quarta-feira, 23 de abril de 2025

Francisco, Missionário itinerante da Boa Nova de Jesus

Francisco, Missionário itinerante da Boa Nova de Jesus


Alder Júlio Ferreira Calado


Anteontem, 21/04/2025, às 07:35 (horário do Vaticano), Francisco, Bispo de Roma, fez sua Páscoa definitiva. Após doze anos, 02 meses e uma semana de frutuoso Pontificado, ele nos deixa profundas marcas do seu legado. Tantos predicados e expressões lhe têm sido atribuídos: humildade, simplicidade, misericórdia, doação, serviço à causa dos pobres, guardião da Casa Comum, fidelidade ao Evangelho, pastor com cheiro de ovelha, “Igreja em saída”, profeta do nosso tempo… e os predicados se multiplicam. Assim como tantos, também já tive a oportunidade de destacar alguns de seus traços mais relevantes (cf. textosdealdercalado.blogspot.com), essas brevíssimas linhas, limito-me a sublinhar apenas dois aspectos do seu legado: o de missionário itinerante da Boa Nova de Jesus de Nazaré e sua coragem profética.


Uma rápida revisitação de sua longa trajetória pastoral já bastaria para nos darmos conta deste traço que marca sua trajetória: a de um discípulo - missionário itinerante da Boa Nova do Reino de Deus. Com efeito, se já antes de assumir o Pontificado, em 2013, ele dava sinais convincentes de um percurso pastoral compartilhado com os pobres das periferias de Buenos Aires, tais sinais se tornam ainda mais visíveis durante seus doze anos de Bispo de Roma. Dentre diferentes traços desta sua marca de missionário itinerante da Boa Nova, aqui me restrinjo às suas quase cinquenta viagens apostólicas, tendo percorrido mais de 60 países, em cinco continentes. Algo extraordinário na trajetória de um Papa: uma média de quatro viagens apostólicas por ano, por parte de alguém tornado Papa com mais de 75 anos, sublinhando que diversas dessas viagens ele cumpriu em precária situação de saúde, inclusive, em cadeira de roda.


Ao longo desta marca de missionário itinerante, também chamam a atenção algumas características. Uma primeira tem a ver com priorizar os países mais afastados e mais pobres situados na periferia do mundo. Sem deixar de atender aos católicos europeus sua escolha foi a de priorizar os povos mais pobres, de diferentes confissões religiosas. Em cada uma de suas viagens apostólicas, comportou-se como um profeta, ao denunciar todo tipo de injustiças sociais, as gritantes desigualdades, a fome e o abandono dessas pessoas, ao mesmo tempo em que fazendo questão de estimular os pobres e os injustiçados a lutarem pelos seus direitos. Neste sentido, tornou-se conhecido o seu clamor: “nenhuma família sem casa, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhuma pessoa sem a dignidade que provém do trabalho” (“Três Ts”: Teto, Terra e Trabalho).


Ainda nesta toada, o Papa Francisco também se tornou conhecido pela promoção dos encontros mundiais de representantes de Movimentos Populares dos diversos continentes, o primeiro dos quais realizou-se em Roma, enquanto um outro teve lugar em Santa Cruz de La Sierra (Bolívia). Todos contando com sua presença e animação. Parece até algo estranho que um Papa se ocupe de semelhantes atividades, tal a ousadia profética que o caracteriza. Quando rememoramos os programas cumpridos pelos seus predecessores, Bento XVI e João Paulo II, cujos pontificados duraram quase 35 anos, nos sentimos impactados com o Programa de Governo cumprido pelo Papa Francisco, inclusive tal como prometeu em sua Encíclica Social “Evangelii Gaudium” (A alegria do Evangelho).


Outro aspecto que me ocorre ressaltar, nestas breves linhas, é a sua força profética, a contrastar com a mediocridade da enorme maioria da Hierarquia Católica, que protagoniza um assombroso retrocesso, em relação ao Núcleo da Mensagem da Boa Nova anunciada, inaugurada e testemunhada por Jesus. Trata-se, com efeito, de um intrigante contraste. De um lado, o Bispo de Roma, qual João Batista desses tempos a pregar no deserto; por outro lado, ressalvadas as honrosas exceções, a corporação eclesiástica a recuar escandalosamente, em relação à Boa Nova do Reino. De um lado a tenacidade e o zelo apostólico testemunhados pelo Papa Francisco, em seus gestos, pronunciamentos e escritos; por outro lado, a crescente escassez  de profecia ao interno da instituição eclesiástica, notadamente a maioria de seus pastores, bispos, presbíteros, diáconos e parte expressiva do Laicato, a protagonizarem fatos e situações de pouco ou nenhum compromisso com as grandes causas da humanidade. 


Em diversos de seus escritos, de seus pronunciamentos, de suas mensagens, de suas homilias, o Papa Francisco não se cansava de denunciar vários desses desatinos, como o fez - para tomar um único exemplo - desde seu primeiro escrito, a Encíclica Social “ Evangelii Gaudium ” ( A Alegria do Evangelho ), em que propõe linhas pastorais a serem ensaiadas pela Igreja Católica, durante o seu pontificado. Eis oque escreveu por exemplo, como denúncia do clericalismo: 

Este obscuro mundanismo manifesta-se em muitas atitudes, aparentemente opostas mas com a mesma pretensão de «dominar o espaço da Igreja». Em alguns, há um cuidado exibicionista da liturgia, da doutrina e do prestígio da Igreja, mas não se preocupam que o Evangelho adquira uma real inserção no povo fiel de Deus e nas necessidades concretas da história. Assim, a vida da Igreja transforma-se numa peça de museu ou numa possessão de poucos. Em outros, o próprio mundanismo espiritual esconde-se por detrás do fascínio de poder mostrar conquistas sociais e políticas, ou numa vanglória ligada à gestão de assuntos práticos, ou numa atração pelas dinâmicas de autoestima e de realização auto referencial. Também se pode traduzir em várias formas de se apresentar a si mesmo envolvido numa densa vida social cheia de viagens, reuniões, jantares e recepções”. (n. 95)

  

À diferença da enorme maioria das lideranças eclesiásticas, que se ocupam fundamentalmente em preservar os interesses de suas instituições o Papa Francisco, movido por uma espiritualidade reinocêntrica, responde a sua vocação, anunciando e testemunhando a Boa Nova do Reino de Deus a toda a humanidade em especial às vítimas de injustiças sociais e toda sorte de violência cometida contra o Planeta, os humanos e os demais viventes, por conta dos ricos e poderosos deste mundo. Conforta-nos o precioso legado que ele nos oferece. Por ele, rendemos graças à Divina Ruah.


João Pessoa, 23 de Abril de 2025    


segunda-feira, 14 de abril de 2025

Intérpretes do Brasil (XIX): a contribuição de Marilena Chauí

 Intérpretes do Brasil (XIX): a contribuição de Marilena Chauí


Alder Júlio Ferreira Calado  


Pelo que podemos perceber como traços dominantes das figuras aqui tomadas como referências destacadas enquanto intérpretes da sociedade brasileira, lidamos com perfis plurais, quanto aos lugares específicos de sua atuação: ora os movimentos populares, ora o campo político - institucional, ora as organizações de resistência à Ditadura empresarial-militar (1964-1985), ora o campo intelectual específico, como é o caso de Marilena Chauí. Tratamos aqui de uma filósofa, de uma escritora, de uma acadêmica com atuação também nos espaços político-institucionais (militante do PT, secretaria da cultura, no município de São Paulo, no Governo Luiza Erundina).


Tendo em vista os objetivos principais que nos movem a escrever estas linhas, costumamos sublinhar o perfil preferencial de seus destinatários - jovens militantes de nossas organizações de base, em especial os Movimentos Sociais comprometidos com as lutas de transformação social de nossa realidade. Tal como fizemos, em relação a outros intérpretes, também procedemos no caso de Marilena Chauí: iniciamos com uma breve notícia bibliográfica sobre a autora, ressaltando suas principais contribuições teórico-metodológicas, concluindo com  destaques especiais de sua contribuição como uma das figuras - intérpretes do Brasil.


Breve nota acerca de Marilena Chauí 


Marilena de Souza Chauí, filha de Nicolau Alberto Chauí, jornalista, e de Laura de Souza Chauí, Professora, nasceu em São Paulo - SP em 4 de Setembro de 1941. Seus estudos no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, tiveram relevante influência na  escolha do Curso Superior que viria a fazer. Com efeito, especialmente o Ensino Médio, cursado no Colégio Presidente Roosevelt, Marilena Chauí dá testemunho entusiástico da qualidade do ensino de Filosofia ministrado 3x por semana, pelo professor João Eduardo Rodrigues Villalobos. Isto representou um motivo determinante para a sua escolha do Curso de  Filosofia na USP. Tendo concluído a Graduação em Filosofia, sentiu-se determinada a prosseguir seus estudos e suas pesquisas, na mesma área, optando pelo Mestrado em Filosofia, escolhendo como tema a contribuição do filósofo francês  Merleau Ponty. Em seguida, cuidou de preparar-se para o Doutorado em Filosofia, tendo-se debruçado sobre a obra do filósofo judeu-luso-holandês Baruch Spinoza. 


A instalação do Golpe de Estado no Brasil, tendo ocorrido em 1964, vem a impactar profundamente a vida de Marilena Chauí e de diversos professores seus, na USP, além de centenas de outros docentes das Universidades Públicas de outros estados brasileiros. Episódio que marcará gravemente a biografia intelectual e política de Marilena e de toda uma vasta geração de docentes e de estudantes universitários e secundaristas, além de Governadores (Leonel Brizola, Miguel Arrais), numerosos parlamentares, lideranças sindicais e de movimentos populares, por longos e tenebrosos 21 anos, durante os quais o povo brasileiro teve que amargar  perseguições, censura, cassações, torturas, assassinatos e exílio de milhares de brasileiros e brasileiras. Diante dos vários crimes da ditadura empresarial-militar, escandaliza-nos profundamente a abjeta campanha pela anistia, promovida pelas forças obscurantistas da extrema-direita, buscando eternizar a impunidade aos golpistas contumazes.  


Marilena Chauí, desde então a partir da Arena Universitária, tem-se destacado por sua reconhecida contribuição como Professora, como pensadora, como escritora e como militante política. Ainda no final dos anos 1960, acompanhou com entusiasmo as lutas libertárias dos estudantes, na França e em vários países do mundo ocidental, inclusive no Brasil, na crítica ao modelo universitário então vigente, bem como na crítica ao modelo de sociedade dominante. Igualmente, durante a década de 1970, fez ecoar seus escritos e sua crítica contra o autoritarismo da Ditadura civil-militar, presente no Brasil e no Cone Sul.             


Enquanto isto, não tem cessado de investir em suas pesquisas e na publicação de seus livros, de outros escritos, de entrevistas e outros pronunciamentos. Abaixo segue uma lista reunindo parte expressiva de sua produção: O que é ideologia (1983); O poder do mito (1986); Convite à filosofia (1996); Cultura e democracia: o discurso liberal e a crítica da modernidade (1995); A cidade de Platão (2001); A primeira geração do pensamento ocidental (2001); A utopia e a ordem (2000); Ideologia da competência (2002); Os direitos humanos e a política da igualdade (2003); Filosofia e fundação (2006); Sartre e o problema da liberdade (2006); Tornando-se sujeito: Filosofia e política no pensamento moderno (2011); Os sentidos do pensamento (2010); Pensamento social no Brasil (2013); Filosofia política (2015).


Nos anos 1980, integrou-se ao grupo de protagonistas fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT), enquanto, no governo de Luíza Erundina, então prefeita de São Paulo, exerceu o cargo de secretária de Cultura. Em diversas entrevistas concedidas a órgãos da imprensa, a exemplo do programa de TV Roda Viva, foi provocada sobre diferentes temas espinhosos, inclusive acerca do dilema de conciliar sua posição de intelectual com o exercício de cargo administrativo. Sempre reconheceu a quase incompatibilidade ético-política do exercício nessas diferentes esferas da realidade social, tendendo a avaliar como incompatíveis, pelo fato de que, enquanto intelectual que persegue a coerência com o pensar político filosófico, no exercício de cargos governamentais, o que está em jogo é antes o poder, não necessariamente a coerência ética. Situação, aliás, que se deu também em relação a outros nomes, a exemplo de Paulo Freire. Quando o intelectual se rende estritamente ao poder - foi o caso de Fernando Henrique Cardoso - ele não hesita em escolher o poder, dando as costas à sua responsabilidade de intelectual. 


Marilena Chauí, sempre solidamente calcada em argumentos críticos, tem-se revelado como uma intérprete dos dramas mais agudos da sociedade brasileira. Em seus escritos, em suas palestras, em suas entrevistas e outros pronunciamentos, servindo-se de conceitos tais como “Democracia”, “Resistência”, “Ideologia”, “Ideologia da Competência”, entre outros, ela segue oferecendo valiosas contribuições a uma compreensão crítica de nossa sociedade. Ainda recentemente, em palestra/entrevista, acerca dos complexos desafios de nossa atualidade, ela recorria aos conceitos de “Atopia” e “Acronia”, como fecundos instrumentos conceituais para interpretar os dramas mais agudos dos tempos de hoje. Em razão da aposta cega que o atual modo de produção, de consumo e de gestão societal privilegia, por exemplo, a “Inteligência Artificial” e a diversos equipamentos tecnológicos sofisticados, ela exemplifica o caso do “celular” como sendo emblemático para induzir acriticamente os usuários a absolutização deste equipamento eletrônico, de tal modo a perder de vista as noções de espaço (“atopia”), e de tempo (“acronia”), desconsiderando   tanto a dimensão espacial quanto a dimensão temporal ou histórica, tudo se reduzindo apenas ao que o usuário contempla na tela do seu celular.


Destacando aspectos mais relevantes dos escritos de Marilena Chauí 


A memória histórica dos oprimidos segue sendo uma fonte fecunda de aprendizado e de sinergia revolucionária para os militantes de ontem e de hoje, bem como para nossas organizações de base. Revisitar o pensamento e os feitos de Marilena Chauí também tem este sentido. Tendo a Academia como palco maior de sua atuação, ela também estende seu agir para a arena político-partidária, sem descuidar de outras forças sociais comprometidas com a transformação de nossa realidade. 


Seu ponto de partida - bem indicado, aliás,  por seus escritos - têm sido o filosofar, conjugado com seu agir militante. Ela encontra, para tanto, um amparo teórico-metodológico em três autores  (Baruch Espinoza, Merleau Ponty e, com menor incidência, Karl Marx) referenciais, notoriamente distintos, nos quais encontra uma síntese, indo além do mero filosofar, à medida  que também se compromete com as lutas populares, em busca de uma sociedade alternativa. 


Suas lutas vêm se dando, com efeito, em diversas frentes. Nos embates ideológicos, Marilena Chauí, seja por meio de seus livros, a exemplo de “O que é Ideologia”, seja em suas concorridas palestras, se empenha em desnudar os truques e camuflagens característicos dos aparelhos ideológicos do Mercado e do Estado - para o que recorrem a quase onipresença de sua mídia e de suas redes digitais, além da Família, da Escola, das Igrejas, etc. Outra frente que ela vem assumindo desde os anos 1980, é a luta partidária, por meio de sua militância no Partido dos Trabalhadores (PT). Sua atuação também tem se destacado por enfrentar estratégias e táticas das forças da Direita e da Extrema - Direita, inclusive em períodos mais recentes.


Embora admitindo não se tratar de um terreno de luta preferencial, ela também contribuiu no campo administrativo, ao assumir a Secretaria de Cultura, no Governo Luiza Erundina, no Município de São Paulo. A despeito de sua resistência à militância neste plano, seu trabalho à frente da Secretaria de Cultura de São Paulo teve amplo reconhecimento graças inclusive a qualidade do seu Plano de trabalho, então posto em prática: o objetivo não era apenas o de assegurar as diversas comunidades do centro e das periferias urbanas de São Paulo, de fluir o direito à cultura, em suas diversas dimensões, mas também o de garantir-lhes o direito de produzirem Cultura (Teatro, Música, Dança, etc), bem como o de aplicar políticas culturais integradas. 


Marilena Chauí continua sendo alvo de interesse para além do campo acadêmico, razão por que segue sendo frequentemente convidada a participar de entrevistas (a exemplo das concedidas ao Programa “Roda Viva”), a ministrar palestras - várias delas disponibilizadas no Youtube -, bem como de mesas redondas e semelhantes. Vale a pena que nossas organizações de base se apliquem, cada vez mais e melhor, em aprofundar o pensamento e as diversas contribuições que ela vem oferecendo a uma compreensão crítica de nossa sociedade, em busca da contínua transformação de nossas relações sociais, econômicas, políticas e culturais. 


João Pessoa, 14 de Abril de 2025  


       


sábado, 12 de abril de 2025

A caminho da XV Semana Teológica Pe. José Comblin

 A caminho da XV Semana Teológica Pe. José Comblin

 

Alder Júlio Ferreira Calado

 

Neste sábado, 05/04/2025, teve lugar no Centro de Formação José Comblin, em Café do Vento – Sobrado-PB, o segundo encontro preparatório da XV Semana Teológica Pe. José Comblin (XV STPJC). Acolhidos calorosamente pelo anfitrião, Pe. Hermínio Canova, e brindados pela preciosa culinária de Maria José, compareceram ao encontro integrantes de vários Grupos (Grupo Pe. José Comblin, Kairós, CEBI, entre outros) co-organizadores XV STPJC.

 

Inicialmente, como de hábito, fomos convidados a vivenciar um momento de espiritualidade, com base na leitura do Evangelho do 5º Domingo da Quaresma (Jo 8,1-11), que rememora a atitude de Jesus frente ao episódio da mulher acusada de adultério. Glória Carneiro, do CEBI e do Kairós, foi convidada a abrir a reflexão, também compartilhada por outras pessoas. Em seguida, Pe. Hermínio, baseado em suas anotações, fez uma memória dos primeiros passos esboçados, quando do primeiro encontro (15/02/2025). Dando sequência, às pessoas presentes foram instigadas por Pe. Hermínio a compartilharem suas notícias, suas atividades comunitárias.

 

Com apoio nas anotações referentes ao primeiro encontro preparatório, rememorou-se que a sugestão temática mais acolhida foi a que se expressa no seguinte tema: “José Comblin, com os empobrecidos de hoje, assumindo o Projeto de Jesus”. Aqui, foram recuperados diversos pontos então compartilhados. Em primeiro lugar, chamava-se a atenção para a necessidade de atualizarmos os sentidos de “pobres”, “pobreza”, “empobrecidos”, tal como sucedia, por exemplo, nas Conferências Episcopais Latino-Americanas. No Documento Final de Puebla (1979), em seus números de 30 a 39, vêm explicitados os rostos dos pobres, naquele contexto (crianças, jovens, indígenas, camponeses, operários, desempregados/sub-empregados, marginalizados, idosos e outros). Em nosso contexto atual, as marcas do Capitalismo se têm agravado crescentemente. Os empobrecidos de hoje se têm multiplicado. Seus rostos se diversificam, a começar do nosso Planeta, cuja dignidade vem sendo crescentemente desrespeitada. Os rostos dos empobrecidos de hoje são, por exemplo, mulheres vítimas de violência, povos originários, povo Negro, sem-terra e sem-teto, periféricos urbanos, uberizados, precarizados em geral, migrantes forçados, refugiados climáticos, palestinos, curdos, povos africanos, entre outros.

 

Outro aspecto ainda lembrado tem a ver com uma inquietação pedagógica a ser exercitada pelos protagonistas das Jornadas Comunitárias, a saber: a recomendação de livros inspiradores que nos ajudem a aprofundar o tema desta XV STPJC. Desses livros sugeridos, foram sublinhados os seguintes: “Jesus de Nazaré” (Vozes, 1971), “O Caminho” (Paulus, 2004), “A Profecia na Igreja” (Paulus, 2008), “A Liberdade Cristã (Paulus, 2011), todos de autoria de José Comblin. Foram ainda recomendados os seguintes livros, de autoria de José Antonio Pagola: “Voltar a Jesus” (Vozes, 2015), “Recuperar o Projeto de Jesus” (Vozes, 2019), de Jesus. Aproximação histórica (Vozes, 2014). Ainda podemos acrescentar outros, como por exemplo, o de autoria de José Maria Vigil “Descer da Cruz os Pobres". Cristologia da Libertação” (Paulinas, 2007). Neste sentido, também foi lembrado que, neste ano, se completam 54 anos da primeira edição, pela Vozes, do Livro “Jesus de Nazaré”, de autoria de Comblin, mais um motivo a justificar a escolha do tema.

 

No que diz respeito à dinâmica da XV STPJC, bem como às comunidades protagonistas das costumeiras Jornadas Comunitárias, em que se desdobram as Semanas Teológicas, houvemos por bem organizar a programação em três momentos-chave: o primeiro, previsto para o dia 19 de julho de 2025, consta da jornada a ser vivenciada em uma Comunidade em Santa Rita, tendo-se Fátima Maciel disposto a definir o local, junto aos anfitriões; a segunda Jornada Comunitária ficou definida a realizar-se em Café do Vento, em 23 de agosto de 2025, enquanto a Jornada de Encerramento ficou acertada para o dia 27 de setembro de 2025, na Casa dos Sonhos, em Santa Rita.

 

Quanto à dinâmica de cada Jornada, ficou acordado que será elaborado um texto didático, norteador dos principais aspectos a serem refletidos, a partir do tema geral “José Comblin, com os empobrecidos de hoje, assumindo o Projeto de Jesus”, trazendo ao final três questões a serem trabalhadas pelas pessoas presentes a cada Jornada. Com relação à sessão de encerramento, foi sugerido e acolhido o nome de Verônica Michele Gonçalves, que recentemente atuou como membro na Secretaria Nacional da Pastoral de Juventude, da CNBB, para animar as reflexões e o debate da última atividade da XV STPJC.

Agradecimentos ao Padre Hermínio Canova (Grupo José Comblin) e a Aparecida Paes Barreto (Grupo Kairos) pelo fornecimento de informações, para elaboração deste texto.

 

João Pessoa, 12 de abril de 2025






quinta-feira, 3 de abril de 2025

Intérpretes do Brasil (XVIII): A compreensão da formação histórica do Brasil, na perspectiva de Nelson Werneck Sodré

Intérpretes do Brasil (XVIII): A compreensão da formação histórica do Brasil, na perspectiva de Nelson Werneck Sodré

 

Alder Júlio Ferreira Calado 



Acabamos de rememorar, neste 1º de Abril próximo-passado, o 61º aniversário da instalação do Golpe de Estado de 1964, que nos custou tenebrosos 21 anos de retrocessos civilizacionais. Ao mesmo tempo, também rememoramos, no dia 02/04, o 63º aniversário do martírio de João Pedro Teixeira, líder da Liga Camponesa de Sapé a quem rendemos nossas homenagens, agradecidos pela doação de sua vida à causa da Reforma Agrária.

 

Não é segredo que, desde suas origens, as Forças Armadas se têm revelado como uma instituição marcadamente golpista, anti-popular, subordinada aos interesses imperialistas e aos setores mais retrógrados da classe dominante brasileira, de tal sorte que constituem exceção figuras de militares que escapam deste perfil. Mas eles existem, a exemplo de Luís Carlos Prestes, Apolônio de Carvalho e Nelson Werneck Sodré, para citar apenas três nomes. A um deles, dedicamos as linhas que seguem, tomando-o como um dentre os intérpretes do Brasil: Nelson Werneck Sodré. Nesta série de revisitações a diferentes intérpretes do Brasil, nosso propósito segue sendo o de exercitarmos a memória histórica dos oprimidos, seja em sua dimensão coletiva seja na singularidade de sujeitos particulares, como uma motivação e fortalecimento do nosso compromisso com o processo de libertação da terra e das gentes do Brasil.

 

Desta vez, tratamos de revisitar a figura de Nelson Werneck Sodré, um pensador, um escritor prolífico que, por várias décadas, se dedicou à tarefa de compreender as mais profundas raízes históricas de nossa sociedade, recorrendo a componentes econômicos, políticos e culturais de nossa formação histórica, inclusive ao componente literário, com o qual iniciou seu protagonismo de intérprete, mediante o conto “Satânia” publicado na revista Cruzeiro em 1929, com apenas 18 anos. Daí por diante, e durante mais de meio século, Nelson Werneck, tendo seguido a carreira militar, não cessou de participar, seja como autor de numerosas publicações na imprensa brasileira, seja produzindo uma vasta e qualificada bibliografia, fazendo parte de uma rede de grandes intérpretes da formação social do Brasil.

 

Nas linhas que seguem, cuidamos de oferecer breves anotações bibliográficas sobre o autor, tratando, em seguida, de apontar suas contribuições mais relevantes. No final, buscamos realçar o que dele aprendemos de seu denso legado.

 

Breves notas bibliográficas sobre Nelson Werneck Sodré



Nelson Werneck Sodré nasceu em 27 de Abril de 1911 e faleceu em Itu-SP, 13 de Janeiro de 1999 aos 87 anos. Filho de Heitor de Abreu Sodré e de Amélia Werneck Sodré. Cedo escolheu a carreira Militar nela trilhando até passar para a Reserva, não sem antes haver enfrentado sérios obstáculos em razão de sua posição política. Era um intelectual Marxista que, a partir dos anos 40, passa a revelar, por meio de seus escritos, clara influência marxista. Autor de uma vastíssima obra, tanto como articulista de diversos periódicos de alcance nacional, quanto de dezenas de livros - estima-se que seja autor de mais de 50 livros e de centenas de artigos. Em seu intenso e incansável tirocínio de escritor, Nelson Werneck Sodré também se destaca por haver percorrido uma notável diversidade temática, tendo sido autor de livros e artigos sobre Literatura brasileira, sobre a formação social do Brasil, sobre a Economia brasileira, sobre a Política, sobre assuntos militares, entre outros temas por ele exercitados. No âmbito da Literatura e da Estética, por exemplo, a ele se atribui a divulgação, no Brasil, da contribuição especial prestada por Lukács, antes mesmo dos trabalhos de divulgação desenvolvidos por Carlos Nelson Coutinho, a propósito de Lukács e Gramsci.

Do vasto conjunto de seus livros, podemos destacar os seguintes:

· Oeste: ensaios sobre a grande propriedade pastoril” (1941)

· Formação da Sociedade Brasileira (1944)

· História da Literatura Brasileira" (1938) - livro revisado e atualizado, em diversas oportunidades, tendo alcançado dez edições.

· As Classes Sociais no Brasil (1957)

· Raízes Históricas do Nacionalismo Brasileiro (1958)

· Introdução à Revolução Brasileira (1958)

· A Ideologia do Colonialismo (1961)

· História da burguesia brasileira (1964)

· A História da imprensa no Brasil (1966)

· Memórias de um soldado (1967)

· Fundamentos da economia Marxista (1968)

· Síntese de História e Cultura brasileira (1970)

· Memórias de um escritor (1970) – em seis volumes.

· Radiografia de um modelo (1974)

· Introdução à Geografia (1976)

· Vida e Morte da Ditadura: vinte anos de autoritarismo no Brasil. (1984)

· História da História Nova e A Intentona Comunista de 1935. (1986)

· A República: uma revisão histórica, (1988)

· O Populismo, a confusão conceitual. (1989)

· Capitalismo e Revolução Burguesa no Brasil (1990)

 

Além de ter escrito seus 56 livros e mais de 2000 artigos, também cumpre assinalar diversas entrevistas e outros pronunciamentos seus. Em uma de suas entrevistas, por exemplo, acerca do Movimento Tenentista, Nelson Werneck Sodré discorre sobre seu caráter reformista que o situava à esquerda do contexto histórico de então. Rememorava a faceta progressista daqueles oficiais, entre os quais figurava Luís Carlos Prestes, renomado líder da famosa Coluna Prestes, bem perfilado por Jorge Amado, em seu clássico “O Cavaleiro da esperança” de (1945). Perguntado se estava de acordo com a expressão “Revolução de 30” tratou de contestar o caráter revolucionário daquele movimento protagonizado fundamentalmente pela aliança entre a nascente burguesia industrial e o setor descontente da oligarquia rural de então, fazendo questão de lembrar a ausência efetiva do proletariado neste Movimento. Tratava-se, segundo ele, de uma contestação dos processos organizativos da Velha República, marcada por vícios econômicos e políticos vinculados aos setores oligárquicos dos principais Estados brasileiros.

 

Em razão de sua condição de militar, Nelson Werneck Sodré teve a oportunidade de conhecer a maior parte das unidades federativas do Brasil, inclusive o Oeste brasileiro, período durante o qual escreveu “Oeste Brasileiro ( Mato Grosso, inclusive): ensaios sobre a grande propriedade pastoril” (1941). De acordo com a análise de alguns autores, a exemplo de Paulo Ribeiro da Cunha, cuja tese de doutorado dedicada a Sodré “A utopia tenentista na construção do pensamento marxista de Nelson Werneck Sodre” (UNICANP/SP, 2001) - https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/207043) -, assinala uma questão que suscitou um vivo debate e mesmo crítica ao que Sodré interpretava como traços feudais presentes no Brasil. Questão que lhe rendeu vivos embates teóricos com outros autores brasileiro, a exemplo de Caio Prado Júnior.

O desafio de monta enfrentado por Sodré foi o de conciliar sua condição de marxista com sua carreira de militar. Ao longo da vida, foi reiteradamente questionado e mesmo perseguido. Por outro lado, no que diz respeito à Academia, teve igualmente que enfrentar maus humores de certos acadêmicos, inclusive da USP, como lembra Paulo Ribeiro da Cunha, em na exposição por ele feita a convite da Universidade Federal Fluminense, RJ, em 31/10/2024, intitulada “Nelson Werneck Sodré e sua Contribuição à Historiografia Militar” (https://www.youtube.com/watch?v=Vx3YEkrLOtg).



Realçando traços mais densos do legado de Nelson Werneck Sodré



Além de sua longevidade (87 anos), devemos tomar em conta sobretudo a qualidade e o seu ritmo de trabalho, o que também atesta o grau de compromisso com as lutas por um projeto de sociedade e de Brasil, que respondesse aos anseios populares mais legítimos. A densidade de sua obra há de ser reconhecida também pelo rigor teórico-metodológico - o materialismo histórico-dialético - por ele adotado, principalmente a partir dos anos 1940. Um outro traço a merecer realce, no percurso existencial e na vasta obra de Sodré, tem a ver com o exercício de autocrítica, que pode ser conferido, por exemplo, pela sua atitude frequente de atualizar e de melhorar a qualidade de seus livros, não constituindo um acaso sua decisão de testemunhar tal atitude, por ocasião das reedições de alguns livros seus a exemplo de “História da Literatura Brasileira”, sempre buscando incorporar novos achados e aprimorar suas análises.



Nelson Werneck Sodré impacta, igualmente, pela tenacidade ético-política que sempre testemunhou, em diversas ocasiões de conflitos - e até de perseguição - que teve que enfrentar, em razão de sua posição de marxista diante de uma corporação (Forças Armadas) hegemonicamente controlada, quase sempre por forças conservadoras e reacionárias, subordinadas ao imperialismo.



Como se percebe, aqui esboçamos apenas ligeiramente alguns traços do itinerário intelectual de Nelson Werneck Sodré, em razão do que possam, estes breves traços, abrir o apetite de nossas organizações de base e respectivos militantes, no sentido de aprofundarem seus estudos, não apenas sobre o legado Nelson Werneck Sodré, como também de diversas outras figuras de referência, na interpretação de nossos dramas histórico-sociais, em especial no que se refere a memória histórica dos Movimentos Sociais comprometidos com a construção de uma nova sociedade e de um novo modo de produção, de consumo e de gestão societal. 



João Pessoa 03 de Abril de 2025