INCIDÊNCIAS
DA COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO:
desdobramentos no campo da Educação
Alder Júlio ferreira
Calado
Quais
os desafios mais embaraçosos do processo de humanização? De que modo os
antigos, os povos medievais, modernos e contemporâneos têm conseguido enfrentar
tais desafios? Qual lugar da complexidade no processo de humanização? De que
maneira a complexidade incide no processo pedagogico? São questões como estas
sobres as quais nos desbruçaremos, nas linhas que seguem.
Sabemos que o processo
de humanização comporta um vasto leque de características e de
condicionamentos, a partir mesmo dos sentidos atribuídos ao ser humano. Com
efeito, a trajetória humana de todo co-existir compreende múltiplos
condicionamentos – cosmicos, geográficos, biologicos, psicologicos, culturais,
atropológicos, econômicos, políticos, educacionais..., de tal modo que se torna
praticamente impossível um conhecimento total do ser humano e de seu processo
existêncial. Por mais que se esforce, o ser humano sempre terá que conviver com
dúvidas incertezas, lacunas, limites quanto seu próprio conhecimento, bem como
do conhecimento do seu entorno. Isto não quer dizer que o conhecimento de si,
da natureza, da cultura lhe esteja completamente fora do alcance. Sempre é
possível e desejável conhecer-se e conhecer os demais seres viventes, os
elementos físicos da natureza, a história, etc, mas sempre de modo parcial,
limitado e provisório. A partir da consciência, portanto, de nossa inconclusão(Paulo
Freire), é que nos habilitamos a conhecer, de forma processual, as relações do
universo, da natureza e da cultura dos quais fazemos parte.
Neste sentido, sempre nos
é proveitoso revisitar autores e autoras clássicos e contemporâneos que se tem
debruçado sobre tais questões resulta, a este respeito, impactante observar,
com frequência forte com fluência de teses fundamentais ainda que assumindo termos diferenciados. É assim que, ao
revisitarmos filósofos chineses ou pré-socráticos e tantos outros que se lhes
seguiram, observamos, não raro, a presença
de profundas semelhanças de suas interpretações sobre o Ser Humano,
ainda que utilizando palavras diferentes – “Movimento”, “Holística”, “Interação”,
“Totalidade”, “Integralidade”, “Complexidade”... A lista é grande. O que
importa, neste exercício teórico-conceitual, é atentarmos para as semelhanças
aí presentes, sem desconsiderar as diferenças. Eis o ollhar, a partir do qual
ensaimos uma breve revisitação por algumas figuras que, direta ou indiretamente,
têm contribuído para esse entendimento. Sabemos que o exercício do filosofar
acompanha os humanos, muito antes dos gregos, como costuma alertar, por
exemplo, Enrique Dussel, de modo contundente. Ásia, África, Oriente Medio, são
lugares em que filósofos, antes dos gregos, se faziam presentes. A Confúcio,
por exemplo, é atribuída a sábia afirmação: “Aquilo que escuto, eu esqueço;
aquilo que vejo, eu lembro; aquilo que faço, eu aprendo.” Quanta sabedoria aí
contida inclusive do ponto de vista
metodológico! Eis aí bem presente a dimensão práxica, de forma magistral.
Dimensão práxica a compor-se organicamente com outras dimensões do processo formativo
e do processo de humanização, tais como a dimensão cósmica, a dimensão afetiva, a
dimensão cognitiva, a dimensão volitiva, a ética, a dimensão estética, a dimensão comunicativa e outras mais.
Heráclito, por sua vez,
a par de outros pré-socráticos, imprimiu sua marca em seus fragmentos,
referente ao movimento/a mudança que caracteriza a realidade cognoscível, pois,
sustenta o pré-socrático, “πάντα ῥεῖ” (”Tudo flui”). A realidade é mutável, tudo
muda, tudo está em movimento; o que há de permantente é a mudança, razão por
que “Não podes entrar duas vezes nas mesmas águas do mesmo rio.”
Atribui-se, ainda, aos
pré-socráticos, o princípio dialético da interação universal, sintetizado na
afirmação de que “Tudo está ligado a tudo”. A este respeito, há um poema-canção
que traduz, com profundidade, e de modo didático, tal princípio: “Tudo está interligado”
(cf. a íntegra da letra no “link”: https://www.youtube.com/watch?v=1do_VBZG9Ps
Outo aspecto
característico da realidade afasta-se de uma linearidade cartesiana, fugindo
mesmo a qualquer certeza reivindicada por pretensas leis científicas, como faz
o paradigma positivista. Os fatos da realidade se dão de forma enviesada,
muitas vezes “aos trancos e barrancos”, com altos e baixos, de modo nada
simétrico. Os fatos se acham atravessados por incongruências, por contradições.
Ao contrário da suposta linearidade cartesiana, por vezes, é a própria relação
dos contrários que acaba explicando os fatos da realidade, como sustenta um dos
prinípcios da Dialética: o da unidade dos contrários. Num contexto societal,
por exemplo, as extremas desigualdades sociais é que explicam, pela raiz, o
fenômeno do aparecimento de ricos cada vez mais ricos à custa de pobres cada
vez mais pobres...
Há, também, a
necessidade de se reconhecer a verdadeira relação entre quantidade e qualidade.
Não raro, tende-se a estabelecer um muro intransponível entre uma e outra,
quando, em não poucas vezes, se dá conta de que a quantidade também pode
desembocar em qualidade.
Como se pode perceber,
a realidade – especialmente, a realidade social – constitui um desafio
praticamente invencível, quando se pretende conhecê-la em sua totalidade,
justamente por comportar uma múltiplicidade quase infinita de aspectos,
dificilmente persceptíveis aos olhos do sujeito cognoscente. Por outro lado, a
complexidade e a extensão da realidade social não são de todo inacessíveis a
quem se acerque da mesma realidade, dotando-se de instrumentos ou mediações que
lhe permitam uma relativa compreensão. Isto se da em relação às mais distintas
esferas de saberes, inclusive no campo da Educação que, a seguir, trataremos de
eleger como alvo específico de nossa reflexão, buscando identificar nela
insidências da mesma complexidade.
Ao mencionarmos tais
princípios da Dialética, reconhecemos as densas contribuições de autores como
além dos pré-socráticos, Hegel e Marx, entre outros. Mais recentemente,
partindo diretamente ou não, desses princípios, eis que autores como Edgar
Morin e outros nele inspirados, vem contribuindo fecundamente para um conhecimento
mais adequado de se lidar com a complexidade dos fatos sociais, inclusive da
Educação. A este respeito, recomendamos o vídeo que apresenta instigante
reflexão de Edgar Morin, justamente sobre a complexidade: https://www.youtube.com/watch?v=6UT57Jm371w
Insidências
da complexidade da realidade social no campo da Educação.
À semelhança do que se
passa em todos os campos científicos sobre a realidade social, também na
Educação, lidamos sempre com conceitos polissêmicos, no caso da educação,
situando-a no seio da Cultura cuidamos de entender o processo formativo dos
seres humanos como característica central do processo de humanização. Neste
caso, cumpre alertar para a complexidade e a extensão da educação, de modo a
não se reduzila à mera escolarização (da Educação infantil à pós-graduação),
nem aos espaços formais. Trata-se, antes, de um processo que acompanha todo o
co-existir, do nascimento ao último suspiro, tratando-se, pois, de uma Educação
contínua, permanente, a serviço do desenvolvimento do ser humano como um todo
(isto é, em todos os seus aspectos e dimensões) e de todos os seres humanos.
Por razões de relevância
temática, de impactante atualidade e ainda por razões didáticas, optamos aqui
por tomar a Educação Ambiental como alvo de nossas reflexões acerca das
incidências da complexidade no campo educativo. Para tanto, partimos de uma
questão: como surge o debate em torno de uma Educação Ambiental - ou que outro
nome tenha: Eco-Educação, Educação Global, Educação Holística...? Sem
desconsiderar eventuais exceções, há de se lamentar que o referido debate se
deve mais a tristes constatações, do tipo: aquecimento global; derretimento das
calotas e consequente elevação do nível das águas oceânicas, acarretando risco de
inundação de cidades litorâneas, ilhas, etc.; desmatamentos; acidentes letais
em oceanos, rios, solo e subsolo, provodcados por petroleiros, por pela
exploração mineral descontrolada; desertificação; morte de fontes de água e de
rios; agravamento da frequência e dos efeitos devastadores das catástrofes
“naturais”; agravamento dos efeitos de tufões e tsunames; crescente escassez de
água; extinção e ameaça de extinção de várias espécies vegetais e animais;
envenenamento do subsolo, do solo, das matas, das plantações, dos lençóis
freáticos, dos humanos; poluição do ar; poluição sonora... Eis um leque parcial
degraves e trágicas ocorrências que imduziram e ainda induzem parcelas
crescentes da população mundial a enfrentar tais desafios, recorrendo também a
uma ação educativa. Bem melhor teriasido que tal atitude em defesa da Mãe-Terra
se tivesse dado ppor motivação de reconhecimetno da dignidade da Mãe-Terra, mas
este sentimento infelizmente resta ainda secundário...
Seja como for, o que
importa é que nos demos conta de que algo comça a ser feito, sob vários
aspectos, também no campo específico da Educação – em particular, da Educação
Ambiental, alvo das presentes notas.
O
que aqui estamos entendendo por Educação Ambiental?
Ainda que assumindo-a sob
distintos nomes – “Educação Global”, “Ecopedagogia”, “Educação Holística”, “Educação
Integral”... -, compreendemos Educação Ambiental como a dimensão específica ao
processo formativo, atinente aos cuidados das relações sócio-ambientais. É
sabido que a temática sócio-ambiental comporta um vasto leque de abordagens e
de saberes, a serem tratados de modo interconectado. No caso da Educação
Ambiental, cuidamos mais diretamente da espicificidade do campo pedagógico, a
partir de questionamentos tais como:
- Comportando a
Educação uma multiplicidade de espaços formativos - família, comunidades,
escola, movimentos sociais..., seja em suas modalidades formais, seja processos
não-formais -, que traços compõem a identidade dos sujeitos discentes e
docentes?
- Que traços
específicos os identificam como seres naturais e seres culturais?
- Que saberes específicos são requeridos ao
processo formativo de seres naturais e culturais, em suas relações com o
Planeta?
- Em seu cotidiano
formativo, que práticas pedagógicas
devem ser priorizadas?
- Onde, como e por quem
tais práticas pedagógicas devem ser implementadas?
Eis alguns dos
questionamentos a merecerem especial attenção, nestas reflexões. No tocante ao
primeiro questionamento – referente à identidade dos sujeitos discentes e
docentes -, partimos da conciência da multiplicidade de traços requeridos pelo
processo formativo, acima mencionados, resumidamente. No caso específico da
Educação Ambiental, cuidamos de focar o despertar de consciência e de atitudes
especificamente voltadas para as relações entre os seres humanos e o Planeta, a
partir de sua consciência de ser da Natureza, parte efetiva e expressão da
mesma, desde sua própria composição corpórea. Todo o seu corpo atesta a
presença da Natureza, de seus elementos constituintes: água, minerais, energia,
sistema digestivo e outros. O despertar desta autoconsciência há de instigar os
aprendentes a mirar o Planeta, com um olhar de admiração e cumplicidade,
levando-nos à convicção de que estamos todos a navegar na mesma nau, a sorte
dos humanos está imbricada na sorte do Planeta. Isto muda tudo. Isto nos
impulsionará a assumirmos o compromisso de cuidarmos tão bem de nós como de
cuidar tão bem de nossa “Casa Comum”. Além de sua condição de natureza, os humanos
também comportam traços de sua outra condição – a de seres de Cultura. Seu
processo de humanização requer um empenho cotidiano na busca de interconectar
adequadamente essa sua dupla condição, a partir de uma saudável distinção entre
esses seus dois componentes: o que significa responder concretamente à sua
condição de ser-Natureza e o que significa responder à sua confição de
ser-Cultura? Um desafio a ser trabalhado, ao longo do seu percurso existencial.
Eis por que também é
fundamental, no processo formativo, identificar e trabalhar adequadamente quais
os saberes requeridos para que os humanos atendam a contento a esta sua dupla
condição. Dupla condição a ser vivenciada de modo profundamente interconectado.
Isto implica, por exemplo, estabelecer e aprimorar os relações com a Mãe-Natureza.
E aqui, no universo escolar, já desponta um desafio de monta, em especial para
os sujeitos discentes e docentes mais enraizados no mundo urbano, em que
minguam, não raro, os contatos e experiências com o mundo do campo. Como,
então, despertar nos sujeitos urbanos, não apenas uma consciência do mundo do
campo, mas sobretudo um comprometimento progressivo com sua causa?
Eis uma tarefa bem
apropriada a uma proposta consequente de Educação Ambiental. Mais do que
simplesmente introduzir a temática nos componentes curriculares, importa forjar
um plano de trabalho, com fundamentação teórico-prática, com metodologia
consistente, de modo a ir além de uma mera sensibilização da comunidade escolar
e das comunidades em volta, mas também de modo a desencadear ações de
intervenção sócio-ambiental, desde o âmbito local, articulado a outras
instâncias. Como é vasto o universo temático das questões sócio-ambientais
(comitês de gestão de bacias fluviais, manejo de matas e enconstas, coleta de resíduos
sólidos, gestão hídrica, criação de pequenos animais, parques e jardins
botânicos públicos, etc., etc.), há que se estabelecer prioridades, a partir das
necessidades e urgências locais.
Em experiências
educativas que tais, faz-se presente, de modo explícito, o exercício de
Cidadania. Aí, a Educação Ambiental – ou que outro nome tenha – está lidando
diretamente com a formção de cidadãs e cidadõas globais, a partir de seu lugar.
Cidadã(o)s que se fazem protagonistas de um novo mundo possível e necessário.
Cidadã(o)s que logram ir além das reivindicações adstritas apenas às relações
Sociedade-Estado. Sem prejuízo deste campo de atuação, são capazes de elastecer
sua visão da Política, à medida que cuidam de conectar ações tidas como como
situadas nos micro-espaços a ações desenvolvidas nos macro-espaços. O alcance
transversal da Educação Ambiental, assim exercitada, extrpola a dimensão
cidadã: alcança também muitas outras, tais como as relações sociais de gênero,
de etnia, geracionais, cósmicas, éticas, estéticas, entre outras. Todas essas
dimensões se acham, como se percebe, atravessadas pelos fios da complexidade, e
sob tal baliza devem ser exercitadas, em busca da construção processual de uma
nova sociedade, por um novo modo de produção, por um novo modo de consumo, por
um novo modo de gestão societal.
João Pessoa, 16 de
setembro de 2017.
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