PAPA FRANCISCO NA ROMÊNIA: anotações em torno de
sua trigésima viagem apostólica
Alder Júlio Ferreira Calado
Encerrou-se ontem, 02 de junho, a
visita apostólica feita pelo Papa Francisco, desta vez à terra e à gente da
Romênia. Que traços gerais compõem o perfil da terra e da gente romenas: O que
os Romenos esperam do Bispo de Roma? Qual o sentido de sua visita: Que
propósitos inspiraram o Bispo de Roma, neste encontro com aquela gente? Que
sentido tem esta visita, no espectro geral de sua missão: Eis algumas questões
que nos provocam, nas linhas que seguem. Começamos por situar, brevemente,
alguns traços gerais da Romênia atual e de seu povo. Em seguida, ocupamo-nos do
principal foco da visita do Bispo de Roma, acentuando especialmente aspectos da
memória histórica daquela terra e daquela gente; seu propósito de visitar aquele
povo, enquanto um peregrino em busca de outros peregrinos e peregrinas, pelos
caminhos do Reino de Deus; encorajar a todos no sentido de renovação do
compromisso com as causas da Tradição de Jesus.
Alguns aspectos da Romênia atual
Terra e gente de uma história
multissecular, a Romênia ocupa um território de pouco mais de 238 mil Km2 - pouco
menor do que o Estado de São Paulo -, tendo uma população de cerca de 22
milhões de habitantes. Povo, território e cultura de uma longa tradição. O
Romeno é uma das línguas filhas diretas do Latim, a exemplo do Italiano, do Espanhol,
do Francês, do Português. Do ponto de vista das confissões religiosas, os
cristãos formam expressiva maioria, sendo que em torno de 87 por cento se
confessam cristãos ortodoxos, enquanto os católicos somam em torno de 7 por
cento, completando-se a população por pessoas de outras confissões cristãs
(protestantes), muçulmanos, Judeus, além de Agnósticos. Cumpre salientar,
no espectro da população romena a presença do povo cigano. Dispersa pelo mundo,
inclusive no Brasil e no Nordeste (na Paraíba, é significativa a população de
Ciganos e Ciganas, em especial na região de Souza). Trata-se de um povo marcado
por ser alvo de muitas discriminações, aspecto a que o Papa Francisco também
chamou a atenção.
Do ponto de vista econômico, a
população romena constitui uma das mais pobres da Europa, convivendo com uma
desigualdade social das mais acentuadas. Em escala mundial, também a Romênia é
conhecida por suas lendas, tais como a da existência de lobisomens e vampiros...
Outra marca importante da Romênia se
deve à sua condição um tanto paradoxal: de um lado, abriga distintas minorias
étnicas em seu território (terra de imigração); por outro lado, centenas de
milhares de seus cidadãos e cidadãs se vêem obrigados a migrar - em especial,
para países tais como Alemanha, Itália, Espanha -, em busca de oportunidades de
vida e de trabalho, (país de emigração). Vale ressaltar, como o fez o próprio
Papa Francisco, um aspecto importante desta situação: a notável contribuição
que os Romenos emigrantes asseguram aos seus, quando do exterior, enviam aos
familiares e compatriotas parte do que conseguem em seu trabalho, no exterior.
A quem se dá ao trabalho de analisar
o conjunto das falas expressas, por ocasião de suas visitas apostólicas -
também nesta, à Romênia -, não escapa a percepção de um traço especial: a do
fio condutor que atravessa seus discursos e suas práticas. No caso da Romênia,
mesmo dirigindo-se a públicos diversos, não se passa despercebido esse fio, que
atravessa suas falas. Fio condutor que se pode resumir, no caso da visita
apostólica à Romênia, nos seguintes pontos:
- vai como peregrino irmão, em busca
de outros irmãos e irmãs, com o propósito de construir juntos a unidade, na
diversidade, conforme os critérios característicos do Reino de Deus e sua
justiça;
- Vai como um caminheiro, em busca de
outros caminheiros e caminheiras, disposto a exercitar com eles, com elas a
memória da Tradição de Jesus;
- Vai como um irmão, na perspectiva
da “fraternidade de sangue”, disposto a animar a caminhada de compromisso com a
causa libertadora dos pobres, dos desvalidos, dos últimos.
Isto se faz presente, com efeito,
desde seu primeiro discurso de saudação ao Presidente Klaus Iohannis e à Primeira
Ministro Viorica Dăncilă, bem como ao Patriarca Daniel e outras autoridades
civis e religiosas e a tantos outros membros daquela sociedade. Já em cada saudação
a cada um dos presentes, o Bispo de Roma encontra um jeito sutil de antecipar
algum elemento de boa nova: o encanto pela beleza do país e sua história; o
compartilhar das alegrias por importantes conquistas; a expressão de sua
reverência à memória dos protagonistas da fraternidade de sangue (uma referência
aos mártires do país); entre outros elementos.
Sensível à fala do Presidente
Iohannis (como noutra ocasião, também à fala do Patriarca Daniel), mostra-se solidário
com o sentimento de libertação de um regime opressivo, que fez o povo empobrecido
e sugou-lhe as energias criativas. Mas, não se detém neste passado sombrio.
Reconhece profeticamente que o período que se seguiu à reconquista da soberania
nacional, ao devolver ao povo romeno o protagonismo de sua história, e a
despeito de outras conquistas, também apresenta graves problemas: o crescimento
de desigualdades sociais, o grave problema das migrações, ou melhor dito, do
tratamento dado pelas políticas estatais, em âmbito continental, a expansão do individualismo,
do consumismo, a desestruturação da família, o desrespeito a tantas condições
necessárias para o pleno exercício de uma cidadania proativa.
No que toca especificamente ao drama
da migração, o Bispo de Roma indo sempre à contracorrente dos discursos
hegemônicos, insiste em destacar as positividades trazidas pelos imigrantes:
contribuem para o enriquecimento dos lugares que os recebem; mostram-se
solidários à sua terra e sua gente, ao remeterem para os seus, parte de seus
vencimentos; contribuem para o enriquecimento econômico cultural, na perspectiva
de um mundo sem fronteiras, um mundo de irmãos e irmãs, não de concorrentes; um
mundo em que floresçam relações de respeito e de complementaridade, e não um
mundo de ódio e preconceitos.
O discurso proferido pelo Papa
Francisco, de saudação ao Patriarca Daniel e aos demais presentes membros da
Igreja Ortodoxa da Romênia, constitui uma síntese preciosa do sentido anunciado
e cumprido desta visita apostólica à terra e à gente romena. Vale a pena dele
destacarmos aspectos mais fortes, que podem ser conferidos acessando o
"link" que segue:
Em breves palavras...
Conforme prometido no título que
encima este texto, nossa intenção foi, não tanto de relatar, mas de
compartilhar um comentário a partir da recente viagem do Papa Francisco, em sua
trigésima viagem apostólica, desta vez feita à terra e à gente romenas. A título
de síntese, o que merece especial ênfase?
Ainda que isto não esteja explicitado em detalhes, vale a pena ressaltar
o empenho na construção da unidade dos cristãos e cristãs, através do exercício
de um Ecumenismo de Base. Trata-se de um objetivo perseguido pelo Bispo de
Roma, durante esses seis anos de exercício da função petrina. Unidade dos
cristãos como sinal de um objetivo ainda maior: o de construir pontes em vista
da unidade de todas as gentes. De unidade, não de uniformidade, menos ainda hierarquizada.
Neste sentido, é possível entrever em meio às intensas atividades de Francisco,
Bispo de Roma, seu empenho de unidade de todo o gênero humano, em harmonia com
o Planeta, nossa "Casa Comum".
Os trabalhos pela unidade dos
cristãos e cristãs emerge, pois, como um primeiro passo capaz de alavancar o
objetivo maior.
No caso específico de esforços
pela unidade dos cristãos, convém assinalar tanto os esforços pela unidade
entre as diversas expressões do Catolicismo, como também da unidade com os
irmãos e irmãs das Igrejas Reformadas. Um rápido olhar para seu calendário de
viagens e visitas é suficiente para comprovar seu incansável intento de
suscitar e fortalecer o diálogo com as mais diversas figuras dessas distintas
expressões da fé cristã. Importante não menos assinalar que não se trata de
qualquer estratégia com o menor traço de hegemonia. Disto dão provas diversas
atitudes suas, para além de seus pronunciamentos e conversas, sempre a insistir
no que se conhece como Ecumenismo de Base, isto é, exercitado, não tanto em
vista de inquietações de caráter doutrinário, mas sobretudo a partir do clamor
da Mãe Terra e dos humanos junto com os demais viventes.
Sua recente visita à Romênia
também vai nesse sentido. As dezenas de visitas feitas pelo Bispo de Roma, nos
diferentes continentes, logram resultados distintos: em alguns casos (cito, por
exemplo, o relativo à visita feita à Bulgária, em que os impactos no plano da
missão e do Ecumenismo parecem ter sido mais intensos e mais frutuosos). Mas, considerando
que o verdadeiro animador desses encontros é o Espírito Santo, há de se dar o
devido desconto nesta avaliação feita com olhos humanos.
Ao exercitar o Ecumenismo de Base,
sempre a serviço do Reino de Deus e sua justiça, cumpre destacar o lugar que aí
ocupam os pobres, os descartados, os desvalidos, de vários matizes (migrantes,
populações marginalizadas, povos empobrecidos, crianças, adolescentes, jovens,
pessoas idosas, mulheres, pessoas discriminadas por conta de sua orientação
sexual, enfim, um amplo leque de segmentos das classes populares).
No caso de sua visita à Romênia,
a tal compromisso ecumênico estiveram associados os objetivos que priorizou:
exercitar a memória da Tradição de Jesus; alimentar-se desta memória pelos
caminhos da história, inclusive da terra e da gente romenas; dar passos
efetivos, na esperança e na luta por um horizonte alternativo a um sistema
produtor de morte. Um acompanhamento mais atento de suas várias falas e gestos
há de ajudar, nesse sentido. E é isto que destacamos como o ponto alto desta
sua trigésima visita apostólica.
João Pessoa, 3 de junho de 2019.
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