Escolas de Formação Missionária: meros ajustes ou refundação?
Graças incessantes dirijamos a Divina Ruah pelos frutos abençoados que, há 36 anos, vimos colhendo da experiência das Escolas de Formação Missionária, experiência iniciada, em Juazeiro-BA, em 1989, sucedida por outras coirmãs nos anos seguintes. Todas elas correspondem ao processo de caminhada desde os inícios da Teologia da Enxada, em 1969.
Pelas Escolas de Formação Missionária tem passado gerações de formandos e formandas, hoje chamados mais diretamente a contribuírem com este processo formativo, sempre numa perspectiva de renovação.
A figura do Missionário itinerante José Comblin, ao longo de seus 53 anos de frutuoso trabalho profético com os pobres da América Latina (Brasil, Chile, Equador e outras Comunidades) - dos quais 42 anos, entre os pobres do Nordeste brasileiro - inspirou e animou dezenas de experiências missionárias e formativas, das quais mais de uma dúzia, na Paraíba (1980-2008). Trata-se de iniciativas, sobretudo de caráter formativo, compreendendo, por exemplo, desde o Seminário Rural, o Centro de Formação Missionária a Associação dos Missionários e Missionárias do Campo, as Escolas de Formação Missionária, em diferentes Estados do Nordeste e do Mato Grosso, só para mencionar 4 delas.
Em cada uma delas, sempre cercado de equipes criativas e comprometidas - foi sempre uma marca de sua pedagogia - ao traçar comunitariamente as linhas de trabalho, costumava deixar certa margem de dúvida, pois não tinha compromisso com atitudes calculistas. Aí reside sua abertura às novidades do Espírito e ao emponderável da História. Lembro-me que, dez anos após o início dos trabalhos do Centro de Formação Missionária, em Serra Redonda-PB, convidou formadores e formandos a um trabalho de avaliação.
Como toda obra humana - inclusive as que contam com a inspiração divina -, traz a marca do inacabamento. Situam-se no plano histórico e, por conseguinte, requerem renovação, atualização, adequação às novas exigências. Este exemplo ratifica essa abertura de Comblin, e das equipes que o acompanhavam, ao novo, às novas condições histórico-conjunturais. Por que não tomar a sério tal procedimento pedagógico? As considerações que seguem, têm a ver mais diretamente ao caso da Escola de Formação Missionária de Santa Fé, na Paraíba, com a humilde expectativa de que algumas dessas considerações possam eventualmente ser úteis às Escolas coirmãs.
Neste sentido, com base em diversos elementos de avaliação relativos à Escola de Santa Fé, trato de compartilhar algumas possíveis pistas, em busca de renovação: “Reformata, Ecclesia semper reformanda est”.
Processo de discernimento vocacional
Sabemos como frutuosos critérios de reconhecimento vocacional tiveram - e, em certa medida continuam tendo - a indicação de Bispos e de Párocos. Vivíamos em tempos mais proféticos. Isto já não corresponde plenamente à realidade presente. Ressalvadas as exceções, não raramente as indicadas/ indicados por esta via parecem não confirmar as qualidades esperadas para o compromisso missionário de nossa realidade atual. Importa ensaiar novos critérios de confirmação dos sinais vocacionais apresentados pelos postulantes. Nos anos 80, por exemplo, o processo seletivo dos postulantes, além de contar com indicações oferecidas pelos Bispos da época, ainda requer algumas semanas de convivência comunitária, como condição a um melhor discernimento vocacional, critério que se mostrou bastante fecundo.
Dadas as novas exigências histórico-conjunturais, somos instados a combinar diferentes critérios, dentre os quais destacamos:
Para o período de discernimento vocacional, continua eficaz o critério da convivência comunitária, posto que o próprio discernimento vai se mostrando também pelo reconhecimento da Comunidade, o que só pode acontecer em clima de convivência.
Coordenação Colegiada, com alternância, formada por professores/professoras e estudantes egressos.
O espírito participativo que anima nossas Escolas de Formação Missionária tem-se revelado fecundo. Com efeito, diversos de nossos egressos e egressas vêm também compondo tarefas de coordenação e de animação, experiência pedagógica a ser reafirmada, de modo mais intenso. Em Busca de assegurar uma crescente participação mais efetiva de nossos egressos e egressas como integrantes da equipe da Coordenação convém realçar, igualmente, tanto a dimensão colegiada quanto a necessidade de alternância periódica dos membros da Coordenação.
Atualização dos componentes curriculares
Sem deixarmos de reconhecer os aspectos positivos constantes dos componentes curriculares fundados em uma perspectiva disciplinar, percebemos também seus limites, principalmente em meio a uma sociedade, vivendo uma mudança de época. Neste caso, tem-se mostrado mais frutuosa abordagem dos conteúdos, não baseados propriamente em “disciplinas” mas, trabalhadas por temas, voltados para as diferentes demandas de nossa realidade presente, sendo cada tema analisado comunitariamente sob os mais diferentes ângulos da realidade, e de modo interconectado. Não é novidade, a este propósito, a necessidade de priorização de temas tais como: “Emergência climática”, “Transição energética”, “Agroecologia”, “Processo de humanização”, “Eco-socialismo”, “Paradigma do Bem-viver”, “Espiritualidade Reinocêntrica”, “Igreja em saída”, “Patriarcalismo”, “Discipulado de iguais”, “Teologia Eco-feminista”, “Decolonialidade”, “Clericalismo”, “Relações sociais de gênero”, de etnia, geracionais, de procedência geográfica, apenas para mencionar algumas prioridades temáticas emergentes. Temas a serem trabalhados, também em conexão com textos bíblicos, litúrgicos e ainda com o legado do Concílio Vaticano II, de Medellín, de Puebla, as principais Encíclicas sociais e Exortações apostólicas.
Emprego do tempo de formação
Somos chamados e chamadas por um lado, a dar sequência ao espírito e a metodologia de trabalho que vem caracterizando, à luz da Teologia da Enxada, e, por outro lado, a atualizar procedimentos requeridos pela nova conjuntura sócio-eclesial. Neste sentido, nosso processo formativo segue inspirado nas atividades axiais: Oração, Trabalho, Estudos, Encontros comunitários. Ao mesmo tempo, cuidamos de atualizar a vivência de cada um desses momentos dinamicamente inter-relacionados, sempre à luz das novas exigências missionárias suscitadas pelo Espírito entre o povo dos pobres.
Nesta toada, abertos aos novos tempos, também somos chamados/chamadas a exercitar o discernimento - dom da Divina Ruah - quanto a forma mais adequada de duração de cada módulo, de acordo com a situação concreta das comunidades envolvidas, sempre atentas e atentos a manter o espiritual da Pedagogia combliniana.
Escolas Missionárias no mundo e nas Dioceses
Desde o início, nossas Escolas de Formação Missionária tiveram uma relação afetiva e cordial com as Comunidades Diocesanas, a começar dos respectivos Bispos, sem que para tanto tenham que ser “diocesanas”, sempre em diálogo aberto com as autoridades diocesanas.
Em busca de auto-sustentação econômica
Tal como era frequente nos trabalhos da Ação Católica Especializada (JAC, JEC, JIC, JOC, JUC), bem como nas diversas experiências da Teologia da Enxada, tem sido uma constante o esforço comum de desenvolver nossas atividades, sempre que possível, sem depender de outras fontes, ainda que nem sempre o tenhamos conseguido. Ainda assim, importa reafirmar este horizonte de relativa autonomia, à medida que formos capazes de amealhar os nossos tostões, em vista de nossas atividades.
Eis alguns pontos que, muito brevemente ouso compartilhar, a título de uma fraterna provocação inicial a(o)s demais participantes desta retomada no esperançar de que “A Esperança dos Pobres Vive e Viverá”. Com vocês, “Alegre na Experiência”,
Alder Júlio Ferreira Calado
Educador Popular, na caminhada da Teologia da Enxada.
João Pessoa 24 de Outubro de 2025