Francisco, Missionário itinerante da Boa Nova de Jesus
Alder Júlio Ferreira Calado
Anteontem, 21/04/2025, às 07:35 (horário do Vaticano), Francisco, Bispo de Roma, fez sua Páscoa definitiva. Após doze anos, 02 meses e uma semana de frutuoso Pontificado, ele nos deixa profundas marcas do seu legado. Tantos predicados e expressões lhe têm sido atribuídos: humildade, simplicidade, misericórdia, doação, serviço à causa dos pobres, guardião da Casa Comum, fidelidade ao Evangelho, pastor com cheiro de ovelha, “Igreja em saída”, profeta do nosso tempo… e os predicados se multiplicam. Assim como tantos, também já tive a oportunidade de destacar alguns de seus traços mais relevantes (cf. textosdealdercalado.blogspot.com), essas brevíssimas linhas, limito-me a sublinhar apenas dois aspectos do seu legado: o de missionário itinerante da Boa Nova de Jesus de Nazaré e sua coragem profética.
Uma rápida revisitação de sua longa trajetória pastoral já bastaria para nos darmos conta deste traço que marca sua trajetória: a de um discípulo - missionário itinerante da Boa Nova do Reino de Deus. Com efeito, se já antes de assumir o Pontificado, em 2013, ele dava sinais convincentes de um percurso pastoral compartilhado com os pobres das periferias de Buenos Aires, tais sinais se tornam ainda mais visíveis durante seus doze anos de Bispo de Roma. Dentre diferentes traços desta sua marca de missionário itinerante da Boa Nova, aqui me restrinjo às suas quase cinquenta viagens apostólicas, tendo percorrido mais de 60 países, em cinco continentes. Algo extraordinário na trajetória de um Papa: uma média de quatro viagens apostólicas por ano, por parte de alguém tornado Papa com mais de 75 anos, sublinhando que diversas dessas viagens ele cumpriu em precária situação de saúde, inclusive, em cadeira de roda.
Ao longo desta marca de missionário itinerante, também chamam a atenção algumas características. Uma primeira tem a ver com priorizar os países mais afastados e mais pobres situados na periferia do mundo. Sem deixar de atender aos católicos europeus sua escolha foi a de priorizar os povos mais pobres, de diferentes confissões religiosas. Em cada uma de suas viagens apostólicas, comportou-se como um profeta, ao denunciar todo tipo de injustiças sociais, as gritantes desigualdades, a fome e o abandono dessas pessoas, ao mesmo tempo em que fazendo questão de estimular os pobres e os injustiçados a lutarem pelos seus direitos. Neste sentido, tornou-se conhecido o seu clamor: “nenhuma família sem casa, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhuma pessoa sem a dignidade que provém do trabalho” (“Três Ts”: Teto, Terra e Trabalho).
Ainda nesta toada, o Papa Francisco também se tornou conhecido pela promoção dos encontros mundiais de representantes de Movimentos Populares dos diversos continentes, o primeiro dos quais realizou-se em Roma, enquanto um outro teve lugar em Santa Cruz de La Sierra (Bolívia). Todos contando com sua presença e animação. Parece até algo estranho que um Papa se ocupe de semelhantes atividades, tal a ousadia profética que o caracteriza. Quando rememoramos os programas cumpridos pelos seus predecessores, Bento XVI e João Paulo II, cujos pontificados duraram quase 35 anos, nos sentimos impactados com o Programa de Governo cumprido pelo Papa Francisco, inclusive tal como prometeu em sua Encíclica Social “Evangelii Gaudium” (A alegria do Evangelho).
Outro aspecto que me ocorre ressaltar, nestas breves linhas, é a sua força profética, a contrastar com a mediocridade da enorme maioria da Hierarquia Católica, que protagoniza um assombroso retrocesso, em relação ao Núcleo da Mensagem da Boa Nova anunciada, inaugurada e testemunhada por Jesus. Trata-se, com efeito, de um intrigante contraste. De um lado, o Bispo de Roma, qual João Batista desses tempos a pregar no deserto; por outro lado, ressalvadas as honrosas exceções, a corporação eclesiástica a recuar escandalosamente, em relação à Boa Nova do Reino. De um lado a tenacidade e o zelo apostólico testemunhados pelo Papa Francisco, em seus gestos, pronunciamentos e escritos; por outro lado, a crescente escassez de profecia ao interno da instituição eclesiástica, notadamente a maioria de seus pastores, bispos, presbíteros, diáconos e parte expressiva do Laicato, a protagonizarem fatos e situações de pouco ou nenhum compromisso com as grandes causas da humanidade.
Em diversos de seus escritos, de seus pronunciamentos, de suas mensagens, de suas homilias, o Papa Francisco não se cansava de denunciar vários desses desatinos, como o fez - para tomar um único exemplo - desde seu primeiro escrito, a Encíclica Social “ Evangelii Gaudium ” ( A Alegria do Evangelho ), em que propõe linhas pastorais a serem ensaiadas pela Igreja Católica, durante o seu pontificado. Eis oque escreveu por exemplo, como denúncia do clericalismo:
“Este obscuro mundanismo manifesta-se em muitas atitudes, aparentemente opostas mas com a mesma pretensão de «dominar o espaço da Igreja». Em alguns, há um cuidado exibicionista da liturgia, da doutrina e do prestígio da Igreja, mas não se preocupam que o Evangelho adquira uma real inserção no povo fiel de Deus e nas necessidades concretas da história. Assim, a vida da Igreja transforma-se numa peça de museu ou numa possessão de poucos. Em outros, o próprio mundanismo espiritual esconde-se por detrás do fascínio de poder mostrar conquistas sociais e políticas, ou numa vanglória ligada à gestão de assuntos práticos, ou numa atração pelas dinâmicas de autoestima e de realização auto referencial. Também se pode traduzir em várias formas de se apresentar a si mesmo envolvido numa densa vida social cheia de viagens, reuniões, jantares e recepções”. (n. 95)
À diferença da enorme maioria das lideranças eclesiásticas, que se ocupam fundamentalmente em preservar os interesses de suas instituições o Papa Francisco, movido por uma espiritualidade reinocêntrica, responde a sua vocação, anunciando e testemunhando a Boa Nova do Reino de Deus a toda a humanidade em especial às vítimas de injustiças sociais e toda sorte de violência cometida contra o Planeta, os humanos e os demais viventes, por conta dos ricos e poderosos deste mundo. Conforta-nos o precioso legado que ele nos oferece. Por ele, rendemos graças à Divina Ruah.
João Pessoa, 23 de Abril de 2025