PT, CONJUNTURA E ELEIÇÕES 2000:
POR UMA INTERVENÇÃO INSTITUINTE
Alder Júlio Ferreira Calado
Na oportunidade em que o PT na Paraíba vem desencadeando, junto aos seus militantes, filiados, simpatizantes e outros segmentos da sociedade civil, um processo de discussão em torno dos desafios apresentados pela conjuntura, tendo em vista inclusive as eleições do ano 2000, mais uma vez somos chamados a nos posicionar, no interior dos fóruns que se abrem, acerca do que entendemos deva ser o papel do PT e das/dos que o formam. No presente texto, limitamo-nos a expor, em grandes linhas, qual é a nossa leitura do atual contexto sócio-histórico, bem como as implicações e perspectivas mais tocantes, na ótica das classes subalternizadas, especialmente no terreno dos valores, enfatizando a necessidade e urgência de cerrarmos fileiras em busca da construção, na malha das relações do Cotidiano, de uma nova cultura política,com incidência também no plano eleitoral.
1-DO CAPITALISMO SÓ PODEMOS ESPERAR A BARBÁRIE...
Não bastasse a evidência da vida severina, a infelicitar um crescente número de vítimas do Capitalismo, que se manifesta sob a a estratégia dita neoliberal, os próprios dados oficiais acerca de vários índices sócio-econômicos (relativos ao desemprego, à crescente precarização das relações de trabalho, à concentração de terra e de renda, ao déficit de moradias, às doenças da pobreza, à situação das crianças de rua, ao trabalho e à prostituição infantis, à expansão da violência social, ao perfil dos encarcerados no inferno das prisões superlotadas, etc.) atestam, “ad nauseam”, o indisfarçável caráter de barbárie resultante da estratégia imposta pelos dirigentes das grandes potências imperialistas - a dos Estados Unidos à frente - que atuam por intermédio de organismos internacionais tais como FMI, Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio, a serviço dos grandes monopólios transnacionais, não sem a cumplicidade e o cinismo dos diversos setores da burguesia nacional e de seus prepostos atuantes nos aparelhos de Estado, em suas diversas instâncias, esferas e níveis.
Uma compreensão adequada dessa atual fase/face do Capitalismo implica uma clara rejeição da pretensa cisão que se tenta estabelecer entre a conjuntural hegemonia do setor financeiro e seus demais setores, até porque se mostra bastante orgânica e funcional a colaboração existente entre todos eles, que são - isto sim, e não de hoje - faces da mesma moeda, a despeito de diferenças superficiais ou não em sua manifestação. Um eventual descuido de leitura desta realidade articulada resultaria, do ponto de vista dos interesses das classes populares, uma equivocada interpretação, tendendo a desaguar numa perigosa atenuação da responsabilidade dos setores não-financistas na configuração do atual espectro do Capitalismo.
A despeito, por conseguinte, de distintas feições que o Capitalismo assume nesse ou naquele país, nessa ou naquela região, não há como negar uma considerável gama de aspectos comuns que terminam por prevalecer, notadamente nas áreas periféricas, nas diferentes esferas da realidade organicamente articuladas -econômica: desemprego estrutural, estratégia de privatização indiscriminada do patrimônio público, crescente agravamento da concentração de riquezas;política: desregulação dos direitos sociais, desobrigação por parte do Estado de suas funções sociais habitualmente tidas como suas, ao longo de décadas, estratégia de desmonte das forças de esquerda conseqüentes; cultural: controle ditatorial da midia, exercido com toda a cumplicidade pela quase totalidade dos meios de comunicação de massa; exploração da religião de mercado, só para mencionar alguns exemplos.
2-RECUPERAR E REELABORAR A CONSCIÊNCIA E O COMPROMISSO DE CLASSE NAS DIFERENTES TRINCHEIRAS DE LUTAS DA CLASSE TRABALHADORA
Uma leitura panorâmica do quadro macrossocial acima enunciado revela, sem maior esforço de intelecção, que um enfrentamento eficaz ou se dá também de forma globalizada, ou resultará inócua. Para se fazer face, do ponto de vista das classes populares,aos desafios do quadro presente colocados pelo Capitalismo, em sua atual fase/fase,impõe-se como um pressuposto a formulação de uma estratégia que compreenda,entre outros elementos:
- a reabilitacāo da dimensão classista, ajustada, com a indispensável ajuda do legado marxiano e de seus seguidores mais conseqüentes, à complexidade e ao alcance da luta de classe nos dias presentes;
- Rejeição a uma suposta terceira via entre Capitalismo e Socialismo;
-o exercicio cotidiano da condição de militante (adequadamente articulada a outras dimensões do ser humano): dosar, de maneira satisfatória, a distribuição do tempo de militância para além da época eleitoral;
-tendo em vista que forças de esquerda se encontram numa considerável diversidade de espaços sociais, importa enxergar a realidade com lentes que permitam a(o) militante alcançar e articular numa rede, para além de sua tendência ou de seu partido, todo um conjunto de forças politicamente afinadas,atuantes nos movimentos sociais populares, no mundo sindical, em setores de igrejas, em segmentos organizados da sociedade civil;
- a recuperação e consolidação da prática internacionalista, de modo articulado às caracteristicas das lutas nacionais, regionais e locais: perceber e lidar adequadamente com a repercussão local de fatos e acontecimentos internacionais, e, ao mesmo tempo, enxergar e lidar adequadamente com a dimensão internacional ou mundial de fatos e situações locais;
-a efetiva ruptura com práticas e concepções corporativistas, distorções amplamente indutoras do processo de burocratização das organizações sindicais, partidárias e mesmo populares (“Primeiro a 'minha' categoria/ partido/tendência/igreja, depois...”). Resultado: chega-se ao cúmulo de não se tratar mais os companheiros e companheiras desempregados como trabalhadores...
-reavaliação crítica de posturas ditas “propositivas” por parte de certas forças, quando, na prática, não passam,não raro, de colaboracionismo com as forcas governamentais, de repente transformadas em “parceiras”... “Propositivas” em relação a quê(m)? À ordem imperante?
3.DESAFIOS COLOCADOS AO PT PELO PROCESSO DAS ELEIÇÕES DO ANO 2000
À medida que se aproxima o período eleitoral - mais um!-,intensifica-se,em parcela considerável de militantes petistas, o sentimento de que o PT,para ser fiel aos seus valores fundantes,deve conter sua gana de ir “com muita sede ao pote" do processo eleitoral, nele investindo e apostando o melhor do seu potencial, não raro em detrimento de outras trincheiras igualmente ou até mais urgentes e prioritárias. Se o PT deseja responder coerentemente ao seu propósito instituinte, em vão se entregará, de peito aberto. a uma aventura tão pontilhada de armadilhas pelos seculares vicios do carreirismo politico-partidario, de que as impropriamente chamadas elites brasileiras são mestras exemplares.
Nesse sentido,buscando ser coerentes com os tópicos acima trabalhados, entre os riscos mais expressivos colocados ao PT pelo processo eleitoral, no quadro de uma sociedade como a nossa, podemos destacar os seguintes:
-controle do partido pelos eleitos e seus gabinetes (seja no plano legislativo, seja no plano executivo),
- sucumbir à rotina institucional ou mesmo privilegiar a ação executivo-parlamentar, em detrimento de seu papel instituinte, com ou junto aos movimentos sociais e outros protagonistas, parceiros e aliados,
CADERNO DE TEXTOS
-romper a tendência do culto a personalidades, que inibe a participação mais livre e consciente das bases, nas decisões;
-assegurar o rodízio de cargos, em todos os níveis e instâncias;
- interação orgânica estratégica com outros protagonistas da ação transformadora;
-manter-se sempre vigilante quanto ao exercicio, no cotidiano, da coerência ético-politica entre os fins almejados e os meios empregados;
- formulação de um plano de educação permanente para militantes, orientada para uma FORMAÇÃO OMNILATERAL, de modo a permitir o desenvolvimento de todas as potencialidades do ser humano, em suas diferentes dimensões (gênero, idade, etnia, espacialidade,ecologia,subjetividade,relação como Sagrado...)
-manutenção regular de uma imprensa também formativa, capaz de trabalhar a memória histórica das lutas e dos movimentos sociais populares;
- redefinir o tratamento da questão financeira, de modo a superar urgentemente a atual sistemática de contribuicão,que favorece o controle do partido pelo segmento parlamentar ou em exercicio de cargos executivos.
Texto extraído do Caderno de Textos da “I Conferência Municipal Eleitoral - O PT construindo a alternativa em 2000”; João Pessoa, 10 a 12 de dezembro de 1999,
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