quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

CINQUENTA ANOS APÓS SUA PUBLICAÇÃO, RESSOA, PATÉTICO E ATUAL, O CLAMOR DA “POPULORUM PROGRESSIO”


Alder Júlio Ferreira Calado

No próximo mês, mais precisamente em 26 de março, estaremos a comemorar meio século da publicação da Encíclica Social Populorum Progressio (O Desenvolvimento dos Povos) assinda pelo Papa Paulo VI, em 1967, menos de  dois anos após o encerramento do Concílio Vaticano II, do qual também tornou-se emblemática a Constituição Pastoral Gaudium et Spes (sobre a Igreja no mundo de hoje). Não estamos a comemorar apenas “mais uma encíclica”. De fato, pelo seu alcance social, pela relevância dos temas então enfrentados, bem como pela sua metodologia, trata-se de uma que avaliamos, ao lado das duas escritas por João XXIII e das mais recentes, da lavra do Papa Francisco, especialissimamente a “Lodato si”,   - das mais relevantes, dentre as cerca quinze publicadas, desde a “Rerum Novarum”, do Papa Leão XIII (1891).
Nas linhas que seguem, buscamos 1) contextualizar o processo de elaboração desta encíclica social; 2) destacar suas grandes linhas; 3) rememorar aspectos de sua recepção, em especial na América Latina e no Brasil; e 4) enfatizar a dramaticidade e a atualidade do seu clamor.

1) Recobrando aspectos do contexto em que apareceu a Populorum Progressio
Tempos de densa efervescência, os que coincidiram com a publicação da Encíclica Social Populorum Progressio (O Desenvolvmento dos Povos). Nos vários continentes, cresciam, assustadores, os índices de miséria, de fome, de mortalidade infantil, ao mesmo tempo em que, entre as populações dos países centrais do Capitalismo, ostentavam-se situações de abundância e de consumo desenfreado: “Os povos pobres ficam sempre pobres e os ricos se tornam cada vez mais ricos.” (PP, n. 57).  Vive-se o ápice dos conflitos decorrentes das perversas raízes do colonialismo, em especial nos países africanos, cujos povos vão conquistando, a duras penas, sua independência das velhas metrópoles européias. Emerbem “as jovens nações”, como a elas se referia, então. Diante das graves tensões entre Estados Unidos e União Soviética, um crescente número de países, nos diversos continentes, decidiam constuir um caminho de não-alinhamento a uma dessas potências, e se puseram a trilhar caminhos próprios, reforçando sua solidariedade na busca de autonomia. Tinham outras prioridades: em vez de tomarem partido de surviência a uma daquelas potências, optavam por reunir esforços no enfrentamento de tantos desafios de suas gentes, seja quanto ao combate à fome, à miséria, seja com relação a assegurar condições propícias para o enfrentamento exitoso de grandes dramas sociais, como o analfabetismo e o seu direito a uma inserção no cenário internacional justa e respeitosa de sua dignidade.

Respirava-se, com efeito, um cenário de intensas reivindicações de mudanças estruturais. Entre esses protagonistas mais destacados – operários, camponeses... – estavam os jovens estudantes, de várias partes do mundo, em especial na França, tendo sido um marco histórico expressivo o Maio de 1968, que já ao tempo da publicação da PP, se gestava nas escolas, nas praças e nas ruas de vários países.

A América Latina – sobretudo o chamado Cone Sul (Brasil, Chile, Argentina, Uruguai...) –, sufocada por um “rumor de botas” (Eder Sader), seguia mergulhada nam longo e tenebroso período de ditaduras civil-militares. Os povos andinos da Bolívia, do Peru, do Equador, da Colômbia... confrontavam-se com semelhantes desafios, enfrentados de modo aguerrido, a exemplo da atuação de jovens, camponeses e trabalhadores animados por figuras como Camilo Torres (padre, assessor dos universitários, assassinado na Colômbia, em 1966) e Che Guevara (assassinado na Bolívia, em 1967). Neste mesmo contexto de crescente efevescência, importa ter presente o alcance sócio-pastoral de alguns movimentos, a exemplo do Movimento Sacerdotes para Terceiro Mundo, atuando sobretudo na Argentina.

Convém lembrar o importante impacto da Populorum Progressio, também, nos preparativos e na realização da Conferência Episcopal Latino-Americana, em Medellín (1968), da qual se diz, a justo título, ter sido – ao lado do emblemático “Pacto das Catacumbas” (Roma, novembro de 1965), a forma latino-americana de recepcionar o Concílio Vaticano II. Este é celebrado pelas condições que promoveu à introdução da Igreja Católlica Romana na modernidade, o mesmo, todavia, não acontecendo em relação ao mundo dos pobres, em que pesem algumas referências significativas, em alguns dos seus dezesseis documentos.

No processo de elaboração deste documento, impõe-se uma menção. Graças a uma densa e longa atuação, em vários países do mundo, como pesquisador e como assessor, em sua área, é sabida a contriubuição do Pe. Louis-Joseph Lebret, colaborador próximo também do Papa Paulo VI. Tornou-se célebre, inclusive no Brasil, desde final dos anos 40, a contribuição do dominicano Pe. Lebret, fundador do Movimento Economia e Humanismo, tendo inspirado fecundas iniciativas de solidariedade com povos do Terceiro Mundo. Na França, ainda hoje,  goza de reconhecimento público o CCFD – Commité contre la faim et pour le développment.

Já duante o Concílio Vaticano II, a figura de Lebret constituía uma referência entre os assessores para temas sociais. Mas, foi decisiva sua participação efetiva no processo de redação da Populorum Progressio, tal a confiança e tal o reconhecimento que lhe foarm devotados pelo próprio Paulo VI. Lebret não viveria o suficiente para presenciar a publicação da Populorum Progressio: fez sua passagem um ano antes (1966) da publicação da mesma encíclica.

 2. Quais os enfoques mais enfáticos desta Encíclica do Papa Paulo VI

 Do ponto de vista de sua estruturação, a Populorum Progressio,  além da introdução (nn.1- 5) e da conclusão (nn. 76-87), comporta duas partes: a primeira, que vai do n. 6 até o n. 42, intitula-se “Para o desenvolvimento integral do homem”, enquanto a segunda parte estende-se desde o n. 43 ao n. 75, trazendo por título “Para um desenvolvimento solidário da humanidade”. Segue um roteiro similar ao de outras precedentes, em especial as mais recentes (Em especial, o Papa João XXIII, em suas famosas encíclicas Mater et Magistra e Passem in de Terris). Sente-se uma inspiração no já conhecido método “Ver-Julgar-Agir”. Sendo assim, trata de expor “dados do problema”, isto é, destacar impasses e desafios axiais, enfrentados pela humanidade. Em seguida, rememora os esforços da Igreja, à luz do Evangelho, e de seus predecessores, ao enfrentarem outros desafios, em sua época. Em seguida, cuida de aprofundar a reflexão sobre os desafios em tela, buscando situar suas raízes, sublinhando ambivalências e contradições a serem enfrentadas e superadas. Por último, trata de apontar pistas de superação, sempre à luz da Doutrina Social da Igreja. Tratamos, a seguir, de destacar suas principais idéias-força. Sua referência maior, já a partir do título, do início ao fim,  é a de desenvolvimento. Desenvolvimento não redutível à exclusividade da economia. Um desenvolvimento empenhado e comprometido com a causa dos humanos, portanto, um desenvolvimetno integral – do ser humano como todo e de todos os seres humanos. Desenvolvimento  dos povos e nações, em especial daqueles descritos como as grandes vítimas das gigantescas desigualdades socias. Estas aparecem fortemente, já no início, quando da apresentação dos “dados do problema”. Os alarmantes índices de empobrecimento de vários povos e nações, no que tange à fome, à miséria, às doenças endêmicas, ao analfabetismo, etc., e, por outro lado, o quadro privilegiado da situação dos países centrais, em especial das velhas metrópolis, fundamentam seu apelo veemente a um desenvolvimento solidário, sob pena dos riscos de convulsões sociais: “Quem não vê os perigos, que daí resultam, de reações populares violentas, de agitações revolucionárias, e de um resvalar para ideologias totalitárias?.” (n. 11). Mais adiante, também é salientado, no que diz respeito à contribuição da Igreja,  trabalho de figuras emblemáticas, a exemplo de Charles de Foucauld, pela sua inculturação junto a povos de cultura tão diversa, para o que foi muito importante atentar-se para os sinais dos tempos, adequadamente interpretados. É, com efeito, da adequada interpretação desses sinais (cf. nn. 12 e 13), que se vai percebendo a necessidade de se ter presente o caráter universal da destinação dos bens (aspecto, aliás, bem marcante, não apenas na Gaudium et Spes, como na sempre impactante tradição patrística (Basílio, Ambrósio...): “a propriedade privada não constitui para ninguém um direito incondicional e absoluto. Ninguém tem o direito de reservar para o seu uso exclusivo aquilo que é supérfluo, quando falta a outros o necessário.” (PP, n. 23).
Nota-se um “crescendum” ca, quanto ao sentimento de indignação na Encícleca diante das crescentes desigualdades sociais, ao ponto de advertir aos principais responsáveis por esta situação dos graves riscos de convulção social e de manifestações de caráter totalitário: “Certamente há situações, cuja injustiça brada aos céus. Quando populações inteiras, desprovidas do necessário, vivem numa dependência que lhes corta toda a iniciativa e responsabilidade, e também toda a possibilidade de formação cultural e de acesso à carreira social e política, é grande a tentação de repelir pela violência tais injúrias à dignidade humana. (PP n.30). Vale a pena obsevar a este respeito todo o cenário sócio político de crescente fermentação e agitação social reinantes em meados da década de 60, haja vista a intença mobilização dos estudantes na Europa. Bem como a situação explosiva reinante na América Latina. Percebesse, em consequência a dramaticidade do apelo para a necessidade e a urgência de profundas reformas,  inclusive como meio de se evitar os perigos de manifestaçõe populares: “Só a iniciativa individual e o simples jogo da concorrência não bastam para assegurar o êxito do desenvolvimento. Não é lícito aumentar a riqueza dos ricos e o poder dos fortes, confirmando a miséria dos pobres e tornando maior a escravidão dos oprimidos. São necessários programas para "encorajar, estimular, coordenar, suprir e integrar"[35] a ação dos indivíduos e dos organismos intermediários. Pertence aos poderes públicos escolher e, mesmo impor, os objetivos a atingir, os fins a alcançar e os meios para os conseguir e é a eles que compete estimular todas as forças conjugadas nesta ação comum. Tenham porém cuidado de associar a esta obra as iniciativas privadas e os organismos intermediários. Assim, evitarão o perigo de uma coletivização integral ou de uma planificação arbitrária que, privando os homens da liberdade, poriam de parte o exercício dos direitos fundamentais da pessoa humana (PP, n 33.)
Por outro lado, as profundas reformas pre-cononizadas. Pelo Papa Paulo VI vão além da espera econômica. Devem alcançar igualmente as distintas esferas da realidade humana, inclusive a da Cultura. Aqui, pode-se observar a preocupação da Polulorum Progressio com o que aí é chamado de risco materialista característico principalmente dos países ricos, a ser evitado em sua relação com os países pobres, risco que hoje traduzimos como o do consumismo. Em conclusão da primeira parte, Paulo VI volta a insistir no caráter integral do desenvolvimento proposto: É necessário promover um humanismo total. Que vem ele a ser senão o desenvolvimento integral do homem todo e de todos os homens?
A segunda parte da incíclica é consagrada a sugerir pistas que permitam a superação das desigualdades sociais, atribuindo aos povos ricos a responsabilidade maior pelo empreendimento do Desenvolvimento solidário da humanidade”. Para tanto, cuida de fundamentar suas propostas por meios de argumentos ético-políticos. Defende que tal solidariedade deve iniciar-se pelo empenho dos povos ricos, aos quais cabe maior responsabilidade pela situação de gritantes desigualdades sociais. Aponta 3 dimensões desse dever atribuído aos povos ricos: Uma que tem a ver com o dever de solidariedade; outra relativa à justiça social e a 3 referindo-se a caridade. (cf. n.44) Destas dimensões, destacamos com mais força a que expõe a grave responsabilidade dos povos ricos em reexaminarem e retificarem suas relações comerciais com os países pobres: “o do dever de justiça social, isto é, a retificação das relações comerciais defeituosas, entre povos fortes e povos fracos” (PP, n44).
Vêm, a seguir as pistas propostas como um programa de ação solidaria, o que é feito conforme as três dimensões enunciadas no número 44. De cada dimensão, oferecemos algumas ilustrações. Com relação ao dever solidariedade, cuja iniciativa maior  Paulo VI atribui aos ricos, é proposto um dever de assistência aos mais deserdados, a começar por uma campanha de combate à fome, a envolver organismos oficiais, como a FAO, e outras iniciativas de organizações, a exemplo do trabalho realizado pela Cáritas Internacional, em várias partes do mundo. Trata-se de uma ação necessária, mas por certo insuficiente, para responder, à altura, aos desafios dos nossos tempos, recolhece o Papa. Com efeito, urgem medidas mais consistentes, e organizadas em escala planetária. Uma dessas medidas sugeridas é a criação de um fundo mundial destinado a socorrer os países pobres, a ser criado com a redução dos escandalosos investimentos militares, mantidos pelos países ricos, em especial as grandes potências. Trata-se de um tipo de gasto supérfluo, que, não apenas não contriubui para a paz mundial, mas ainda agrava as tensões entre os povos. Com relação a despesas supérfluas, aliás, dirigem-se as palavras de denúnica mais  contundentes:  “Quando tantos povos têm fome, tantos lares vivem na miséria, tantos homens permanecem mergulhados na ignorância, tantas escolas, hospitais e habitações, dignas deste nome, ficam por construir, torna-se um escândalo intolerável qualquer esbanjamento público ou privado, qualquer gasto de ostentação nacional ou pessoal, qualquer recurso exagerado aos armamentos. Sentimo-nos na obrigação de o denunciar.” (PP, n. 53).

Ao propor a criação de um fundo mundial, de combate à miséria e em vista do desenvolvimento das nações pobres, a Encíclica cuida de sugerir esforços na gestão de um tal fundo, de modo a assegurar, em bases justas, o acesso e a participação nele das nações pobres, de modo a que, de um lado, não signifique uma esmola, e, de outro, se garantam condições efeticas de participação, conforme as reais possibilidades dos que recorrerem ao mesmo fundo.

O Papa Paulo VI não perde a oportunidade de advertir contra a tendência de cometimento de  graves injustiças cometidas, nas relações comerciais entre países ricos e países pobres, denunciando a truculência do império do Liberalismo, chegando a tratá-lo como uma “ditadura”: “uma economia de intercâmbio já não pode apoiar-se sobre a lei única da livre concorrência, que frequentes vezes leva à ditadura econômica. A liberdade das transações só é equitativa quando sujeita às exigências da j.” (PP, n. 59).
Nos nn. 60 e seguintes da mesma Encíclica, são postos em relevo princípios de justiça social, que devem orientar as relações econômicas entre povos e nações, com destaque para as relações comerciais. Apelo é feito aos países ricos, no sentido de respeitarem critérios de justiça e do dever de solidariedade, nas tratativas de preços justos e de garantia de produção, no que diz respeito aos países pobres.

Também, a Encíclica se volta às relações culturais, expressando suas preocupações com o racismo que pode estragar a boa convivência entre povos e nações. Eis por que enfatiza, com tanta força, a necessidade de se combater o individualismo, a falta de compromisso, inclusive, de jovens vindos de jovens nações, que, adquirindo maior capacitação profissional, em países mais avançados, são tentados, por vezes, a não perseverarem em seu compromisso com os povos e nações de onde vieram. Aí também se faz menção às aspirações nem sempre satisfeitas dos trabalhadores migrantes.

Em conclusão, a Encíclica salienta a importância do desenvolvimento integral, ao ponto de afirmar que tal desenvolvimento é “o novo nome da paz” (cf. n. 76). Para tanto, faz questão de dirigir uma palavra final a um conjunto de protagonistas-alvo do seu dramático apelo, de modo a incluir católicos, homens de boa vontade, chefes de Estado, sábios, entre outros, a quem interpela e convida a “unirem-se a vós fraternalmente. Porque, se o desenvolvimento é o novo nome da paz, quem não deseja trabalhar para ele com todas as forças? Sim, a todos convidamos nós a responder ao nosso grito de angústia, em nome do Senhor.” (PP., n. 87).

3. Na América Latina, no Brasil e em outas regiões, como se deu a recepção da Populorum Progressio?

Num mundo de impasses e dilemas tantos, resulta  compreensível a enorme repercussão da publicação da Populorum Progressio, de 26 de março de 1967. Principalmente, vinda de uma instância eclesial, tratando-se mais precisamente de um documento pontifício. A longa tradição conservadora – e por vezes, reacionária – em que vivia mergulhada a Igreja Católica Romana, antes do Concílio Vaticano II, suscitara a convicção de amplos setores sociais, de que ela só deveria tratar de assuntos “espirituais”, em que pese a profunda aliança política – revestida de um manto supostamente “apolítico”. Sucede então o conhecimento de uma postura profética que rompia com o tradicional conservadorismo das forças dominantes.
 A Populorum Progressio pela contundência de seu clamor, repercutiria amplamente no mundo de então, não só ao interno da Igreja Católica, mas também em diversos segmentos da sociedade civil, em várias partes do mundo. Nesse sentido, ela dá sequência ao profético clamor do Papa João XXIII, através de suas já mencionadas encíclicas. Ecoa, igualmente, os clamores de vários setores da sociedade civil, comprometidos com mudanças sociais estruturais. Aqui se destacam diversos movimentos sociais e organizações de base, em escala internacional, na América Latina, na Europa e em outros países.
Na África, por exemplo, despontam diferentes iniciativas de descolonização, tanto entre nações colonizadas pela França, por Portugal, etc. Na Europa, no Leste europeu crescia a resistência, não apenas contra o Capitalismo, mas também contra o regime Soviético, sob graves acusações das crueldades praticadas pelo regime Stalinista.
Na América Latina, ainda sob a influência da vitoriosa Revolução Cubana, expandem-se pelo continente, ações coletivas de resistência, às ditaduras militares récem-implantadas, principalmente no chamado Cone-Sul. Não se tratava de movimentos apenas anti-regime militar, mas também de luta contra o regime capitalista. É assim que, em vários países ganharam força experiências de grupos revolucionários, na Colômbia, na Bolívia, e posteriormente também no Cone-Sul. Um desses movimentos teve lugar na Argentina: o Movimento de Sarcedotes para o Terceiro Mundo, expressa inspiração na Populorum Progressio. (cf. “confira o link abaixo”)


A Populorum Progressio potencializou notavelmente, na América Latina e no mundo, a mensagem do Concílio Vaticano II dirigida ao mundo dos pobres – ao menos de alguns de seus documentos, a exemplo da Gaudium et Spes e alguns outros, como o célebre n. 8 da Constituição Lumen Gentiium (focado no compromisso da Igreja com os pobres). Mais: trouxe novo impulso à mensagem legada, em novembro de 1965, pelos 40 bispos signatários do “Pacto das Catacumbas”. Tal a afinidade com o clamor dramático da Populorum Progressio, que uma centena de Bispos do Terceiro Mundo, após a publicação desta Encíclica, e um pouco antes do início da Conferência Episcopal Latno-America de Medellín, fez circular um denso e profético “Manfieso de Obispod del Tercer Mundo, entre cujos signatários figuravam nomes de Dom Helder Câmara (Olinda e Reicfe), Dom Antônio Batista Fragoso (Crateús – CE), Dom Francisco Austregésilo de Mesquita (Afogados da Ingazeira – PE), Dom Severino Mariano de Aguira (Pesqueira – PE), Dom Manuel Pereira (Campina Grande – PB), Dom Davi Picão (Santos – SP), além de outros bispos de várias partes do mundo (Índia, Lao, China, etc.). Note-se que vários desses bisos foram signatários originais do “Paco das Catacumbas”.

Importa, também sublinhar a notável influência que a mesma Populorum Progressio exerceu sobre os preparativos e a realização da conferência Episcopal Latino-Americana, realizada em Medellín, na Colômbia, em 1968. Um (re)exame do Documento de Medellín pode facilmente comprovar a força profética daquela Encíclica, tanto no desenrolar daquele evento quanto em sua aplicação, nos anos seguintes.
No caso do Brasil sua repercussão se deu, de vários modos. Desde a CNBB a alguns Regionais e Dioceses, vários acontecimentos foram organizados, com o próposito de divulgar o documento pontifício.
Inlcusive, endioceses do Regional nordeste II. Até mesmo a Diocese de Pesqueira-PE tratou de estuda-la, junto a algumas comunidades rurais e das periferias urbanas, utilizando-se inclusive, de recursos audiovisuais.




4. Dramaticidade e atualidade do seu clamor

Meio século após a publicação da Populorum Progressio, eis que resta dramático nosso quadro histórico, sob tantos aspectos ali focados. Se nos encontramos, hoje, ante novos desafios, de um lado, por outro lado, não ainda não fomos capazes de responder a antigos desafios, como é o caso da fome, no mundo. Ainda hoje, os noticiários seguem pródigos na circulação de notícias, em vários países, principalmente na África, dando conta de populações inteiras subnutridas, vítimas de fome endêmica.
Se a fome em África em 2011 matou 260 mil pessoas, a atual crise está a caminho de se tornar "muito pior", com 20 milhões de vidas em risco.
Um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), divulgado segunda-feira, alertava que perto de 1,4 milhões de crianças podem morrer este ano devido à fome e malnutrição em apenas quatro países: Iémen, Nigéria e Sudão do Sul, por causa da guerra, e Somália, devido à seca.”.


O analfabetismo constitui outro item revelador da dramaticidade do mundo atual:
Mais de 700 milhões de adultos no mundo não sabem ler nem escrever. O levantamento é da Unesco,  que fez uma pesquisa em mais de cem países. O Brasil está no grupo daqueles que investem menos do que deveriam. São 13 milhões de brasileiros analfabetos.
“63% dos adultos analfabetos no mundo são mulheres, diz Unesco”


Citamos apenas dados escandalosos relativos à fome e ao analfabetismo. No entanto, grande é a lista de dados semelhantes, em diversas outras esferas da realidade, tais como: os índices de desemprego, o deficit de moradia, de saneamento, os altos índices de trabalho precário, os dados relativos às chamadas “doenças da pobreza”, de migração forçada, de escolarização e tantos outros completam uma lista quase infinda, reflexo da combinação de múltiplos fatores, a denunciarem a necessidade e a urgência de um novo modo de produção, de um novo modo de consumo e de um novo modo de gestão societal. A despeito de avanços pontuais obtidos em vários campos científico-tecnológicos, um balanço há de revelar qual pouco conseguimos, relativamente há 50 anos atrás.
Eis por que constatamos triste atualidade na encíclica analisada, cujo clamor segue a ressoar, com força sobre nossa contemporaneidade. Nossas esperanças, ontem como hoje, voltam-se para o protagonismo daquelas forças sociais grávidas de alternatividade.


João Pessoa, 22 de fevereiro de 2017

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