segunda-feira, 13 de março de 2023

Elementos para um balanço dos 10 anos de Ministério Petrino de Francisco

 Elementos para um balanço dos 10 anos de Ministério Petrino de Francisco


Alder Júlio Ferreira Calado 


Hoje, 13 de Março, é um dia que faz confluírem impactantes efemérides, dentre as quais: 

  • O natalício de Gregório Bezerra, brasileiro exemplar que atraiu contra si o mais cruel da Ditadura civil-empresarial-militar das forças tenebrosas que instituíram o Golpe de Estado de 1964;

  • A realização do famoso Comício da Central do Brasil, em 13 de Março de 1964, com o protagonismo das forças operárias, camponesas e estudantis, com a participação do presidente João Goulart, a  clamarem pelas "reformas de base" (Reforma Agrária, Reforma Urbana,Reforma Bancária, Reforma Educacional…), comício que assustou ainda mais as forças reacionárias/escravocratas, precipitando-as ao desencadeamento do famigerado golpe de estado de 1964;

  • Marca também a celebração dos dez anos de Pontificado do Papa Francisco, do qual nos limitamos aqui a trazer alguns elementos em vista de um balanço.


Francisco, Bispo de Roma, hoje, alcança dez anos à frente do seu Ministério, ocasião propícia para uma reflexão mais detida sobre os bons frutos produzidos, neste período, sem que isto nos exima de apontar eventuais lacunas. Oportunidade também favorável para fazermos um balanço do comportamento da Comunidade Católica, durante este mesmo período.


Com relação ao Papa Francisco, muita coisa já se tem escrito, com base em seus pronunciamentos, suas homilias, seus escritos (sem esquecer seu livro “Vamos Sonhar Juntos: O Caminho Para um Futuro Melhor” de 2020), entrevistas, mensagens, viagens apostólicas, inclusive de nossa parte, em diversas vezes (cf. www.textosdealdercalado.blogspot.com). Comecemos, então, a trazer alguns elementos que possam ser úteis a um balanço, inicialmente, quanto aos 10 anos do Ministério De Francisco, e, em seguida, dos caminhos da Igreja Católica no mesmo período.


O Papa Francisco assume suas funções em um contexto bastante turbulento, seja ao interno da Igreja Católica, seja no cenário macro-social internamente, a Igreja Católica enfrentava uma série de escândalos morais e financeiros, de grandes proporções, a tal ponto que o Papa Bento XVI, inclusive por suas frágeis condições de saúde, decide renunciar ao Governo eclesiástico. Convém não esquecer que o próprio Papa Bento XVI havia sucedido ao longo pontificado do seu antecessor, o Papa João Paulo II. Somados, esses dois pontificados alcançaram mais de 30 anos, tendo protagonizado um tempo de retrocesso e de perseguição às forças progressistas da Igreja Católica (a “ igreja na base”, as CEBs, as pastorais sociais, a Teologia da Libertação, a CNBB, a CLAR, as Universidades Católicas e Institutos Católicos, entre outros). 


Aquele cenário sombrio que precedeu imediatamente a renúncia de Bento XVI e a eleição de Francisco, não parecia desembocar em um tempo de renovação eclesial. A própria eleição do Cardeal Bergoglio como Bispo de Roma soou como grata surpresa. Com efeito, desde o cerimonial de sua apresentação, desde o Vaticano, era visível o perfil do novo Bispo de Roma, inclusive pelo nome por ele escolhido, o de Francisco. Este perfil de simplicidade, de humildade e de compromisso com a causa do Evangelho só foi se aprofundando, com o passar do tempo. De fato, não era comum que um Papa se apresentasse como um ser humano falível, situando-se também  na condição de pecador.


Além das suas mensagens pronunciadas duas vezes por semana (“Angelus” ou a recitação da Oração Mariana conhecida como “Regina Coeli”), em que se tem empenhado em estimular os católicos e os cristãos em geral a conhecerem melhor o Evangelho, também passou a assumir o compromisso de se fazer presente à Jornada da Juventude, no Rio de Janeiro, poucos meses após assumir suas funções, ao mesmo tempo, dava início às suas numerosas viagens apostólicas, a última das quais realizou na República Democrática do Congo e o Sudão do Sul, em fevereiro passado. 


Outra marca inesquecível de sua atuação se faz presente em seus diversos escritos, dos quais, além de escritos mais recentes (Exortação Apostólica "Alegrai-Vos e exultai", na qual o Papa Francisco enfatiza que a santidade é um chamamento para todos os seguidores e seguidoras de jesus; Carta apostólica "desiderio desideravi”, de 2022, acerca da relevância da formação litúrgica dos membros do Povo de Deus) Merecem destaque especial: 

  • A Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium” (A alegria do Evangelho), escrita em 2013 (?), na qual propunha um roteiro de governança eclesial, para os próximos anos;

  • A encíclica Social "laudato si" ( louvado seja),publicada em 2015,refletindo os grandes desafios da “Casa Comum”;

  • A Exortação Apostólica “amoris Laetitiae” (A Alegria do Amor);

  • A Encíclica Social "fratelli tutti’ ( todos irmãos),publicada em 2020, tematiza o desafio contemporâneo da amizade social.


A primeira grande iniciativa tomada pelo Papa Francisco foi a de propor um programa de governo eclesial, a ser vivenciado neste novo período. A "Evangelii Gaudium"constitui a marca de sua proposta inicial. Não foi sem razão a escolha do título de seu primeiro documento.Com efeito, a alegria é assumida como uma das marcas essenciais dos discípulos e discípulas do Seguimento de Jesus e de quantos e quantas decidiram entrar no seu Caminho, a exemplo de Francisco e Clara. O enfrentamento dos grandes desafios eclesiais e do mundo não devem ser enfrentados com a sisudez, mas  com a alegria do Evangelho.

“”O grande risco do mundo atual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada. Quando a vida interior se fecha nos próprios interesses, deixa de haver espaço para os outros outro destaque fundamental que caracteriza a proposta ministerial do Papa Francisco é sua insistência em uma "Igreja Em saída", razão pela qual afirma o Papa:(“Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, do que uma Igreja enferma pela oclusão e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (EG 49).

"já não entram os pobres, já não se ouve a voz de Deus, já não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo de fazer o bem."

“Há cristãos que parecem ter escolhido viver uma Quaresma sem Páscoa. Reconheço, porém, que a alegria não se vive da mesma maneira em todas as etapas e circunstâncias da vida, por vezes muito duras. Adapta-se e transforma-se, mas sempre permanece pelo menos como um feixe de luz que nasce da certeza pessoal de, não obstante o contrário, sermos infinitamente amados.”

Este documento, após explicitar a fonte onde bebe o Evangelho, cuida de refletir sobre os principais desafios enfrentados pela Igreja, dos quais aponta com força a doença do clericalismo, da tentação de uma mentalidade principesca presente no cotidiano eclesiastico.

Em resumo, além de apresentar um roteiro pastora para os próximos anos, Francisco destaca os seguintes pontos:


-  a Igreja, fiel ao Evangelho, e chamada a sair em missão, em busca dos pobres e necessitados,lá onde eles se encontram,ou seja, nas periferias geográficas e existenciais;

- a alegria do Evangelho deve ser a marca de todo discípulo,de toda discípula de Jesus,movidos pela solidariedade,pela compaixão, pelo compromisso com a libertação das correntes do consumismo,do individualismo da indiferença e da exclusão social.


Já nesta primeira Exortação, o Papa Francisco aponta, com coragem profética,o dever da Igreja de anunciar o Evangelho,denunciando também as causas e consequências das desigualdades sociais mantidas pelo sistema econômico de privilégios de uns,à custa da exclusão e da miséria de grandes parcelas de nossas sociedades.     


Para surpresa de muitos, o Papa Francisco incluiu em sua proposta-programa a homilia como ponto de sua preocupação. E não é por acaso. Ignorando o caráter e o alcance pedagógicos da homilia não poucos clérigos se mostram distantes do significado da homilia, seja delas se utilizando para explorar de agressões superficiais que pouco ou nada tem a ver com o espírito do Evangelho, seja por abusarem do tempo da fala, até porque não raramente se exime de preparar.

Dois anos depois, já em meio a uma intensa agenda de viagens e compromissos, eis que o Papa Francisco nos brinda com suas Encíclica sociais "Laudato si", mergulhando de cheio no mais relevante desafio da humanidade, nos dias de hoje: a emergência climática. Este assunto, mais do que uma pauta da Igreja Católica e dos cristãos, emerge como a pauta principal do gênero humano, pois se trata de salvar nossa “Casa Comum”, sem a qual resulta inviável a vida humana, à medida que com o proguessivo aumento da temperatura, derretem-se as calotas, inundando os oceanos, de modo a aumentarem o nível das águas, inundando parte das áreas costeiras de modo a submergir muitas ilhas e cidades.

A Encíclica Social "Laudato si” constitui o mais relevante escrito do Papa Francisco, por diversas razões.Diferentemente de seus imediatos predecessores, sobretudo dedicados às questões intra-eclesiástica,o Papa Francisco, obediente ao Seguimento de Jesus, volta sua especial atenção aos grandes dramas da Humanidade e do planeta,sem esquecer de cuidar também de temas eclesiais. Ao “laudato si” ressoa como um dramático chamamento aos humanos sobre nossa responsabilidade quanto às causas e aos efeitos da emergência climática.


Na elaboração da “Laudato si”, o Papa Francisco recorreu aos melhores especialistas no tema, mundialmente conhecidos, a exemplo de Leonardo Boff. Uma das marcas de excelência deste Documento reside em sua ênfase metodológica: Francisco propõe uma ecologia integral na abordagem do tema e no enfrentamento de seus desafios.



 “A violência, que está no coração humano ferido pelo pecado, vislumbra-se nos sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos. Por isso, entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que ‘geme e sofre as dores do parto’ (Rm 8, 22(...)”. "Esquecemo-nos de que nós mesmos somos terra (cf. Gn 2, 7). O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar, e a sua água vivifica-nos e restaura-nos.”A desigualdade não afeta apenas os indivíduos mas países inteiros, e obriga a pensar numa ética das relações internacionais.“ O reconhecimento da dignidade peculiar do ser humano contrasta frequentemente com a vida caótica que têm de fazer as pessoas nas nossas cidades. Mas isto não deveria levar a esquecer o estado de abandono e desleixo que sofrem também alguns habitantes das áreas rurais, onde não chegam os serviços essenciais e há trabalhadores reduzidos a situações de escravidão, sem direitos nem expectativas duma vida mais dignificante.”

“O bem comum pressupõe o respeito pela pessoa humana enquanto tal, com direitos fundamentais e inalienáveis orientados para o seu desenvolvimento integral.”

“Quando as pessoas se tornam auto referenciais e se isolam na própria consciência, aumentam a sua voracidade: quanto mais vazio está o coração da pessoa, tanto mais necessita de objectos para comprar, possuir e consumir”


Importa, em resumo, reconhecer a profundidade e o alcance sócio-ambientais desta Encíclica, valendo a pena destacar até mesmo a força do método, em sua fecundidade: ver, julgar, agir, já ressaltado em 1961 pelo bom Papa João XXIII em sua primeira Encíclica Social “Mater et Magistra”. 

"Para levar a realizações concretas os princípios e as diretrizes sociais, passa-se ordinariamente por três fases: estudo da situação; apreciação da mesma à luz desses princípios e diretrizes; exame e determinação do que se pode e deve fazer para aplicar os princípios e as diretrizes à prática, segundo o modo e no grau que a situação permite ou reclama. São os três momentos que habitualmente se exprimem com as palavras seguintes: "ver, julgar e agir" (n. 235)”. É a velha e sempre nova metodologia da Ação Católica.

Outro Documento impactante foi por ele escrito, intitulado "Amoris Laetitia” (Alegria do amor), no qual surpreende positivamente pela compreensão da vivência do amor entre os casais como um dom de Deus e motivo de alegria:


‘’ “Como Maria, (as famílias) são exortadas a viver, com coragem e serenidade, os desafios familiares tristes e entusiasmantes, e a guardar e meditar no coração as maravilhas de Deus (cf. Lc 2, 19.51)``. (numeral 30, capítulo 1)”.


Um traço fundamental do ministério exercido pelo Papa Francisco, ao longo destes 10 anos,aponta necessariamente para a sua fecunda missão itinerante, concretizada quarenta viagens apostólicas, percorrendo e visitando terras e gentes de cinco continentes.

         

Ainda importa destacar seu incessante empenho em exercitar o diálogo ecumênico com diversas autoridades de Igrejas Cristãs Ortodoxas e Reformadas, em busca de testemunhar o chamamento evangélico a uma unidade, dentro da diversidade. Neste sentido, tem falado forte a agenda do Bispo de Roma, a visitar e a participar de diversos encontros ecumênicos, pelo mundo, seja a convite de irmãos ortodoxos, seja de irmãos reformados, seja de irmãos de outras religiões.


Traço de sua atuação profética tem sido sua forte posição de denúncia às causas das migrações forçadas, bem como seu compromisso de Efetiva Solidariedade aos migrantes, haja vista dois momentos emblemáticos por ele protagonizados, em especial Lampedusa (Sul da Itália) e em Lesbos (Grécia).


A "fratelli tutti” representa o mais recente chamado de Francisco a um compromisso concreto de avaliação e de redesenho das relações sociais livres da estratégia característica do atual modo de produção, de consumo e de gestão societal, de modo a permitir o exercício de uma verdadeira fraternidade/sororidade entre os humanos e o Planeta:

   Cuidar do mundo que nos rodeia e nos sustenta significa cuidar de nós mesmos. (17

  1. Empanturram anos de conexões e perdemos o gosto da fraternidade. (33)

  2. O princípio do ‘salve-se quem puder’ traduz-se rapidamente no ‘todos contra todos’, e isso será pior que uma pandemia. (36)

  3. O direito à propriedade privada só pode ser considerado como um direito natural secundário e derivado do princípio do destino universal dos bens criados. (120)


Não devemos esquecer a densidade e a extensão que têm revestido o legado do atual Bispo de Roma, do qual, nestas linhas, apenas esboçamos os principais elementos para um balanço. Neste sentido, não devem ficar de fora fecundas iniciativas pastorais por ele animadas, das quais destacamos as seguintes:

  • O Sínodo da Amazônia, que representa significativos avanços socioclesias,em linha principalmente com a "Laudato si";

  • O Sínodo da Juventude;

  • A Assembleia Eclesial,inovação considerável,no que diz respeito ao modo tradicional de se organizar As conferências Episcopais latino-Americanas ,das quais apenas os Bispos eram os participantes;

  • O Sínodo da Sinodalidade, ainda em curso, que representa mais um esforço do Papa Francisco, de pôr em prática o espírito do Concílio Vaticano II,sobretudo no que diz respeito à prioridade do povo de Deus,como principal sujeito das decisões eclesiais.

  • A realização dos Encontros Mundiais de representantes de Movimentos Sociais. 

  • A Economia de Francisco e Clara

  • Encontro por uma nova educação.


Cada um desses itens merecia uma avaliação mais detida.

Com o propósito de trazer a tona traços especiais do seu legado, tomamos a liberdade de sublinhar diversas dessas palavras-chave: Evangelho como núcleo maior de nossa Fé, "Igreja em saída", ”Nossa Casa Comum", a figura do polígono, "Pirâmide Invertida”, ”Cultura do descarte", "Funcionário do Sagrado.

“Alegria”, Aconchego (vicinanza), “Uma Igreja pobre para os pobres”, Não tenham medo, “Igreja em saída missionária”, “Ternura”, Misericórdia, “Periferias geográficas e existenciais”, Humildade, “Povo de Deus”, “Conversão”, “O Espírito Santo como Guia”, “A Humanidade (e não apenas a Igreja), como alvo da missão”, “Por uma Cultura do trabalho humanizador”, Unidade na diversidade como expressão do Espírito Santo, “Nossa Casa Comum (o cuidado com a Criação)”, “Santidade como vocação de todos, não como privilégio de uns”.

  • O próprio Francisco é o primeiro a reconhecer, como ser humano seu inacabamento. Já na cerimônia  de sua apresentação, ele fez questão de se confessar um ser incompleto, falível, pedindo à multidão que o abençoasse e, como o tem feito sem cessar, que por ele todos rezassem. 


  • Durante esses 10 anos,nem tudo se passou às mil maravilhas.sem esquecermos os grandes limites representados por uma estrutura eclesiástica caduca, certas atitudes de Francisco suscitam questionamentos por parte de diversos grupos católicos e não católicos. Citemos alguns exemplos:

  • Já durante as aulas conciliares, conduzidas pelo Cardeal Suenens, este manifestava a coragem de perguntar aos seus pares onde estava a outra metade da Igreja, formada pelas mulheres. Passados 60 anos, eis que a composição androcêntrica das estruturas decisórias continua mantida, apesar de leves iniciativas trazidas pelo papa Francisco, ainda longe de atenderem aos clamores das mulheres católicas, especialmente as teólogas feministas;

  • O que leva o Papa Francisco a manter a velha tradição da obrigatoriedade do celibato para todos os clérigos, quando tal tradição não tem base evangélica nem acolhida, no mundo de hoje?

  • No plano macro social, a condução do papa Francisco no tocante à guerra Rússia X Otan, em que pese seus incessantes apelos pela paz, é, por vezes, interpretada como pouca crítica ao lado ocidental.



Não faz muito sentido esboçar um balanço do Ministério Petrino de Francisco, neste período de 10 anos sem conectá-lo também com um balanço do percurso mais recente da própria Igreja Católica Romana. A expectativa “natural”, da parte de quem tenta esboçar tal balanço, é de encontrar mais semelhanças e afinidades do que dissensos. Sucede, porém, que não é bem o caso. Mesmo tendo-se consciência de que o exercício do Pontificado não coincide necessariamente com a trajetória institucional da Igreja Romana, causa surpresa ao analista a considerável desconexão constatada. 


Enquanto o Papa Francisco surpreende agradavelmente o mundo/até mais do que as instituições cristãs, revelando-se inclusive como uma liderança de novo tipo-, eis que os mais diversos órgãos da organização eclesiástica, salvo exceções, fazem ouvidos moucos ao chamado profético do Bispo de Roma. Desde a Cúria romana, as conferências episcopais, inclusive a CNBB, o clero, os principais movimentos eclesiásticos, as chamadas “comunidade de fé", além de amplas parcelas do próprio Laicado tendem amplamente a fazerem mais "Religião" do que a seguirem o Evangelho, isto é, mostram-se mais dispostos a fazerem apologia institucional, a se comportarem como "funcionários do Sagrado” do que a se preocuparem com os dramas da humanidade. 


Neste sentido, podemos destacar uma distância significativa entre o atual episcopado (sempre com gratas exceções) e aquela geração de Bispos signatários do Pacto das catacumbas, da Conferência Episcopal Latino-Americano de Medellín (Colombia, 1968), da confêrencia de Puebla (1979), bem como de Bispos da CNBB signatários de documentos proféticos, tais como “A Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e marginalização social" (1971), “Eu ouvi os clamores do meu Povo” (publicado em 1973), "Igreja e problemas da terra” (1980), entre outros. Importa ressaltar que, para além dos bispos, devemos lembrar a atuação igualmente profética de Leigos e Leigas, inclusive no Nordeste, onde, já em 1967, apareceu pela ACO (Ação Católica Operária), o manifesto intitulado “Nordeste - desenvolvimento sem justiça”, seguido, pouco tempo depois, de outro ainda mais contundente, intitulado “Nordeste — o Homem Proibido”.


Ao esboçarmos um leve balanço do caminhar da Igreja Católica, nestes últimos 10 anos, estamos seguros de que as críticas trazidas não alcançam todo o episcopado brasileiro, onde se acham - ainda que como exceção - figuras comprometidas com a causa libertadora dos pobres. Por outro lado, não pretendemos uma mera reprodução dos feitos daquela geração de Bispos dos anos 1960 e 1970, até porque cada geração tem o seu modo próprio de intervir na realidade social e eclesial. Sem embargo, isto não exime nenhum discípulo do Seguimento de Jesus guiado pelo espírito do Ressuscitado, de cumprir fielmente sua missão. 


Diferentemente da geração de bispos-profetas dos anos 70 e 80, que não se cansava de denunciar e anunciar em favor dos pobres e marginalizados, inclusive em plena Ditadura civil-militar,a geração de bispos, e de padres de hoje, salvo uma pequena minoria, apresenta uma postura de resignação diante das glamorosas injustiças preferindo manter-se ocupado de meras funções eclesiásticas (quanto a isto, o Papa Francisco não exita em advertir do risco para os clérigos de se tornarem “Funcionários do Sagrado”), por vezes até sinalizando certa cumplicidade com a terrível onda bolsonarista, nos últimos anos, em vez de prestarem ouvidos ao clamor profético do Papa Francisco, a insistir em uma "Igreja Em Saída", como já lemos acima, em que o Bispo de Roma diz preferir uma Igreja Acidentada por correr o risco de estar com os pobres, a uma Igreja adoecendo pela sua reclusão nos espaços das sacristias… 


Conforta-nos, por outro lado saber da fidelidade do povo dos pobres à Boa Nova de Jesus, a exemplo das comunidades eclesiais de base, a caminho do XV Encontro intereclesial, a acontecer em julho próximo, em Rondonópolis-MT, ao qual somos todos convidados a manifestar solidariedade, inclusive acompanhando por meio do Texto-base, sobre  o qual vale apenas conferir a refração do Pe.Benedito Ferraro: (cf.https://www.youtube.com/watch?v=F0bvN52j5Z8


João Pessoa, 13 de março de 2023

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