Alder Júlio Ferreira
Calado
Ainda
que por caminhos tortuosos – carregamos, com efeito, um tremendo déficit
hisórico-cultural, também neste quesito –, a sociedade brasileira dá sinais de
cansaço contra a avassaladora onda de corrupção e copiosos e graves deslizes
ético-políticos, em especial no campo da ética pública, sabendo-se, porém, que
tal déficit se estende para muito além desta esfera, estando enraizada, de modo
capilarizado, em distintas esferas do cotidiano. Um dos fatores aí presentes se
acha organicamente vinculado à relação mal resolvida entre resultado e processo,
que tomamos como alvo principal destes apontamentos.
Na
complexa e extensa mallha de fios do dia-a-dia, é que ficam impressas, indelevelmente,
as marcas mais vivas (positivas ou negativas) do nosso processo de humanização.
É, com efeito, no chão das relações do cotidiano, que provamos a boa ou a má qualidade
de nossas ações, posturas e projetos, nas mais diversas esferas de nossa vida
pessoal e coletiva. Uma dessas marcas diz respeito ao modo como lidamos com a
relação entre processo e resultado, nas relações subjetivas, nas relações
interpessoais, nas relações familiares, nas relações comunitárias, nas relações
societais. Neste último caso, aliás, as grandes votações em curso no Congresso
(PEC 55, Reforma da Previdência, “Reforma
do Ensino Médio”... são eloquentes...
O
objetivo dessas linhas é o de trazer à tona exemplos ilustrativos dessas
práticas cotidianas, com o propósito de ajudar a fortalecer nosso processo de
humanização, desde as relações do cotidiano. Nesse sentido, aqui cuidamos de
problematizar a relação processo-resultado. De que relação estamos mesmo a
tratar? Busquemos examinar isto, mais de perto, a seguir.
As
relações capitalistas – como as, ou bem mais
do que outras sociedades de classes - se mostram marcadas,
desde suas entranhas, pela obsessão de
lucro e vantagens auferidos, a ferro e fogo, por pequenas minorias
privilegiadas, não importando, ou pouco importando, os meios de consegui-los. “Vencer
ou vencer!” – eis o núcleo de sua ética de resultados. A propósito da avidez de
lucro, a recente tragédia aérea, ocorrida em Medellín, comporta, em alguma
medida, uma motivação similar: a fixação doentia na obtenção de vantagens
(obsessão de resultado) não deixa de ter sido um componente tenebroso.
Embora
tal estratégia de ação tenha mais diretamente a ver com o modo capitalista de
existir, covém não esquecermos que, também do lado de cá, tal ética constitui
mais do que um risco iminente: uma prática mais frequente do que se imagina...
E, não raro, isto se dá com uma agravante: quando isto se dá, do lado de cá, é
frequnte o apelo ao discurso autojustificativo, de modo que nós mesmos e “os
nossos” nos tornamos quase imunes a tais práticas... Nâo é bem assim! Seres
humanos inconclusos, capitalistas e não-capitalistas, estamos sujeitos aos
mesmos vícios e mazelas. O que nos diferencia, de um lado e de outro, é o
esforço perseverante na autovigilância e são as circunstâncias concretas, ou
mais precisamente, a qualidade de nossa formação de como fomos exercitados a
lidar com todo tipo de circunstâncias. A seguir, trataremos de exemplificar
isto, de forma didática, trazendo à tona alguns exemplos ilustrativos, desde o
chão do cotidiano. Para tanto, selecionamos, por critérios didáticos, várias
situações permeadas por diferentes esferas da realidade humana.
No universo das
invenções ou descobertas ciêntificas –
Desde
tenra idade, aprendemos a admirar as maravilhas que são as invenções e
descobertas cientifíco-tecnológicas. Nessas ocasiões, quase sempre vem a lume
apenas o anúncio dessas invenções e descobertas, exaltando-se, a justo título,
seus respectivos autores. Temos, então, a impressão de que tudo aconteceu, de
repente, por um feliz acaso, ou por um momento de apenas rara genialidade. Em
outras palavras, tudo fica parecendo apenas em seu epcentro, isto é, em seu
resultado. Poucos são aqueles e aquelas que se dão ao trabalho de examinarem,
mais detidamente, as circunstâncias e os detalhes de cada uma dessas invenções.
Só aí, damo-nos conta de que o resultado de cada uma delas esconde mais do que
revela. Esconde o quê? Esconde o fato de que, em cada uma delas, para se chegar
àquele resultado, seus respectivos inventores tiveram que enfrentar uma sucessão
de erros, de falhas ou de malogradas experiências, sem as quais simplesmente
não teriam obtido o resultado conhecido. Muito devem aos desacertos, aos
tropeços, aos fracassos frequentemente silenciados. O silênciamento do PROCESSO
constitui um grave equivoco, à medida que ele é, em parte considerável, o grande responsável pelo
êxito das experiências realizadas, ou seja, pela consecução do resultado.
Ainda
neste tópico, convém remeter, de passagem, a outro equivoco frequente, resultante
da ambição de gloria indevida. Referimo-nos a uma ampla lista de invenções e
descobertas ciêntíficas protagonizadas, às vezes há milênios, por inventores precedentes,
integrantes de outros povos, de cujo autoria se apropriaram várias
protagonistas da modernidade ocidental. Fato que é amplamente documentado por
Eduardo Galeano, em seu livro intitulado “Memória do Fogo” (da Editora
“L&MP”, 2005), além de outros autores. Eis mais um exemplo ilustrativo, a
alertar quanto aos riscos ético-politicos de não se entender o resultado como
culminância do processo. É, com efeito, na recuperação dos fios do processo, ou
de sua tecelagem, que vamos descobrir os fios da criatividade que permitiram chegar
ao resultado de descobertas e invenções, bem como de outras situações
caracteristicas da existência.
No campo dos estudos
ou da Educação formal –
Também
nessas lides, da Educação Infantil à Pós-Graduação, não são menos frequentes os
casos de dissonância entre resultado de processo. Um deles incide largamente
nos períodos de avaliação escolar. Raríssimos são aqueles e aquelas que se dão
ao trabalho de acompanhamento assíduo dos estudos dos seus filhos. E quando
acompanham, são em geral as mães. Em outras palavras, pouco ou nada lhes
importa o processo de aprendizagem vivenciado pelos seus filhos e filhas. A
exemplo da grande maioria, tornam-se reféns da astúcia “de Marketing” cujo
interesse único é o de fixar-se no resultado não no processo. É assim que, em
vez de acompanharem toda evolução escolar de seus filhos, os pais se contentam
apenas conferir o boletim de notas dos filhos. Se estes apresentam notas acima
da média, a avaliação se dá como satisfatória, não importando os modos como os
alunos tenham conseguido tal resultado – Se por esforço próprio, se for cola se
por facilidades dos professores, e etc., etc., Não precisamos de muito eforço
para entrever as graves consequenências de tal procedimento, seja quanto à qualidade dessa apedendizagem, seja
quanto ao futuro profissisional desses estudantes, bem como das numerosas
vítimas de nossa sociedade, seja quanto ao seu processor de humaniação, nas diferentes
esferas de convivência. Aqui, pensamos no senido superdimensionado atribuído
aos “cursinhos” (cuja finalidade, salvo exceções, se fixa, não no processo, mas
no resultado...
Como
se percebe, estamos, ilustrando apenas a
ponta do “iceberg”, inclusive no âmbito do sistema formal de educação. Sobre
este, aliás, estamos justamente a enfrentar uma proposta governamental de reforma,
de modo bastante atabalhoado, na medida em que se pretende colocar goela abaixo
da sociedade alterações de envergadura, no Ensino Médio, sem a devida consulta e
sem discussão mais ampla, nem mesmo naqueles setores mais diretamente
envolvidos na pretensa reforma. Aí também se mostra a incidencia da mesma
lógica procedimental, superestimando-se resultados e desprezando-se o processo.
Inscidência
frequente da mesma discrepância se dá no Ensino Superior e na Pós-Graduação.
Aqui, a fogueira da vaidade se expressa de modos incontáveis. Um deles ocorre,
já no processo de admissão. Nem sempreos processos seletivos se dão de modo
ético. Não raro, resultados são proclamados, discrepando dos respectivos
resultados, ainda que estes obedeçam ao figurino jurídico, de modo aparecem
indiscutíveis. Analisados, com tudo, seus respectivos processos, não são raras
lacunas de caráter ético. Oura situação ilustrativa se da nos pouco
transparentes críterios de seleção de trabalhos ciêntificos, de formação d
ebancas examinadoras, de participação em congressos ciêntificos, etc., etc. Em
muitos desses casos, os resultados costumam destoar dos respectivos processos.
Casos
semelhantes constituem a regra geral, nos diveros ambientes da Educação formal,
abrangendo diferentes momentos de seus espaços – Desde a concepção, passando
pelo planejamento, pela execução, pela metodológia até à avaliação. Salvo
honrosas exeções, a lógica predominante tem sido a da ampla prevalência do
monopolio, do resultado sobre o processo. E, como de hábito, tendo como
motivação principal a obtenção de vantagens pessoais ou de pequenos grupos, à
custa de prejuízos para amplas parcelas da comunidade escolar.
No ambito político
partidário-
Hesitamos
em incluir exemplos ou situações deste âmbito, tal a evidência contudente de
sucessivos escândalos recentes e menos recentes. Em todo caso, seguem alguns
exemplos. A discrepancia enre resultado e processo vem estampada nos processos
eleitorais. Aqui, a despeito da verborragia da observância de normas legais, o
foco resta quase esclusivamene voltado para o resultado, quase nunca para o
processo. O que importa é vencer as eleições, aind que recorrendo-se aos mais
vis mecanismos de trapaça e engodo. Aqui, vale tudo: Conchavos de toda ordem
com amigos e inimigos; compra dissimulada de votos; ausência de critérios na
definição de alianças, mas caramento de programas, ainda que prometendo o
inalcançavel, produção de factóides visando desmoralziar os adversários...
Definitivamente, resultado e processo se apresentam claramente em ruptura. Vale
ganhar, vale o resultado.
No
âmbito das Igrejas Cristãs...
O
espaço do Sagrado não apenas vem imune a esses deslizes ético-políticos, como
protagoniza, por vezes, cenas emblemáticas de contratestemunho. Quantas
falcatruas cometidas “em nome de Deus”! A despeito da força mística do que
contém, para o mundo cristão, a Oração do Pai Nosso, na qual se pede “Seja
feita a Vossa vontade”, incontáveis vezes, o que se faz, objetivamente, é
insistir-se para que se faça a vontade de quem ora... Aí se faz presente, mais
uma vez, a dissociação entre resultado e processo.
Enfim...
Exemplos
e situações similares poderíamos multiplicar, à saciedade, e nas mais distintos
campos da realidade. Que os acima mencionados nos bastem, para suscitarem em
nós a necessidade e urgência de reavaliarmos as consequências pernósticas dessa
relação mal resolvida, partindo do esforço em examinarmos que condições nos têm
levado a tal experiência. Um exercício autoavaliativo ou de autocrítica nos
recomenda tal enfrenamento, a partir do nosso processo formativo contínuo, na
perspectiva do nosso próprio processo de humanização. Em vão seria a mera
constatação, se não acompanhada do nosso compromisso pelssoal e coletivo de
trazermos tais dissonâncias entre resultado e processo, para o chão do nosso dia-a-dia. Que tal assumirmos este compromisso?
João
Pessoa, 13 de dezembro de 2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário