumanização. Entre nós, o famoso homo sapiens vem sempre acompanhado de um contraponto. O “homo sapiens” e o “homo demens” disputam intensamente sua prevalência. É no chão da história, que as mulheres e os homens são capazes de fazer suas escolhas, ora escolhas de vida, ora escolhas de morte de certo modo. Por vezes convivem estas duas dimensões, na humanidade, outras vezes, prevalece um ou outro, sempre a depender das condições sócio-históricas nas últimas décadas. Na atual conjuntura, o homo demens parece ganhar terreno. Diversos episódios que se sucedem ou coexistem, na atualidade são capazes de atestar tal experiência.

Na última década temos assistido há uma multiplicidade de episódios, animados pela estratégia mais conhecida como fake news, expressão do paradigma da pós-verdade nos Estados unidos, na Inglaterra, na Hungria, na Itália, na América Latina, no Brasil e em outros países, este conjunto de episódios nefastos tem em comum a presença das fake news. Começando pelos Estados Unidos, tem se notabilizado algumas personalidades, tais como a de Steve Bannon, especializadas na produção deste fenômeno. Este constitui talvez o exemplo mais ilustrativo dos principais protagonistas deste fenômeno, das fake news, uma grande onda de produção de notícias falsas de boatos, de calúnias contra adversários, por meio de algoritmos, amplificando consideravelmente os efeitos, a frequência e a intensidade, a medida que, produzidas em grande escala, são enviadas massivamente por vários canais. Fake news tem feito o trágico diferencial, especialmente, nos períodos de campanha eleitoral. Assim sucedeu na campanha presidencial de Donald Trump, assim se deu, igualmente, na influência na Siva dos eleitores e eleitoras do Reino Unido, em busca da aprovação do BREXIT, assim tem ocorrido em outros países. No caso do Brasil, a mesma estratégia revela-se especialmente eficaz por outro lado, convém não superestimar-mos o alcance desta estratégia, pelo menos não em relação a consciência cidadã em condições ordinárias, as fake news não teriam um alcance tão amplo, ou mesmo teriam um efeito bastante localizado ou marginal, no caso de termos cidadãos e cidadãs no exercício de sua capacidade crítica, na posse de suas condições de escolha fundada em dados concretos da realidade. Infelizmente, as populações atingidas por esta estratégia se revelam extraordinariamente vulneráveis, um exemplo disto é a revelação de dados recentes, relativos ao chamado Pisa, um programa internacional de avaliação do desempenho dos estudantes secundaristas ou do ensino básico no caso do Brasil, um desses dados revela-se particularmente intrigante, para não dizer escandaloso: de cada dez estudantes brasileiros, quatro não conseguem distinguir a diferença entre um fato e uma opinião, situação ainda mais grave podemos esperar dos segmentos adultos... isto tem bem mais a ver com com o papel histórico das forças de transformação, isto é, as organizações de base de nossas sociedades, em especial os movimentos sociais populares, comprometidos com a construção de uma sociedade alternativa a barbárie do capitalismo, sobretudo, e estas a responsabilidade de acompanhar, diuturnamente, o processo formativo das classes populares, até porque delas o estado não costuma cuidar. Resulta temerário entregar-se tal tarefa ao Estado, sabendo-o um dos dos componentes essenciais do próprio sistema que dizemos combater. Com efeito, ao lado do mercado capitalista, o estado se revela um parceiro estratégico essencial, sem o qual as transnacionais que atuam em todas as esferas da vida (na economia, na política, na cultura, e na religião...) Não lograriam implementar suas políticas econômicas, fonte principal de desigualdades sociais, de acumulação incessante de riquezas sob o controle de uma pequena minoria de oligarcas bilionários, em especial os que controlam o sistema financeiro, sem a decisiva contribuição ou cumplicidade dos governantes. É obra das classes populares, das e dos que animam, a tarefa histórica de assegurar condições do processo de humanização, inclusive no que diz respeito à educação e a cultura.

a vasta onda que se espalha por diversos países, inclusive o Brasil, vem caracterizada  por fortes elementos de obscurantismo, marcada por uma longa sequência de ações de necropolítica, constituindo-se grave ameaça à vida do Planeta e dos humanos. Valendo-nos do caso do Brasil, ainda que fortemente conectada a outras realidades, tais como Estados Unidos, Inglaterra, Itália, Hungria e outros países vale a pena ressaltar seus aspectos mais contundentes, Um primeiro ponto a merecer atenção, tem a ver com o desdém ou mesmo o ódio espalhado contra os "de baixo". Estamos diante de um caso ululante de "Ptocofobia" (ojeriza, ódio aos pobres).
Há também quem chame este fenômeno de "Aporofobia" atribuindo o mesmo significado de ódio aos pobres, e a partir daí tal ódio vai se desdobrando pelas mais diversas situações existenciais, de vida, de trabalho, envolvendo os pobres, em outras dimensões.
Neste sentido, vai se cultivando este ódio em relação ao Planeta e ao conjunto de seus seres. A Mãe Terra transforma-se em mero objeto de exploração e de acumulação de riquezas, pouco importando a devastação produzida nas florestas, no solo, no subsolo, nos rios, nos mares, na fauna, na flora, nos humanos… Eis a face ecocida dos adoradores de Mamon! Em seu pungente gemido à Mãe Terra é dispensado pelos novos Midas, tratamento semelhante ao que eles emprestam aos demais "Ptokói", aos demais pobres.
Assim também se comportam em relação aos povos originários, às comunidades quilombolas, aos povos das águas, das florestas, aos ribeirinhos, aos pescadores e aos camponeses, do alto de seu racismo. A tais dimensões que impregnam as práticas dos plutocratas se acham intimamente associadas misoginia (ódio às mulheres), à homofobia, o negacionismo, a visível traição aos valores do Evangelho...
Mais uma vez, não é demais lembrar a ira de que são tomados os jovens (também adultos e pessoas idosas) contra os gestores oficiais da maioria dos países, em suas decisões desastradas em relação à sorte do planeta e dos humanos.
Como deduzir de práticas semelhantes vínculos com o Deus anunciado por Jesus de Nazaré sem que isto não implicasse em alguma forma de traição ao Evangelho?
Como entender que esses mesmos segmentos de eleitores e eleitoras de Bolsonaro manifestassem profundas discordâncias com seu concorrente? Nada a censurar nem a cobrar deles quanto a este aspecto, mas, como entender que a única via alternativa seria votar em Bolsonaro? Aí reside seu grave equívoco! Equívoco que tem custado um preço altíssimo, em razão dos sucessivos e graves estragos ao povo brasileiro, sua terra e sua gente... 

João Pessoa, 17 de dezembro de 2019.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

A eficácia mobilizadora das canções libertárias, no processo organizativo e formativo das classes populares.


Alder Júlio Ferreira Calado


A Arte, em suas diferentes expressões, também se revela como catarse revolucionária. A Arte, qualquer que seja sua forma, nos encanta, nos humaniza, nos torna pessoas mais leves, nos reanima, nos faz criativos, dá sentido ao nosso  convier. Sem o exercício de alguma forma de linguagem artística, ao contrário, sucumbimos ao processo de desumanização: facilmente nos esclerosamos, tornamo-nos insensíveis às dimensões fundamentais da vida. A este respeito, o prof. Ivandro da Costa Sales, a justo título, costuma lembrar um conhecido dito, relativo à antiga Grécia, acerca de tempos tenebrosos vividos pelos seus habitantes ( cito-o de memória, sem precisão) : “A vida salvou a Grécia, graças à beleza da arte”.

Com efeito, vários dos bons clássicos  e contemporâneos não se cansam de aludir ao relevante lugar ocupado pelas diferentes formas de Arte no processo de humanização. Em diversas de suas páginas, Karl Marx chamou a atenção sobre a dimensão humanizadora das Artes. Em seus “Manuscritos Econômico-Filosóficos”, por exemplo, ele deplorava as condições desumanas de trabalho, a que o Capitalismo submete os trabalhadores, a ponto de não lhes permitir sequer a condição de  apreciarem e fruírem uma obra artística, como uma bela pintura.

Mesmo sabendo, por outro lado, que sendo a Arte expressão do humano - e, portanto, também, podendo ser usada a favor da dominação (por exemplo, um romance, uma novela, uma poesia também podem expressar relações de dominação), aqui ressaltamos o potencial libertário das diferentes manifestações artísticas, mais especificamente, as canções populares. 

Múltiplas se mostram as funções exercidas pelas diferentes manifestações artísticas ao longo do processo de humanização uma foto traz de volta situações de grande significação histórica, familiar, comunitária, pessoal… Um filme, por exemplo, ajuda sobremaneira a reavaliar determinados episódios ou memsmo períodos históricos, Um romance, uma poesia, um conto tem a magia de nos transportar a circunstâncias mais inesperadas e comoventes. O caso da música não é tão diferente. As canções populares de rebeldia e de exaltação da liberdade expressam bem a função de encorajamento à luta, à resistência. Assim nos sentimos, ao ouvirmos, por exemplo, a Marselhesa, a “Internationale”, canções de rebeldia que animam povos de vários continentes, inclusive da América Latina e do Brasil.

Hinos e canções povoam o imaginário libertário das classes populares, nos mais diversos tempos e lugares.

As canções de rebeldia atravessam séculos. Fazem parte da história humana, em todos os períodos. Na chamada Idade Média os clamores  dos “de baixo” se propagavam pelos campos e comunas. Combinando letras e melodias (inclusive melodias relativas a cânticos sacros), os Goliardos - um espécie de “hippies” do Medievo - peregrinavam por campos e aldeias e comunas, a expressarem seus protestos contra as mais diversas formas de opressão de que eram vítimas grupos diversos daquela sociedade. A este respeito, vale a pena (re) visitar o denso livro do saudoso Prof. Maurice Van Woensel “Carmina Burana”. Não eram apenas os Goleardos a expressarem seus protestos, suas sátiras contra os “donos do poder”  de então. Nesta época, também resultaram célebres os chamados movimentos pauperísticos, tais como os Valdenses e as Beguinas, entre outros. A quem interessar possa, sugiro acessar o ”link”: http://consciencia.net/o-perfil-instituinte-do-movimento-das-beguinas-na-baixa-idade-media/ 


Especialmente a partir do século  XVIII com o ascenso da Revolução Industrial, na Europa Ocidental e com a Independência dos Estados Unidos,tem lugar crescentes movimentos populares de protesto contra as condições de vida e de trabalho das classes populares, culminando com a eclosão da Revolução Francesa. Este quadro sócio-histórico se acha bem representado, sobretudo, na letra e na melodia do Hino Nacional da França, mais conhecido como a Marselhesa, do qual citamos o seguinte trecho: 

“ Contra nós se ergue o estandarte sangrento da tirania
 Vocês estão ouvindo o bramido desses ferozes soldados
 Vindo, pelos campos até nós, 
 Querendo degolar nossos filhos e nossas companheiras?
 Resistam, cidadãos! Organizem-se! Vamos à luta! “
( Trecho do Hino Nacional da França, mas conhecido como A Marselhesa )




Em condições sócio-históricas semelhantes, mas impregnadas de nuanças próprias, ao menos quanto ao grau de protagonismo e de consciência crítica dos “de baixo”, prosperaram, desde a segunda metade do século XIX e primeiras décadas do século XX, lutas sociais de grande envergadura, das quais a “Internationale” constitui uma representação emblemática. Desta famosa canção ( a Internationale) destacamos o seguinte trecho:

“De pé, oh vítimas da fome
 De pé, oh famélicos da terra
Da idéia a chama já consome
A crosta bruta que a soterra
Cortai o mal pelo fundo!
Se nada somos de tal mundo 
Sejamos nós, oh produtores!
Bem unidos façamos
Nesta luta final
Uma terra sem amos
A Internacional!

( … )

O crime do rico a lei o cobre
O Estado esmaga o oprimido
Não há direitos para o pobre
Ao rico tudo é permitido
À opressão não mais sujeitos!
Somos iguais todos os seres
Não mais deveres sem direitos
Não mais direitos sem deveres!”

( A Internacional)

Trata-se apenas de duas canções, num vastíssimo leque de tantas outras, a exemplo do que se pode conferir, acessando-se o link:

Ainda antes do surgimento das chamadas pastorais sociais (CIMI, a CPT, PJMP e outras), vale rememorar algumas canções próprias de um dos movimentos sociais populares mais expressivos dos anos 60. Trata-se das ligas camponesas, atuam principalmente no Nordeste, a partir do Engenho Galiléia, no município de Vitória de Santo Antão, em Pernambuco, espalhando-se por outros estados da região e também para além da região as ligas camponesas, sob a liderança de figuras tais como Francisco Julião, João Pedro Teixeira e Elizabeth Teixeira, para citarmos apenas três figuras emblemáticas deste movimento, tiveram uma duração relativamente breve, de 1954 a 1964, quando foram perseguidas pela ditadura Empresarial militar que se abateu sobre o povo brasileiro, a partir do golpe civil militar de 1964 uma canção muito conhecida dos militantes das ligas camponesas, em suas manifestações e em suas caminhadas, diz o seguinte: 

"Já chega de tanto sofrer 
Já chega de tanto penar
a luta vai ser tão difícil
na lei ou na marra
nós vamos ganhar."

Convém, desde logo, fazer uma advertência. Como sói acontecer nos diferentes campos de saberes, também no universo artístico, a leitura, a decifração e a interpretação resultam sempre relativas, sobre vários aspectos as mensagens contidas nas diferentes linguagens da arte comportam elementos por vezes indecifráveis, pelo menos do ponto de vista de seus respectivos autores e autoras ainda assim, importa reconhecer o esforço reiterado, feito pelo seus apreciadores e apreciadoras, no sentido de colher em algum tipo de recado neste sentido, a contextualização sócio-histórica pode - e na verdade se torna, quase sempre - um bom caminho de buscar entender ou de decodificar, ainda que relativamente, certas mensagens ali contidas de modo concreto, também no que diz respeito às canções de rebeldia, importa sempre situá-las e data-las, sob pena de leituras equivocadas ou o que é pior, da tentação de aplicar essas mensagens, de modo acrítico sem se tomar em conta cada contexto histórico específico por exemplo, parte expressiva das canções populares expressando resistência rebeldia comportam escolhas não raramente extremadas, isto é admitindo ou mesmo recomendando recursos à insurreição e à resistência armada, escolhas sempre merecedoras de respeito às gerações que as tomam, sem que isto implique reedição acrítica por outras gerações, em outras situações históricas.

  

O efeito organizativo, formativo e mobilizador dos cânticos, no caso das organizações da Igreja na “Base”


Como acima anunciado, restringimo-nos, a seguir, a focar algumas canções populares mais conhecidas das Pastorais Sociais, relativas à “ Igreja na Base”.  

Justamente ontem, 10 de dezembro, ao celebrarmos 71 anos desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, celebrarmos a memória de um grande Bispo profeta, Dom Antônio Batista Fragoso, cujo Centenário começa a ser celebrado, cuidamos de exercitar também a memória das canções populares de resistência, vinculadas às pastorais sociais, priorizando as últimas décadas. A Declaração Universal dos Direitos Humanos enfrenta, ainda hoje, retrocessos deploráveis, inclusive no Brasil. Recentes dados do IBGE, combinados com os do Relatório da ONU, atestam o crescimento da desigualdade entre nós, além de retrocessos em diversos outros índices, de modo a suscitarem o clamor dos empobrecidos, das classes populares, que também podem ser escutados por meio das canções de resistência. 

Como as canções de resistência próprias das pastorais sociais impactaram e ainda impactam o imaginário e as lutas de resistência popular! Todo um cancioneiro de grande relevância a ser visitado. Uma dessas canções de resistência e de luta situa-se no período de resistência contra a ditadura empresarial militar. Eis algumas de suas estrofes: 

“No deserto, antigamente
O Povo de Deus marchou
O Moisés andava na frente
Hoje, Moisés é a gente
Quando enfrenta o opressor." 

Um aspecto a ressaltar na letra deste Cântico, tem a ver com o processo organizativo e formativo das classes populares: de um lado, acentua a importância do coletivo, do comunitário, como meio de fortalecimento das bases, diante do enfrentamento das forças adversas; por outro lado, no que toca ao processo formativo, sublinha o papel da memória histórica, como instrumento de formação crítica e de compromisso com a causa dos “debaixo”. 

A segunda metade dos anos 60, no mundo, na América Latina e no Brasil, ao mesmo tempo em que endurecia o regime militar, em especial a partir ir da decretação do famigerado AI-5, de 13 de dezembro de 1968 ensejando o fechamento ainda maior e o aumento da repressão ditatorial sobre cidadãos e cidadãs, cristãos e não-cristãos, foi também neste período que as pastorais sociais - as pequenas como comunidades religiosas inseridas no meio Popular, as CEBs, outras pastorais sociais - configurando o quê depois seria conhecido como "a igreja na base". Também tivemos um intenso período de resistência popular resistência também expressa pela via da música, das canções executadas por essas organizações da Igreja Católica e de outras Igrejas Cristãs, reunidas no CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs), daí resultando muitas iniciativas de resistência e de solidariedade ao povo dos pobres uma das canções emblemáticas deste período foi um Cântico característico da Campanha da Fraternidade já em meados dos anos 70, intitulada "eu vim para que todos tenham vida ". Várias de suas estrofes tinham um expressivo chamamento à resistência e à solidariedade a partir do estribilho "eu vim para que todos tenham vida, que todos tenham vida plenamente”, várias estrofes se seguiam, nesta direção. Uma delas dizia assim:

“Eu passei fazendo o bem
Eu curei todos os males
Hoje és minha presença
Junto a todo sofredor
Onde sofre o teu irmão
Eu estou sofrendo nele.”

Toda a canção chamava fortemente a um compromisso com a vida, em especial da vida do povo dos Pobres, fortemente ameaçada pela repressão da ditadura ao mesmo tempo, a canção cuidava de encorajar a solidariedade, a resistência, a partilha, aos cuidados mais próximos com as vítimas da repressão isto se faz presente, também, em outra estrofe:

“Entreguei a minha vida
Pela salvação de todos
Busca, salva, reconduze
Quem perdeu toda esperança
Onde salvas teu irmão
Tu me estás salvando nele.”


Uma vez mais, é possível observar-se a intenção organizativa e formativa a incidir sobre a canção busca-se abrir e Despertar a consciência social dos participantes, instigando a um compromisso solidário com a vida, especialmente a vida das pessoas injustiçadas do povo dos pobres. modo pedagógico, o cântico inspira e hindus a superação do individualismo, do cada um por si, ao tempo em que anima as pessoas a comunhão, a união de forças, ao cuidado das pessoas necessitadas.

Já em meados dos anos 80, as pastorais sociais, movimentos e serviços animados pela igreja na base viviam tempos de todos, de intensa efervescência. Neste período, as pequenas comunidades de religiosas inseridas no meio Popular, , a CPT, a pjmp, serviços tais como a comissão justiça e paz, os centros de defesa dos direitos humanos e outras organizações de base, ligadas à igreja católica, animavam iniciativas e experiências múltiplas, também por meio de cantos populares por exemplo, por ocasião do VI Encontro Intereclesial das CEBs, realizado em Goiás, um desses cantos traduzia bem o horizonte perseguido, bem como os caminhos indicados. Trata-se do conhecido “Baião das CEBs”, do qual citamos o seguinte trecho: 

"Somos gente nova vivendo a união 
Somos povo semente de uma nova nação ê, ê 
Somos gente nova vivendo o amor 
Somos comunidade, povo do senhor, ê, ê 
Vou convidar os meus irmãos trabalhadores 
Operários, lavradores, biscateiros e outros mais 
E juntos vamos celebrar a confiança 
Nossa luta na esperança de ter terra, pão e paz, ê, ê”

 Vale sublinhar, neste Cântico, a preocupação fundamental característica daquela época: em vez de lutar por um novo Estado, toda a ênfase recaia sobre a busca da construção de uma nova sociedade. Esta característica merece especial reflexão crítica, principalmente porque, a partir dos anos 90, a tendência tem sido a de se lutar por um novo Estado, distanciando-se da perspectiva de uma nova sociedade.

Em resumo, entendemos que nos resta um longo caminho a percorrer, sobretudo tendo consciência da profundidade dos estragos provocados por esta era de obscurantismo econômico, político e cultural, sob a égide da mais nefasta hegemonia do capitalismo financeiro, atuando nas mais diferentes esferas da realidade, inclusive no plano educativo. A esse respeito específico, o mais recente relatório do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), ao divulgar dados pertinentes ao Brasil, faz uma revelação assombrosa: a de que de cada dez estudantes, quatro não sabem distinguir entre um fato e uma opinião. Nossa esperança reside nas forças sociais de mudanças, nossas organizações de base, a medida que sejam capazes de retomar, em novo estilo, o trabalho de base, seja do ponto de vista organizativo, no plano formativo, e no compromisso de luta.




João Pessoa, 11 de dezembro de 2019.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Francisco, tecelão da interculturalidade, da justiça socioambiental e do desarmamento: breves notas acerca da recente visita de Francisco, Bispo de Roma, as terras e as gentes da Tailândia e do Japão

Francisco, tecelão da interculturalidade, da justiça socioambiental e do desarmamento: breves notas acerca da recente visita de Francisco, Bispo de Roma, as terras e as gentes da Tailândia e do Japão

Alder Júlio Ferreira Calado

Tem início, hoje, em Madri - devendo estender-se até o dia 13 do corrente - mais uma concertação internacional acerca da emergência climática. Disto, contudo, trataremos noutra ocasião. Por enquanto, baste-nos, por sugestão de Prof. Sinuê, indicar o frutuoso trabalho desenvolvido pelo pesquisador cearense Alexandre Costa, do qual segue o link: https://youtu.be/7UtaV18xN8U
De todo modo, o tema que trazemos à tona tem relação direta e indireta com aquele desafio.

A poucos dias de completar seus 83 anos (próximo dia 17/12), o Bispo de Roma retornou, no dia 26, próximo-passado, da Tailândia e do Japão, alvos de sua 32ª viagem apostólica, em dezenas de países, nos cinco continentes sua mais recente viagem apostólica teve como principais motes ou motivações, o diálogo inter-religioso, o exercício da interculturalidade, o desarmamento nuclear e a justiça socioambiental. Nenhum desses motes constitui propriamente uma novidade, na ainda recente trajetória do Bispo de Roma, a frente de suas funções. Com efeito, palavras-chave compõem seu universo vocabular, sobre o qual já tivemos oportunidade de refletir (cf. http://textosdealdercalado.blogspot.com/2016/07/do-universo-vocabular-do-papa-francisco.html
http://consciencia.net/33501-2/). O Papa Francisco tem sido apreciado, mundo afora, de tal modo a revelar-se, dia após dia, como uma liderança de novo tipo tal é a estima cultivada sobre o Bispo de Roma, por seus gestos, palavras e escritos, não surpreenderia se nos dissessem tratar-se de alguém estimado, mas fora do mundo católico e mesmo do Mundo Cristão, do que entre pessoas e povos de outras confissões ou mesmo por pessoas sem confissão religiosa definida. Isto se comprova, também, nesta sua 32ª viagem apostólica, em que visitou terra e gentes da Tailândia e do Japão, tendo aí experimentado frutuosas relações, durante uma semana, mais precisamente, entre os dias 19 e 26 de novembro deste ano.

Nas linhas que seguem, cuidamos de destacar o que consideramos terem sido os pontos fortes de sua 32ª viagem apostólica. Tratamos, em seguida, de destacar os seguintes aspectos: seu compromisso com com a interculturalidade, sua defesa intransigente da Justiça socioambiental, sua posição firme e profética contra as armas nucleares bem como aspectos pedagógicos característicos deste grande educador.

Bispo de Roma, como um tecelão da interculturalidade

Dando sequência a seu compromisso incansável de abrir e manter diálogo com povos e lideranças das mais distintas confissões religiosas e com pessoas e grupos sem confissão religiosa definida, Francisco testemunha, mais uma vez, sua coerência com relação ao que tem dito, feito e escrito, inclusive em relação ao povo católico não se cansa de chamar atenção e ao compromisso, por parte dos católicos, no sentido de aderirem chamamento do Evangelho, quanto à necessidade e urgência de fortalecermos uma “Igreja em saída”. Os dramas do mundo atual, tal como em desafios passados, não permitem ações e testemunho de uma igreja auto referenciada, de uma igreja voltada para seus próprios interesses exclusivos. Também nesta direção, não se cansa de afirmar e reafirmar o chamamento ou a proposta feita por Jesus, no sentido de despertarmos e assumir nossa verdadeira vocação de discípulos e discípulas, de missionários e missionárias. Esta vocação implica, sobretudo, o testemunho a serviço das causas libertárias do nosso mundo. Dentre as causas libertárias mais urgentes, o Papa Francisco, em sua recente viagem, destacou a disposição incessante de fortalecimento de relações interculturais. Interculturalidade baseada no incansável exercício do diálogo com outras culturas e com outras expressões religiosas, características da enorme multiplicidade de modos de sentir de pensar de agir e de querer dos mais distintos povos espalhados pelos diversos continentes. Trata-se, por consequência, do compromisso de romper com toda unipolaridade, quer se trate de eurocentrismo, quer se trate de submissão a uma determinada Cultura, compreendida como a detentora da Verdade e da autoridade de digitar normas suas para o conjunto dos povos. Francisco, por sua vez, como tecelão da interculturalidade, percorre o mundo inteiro, a despertar consciências e compromissos com com o respeito a dignidade de toda expressão cultural, não importando o povo que a vivência. 

Como para todo bom educador popular, a exemplo de Paulo Freire e outros e outras, também para Francisco, interculturalidade não se reduz a um conceito acadêmico, abstrato, desligado do contexto histórico concreto, mas significa principalmente uma experiência vivencial, concreta e pensada, a partir de espaços históricos contextualizados. neste sentido, vivenciar interculturalidade comporta práticas e concepções, testemunhos, posturas desconcertantes, no mundo refém da pós verdade, no mundo Rendido a meras palavras e declarações, sem nexo com a realidade concreta. Interculturalidade, deste modo, vem carregada de consequências. Uma delas tem a ver com a necessária ruptura com com a unipolaridade, seja em relação a há um país, seja em relação a uma potência que se pretenda acima de povos e nações, tratados como meros objetos de sua dominação, de seus interesses, de seu ideário. Por exemplo, a interculturalidade rompe com o racismo,  sob todas as suas manifestações. Rompe com pretensos modelos de superioridade de uma nação em relação a outras. Rompe privilégios dê toda sorte: econômicos, políticos, culturais ora, no mundo conformado a ideologia de grandes potências, a mera proposta de interculturalidade desagrada a esses "donos do poder". Interculturalidade desponta, em tal contexto, como uma proposta revolucionária, à medida que se nega a reconhecer superioridade de um povo ou de uma nação sobre outros povos e outras nações tomando como exemplo o caso da proposta organizativa característica da ONU, podemos perceber que nela a interculturalidade é, com frequência, abortada, sempre que as decisões da enorme maioria de seus membros passam a ser obtidas por um simples veto. Na verdade é um privilégio, de qualquer um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, a saber Estados unidos, Rússia China, Inglaterra e França. Qualquer resolução democraticamente tomada por dois terços ou a quase totalidade dos países membros da ONU, pode ser obstada pelo privilégio do voto, detido por uma destas cinco potências mundiais. Falar-se aí em democracia soa uma tremenda impropriedade ou mesmo uma falácia grosseira, exemplos outros 1000 poderiam servir de ilustração, no quadro geral de gestão, em nosso mundo.

Sem interculturalidade e sem Justiça socioambiental, a paz se torna um discurso vazio

Outra expressão chave que podemos observar, nesta viagem apostólica de Francisco, Bispo de Roma, tem a ver com com a emergência de Justiça sócio ambiental vimos, no tópico precedente, como os caminhos de construção de uma verdadeira paz passam pelo exercício contínuo da interculturalidade, forma eficaz de combate ao racismo, em todas as suas manifestações trazemos, nas linhas que seguem, Nossa reflexão acerca da Justiça sócio ambiental como um pressuposto necessário da Paz justiça sócio-ambiental, tal como proposta pelo Papa Francisco, em suas práticas, em suas palavras e em seus escritos, há de ser entendida, não apenas em sua relação com nossos ecossistemas, como se desligados estivessem dos humanos e de todos os viventes, compreendemos Justiça socioambiental como um todo composto dos mais diversos ecossistemas e dos seres vivos, inclusive os humanos, que os integram e não se trata de terminologia acadêmica, mas, de fato, a justiça socioambiental, anunciada pelo Papa Francisco, inclui necessariamente nosso compromisso de Justiça tanto em relação ao ambiente quanto em relação aos que dele fazem parte ao anunciar a urgência de priorizarmos a justiça socioambiental, o Papa Francisco nos remete ao enfrentamento da busca de superação de gigantescos impasses, que tem ameaçado a vida, em todas as suas manifestações. Anunciar, por conseguinte, a justiça sócio ambiental significa, por um lado, denunciar as mais diversas expressões de ameaça à vida do planeta e dos humanos significa urgir nossa consciência de humanos, quanto aos nossos compromissos e responsabilidade com toda sorte de malfeitos e desmandos praticados, de modo frequente e crescente, em nossos dias chamar atenção é o que faz o Papa Francisco, não apenas por meio de sua valorosa encíclica social "laudato si", mas igualmente em tantas outras circunstâncias de suas intervenções, por gestos palavras e escritos. Associando-se à toda comunidade científica que se tem ocupado, sem cessar, em divulgar os resultados espantosos de suas pesquisas, dando conta dos enormes riscos e ameaças às formas de vida, seja em razão do contínuo aquecimento climático, com efeito imediato sobre o derretimento das calotas polares, do aumento do nível do mar, desastrosas consequências de que já estão sendo vítimas travessão e outras logo mais passaram a ser travessão de fenômenos tais como ocorrências de sunami, de enchentes, de tempestades fulminantes, da desertificação, das frequentes secas e períodos volumosos de chuva, além de outros fenômenos colaterais de reconhecida gravidade, tais como a insuportável concentração de carbono na biosfera, na na crescente acidez dos mares e oceanos, dos níveis altíssimos de poluição travessão poluição dos mares, com a inundação de plásticos, de consequência letal para a fauna marinha -  a concentração inédita de poluentes de todo tipo, a inviabilizar a vida em várias cidades do mundo, a exemplo de Nova délhi, na Índia. Consequências letais não param aí. Devemos acrescer tantas outras formas de agressão sócio ambiental: o envenenamento das águas dos rios, do mar; o crescente desmatamento; a expansão vida de terras desmatadas, em razão de políticas necrófilas concebidas e implementadas pelo agronegócio, pelas grandes empresas de mineração, pelo uso e abuso de agrotóxicos a infestarem o subsolo, o solo, a vegetação, a fauna, os humanos…

Todas essas manifestações não se produzem ocasionalmente, mas se mostram fruto de políticas econômicas características da ganância mortal do mercado capitalista, em especial do seu setor mais necrófilo, o setor financista e seus paraísos fiscais. 


Como dito precedentemente, justiça sócio ambiental não tem a ver apenas com a dignidade do planeta, mas também com os humanos. Neste sentido, são igualmente numerosas as manifestações da lógica do lucro incondicional, a incidir direta e indiretamente hein em múltiplas situações envolvendo e impactado as condições de vida e de trabalho de multidões a sanha rentista e dos demais setores do capitalismo não tem compromisso com a justiça social, a não ser formalmente, isto é, na letra fria das leis, e, ainda assim, a depender da interpretação conferida por ricos escritórios de advocacia, ao ler e interpretar hein as leis respectivas A esse respeito, tem-se notabilizado, mundo afora, inclusive no Brasil, o que se vem chamando de offer, isto é julgamentos parciais, sentenças mas no arbítrio do que nos autos. aos gravíssimos danos e estragos provocados pela sanha de lucratividade também tomam como alvo as condições de vida e de trabalho de milhões de pessoas. sobre a designação imprópria de “reformas”, gravíssimas retiradas de direitos vem sendo processadas, no Brasil, seja em relação às leis de proteção ao trabalho, seja em relação às leis previdenciárias e outras. As desigualdades sociais seguem sendo atestadas, inclusive em dados oficiais, como, por exemplo, fornecidos pela Fundação IBGE no tocante a vários aspectos, entre os quais o relativo ao crescimento das desigualdades sociais, no Brasil, nos últimos anos.

Desarmamento nuclear como verdadeiro compromisso de paz.

O jogo do poder contra poder finca profundas raízes na história do homo sapiens também hoje, não tem sido diferente. A insônia do poder sobre os demais tem marcado presença, na atualidade, sob vários aspectos preço de produção, na estrutura, organização e exercício do poder, bem como na esfera dos valores, o poder tem sido um atrativo constante, em nossa atualidade. Com efeito, a conquista, a manutenção e a ampliação do poder econômico político político, cultural, religioso segue avassaladora, em nossos dias. Múltiplas estratégias são concebidas e implementadas pelas forças de dominação. Uma delas tem se mostrado eficaz: trata-se de submeter os outros por meio da imposição do medo. O medo constitui, portanto, também hoje, uma arma poderosa de submetimento de grandes potências sobre outras nações. 

Eis por que, não de hoje, sob a falácia da máxima latina “Si vis pacem, para bellum” (Se queres a paz, prepara a guerra). As grandes potências não cessam de investir parte substancial de seus respectivos orçamentos na produção de armamentos bélicos, inclusive de armas atômicas ou de grande poder de destruição em massa. Este foi o cerne da denúncia profética apresentada pelo Papa Francisco, em sua Mensagem pronunciada em sua visita a Nagasaki e Hiroshima. E o fez, também, com base na luminosa Encíclica “Pacem e terris”, de autoria do Papa João XXIII. Dela nos permitimos, por relevante, citar um longo trecho, a este respeito:

“É-nos igualmente doloroso constatar como em estados economicamente mais desenvolvidos se fabricaram e ainda se fabricam gigantescos armamentos. Gastam-se nisso somas enormes de recursos materiais e energias espirituais. Impõem-se sacrifícios nada leves aos cidadãos dos respectivos países, enquanto outras nações carecem da ajuda indispensável ao próprio desenvolvimento econômico e social.
Costuma-se justificar essa corrida ao armamento aduzindo o motivo de que, nas circunstâncias atuais, não se assegura a paz senão com o equilíbrio de forças: se uma comunidade política se arma, faz com que também outras comunidades políticas porfiem em aumentar o próprio armamento. E, se uma comunidade política produz armas atômicas dá motivo a que outras nações se empenhem em preparar semelhantes armas, com igual poder destrutivo.
O resultado é que os povos vivem em terror permanente, como sob a ameaça de uma tempestade que pode rebentar a cada momento em avassaladora destruição. Já que as armas existem e, se parece difícil que haja pessoas capazes de assumir a responsabilidade das mortes e incomensuráveis destruições que a guerra provocaria, não é impossível que um fato imprevisível e incontrolável possa inesperadamente atear esse incêndio. Além disso, ainda que o imenso poder dos armamentos militares afaste hoje os homens da guerra, entretanto, a não cessarem as experiências levadas a cabo com uns militares, podem elas pôr em grave perigo boa parte da vida sobre a terra.
Eis por que a justiça, a reta razão e o sentido da dignidade humana terminantemente exigem que se pare com essa corrida ao poderio militar, que o material de guerra, instalado em várias nações, se vá reduzindo duma parte e doutra, simultaneamente, que sejam banidas as armas atômicas.” (nn. 109 a 112).
Cumpre, finalmente, observar a postura didática e convincente dos pronunciamentos feitos pelo Papa, em sua trigésima segunda viagem apostólica, como, aliás, é praxe em sua fecunda trajetória de Bispo de Roma.

João Pessoa, 02/12/2019.