BRASIL - SOCIEDADE E IGREJA: Impasses,
desafios e perspectivas
Alder Júlio
Ferreira Calado
Como poucas vezes
em sua história, o Brasil vem enfrentando uma conjuntura ético-política e sócio-econômica
das mais complexas e desafiantes. Sabemos, todavia, que realidade semelhante não
é exclusiva da sociedade brasileira. Enfrentam-na também, cada qual ao seu
modo, todo o continente americano, a Europa e demais continentes. Aqui, focamos
mais especificamente o caso da sociedade brasileira e suas interfaces com a(s)
Igreja(s).
Não bastasse a
profundidade da crise internacional, a golpear duramente povos e nações, a
sociedade brasileira vem atravessando, nesses últimos anos, uma das maiores
crises de sua história, seja pela sua complexidade, seja pela sua extensão, no
tempo e no espaço. Nas linhas que seguem, tratamos de exercitar uma leitura
crítica, a partir da perspectiva das classes populares e de setores cristãos
ligados à “Igreja na Base” (CEBs,
pastorais sociais, CEBI, etc.).
Começamos por
assinalar algumas observações que nos parece oportuno ter presentes, no início
de uma análise de conjuntura, por
tratar-se de obviedades não raro esquecidas ou negligenciadas, nessas ocasiões. Em primeiro lugar, convém atentar para a
presença significativa de fatores ou componentes estruturais que costumam incidir no espectro
conjuntural. Com efeito, fatores econômicos (por ex., gigantescas práticas de
desperdício de água, de energia, de alimento, de recursos públicos para a
péssima gestão dos mesmos, enorme desperdício de recursos públicos com
propagandas governamentais , as cifras alarmantes de desemprego...), políticos
(por ex., sistemática violação de critérios republicanos, manutenção/ampliação
de privilégios...) e culturais (por ex., “naturalização” de preconceitos e
discriminações de classe, de gênero, de etnia, de procedência geográfica, de
crenças, etc.) – devendo todos esses fatores ser percebidos em sua dinâmica
interação – apresentam raízes estruturais, que têm a ver com toda uma história
secular, a se refletirem também nas cenas conjunturais. Outra observação:
importa ter presente aí a produção de um desencadeamento articulado das várias
esferas da realidade social.
Em vão, tentaríamos compreender mais a fundo o que se passa no Brasil, contentando-nos
com uma análise circunscrita exclusivamente a uma única esfera da realidade,
seja ela a econômica, política ou cultural. Mesmo reconhecendo a relevância de
qualquer uma delas, resulta imprescendível constatar a dinâmica interação que
perpassa as esferas econômica, política e cultural. Outro registro digno de
nota refere-se à necessidade de buscar as verdadeiras raízes desta crise, para além
de sua imediatez, isto é: é ilusório pretender-se dar conta da atual realidade
brasileira, analisando-se o que nela se tem passado apenas de três anos para
cá, desde o desfecho das eleições presidênciais de 2014. Nestes útlimos anos,
reside apenas o epifenômeno ou a ponta do “iceberg”, insuficiente para se dar
conta, de modo consistente, da realidade observável, já que se deve tomar em
conta fatores relevantes que se acham na raiz do atual desfecho da mencionada
crise. Em vão, repete-se que a crise atual tenha tido origem com a divulgação
do resultado das eleições presidenciais de 2014, sem negar, porém, seu peso
específico no contexto da mesma crise. Sem dúvida, o processo eleitoral de 2014
comporta marcas importantes para o
desenvolvimento ulterior ao resultado das urnas, desde que o associemos a
outros elementos não menos necessários à análise do caso em tela.
Uma última
observação a fazer, busca responder à expectativa e à legítima cobrança quanto
ao referencial de análise aqui exercitado e já anunciado. Nosso olhar pretende
ser o das classes populares, isto é, faz-se a partir dos interesses das
necessidades e das aspirações da Classe Trabalhadora, comprometida com o
processo de construção de um novo modos e produção, de um novo modo de consumo e
de um novo modo de gestão societal, em consonância com respeito e a dignidade
da Mãe Terra e de toda a comunidade dos
viventes, numa perspectiva alternativa ao Capitalismo e ao o espectro metabólico do Capital.
1.
Principais marcas do quadro conjuntural
Alguns sinais mais
impactantes da atual realidade brasileira, concernentes às suas distintas esferas, podem nos ajudar, como
ponto de partida, nosta análise. Os índices oficiais de desemprego revelam-se
aterradores: cerca de 12.3 milhões de desempregados! Cifra que pode alcançar o
dobro, se incluídos no parâmetro de mensuração, certas variáveis de estimativa
de desemprego não consideradas pelos critérios oficiais de mensuração do mesmo
fenômeno. Situação ainda mais impactante, quando considerados certos segmentos
demográficos mais afetados pelo desemprego, tais como jovens, mulheres, negros...
Outro sinal
preocuponte tem a ver com o crescente sucateamento dos serviços públicos
essenciais (moradia, saneamento, saúde, educação, transporte público, segurança
pública...). Ao mesmo tempo, há de se reconhecer as graves consequências
resultantes do desinvestimento em políticas sociais essenciais, a exemplo da
reforma agrária e da agrícultura famíliar, com pesadas consequências para a
agroecologia, em contraste com o apoio e financiamento pelo Estado do
hidro-agronegocio e das desastradas políiticas de mineração e de manejo
florestal. Não menos danosa se tem mostrado
a atual política de endividamento, da qual decorrem o vertiginoso
crescimento da dívida pública e seus respectivos serviços, sem esquecermos a
exorbitante lucratividade obtida pelo setor financeiro e çelas transnacionais
que atuam nos setores estratégicos da econômia brasileira. Eis alguns traços de
nossa economia, a indicarem um quadro tenebroso para a enorme mairoia de nossa
sociedade. Quadro fortemente alimentado pela cultura do desperdício e da
corrupção sistêmica envolvendo altos setores empresáriais, grandes
empreiteiras, altos funcionários das empresas estatais e políticos de
referência nacional, de modo a comprometer profundamente qualquer projeto de
recuperação econômica de curto prazo.
Ainda na esfera
econômica, este mesmo quadro sombrio é agravado por várias outras políticas
econômica em curso, tais como a política tributária, a política trabalhista e a
política previdenciária. Sobre a primeira “a tributária” recai a responsabilidade
por uma marcante participação no aprofundamento da desigualdade social, à
medida que por um lado isênta de impostos setores econômicos prívilegiados
cometendo em seu favor seguidos atos de renuncia fiscal e outros do genêro; por
outro lado, penaliza os setores mais empobrecidos e a classe média seja
infligindo-lhes pesada carga de impostos indiretos, seja atribuindo à classe
média pesada carhga do Imposto de Renda, por meio de uma taxação relativamente
regressiva, isto é, os sementos assalariados acabam pagando proporcionalmente
mais do que os segmentos economicamente privilegiados.
No âmbito
político, não são menos graves as injustiças e contradições imperantes, a
começar pela atual organização político-partidaria, marcada pela atuação nociva
de dezenas de siglas partídarias (muitas delas conhecidas como “partidos de
aluguel”), São, em grandíssima parte, partido desprovidos de perfil ideológico,
de compromissos programaticos repúblicanos, tendo como meta principal a de extrair
vantagens, tais como fatias do fundo partidário, arrancar benesses, durante as
campanhas eleitorais, em suas negociatas com os “grandes partidos”, seja por meio de cessão de seu
tempo de propganda oficial de rádio e televisão, seja por meio de acordos
inconfessáveis com setores partidarios detentores de maiores chances de vitória
eleitoral.
A isto se agrega
um vício eleitoral recorrente, trata-se do financiamento espúrio, pelas grande
empresas e empreiteiras, de partidos e de candidatos, do que decorre a
instalação de uma concorrencia extremamente desigual em relação a partidos e
candidatos ética e políticamente comprometidos com as classes populares, já
durante a campanha eleitoral. Após esta, é apresentada, pelos financiadores aos
“eleitos” a cobrança de compromissos com os interesses e prioridades, em
projetos e votações ligados aos interesses de quem os financiou, pois, como diz
o Adágio popular, “Quem come do meu pirão, prova do meu cinturão”...
Importa sublinhar
que, dos cerca de trinta e cinco partidos com representação na Câmara dos
Deputados e no Senado Federal, é prática corrente destes partidos, com uma ou
outra exceção, a conformação a essas regras do jogo, o que é facilmene atestado
pela pratica costumeira do aliancismo: Com o objetivo de vencer, a qualquer
custo o processo eleitoral, são capazes de fazer aliança com Deus e com o
Diabo.
Os partidos de
esquerda, liderados pelo PT, até aos anos 80, mostravam-se mais vigilantes com relação
aos criterios de aliança partidaria. A partir dos anos 90, tais criterios foram
sendo cada vez mais relativizados e abandonados, o mesmo acontecendo à sua
relação organica com os movimentos sociais e as organizações populares, que
foram sofrendo uma sangria pelo crescente abandono de milhares de militantes
qualificados, que passaram a ser arregimentados como assessores e quadros
atuando quase que apenas nos espaços estatais. Tal foi o golpe sofrido pelos
movimentos sociais populares e sindicais, que também estes passaram a alterar
perigosamente seu modo de agir, de se organizar e de se formar, cada vez mais
inebriados pela aposta em seus parceiros agora atuando nos vários aparelhos de
Estado, fazendo retroceder toda uma tragetoria de lutas e de conquistas, bem
como seu compromisso com processo organizativo e formativo de base.
No plano
estritamente ético da ação política, partidos de esquerda historicamente
reconhecidos pela sua lisura (ficou marcada, por exemplono imaginário popular
brasileiro, a campanha intitulada “Ética na política”, protagonizada pelo PT,
nos anos 90), passaram a descuidar-se deste compromisso e a resvalar em
sucessivos casos de corrupção, em conluio com altos funcionários de empresas
estatais e com grandes empreiteiras contratadas pelo Governo, para atuarem em
obras públicas, especialmente na área de petróleo. A este respeito, tornaram-se
famosos os casos julgados na Ação Penal 470 (mais conhecida como “Mensalão”) e
o caso da Lava-Jato ainda em curso, em ambos os casos envolvendo diretamente
grandes executivos empresariais, altos funcionários de empresas estatais,
figuras operadoras do setor financeiro e lideranças políticas de vários
pertidos.
No plano mais
diretamente cultural, importa acentuar, pelo menos, 2 elementos relevantes: Um,
que incide no plano dos valores e outro correspondente ao da mídia comercial e
das redes sociais. O primeiro elemento –o dos valores- põe a nu um nítido
processo de degradação ética do tecido social, grandemente influiciado pelas
atitudes eticamente comprometidas de lideranças históricas de referência. Tal
proceso de degradação pode ser atestado pelo comportamento cada vez mais
distanciado de valores éticos almeijados. Isto se materializa em exemplos do
cotidiano, tais como: a compulsão por extrair vantagens e privilégio no
portar-se a uma fila de banco, ao aguardar sua vez no atendimento hospitalar,
ao conduzir-se no trânsito ao aceitaer a cor dos ilícitos de compra e venda de
votos, ao privatizar espaço e recursos públicos, no ambito de sua respectiva
instituição de trabalho (privatizando tempo, recursos, materiais, equipamentos,
etc..). Não se trata de insinuar que tal processo tenha sido desencadeaado a
partir destes últimos anos. De fato, aqui se trata de uma cultura que tem raízes
históricas mais profundas. Sustentamos apenas que, nas últmas decádas, tal
tendência se vem acentuando sobremaneira, graças às condições favoráveis aí
encontradas.
Outro aspecto a
merecer destaque, no plano cultural, prende-se à estruturação e ao
funcionamento dos grandes meios de comunicação (jornal, rádio e televisão), bem
como ao comportamente das chamadas redes sociais. No primeiro caso, tem-se toda
uma vasta população refém da difusão e da recepção acrítica dos interesses e
valores ideológico de uma meia dúzia de
jornais, de canais de rádio e televisão, monopolizados por uma dezena de
famílias. Esdrúxula situação em curso, já há décadas, a contrastar com o que
dispõe a Constiutição brasileira, que define a exploração destes meios de
comunição como serviços submetidos ao interesse público, razão por que sua
exploração se dá como uma concessão pelo Estado, ao qual cabe regular,
acompanhar e avaliar sua qualidade social, podendo inclusive renovar ou não tal
concessão. Grande expectativa se alimentou, durante o relativamente longo período de gestão dos
governos do PT, sobre a abertura de discussão pública e de controle social da
exploração de tais serviços, o que não se deu...
Com relação âs redes sociais, conta-se, por um
lado, com uma conquista social a ser celebrada, no campo da comunicação, em
razão de seu crescente alcance social, e, por outro lado, dadas as condições de
escassa criticidade da enorme maioria dos seus usuários, elas acabam, por
vezes, tornando-se uma faca de dois gumes: tanto podem servir aos interesses
dos “de baixo”, como podem propiciar um uso perversso dessas ferramentas, como
se costuma observar na frequente circulação de mensagens, imagens e vídeos com
uma terrível carga de preconceitos e discrimanações de classe, de gênero, de
etnia, de procedência geográfica, etc., um quadro pantanoso a favorecer o
desencadeamento de campanhas de alto teor misógino, homofóbico, racista,
xenófobo, preconceituoso contra os presos, assim mantendo e ampliando,
objetivamente, a grade de valores dominante. A respeito deste último ponto, por
exemplo, não é gratuito o espectro tenebroso do sistema prisional brasileiro,
sobre o qual se tornou famosa uma declaração do Ministro da Justiça José
Eduardo Cardozo, do Governo Dilma, de que preferia morrer a experimentar as
condições desumanas do sistema prisional do Brasil... O mais recente drama de
sucessivos massacres de presos, em alguns Estados da do Brasil, só cnfirma este
trágico espectro.
Este é um desafio ingente, em especial, para
as forças sociais comprometidas com mudanças estruturais, a exemplo dos
movimentos sociais populares e de outras organizações de base.
2. Como se situam neste contexto a(s)
Igreja(s) e outras forças sociais comprometidas com a construção de uma nova
sociedade?
Comecemos por
explicitar o que aqui estamos chamando “Igreja” e “outras forças sociais”.
Tomada como um todo – não é o que aqui
fazemos -, a Igreja Católica, instituição complexa, multissecular,
mutinacional, pluriclassista, reflete, em geral, as contradições que conformam
todo o tecido social. Nela, podem encontrar-se as mais díspares posições, não
apenas socialmente diferentes, mas por vezes, também antagônicas. Aqui lidamos,
antes, com um setor dela e de outras Igrejas cristãs, que podem ser abrigadas
sob um guarda-chuva conceitual – a chamada “Igreja na Base”, cujo perfil se
inspira mais fortemente nas primeiras comunidades cristãs, marcadas por valores
como o compromisso com as causas libertadoras dos pobres, com a solidariedade,
com a partilha, com o bem comum, com o respeito às diferenças, com a compaixão
em relação aos desvalidos, aos mais vulneráveis da sociedade, aos doentes e
marginalizados, com os injustiçados, mas fazendo-o, de modo a tomár-los, não
como alvo de dó, mas como protagonistas de sua libertação, nos termos como os
assumiu, por exemplo, a Conferência Episcopal Latino-Americana de Medellín
(Colômbia, 1968) e a de Puebla (México, 1979). Trata-se de um setor da Igreja
Católica, contando com a solidariedade de setores de algumas Igrejas
evangélicas (Metodista, Anglicana, por exemplo), que se constituiu numa
relevante referência para a caminhada dos pobres, na América Latina, graças ao
protagonismo de uma geração de bispos pastores-profetas, vários dos quais foram signatários do emblemático
“Pacto das Catacumbas” (Roma, 16.11.1965, pouco antes do encerramento do
Concílio Ecumênico Vaticano II), circundados por uma multidão de leigos,
leigas, de religiosas, de religiosos, de padres...), que conseguiram dar um
novo rumo e novos caminhos de discipulado e missão, de que foi o maior sinal a
opção pelos pobres. Deste setor de Igreja(s) faziam parte as Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs), as Pequenas Comunidades de Religiosas e Religiosos
insedridos no Meio Popular (PCIs), as pastorais sociais – o Conselho
Indigenista Missionário (CIMI, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Encontro
com Irmãos, a Ação Católica Operária (ACO)/Movimento dos Trabalhadores Cristãos
(MTC), a Comissão Pastoral Operária (CPO), a Pastoral de Juventude do Meio
Popular (PJMP), a Pastoral Universitária (PU)/Movimento dos Cristãos
Universitários (MCU), a Comissão Pastoral dos Pescadores (CPP), a Comissão de
Justiça e Paz, os Centros de Defesa dos
Direitos Humanos (CDDH), Movimento Fé e Política (e suas respectivas Escolas) o
Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI), a Ação dos Cristãos no Meio Rural
(ACR), o Movimento de Evangelização Rural (MER), a Teologia da Libertação
(TdL)/Teologia da Enxada e tantas outras experiências eclesiais e variantes ou
desdobramentos do mesmo gênero.
Como, pois, têm-se
comportado esses segmentos, diante dos impasses da atual crise, seja quanto às
suas relações “ad extra”, seja quanto às
suas relações ao interno dos espaços eclesiais? Para uma melhor apreciação,
importa ter aí presentes dois momentos de sua atuação, que, em poucas linhas,
cuidamos de resumir. Um primeiro momento remonta às suas origens, ou seja, ao
período que vai dos anos 60 aos anos 80, e o momento atual que recobre
sobretudo as últimas décadas. Em suas origens, tais segmentos, seja pelo seu
compromisso com os empobrecidos, seja pelo seu modo de atuar, de organizar-se,
de prover sua formação e de se mobilizar, tiveram uma influência decisiva nas
organizações de base de nossa sociedade. Não é, com efeito, por acaso que várias das atuais forças
sociais civis nasceram daqueles ou naqueles
segmentos eclesiais. Quem não sabe de onde vem o MST (da CPT)? Quem não
se lembra do lugar ocupado por esses segmentos eclesiais na formação do PT e da
CUT? De onde vieram numerosos dos seus militantes? Como se explica tamanha
influência? Até que ponto esses mesmos segmentos souberam perseverar nesse seu
modo de agir, de se organizar e de se formar? No tocante ao modo de atuação - organizativo, formativo de mobilização -,
podemos resumidamente destacar algumas de suas características mais fortes: --a. No plano organizativo:
- relação
constante e orgânica com as bases (com as “minorias abraâmicas, pequenas
comunidades, círculos bíblicos...);
- horizontalidade
nas relações (protagonismo, não de uma só pessoa, mas do conjunto dos
participantes, nas discussões e decisões);
- esforço de
autonomia e de interconexão (cada núcleo tinha vida própria e dinamicamente
articulada com outras instâncias);
- zelo pela delegação, isto é, para a conexão
com outras instâncias, em âmbitos diocesano, regional, nacional), cabia à(o)s
delegados e delegadas transmitir, com fidelidade, as decisões dos membros
locais, não o que bem lhes aprouvesse...);
- observância do rodízio ou da alternância de
cargos de coordenção colegiada (ênfase, não sobre o desempenho individual dos
coordenadores, mas no “co” de
coordençaão): findo o prazo da gestão da equipe de coordenadores, estes
voltavam ao trabalho como membros na/da base, enquanto gente da base era eleita
para a coordenação;
- aposta no
autofinanciamento: busca de fazer com que as atividades fossem financiadas pelos
próprios membros do coletivo, evitando assim laços de dependência que lhes
ferissem a automia;
b.No plano formativo:
- maior clareza sobre
a importância fundamental do processo formativo, que devia ser contínuo e
assegurado não só às lideranças, mas também ao pessoal da base;
- o processo
formativo contínuo se dava a partir dos desafios do dia-a-dia, tanto os ligados
à realidade social quanto ao aprofundamento da espiritualidade bíblica e temas
ligados à caminhada do Povo de Deus, na história;
- um dos pontos altos
desse processo formativo reside em sua metodologia de trabalho, feita a partir
do conhecido méto de revisão de vida: o método “Ver-Julgar-Agir”, vindo da Ação Católica
Especializada (JAC, JEC, JIC, JOC e JUC);
- em todos os
ambientes formativos (em casa, no trabalho, na rua, nas lutas, nos espaços
eclesiais...), todos se sentem aprendizes, a partilharem seus conhecimentos e
experiências de vida, uns com os outros, ou seja, todos se sentem protagonistas
do seu processo formativo, cada qual com sua contribuição;
- o foco maior dos
participantes estava na incessante busca de transformação da realidade, a
partir da mudança de vida dos próprios formandos, lá onde a vida os coloca;
- um lugar
especial nesse processo formativo o exercício da memória histórica das lutas,
das conquistas, bem como dos insucessos e reveses sofridos pela humanidade, em
sua história;
- outro marco
dessa formação está em manter acesa a esperança, a utopia, a partir da
perseverança nas lutas do dia-a-dia, junto com os “de baixo” e olhos fitos na
experiência do Movimento de Jesus de Nazaré, ao longo da história...
c. No âmbito da
mobilização
- entenendo-se e
comportando-se como segmentos a serviço das classes populares, as diversas
expressões da “Igreja na Base” não atuam enquanto um movimento social autônomo,
mas, antes, como fiéis aliados dos desvalidos e marginalizados, tratados, estes
sim, como sujeitos de sua libertação, a quem tais segmentos ofereciam seu
apoio, sua solidariedade;
- não têm
reivndicação prórpria: assumem as demandas e as lutas dos distintos movimntos
sociais populares e sindicais, bem como de forças partidárias aliadas aos
interesses e aspirações dos “de baixo”;
- ao fazê-lo, não
poupavam esforço nem perdiam oportunidade de testemunhar sua solidariedade,
inclusive nos momentos mais arriscados das lutas populares. Vasta é a lista de mártirees,
de presos e perseguidos, ligadas à
“Igreja na Base, por causa de seu efetivo compromisso com as lutas das classes
populares.
Tanto as forças
progressistas de maior referência, perante a sociedade civil, quanto os
mencionados segmentos da “Igreja na Base”, durante o primeiro período
(correspondendo ao de suas origens) nutriam sérias desconfianças e quase
nenhuma expectativa na ação do Estado e seus aparalhos. Não só porque se
tratava ainda de um Estado sob tutela militar. Sua desconfiança também se
estendia ao Estado como órgão capaz de assegurar em processo digesão
correspondente às aspirações dos protagonistas da construção de uma nova
sociedade, alternativa ao Capitalismo.
Tdos esses
esforços empreendidos pela ”Igreja na Base” e seus aliados comportava, por
certo, lacunas e limitações várias. Não obstante tal limitação, seu legado
alcançou uma densidade tal que influênciou profundamente todas essas forças
sociais então nascentes. O PT e a CULT,
por exemplo em suas origens, se inspiraram profundamente nos processos organizativo
formativo, caracteristicos da Igreja na “Base”. Exemplos ilustrativos
emblemáticos desta afirmação podem ser comprovado por exemplo, no forte
investimento feito pelo PT e pela CUT na núcleação, nas decisões tomadas pela
base, no autofinanciamento de suas atividades no combate à hieraquização e ao
culto a personalidade, na gestão colégiada na aposta no processo formativa, no
auto-financiamento, no zelo pela sua autonomia, frente ao Mercado e ao Estado,
na aposta, na construção de uma nova sociedade, antes que no novo Estado...
Tanto os segmentos
da ‘Igreja na Base” quanto aquelas forças sociais da sociedade civil não deram
salvo exceções, prósseguimento ao seu modus opertandi. Em novo contexto inciado
já nos anos 90, e a profundado nas décadas seguintes, todas elas cada uma ao
seu modo, passaram a relativizar ou a negligenciar, não poucos dos seus
compromissos de origem. A firme aposta na construção de uma nova sociedade foi
cedendo e sucumbindo ao atalho, isto é, à progressiva aposta no suposto
potencial transformador do Estado e seus aparelhos, antes objeto de
desconfiança, dada a retrospectiva histórica das experiências totalitárias do
chamado “Socialismo Real”. Inebriadas pelos efeitos pirotécnicos de sucessivos
resultados eleitorais, nas últimas décadas passaram a distanciar-se, salvo
execções das lutas e Movimento Sociais, à medida que iam apostando todas as
suas esperanças nas crescentes conquistas eleitorais e acesso aos espaços
estatais (Câmaras Municipais, Prefeituras, Legislativo Estadual, Governos
Estaduais, Senado Federal, Ministérios, Presidência...). No fundo, estavam
convencidas – equivocadamente – de que, pelo fato de os novos ocupantes das instâncias
estatais serem comprometidas com os interesses populares, uma vez instalados
seus representantes nesses espaços estatais, as decisões de Estado, tomadas por
meio das políticas sociais, teriam o poder de mudar as estruturas sociais
iníquas. Sem negar avanços significativos alcançados, durante esses governos,
há de se reconhecer, num balanço crítico
e auto-crítico, que, ao fim e ao cabo a balança pesou mais para o lado
adverso. Confiram-se os resultados, em ítens tais como: quanto do bolo orçamentário
foi destinado à Reforma Agrária e à Agricultura familiar, de um lado, e, do
outro, quanto se destinoou ao hidro-agronegócio? O que representa o montante do
erário destnado aos programas socias, quando comparado com os ganhos do setor
bancário e outras grandes empresas, inclusive via isenção fiscal, sonegação e
renúncia fiscal? Quais os frutos efetivos do aliancismo, no terreno
ético-político? Qiamto terá custado à credibilidade das forças de esquerda, aos
olhos da opinião pública e mesmo dos setores populares, o vencer eleições com
parceiros portadores, há muito tempo, de um perfil ampalamente duvidoso, para
se dizer omínimo? Numerosos e frequentes foram os sinais, há muito tempo
emitidos, sobre essa tragédia anunciada. Por que, inclusive em setores influentes
da “Igreja na Base”, o pouco caso, a ausência de reação, no tempo devido?
Quando começaremos a esboçar gestos convincetes em direção ao exercício
(coletivo e pessoal) de uma autocrítica? Os questionamentos são tantos....
3. CENÁRIOS PROSPECTIVOS
No horizonte da história, movemo-nos nos
limites da provisoriedade. Sabemos que
“tudo muda”, mas desconhecemos para que direção, em que proporção, se para
melhor ou para pior... Isto vai depender de um conjunto de fatores objetivos e
subjetivos, inclusive e sobretudo da qualdidade social de nossas práticas,
concepções e projetos. Nada está dado definitivamente. Convivemos no plano das
possibilidades, até do imponderável. Ao
mesmo tempo, dispomos de uma margem de previsibilidade, de probabilidades.
Entre um âmbito e outro, é que ousamos projetar alguns cenários prospectivos, seja quanto a
desafios de caráter societal, seja quanto a perspectivas eclesiais.
No plano societal, tanto podemos marchar em
direção acenando para superação de impasses, apontando para um horizonte
pós-capitalista e dos traços metabólicos do Capital, como podemos seguir dando
passos em falso, ainda que com um discurso afiado, logo desmentido pela força
do concreto. Neste último caso, como isto pode dar-se? Primeiro, se as forças
de transformação, os movimentos sociais populares, sindicais, da esquerda consequente e outras organizações de base não assumirem, para valer, nosso
compromisso de auto-avaliação (coletiva e pessoal), ante uma sucessão de graves
desencontros e infidelidades ao nosso próprio horizonte. Tal desisão passa, por
exemplo, pelo claro reconhecimetno do progressivo distanciamento (por parte de
dirigentes e de setorers da base), em relação a diversos pontos axiais de
nossas origens. Istoo implica em reexaminarmos, com coragem e determinação, o
que fizemos, ao longo dessa trajetória e deixamos de fazer, em consonância e em
discrepância desses compromissos de base: tanto os de natureza organizativa,
quanto os de caráter formativo, quanto os de mobilização.
Num exercício desse porte, muito teríamos a
ganhar, se buscamos identificar a partir de onde, as coisas (e que coisas)
começam a tomar um rumo e uma dinâmica discrepantes dos compromissos assumidos,
tantas vezes e em distintas instâncias decisórias de nossa organização. Sem
assumirem o compromisso de auma auto-avaliação, não apenas perdem ainda mais
credibilifade perante a sociedade civil e perante os próprios setores das
classes populares, de quem se dizem representantes, mas também já não merecem
figurar entre os protagonistas fiéis à Classe Trabalhadora e seu projeto de
transformação. Neste mister, vão ser suas novas práticas – e não mais seu
discurso – a grande referência para as classes populares, que vão estar ainda
mais vigilantes aos frutos concretos de sua autocrítica.
Assim, hão de conseguir “dar a volta por
cima”, e retomar seus trabalhos, em novo estilo, junto com o conjunto de suas
bases. Desde então, estarão mais sensíveis e solidárias a um amplo leque de
lutas que andam acontecendo, no campo e na cidade. Saberão (re)descobrir a
força transformadora – ainda que de modo molecular – que se acha em numerosas experiências populares, prenhes de alternatividade. Vão (ree)descobrir um certo
número de iniciativas em curso, ao longo do país. Desde o campo das
experiências de convivência alternativa com o Semiárido, a elas se juntando e
as fortalecendo e potencializando, a tantas outras similares que sinalizam, no
conteúdo e na metodologia, práticas e concepções alternativas ao modelo
imperante, sendo, elas próprias, seu antídoto, desde já, a médio e longo
prazos.
No tocante especificamente à “Igreja na
Base”, têm desafios semelhantes, a começar de sua disposição de fazer
também sua auto-crítica, tomando como referencia práticas e concepções que
foram decisivas em suas origens, com enorme influência sobre várias
organizações de base da sociedade civil então nascentes. É possível que lhes
sejam úteis perguntas do tipo:
- Até que ponto, a despeito de nossas
predicas, estamos sendo coerentes com aquelas práticas e concepções que tantam
alimentaram nossas origens, nas ações organizativas, formativas e de
mobilização?
- Numa comparação (auto) crítica de nossas
atuações antes e depois dos governos petistas, será que tivemos a mesma força
profetica de denúncia, em relação a fatos e mazelas da mesma natureza?
- Em que medida, em vez de influenciar
positivamente várias organizações da sociedade civil junto às quais atuamos,
acabamos, por vezes também sucumbindo às armadilhas ético-políticas que o
modelo imperante nos infligiu?
- Em que medida terá sido benéfica uma
aproximação demaisado intíma com as forças sociais partidarias ocupantes dos
espaços estatais, em vez de preferimos manter o minímo de distância crítica,
como condição de exercício ético?
- Teremos sido suficientemente
auto-vigilantes quanto ao esforço de renovação do nosso pessoal na prestação
dos vários serviços as classes
populares, inclusive de acessória?
Como dito, o exercício de autocrítico
constitui o primeiro passo necessário, em vista de uma retomada consistente e
crediível das atividades, em novo estilo, junto aos diversos protagonistas do
mundo dos pobres e das classes populares de cuja causa libertadora nos pomos a serivço. Retomada em novo estilo
que se há de fazer, com destaque no processo organizativo, no compromisso
formativo e na ação mobilizadora. Retomada em novo estilo não significa partir
da estaca zero. Quantas lições podemos recolher de nossa atuação – seja no
plano organizativo, seja no âmbito formativo, seja no terreno da mobilização
- nos anos 80, por exemplo, e cuja
eficácia transformadora foi testada, enquanto a elas nos mantivemos fiéis!
Também, hjoje, somos instados a reavaliar propositivametne nossa agenda, à luz
de dezenas, cenenas de experiências grávidas de alternatividade, espalhadas
pelo Brasil e pelo Nordeste. Experiências que, em sendo por vezes moleculares,
são portadoras de sementes da nova sociedade que buscamos construir, no chão do
nosso cotidiano, para além de nossa cega teimosia em seguirmos apostando no que
não dá certo – “pelos frutos se conhecem as árvores””...
João Pessoa, 14 de
fevereiro de 2017.
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