quinta-feira, 25 de julho de 2024

NETANYAHU É A CARA DO OCIDENTE

NETANYAHU É A CARA DO OCIDENTE


  Alder Júlio Ferreira Calado

    Não bastassem todas as crueldades  cometidas pelo Governo sionista de Israel, a perpetrar, há mais de 70 anos, as piores atrocidades contra o Povo Palestino, eis que o Senado dos Estados Unidos, com o apoio entusiástico dos Senadores Republicanos e Democratas, recebe mais uma vez a figura abjeta do Primeiro Ministro Benjamin Netanyahu, a proferir, sob calorosos aplausos, uma sucessão de mentiras, tentando justificar o genocídio de que é vítima a população de Gaza, há mais de nove meses.

    Resulta abominável a presença de Netanyahu no coração da falsa Democracia do Império, a escancarar a profunda cumplicidade entre a ditadura israelense e o governo dos Estados Unidos, inclusive no governo Biden, justamente no momento  em que o Governo Netanyahu é desaprovado por 2/3  da população israelense.

    Indigna, de modo gritante, a atitude do Governo estadunidense e de seu Congresso, de apoiar, de forma tão explícita, tal insanidade, quando as Cortes Internacionais de Justiça têm avaliado as ações do Primeiro Ministro israelense como a indicar claros sinais de um criminoso de guerra. Neste sentido, são amplamente conhecidas avaliações feitas por diversos judeus anti-sionistas de reconhecida notoriedade internacional, a manifestarem seu mais contundente repúdio à política colonialista, de Apartheid, genocida, de limpeza étnica, cometida pelo Governo israelense contra o povo palestino.

Brada aos céus o genocídeo de quase 40 mil palestinos assassinados e cerca de 90 mil feridos, em Gaza, chacina feita pelo Governo sionista de Israel, com a clara cumplicidade das grandes potências imperialistas, em especial pelo governo e pelo parlamento dos Estados Unidos, fornecendo armamentos pesados, financiando e fornecendo armamentos pesados para o cometimento da chacina. Consolam-nos a resistência dos Palestinos e a solidariedade internacional expressas por jovens, grupos e movimentos em todo o mundo, sobretudo, no Sul Global.

                                                                        

                                                              João Pessoa, 25 de julho de 2024


sexta-feira, 19 de julho de 2024

Por uma leitura decolonial da Cristandade: despatriarcalizar, des-hierarquizar, desclericalizar

 Por uma leitura decolonial da Cristandade: despatriarcalizar, des-hierarquizar, desclericalizar


Alder Julio Ferreira Calado e Glória Maria Carneiro


A reflexão aqui proposta, parte da discussão compartilhada, sábado passada, dia 13/07/2024, por ocasião de mais um Encontro do CEBI João Pessoa (Litoral), versando sobre o tema “Decolonizar é preciso”, do qual participaram Edna Maria, Julio, Gloria, Zanza, Kefren, Marcos, Alef, Gervalino, Vanuza, Inez, Dorgeania, Eduardo, Irmã Lucia, Irmã Marinete, Marilane, Elizangela e Pe. Wancerlei, Alder Julio.

Como de costume, iniciamos partilhando o café da manhã, com os alimentos que cada qual trouxe e também partilhando conversas e vivências.

Coube a Kefren animar a mística, a partir do convite às (aos) participantes para expressarem  o sentir de seus corpos naquele momento e também que memórias os habitavam, concluindo a mística com o texto de Jo 17,20-21. 

Dando sequencia ao tema iniciado no encontro anterior - Decolonialidade, para o qual Edna sugeriu, como tarefa de casa, que lêssemos três textos, que estão na Agenda Latinoamericana 2024, quais sejam: 1) Decolonizar os sistemas de justiça para quê? (Elizabeth Fuetnes p. 69-71); 2)Teologia da libertação, teologia decolonial (Juan José Tamayo, p. 95-97) e 3) Decolonialidade para um novo paradigma emancipatório mundial (Ignácio Dueñas Garcia de Polavieja, p. 163-165. Isso no encontro do dia 04.05.2024, onde foram abordados alguns estudiosos e algumas estudiosas dessa temática. No encontro de hoje, Edna cuidou de rememorar os aspectos fundamentais tratados, na primeira ocasião, sobre o tema em pauta, tendo inclusive anotado no quadro as palavras-chaves, à medida que as pessoas iam relembrando e, posteriormente, discorreu sobre cada uma delas. Recorrendo a uma metodologia de trabalho bem característica da Educação Popular, Edna, antes mesmo de fazer uma exposição sobre a sequência do tema, propôs uma roda de conversa, sobre o que as(os) participantes tinham a dizer sobre tema. 

Decolonialidade: do saber, do ser, do poder.

  • Religião colonialista

  • Desvinculação dos legados

  • Corpos subjugados, anulados

  • Perpetuação do colonialismo

  • Epistemicídio

  • Descolonialidade/decolonialidade.

Em seguida, ela trata de sublinhar os aspectos centrais da temática, inclusive os autores e autoras: Frantz Fanon, Aníbal Quijano, Catherine Walsh, Edgar Land, Enrique Dussel, Walter Mingnolo, dentre outros e outras,  nos quais se baseou. Do exposto e do que foi compartilhado, convém ressaltar que “Decolonialidade” remete ao processo de colonização, relativo à Modernidade ocidental e oriental, profundamente enraizado nas mentes e nos corpos dos povos originários, nos afroamericanos e outros, envolvendo as mais diversas dimensões – econômica, social, política, cultural, religiosa, de modo a destitui-los de sua condição humana, já que o projeto os trata como coisas. Nunca é demais reafirmar as graves consequências histórico-culturais do colonialismo, inclusive na atualidade, à medida que manifestam as entranhas desumanizantes do modo de produção capitalista, a enraizar-se nos corpos, nas mentes, no espírito, na vida de cada pessoa e de cada comunidade, seja no plano cósmico-planetário, na produção material da existência, no exercício do poder, na reprodução dos valores ocidentais, de modo a implicar as relações sociais de gênero, de etnia, geracionais, de espacialidade, as relações éticas, estéticas, eróticas e também as relações com o sagrado, sempre em uma perspectiva desumanizante.

Neste Encontro do CEBI, ao reconhecermos a ampla diversidade de dimensões alcançadas pelo projeto colonial, destacou-se principalmente a dimensão religiosa, tanto relativa às igrejas cristãs quanto a outras expressões religiosas. Foi, no entanto, melhor aprofundado o espaço religioso referente às igrejas cristãs, tendo a bíblia como a principal referencia de fé, aliada ao livro da Criação, afinal ainda hoje: “Meu Pai continua trabalhando e eu também trabalho” (Jo 5,17) e, como prometeu Jesus, “o Advogado, o Espirito Santo que o Pai vai enviar em meu nome, ele ensinará a vocês todas as coisas e lembrará a vocês tudo o que eu lhes tenho dito” (Jo 14,26). Como podemos perceber, o livro da Criação vem antes e vai além da Biblia, sempre que ousamos fazer uma leitura contextualizada da Palavra, aprendemos coisas velhas e novas, pois o Evangelho é como um baú do qual, ao (re)visitá-lo, recolhemos coisas novas e velhas (cf Mt 5,52). Ao contemplarmos séculos de Cristandade, sobretudo a partir da era constantiniana (século IV), percebemos a extrema dificuldade das igrejas cristãs de tomarem distância crítica de toda essa pesada herança cultural, tão afastada das fontes neotestamentárias e do próprio Movimento de Jesus, à medida que, em vez de beberem na fonte, sentem-se fascinadas por elucubrações greco-romanas, de modo a repetirem tal legado na teologia, na liturgia, no Direito Canônico e em documentos magisteriais (como os de Pio IX, Pio X, entre outros) que contrariam frontalmente os mais evidentes ensinamentos de Jesus, o palestino.

Que podemos aprender das reflexões deste encontro?

Desta rica experiência pedagógica compartilhada, saímos com alguns ensinamentos. Um primeiro tem a ver com a urgência de reavaliarmos o que temos feito em nossas igrejas cristãs, o que faremos por meio de alguns questionamentos:

  • Que modelo de Igreja temos alimentado, enquanto partícipes nas mais diversas funções?

  • Que tempo temos dedicado a um aprofundamento do conhecimento histórico e atual de nossas Igrejas? 

  • Que frutos efetivos tem brotado de nossa atuação ao interno de nossas Igrejas: apenas como meras(os) legitimadoras(es) de suas estruturas e organização androcêntricas ou temos atuado como profetas denunciando nossos males e escândalos e anunciando a urgência de que um outro mundo e outras comunidades do movimento de Jesus são possíveis e necessárias?

  • Sabendo, por exemplo, que as mulheres são a enorme maioria de participantes das nossas Igrejas, quem nelas toma as decisões?

  • Qual tem sido nosso testemunho: o de ficarmos à espera de mudanças de cima para baixo (contentando-nos com concessões aqui e ali da parte do clero) ou ousamos dar  passos concretos na criação de novos processos, dentro e fora dos espaços eclesiásticos? (de baixo para cima)

  • Que tal a iniciativa de, enquanto partícipes do movimento de Jesus, ousar uma convocação mais ampla das(os) desigrejadas(os), em busca de uma organização de resistência e de proposição do direito de participação de todas e todos nas decisões eclesiais?

  • Na perspctiva do Movimento de Jesus, do qual buscamos o exercício de um “discipulado de iguais” (Elsa Tamez), que tal fazermos autocrítica de nossa postura de repetidores e repetidoras de doutrinas (desde o Concílio de Nicea, passando pelo de Trento e o Vaticano I), sem nos darmos conta do desafio a que somos chamadas e chamados a enfrentar: o de “destecer” (Ivone Gebara) ou de “desconstruir e reconstruir”, segundo  espírito de Jeremias (Cf Jr 1,10)?



João Pessoa, 19 de julho de 2024.




domingo, 7 de julho de 2024

O potencial humanizante da Educação Comeniana: omnilateralidade, inclusão e universalidade

 

O potencial humanizante da Educação Comeniana: omnilateralidade, inclusão e universalidade


Alder Júlio Ferreira Calado


Jan Amos Komenský (mais conhecido como Comenius, em Latim, ou Comênio, em português) nasceu na Europa Central, na antiga região da Boémia, mais precisamente em Margraviato na Morávia, atualmente território da República Tcheca, em 1592, tendo vivido até 1670. É conhecido como o fundador da Didática moderna. A UNESCO (ONU), ao reconhecer a relevância do legado pedagógico de Comênio decidiu pela publicação de toda a sua obra em 1956, em homenagem ao seu legado.


Comênio, embora nascido no final do século XVI (1592), tem a sua vida e sua obra centradas no século XVII, período marcado por grandes ebulições, tanto pelos embates contra o modo de produção feudal e o ascenso do capitalismo comercial, quanto pelo início da Revolução científica e principalmente pelos grandes conflitos religiosos (dos quais a famigerada guerra dos 30 anos, de 1618 a 1648, de perseguição furiosa dos protestantes pelos católicos é um traço decisivo). É sobretudo cercado pelas conturbações religiosas, que Comênio elabora suas obras numerosas - há quem mencione ter ele produzido 200 textos,

- dentre os quais importa mencionar: “Pampédia”, “Didactica magna”, “Schola Ludus”, “O Labirinto do Mundo e o Paraíso do Coração”, "Porta Aberta das Línguas", "Mundo Ilustrado", "O Anjo da Paz", "A Única Coisa Necessária".


Desde sua infância, Comênio teve que enfrentar sérios desafios, inclusive por conta da rígida pedagogia a que eram submetidas as crianças, ele inclusive, tratadas como mini-adultos. Dificuldades que se complicariam, não apenas em razão da perda precoce de seus pais e das irmãs (ele tinha apenas 12 anos), como sobretudo em razão da feroz perseguição movida pela alta hierarquia católica contra os protestantes. Período particularmente sangrento durante a Guerra dos 30 anos, envolvendo diversos países europeus, inclusive da Europa central. No caso específico de Comênio, tratava-se de um integrante da Unidade dos Irmãos Morávios, herdeiros do movimento Hussita - liderado por Jan Huss (1369-1415), em cujo nome se inspira também o pré-nome de Comenius. Huss foi um teólogo reformador, reitor da Universidade de Praga, duramente perseguido pela Igreja

Católica. Comênio se viu forçado a mudar constantemente de cidades, tendo residido em diversos lugares da Europa Central (Polônia, Alemanha, Hungria) e da Europa Centro-Norte: Inglaterra, Holanda, e Suécia, por exemplo.


Não bastasse sua fidelidade de pertencimento à Unidade dos Irmãos Morávios, Comênio também tornou-se Pastor, professor e bispo, na Moravia. Exerceu o Pastorado tanto em Leszno, quanto na Polônia. Foi, entretanto, como escritor e educador, que Comênio se notabilizou, razão por que nossa atenção se concentra nesta dimensão de sua trajetória. Neste sentido, começamos por destacar sua reconhecida contribuição enquanto educador, não apenas por se tratar de uma figura considerada a principal referência como primeiro grande pedagogo da modernidade, por meio de sua célebre obra “Didactica Magna”, mas também por outros escritos de grande impacto pedagógico, dentre os quais ressaltamos principalmente “Pampédia”.


Nas linhas que seguem, nos limitaremos, primeiro, a sublinhar as grandes marcas da Pedagogia Comeniana, tendo como referência o processo de humanização, de modo a destacar traços de omnilateralidade, de inclusão e de universalidade. Em seguida, traremos mais à tona traços de sua obra - especialmente da “Pampédia” e da “Didáctica Magna”. No tópico seguinte, cuidaremos de compartilhar um rápido olhar avaliativo de sua produção, concluindo por ressaltar alguns aspectos de ensinamentos para a educação popular, hoje.


Elementos de contextualização e do processo de humanização presentes na pedagogia comeniana


Como em toda obra humana, importa situá-la em seu tempo e em seu lugar específicos. A grande contribuição de Comenius não brota espontaneamente de sua cabeça, mas resulta como expressão das circunstâncias histórico-sociais características do seu tempo e do seu chão. O século XVII se apresenta como um tempo de profundas mudanças. Passava-se, então, de uma conjuntura rural, características do final do mundo feudal ainda sobrevivente para um processo de rápida urbanização, em que os burgos crescentes atraiam camponeses fugitivos do feudalismo para os pequenos centros urbanos. Ocupando-se de profissões artesanais - sapateiros, padeiros, artesãos de metais, etc. Ao mesmo tempo, este período marcava o desenvolvimento de grandes navegações, características

do processo colonialista no “Novo Mundo”. A Revolução científica dava sinais promissores, fazendo a razão prevalecer sob os ditames da Igreja Católica Romana, em crescente confronto com os ideais da Reforma Protestante, lançando mão até de sua famigerada Inquisição.


É neste contexto, que melhor se entende a contribuição legada por Comenius. Tratava-se de um Reformador protestante, inspirado nos valores do movimento hussita (Jan Huss), profundamente enraizados nos valores da Bíblia, assumida como principal fonte de fé para os Reformadores, contraponto-se assim aos ditames da Igreja Católica Romana, que se pretendia fonte única de interpretação da fé cristã, em conluio com imperadores e reis, desde o século IV, a partir do Imperador Constantino. Daí a ressonância autoritária de alguns ditos então vigentes, tais como: “Une foi, une loi, un roi” (uma fé, uma lei, um rei) ou "cujus regio, eius religio" (de quem [é] a região, dele [se siga] a religião), expressando assim os critérios ditatoriais de uma religião de dominação.


Convém lembrar, a este respeito, que ao longo de toda a Baixa Idade Média, cerca de três séculos antes de Lutero, diversos movimentos populares ousaram protestar contra os abusos da alta hierarquia católica, a exemplo dos Valdenses, Albigenses, dos Cátaros, os “Fraticelli”, as Beguinas, os Hussitas, entre outros. Muito sangue se derramou, desde então, inclusive por conta da terrível Inquisição, como bem se percebe, por exemplo, no livro “O Nome da Rosa”, de autoria de Umberto Eco.


A contribuição mais densa que a Pedagogia Comeniana apresenta, tem a ver sobretudo com o processo de humanização. Para Comênio, o Ser Humano não nasce pronto, vai se fazendo. Para tanto, a educação constitui a principal referência deste processo. Ele parte, portanto, do reconhecimento do Inacabamento Humano, historicamente chamado a ir se completando, por meio das relações comunitárias e sociais que ele vai tecendo ao longo da vida.   De fato, também para Comenius, uma vez que o processo de humanização se prolonga     por toda a vida, a Educação igualmente há de ser do berço ao último suspiro. Nisto se destaca seu empenho em evidenciar o caráter da continuidade de sua proposta pedagógica. O processo de ensino-aprendizagem se dá por toda a vida, de maneira contínua e permanente.

Ao longo da vida, o processo de humanização por meio da Educação, vai fazer-se presente e atuante, ao proporcionar um aprendizado contínuo e integral, isto é, no qual à criança, ao jovem, ao adulto, à pessoa idosa tudo se ensina, isto é, todas         as  dimensões e potencialidades requeridas pelo processo de humanização. Eis o que significa, em Comenius “Ensinar tudo”. Outra dimensão marcante da pedagogia Comeniana prende-se à universalidade, isto é, além de se ter que ensinar tudo, também é preciso ensinar tudo a todos. Sendo o ser humano por essência um ser social, seu processo de humanização implica necessariamente o conjunto dos humanos, sem o que os próprios indivíduos estariam prejudicados.


Marca não menos importante da Pedagogia comeniana é a de natureza inclusiva, graças a qual tal Pedagogia deve ser protagonizada por todos os humanos: Crianças, adolescentes, jovens, mulheres adultos, pessoas idosas, o que constituía uma novidade para a época, já que as mulheres e as pessoas com deficiência estavam excluídas do direito à escola.


Importa, ainda, registrar outro elemento presente na Pedagogia comeniana, também constante no processo de humanização: A combinação entre atividades de estudo e habilidades para o trabalho manual. Não se tratava, portanto, de só ensinar e aprender coisas do mundo intelectual, mas também de garantir o aprendizado de coisas práticas, artesanais e outras.


Traços principais de sua Pampédia


Em busca de entender melhor a contribuição de Comênio, enquanto Educador, tinge a oportunidade de recorrer a diversas análises de pesquisadores e pesquisadoras, dos quais cumpre mencionar pelo menos dois: Wojciech Kulesza. A Educação Cientifica Comeniana. https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/29996 ; Carlota Boto. Comenius e a educação universal para ensinar todas as coisas http://www.scielo.org.co/scielo.php?pid=S0121-24942021000100037&script=sci

_abstract&tlng=pt .


Comenius escreveu, primeiro, a “Didactica Magna” (tanto em sua primeira versão em língua tcheca, quanto a versão posterior, escrita em latim). Não obstante o fato de observarmos uma continuidade entre sua obra “Pampédia” e “Didáctica

Magna”, iniciamos pela primeira, por tratar mais diretamente dos fundamentos de sua proposta educativa, enquanto sua “Didactica Magna”, destina-se mais enfaticamente a sua proposta de recomendações práticas e de passos mais acentuadamente didáticos. Como dito no título destas notas, nossa atenção se volta sobretudo à relação entre a proposta educativa de Comênio mais diretamente ligada ao processo de humanização. Neste sentido, a primeira marca de sua Contribuição como Educador, se acha no seu reconhecimento e atenção ao inacabamento do Ser Humano. Diferentemente dos demais seres da natureza - que já nascem programados -, o Ser Humano nasce inacabado, apresentando-se como um ser em devir, no plano da cultura e da história: ele vai se tornando. Diferentemente dos demais animais, os Humanos precisam aprender valores e comportamentos para irem se tornando gente, razão pela qual o processo de humanização também passa pela educação, desde tenra idade até o último suspiro. Em breve, a educação constitui a condição para os homens irem-se tornando-se humanos, de forma mais completa (ou, dito de modo mais preciso, de    forma  menos incompleta). É assim, por meio da educação permanente, que os humanos vão aprendendo a lidar melhor com suas lacunas cognitivas, psicológicas e sociais.


A Educação comeniana acentua muito a relevância da continuidade deste processo, sem a qual os educandos, as educandas não são capazes de desenvolverem todas as suas potencialidades. Daí a importância para o processo de humanização de que a educação seja vivenciada desde o berço - e, em sua “Didactica Magna”, Comenius prescreve o início da Educação desde os primeiros meses da criança até os últimos dias de vida.


Importa, ainda, destacar a atenção que Comenius dedicava aos saberes prévios dos educandos e das educandas. Na Pedagogia comeniana, os Educadores deveriam partir dos conhecimentos já adquiridos pelos educandos, para além do espaço escolar. Antes do espaço escolar, os educandos apresentam experiências na família, na vizinhança, em outros espaços sociais, nos quais aprendem e incorporam ideias, valores, conhecimentos que os educadores e educadoras devem tomar como ponto de partida, como saberes prévios a partir dos quais  eles passam a propor novos conhecimentos.

Outra inquietação pedagógica presente na Pedagogia comeniana tinha a ver com o cuidado que os Educadores deveriam ter com um ensino que partisse dos interesses dos estudantes, propondo-lhes conteúdos que tivessem a ver com a vida concreta dos educandos e das educandas.


Outro elemento-alvo da proposta pedagógica de comenius incide na dimensão ética: Os educandos e as educandas são estimulados a viverem uma vida de simplicidade e de sobriedade, sem luxo e sem ostentação. Isto tem a ver com os valores testemunhados pela Unidade dos Irmãos Morávios, bem como pelos movimentos Pauperisticos da Baixa Idade Média, desde os tempos dos Valdenses, que precederam, em mais de três séculos, a Reforma protagonizada por Lutero e seus seguidores.


Neste sentido, ainda parece útil destacar mais uma herança que inspirou a Pedagogia de comenius: O empenho em romper com o monopólio do clero católico, de lidar com a Bíblia, entendo comenius e seus discípulos e discípulas que era direito de todos, e não de uma înfame minoria o acesso às Sagradas Escrituras, razão pela qual urgia estender a todos a leitura da Bíblia, inclusive em língua vernácula, para o que se impunha a necessidade de ampla escolarização.


Aspectos principais da Didáctica Magna


O livro principal escrito por Comenius - “Didáctica Magna” comporta um amplo repertório de passos concretos, destinados aos Educadores, de modo a orientarem sua rotina de trabalho. Trata-se de uma longa sequência de recomendações práticas a serem cumpridas nas aulas. Chama a atenção, primeiro, o cuidado de comenius com assegurar um plano educativo que cobrisse toda a vida dos educandos e educandas, desde o período puerperal, seguido a partir de um mês e meio, o período de lactância, a primeira infância, a adolescência, a juventude, a idade adulta, a idade senil até a preparação para a morte. Para cada  uma dessas etapas, Comenius sugeria uma determinada postura pedagógica. Ao mesmo tempo, cuidava de imprimir uma relação orgânica entre esses períodos, de    modo  a conectá-los dinamicamente. A este propósito, aliás, também orientava os educadores a insistirem, junto aos seus educandos, em, ao passarem de um assunto para outro, recordarem primeiro, o que havia sido estudado

anteriormente, para só então, proporem novos conteúdos, e assim sucessivamente.


Comenius entendia e preconizava a utilidade da repetição como um procedimento pedagógico   a ser posto em prática pelo Educador, convencido que estava de que a mente do educando precisa de exercício e de tempo para assimilarem os conhecimentos. Neste sentido, combatia as atitudes apressadas de Educadores, de pretenderem encher a mente dos educandos de muitos conteúdos. Chegava a este propósito, a recorrer a uma ilustração figurativa, partindo do exemplo de quem pretende encher com uma grande vasilha com água, um pequeno frasco com uma boca minúscula: Acaba desperdiçando a água, não entendendo que mais eficaz seria pingar gota a gota.


Quanto aos conteúdos,  a “Didáctica Magna” propunha a conjugação de aspectos mais ligadas as ciências da natureza e as ditas exatas com elementos voltados para a lógica, a gramática, a retórica, as artes, em geral. Primava pela cuidadosa observação dos fenômenos da natureza que o educador e os educandos deveriam tomar como um dos seus primeiros aprendizados: aprender com a natureza. 


Outro aspecto da didática comeniana tem a ver com a relevância ética do educador, ou seja: nele, os educandos e educandas eram movidos pela coerência do que ele dizia e fazia, isto é, de sua coerência ou da pedagogia do exemplo. Outro aspecto também registrado na ”didática comeniana” refere-se a otimização do trabalho do educador, no que concerne ao número de educandos e educandas a serem alcançados. Comenius entendia mais útil trabalhar em grupos mais numerosos, em que todos aprendessem com as diferenças uns dos outros, manifestadas durante as aulas. As dúvidas de uns, esclarecidas pelo educador, ajudavam a consolidar o entendimento dos demais. A esse respeito, recorria a exemplos fora do ambiente educativo, isto é: apontava os exemplos da olaria ou da padaria: numa e noutra, a produção se dá em escala razoável, de sorte que, em vez de poucos pães, a fornada deveria comportar um número bem maior. O mesmo acontecia em relação aos tijolos. Isto tem a ver com a defesa comeniana da universalidade, que implicaria um número crescente de educandos.  


Na perspectiva da educação popular, como recepcionar a proposta comeniana de educação?


A qualidade e a inventividade da proposta pedagógica de Comenius foram e continuam sendo reconhecidas por representantes de várias correntes da Pedagogia crítica. No campo específico da educação popular, a pedagogia comeniana tem contribuições a oferecer. Sua recepção, por outro lado, não se dá sem alguns registros críticos. Sobretudo em tempos de apelos mais fortes ao exercício da consciência decolonial. Ao mesmo tempo que acolhemos com alegria diversos aspectos da proposta de Comenius, também reconhecemos alguns limites, em especial no que concerne a uma proposta pedagógica elaborada, no século XVII e  nos quadros do ocidente, em que também se observa certa inclinação de superioridade frente aos saberes produzidos em outras partes do mundo. Chama a atenção o fato de que a época convulsiva em que Comenius viveu e produziu seus textos, não lhe tenha sido suficiente para perceber a natureza classista predominantes em seu tempo, de modo a impossibilitar o êxito de uma proposta pedagógica   como se não existisse os interesses  antagônicos de classes, fato, aliás, percebido, um século antes, por Thomas Muntzer, outro protagonista da Reforma, contemporânea de Lutero.


Por outra parte, na perspectiva da educação popular, diversos aspectos da proposta pedagógica comeniana seguem úteis e fecundos, em nossos dias. Um desses aspectos tem a ver com a omnilateralidade, conceito que só seria melhor compreendido a partir de Marx. Mesmo assim, não há como negar a fecundidade do que Comenius propunha em sua pedagogia: o compromisso de tornar acessível aos educandos a busca incessante de conhecimento da realidade, sob todos os aspectos, sob todas as suas dimensões, no que se faz presente a exigência do processo de humanização,  a ser vivenciado – pelo menos enquanto busca – nas mais distintas dimensões constantes do processo de humanização (as dimensões cósmica, planetária, econômica, política, cultural, de gênero, de etnia, ética, estética, erótica, de espacialidade, de natureza etária, de relações com o sagrado...). 


A proposta comeniana revela uma atitude cuidadosa na relação teórico-metodológica, haja vista seu apreço à omnilateralidade (aspecto metodológico). Assim também procede, em relação à necessidade de se impregnar no ambiente escolar lúdico, de modo a exercer sobre os educando um efeito também de afetividade e mesmo de amorosidade, de tal modo que os educandos e educandas se sintam atraídos pelo ambiente escolar. Daí o cuidado comeniano de incentivar o educador, a educadora a envolver-se, de corpo e alma na relação pedagógica educador-educando.  Tal era a importância que Comenius conferia a este ambiente lúdico (inclusive propunha jogos), que se empenhou até em incentivar a elaboração de materiais recheados de ilustrações -  é como se entendesse que o livro e os materiais didáticos devem primar pela qualidade estética, devem ser bem ilustrados, a ponto de funcionarem também como educadores. 


À educação popular faz muito bem ater-se à inquietação ética de Comenius, no que diz respeito a conduta do educador. Sem fazer dele um super homem (ou uma super mulher), afinal trata-se também de seres inacabados, é relevante que os educandos e educandas percebam coerência entre o que explanam seus educadores e educadoras e suas atitudes concretas, em sala de aula e fora dela.  Sobretudo nesses tempos pós-modernos ou de pós-verdade, tem sido crescente o fosso entre o sentir, o pensar, o querer, o fazer e o comunicar...


Por último, não menos importante vale, ressaltar o lugar que as relações com o sagrado tinham com a pedagogia comeniana, sua dimensão mística, procedente de fontes cristãs, desde a influência das Sagradas Escrituras ou da Bíblia, lidas e assimiladas na perspectiva do movimento de Jesus e seus seguidores e seguidoras. 


João Pessoa, 07 de julho de 2024.









quarta-feira, 3 de julho de 2024

Movimentos Populares X Banco Central “independente”

 Movimentos Populares X Banco Central “independente”


Alder Júlio Ferreira Calado


Se é verdade que os países centrais e periféricos do Capitalismo, sem participarem de qualquer pleito eleitoral estabeleceram a praxe de uma anedótica “independência” de seu respectivo Banco Central, em relação ao Governo Democraticamente eleito, também é certo tratar-se de uma manobra que garroteia, em seu favor, qualquer gestão governamental legitimamente eleita, à medida que:


Rompe a unidade da gestão governamental, democraticamente eleita, ao impedir, na prática, o cumprimento do programa governamental vitorioso nas urnas; 

Milita, sem qualquer limite, para favorecer, direta ou indiretamente, a transferência de renda em favor do setor financeiro, recorrendo a mil truques;

Força o governo democraticamente eleito a reduzir fortemente os investimentos públicos, constantes do seu programa de Governo, vitorioso nas urnas;

Ao mesmo tempo que impede investimentos públicos em obras essenciais, tachando-os de gastos, não só não considera gastos, mas obriga o governo a garantir religiosamente o pagamento dos serviços da monstruosa dívida pública, que já se aproximam de 800 bilhões de reais, cujos cálculos, de tão duvidosos, requereriam uma auditoria, como propõe Maria Lúcia Fatorelli;

 Mesmo assim, esta “dívida” corresponde a menos de 80% do PIB, enquanto em diversos países centrais do capitalismo, ultrapassa 100% do PIB…

A mídia hegemônica é mantida absolutamente silenciosa frente a este escândalo, mantendo-se claramente em defesa do sistema financeiro por quem é paga “Quem come do meu pirão, prova do meu cinturão”; 

O Congresso, composto em sua enorme maioria por parlamentares financiados pelos grandes empresários, não apenas apoia o Banco Central, como o defende caninamente.


Em razão desta escandalosa independência, noo presidente do Banco Central é sempre uma figura profundamente em linha com os interesses do Mercado Financeiro, com a agravante de não poder ser demitido pelo Presidente da República, o que desequilibra toda a gestão pública constante do seu programa de Governo. É bem o que acontece na atualidade brasileira, cujo Banco Central tem na presidência um bolsonarista crescentemente comprometido com os interesses do sistema financeiro. Neste sentido, vale a pena conferir, pelos links que seguem, 2 depoimentos convincentes sobre o que anda acontecendo:


O depoimento do Deputado Lindbergh Farias: https://www.youtube.com/watch?v=iHkQV4H_I0Q

O pronunciamento da Deputada Gleise Hoffman: https://www.youtube.com/watch?v=88 N n2o 


João Pessoa, 

03 de julho de 2024