segunda-feira, 6 de novembro de 2017

O QUE PEDEM GRUPOS E MOVIMENTOS DE CATÓLICOS POR REFORMAS NA IGREJA CATÓLICA?

O QUE PEDEM GRUPOS E MOVIMENTOS DE CATÓLICOS POR REFORMAS NA IGREJA CATÓLICA?
Alder Júlio Ferreira Calado

Em distintos continentes, continua a ressoar, por parte de católicos e católicas, o clamor por reformas, ao interno da Igreja Católica Romana. Entre os dias 29 e 31 próximos passados, em pelo menos uma quinzena de países, tivemos manifestações de grupos e movimentos de católicos e católicas, a expressarem, por meio de cinco pontos (sintetizadores de vários de seus pleitos) seu empenho em promover urgentes reformas na Igreja Católica. De fato, o alvo é muito mais amplo. Comporta dezenas de pleitos, que abrangem distintas dimensões da vida eclesial, a começar pela sua estrutura organizativa e disciplinar, em especial suas instâncias de tomada de decisão. Nas breves linhas que seguem, cuidaremos de repercutir e fundamentar apenas cinco desses muitos anseios de renovação.

1. O Evangelho à frente do Direito Canônico

O que, nas origens das comunidades cristãs, parecia tão evidente foi, ao longo de séculos (principalmente, desde o período constantiniano, passaria a ser interpretado bem ao gosto do poder clerical, em detrimento do conjunto dos demais membros da Igreja. A sede de poder de uma minúscula parcela acabou sobrepondo-se, não apenas aos interesses da enorme maioria dos membros da Igreja, mas - o que é bem mais grave, acima até do Evangelho. Com base em estratégias de poder cada vez mais sofisticadas, uma minúscula minoria de hierarcas passou a implantar normas, códigos e outros instrumentos legais, com o propósito de fazerem valer seu crescente monopólio. Até a Bíblia passou a ser cada vez mais monopólio desta minoria, à medida que era mantida distante do alcance do povo dos pobres, exatamente seus principais destinatários. Num tempo em que o saber ler era privilégio de poucos, com a agravante de que a Bíblia só podia ser  lida em Latim... Daí por diante, sucessivas leis eclesiásticas, em especial o Código de Direito Canônico - foram substituindo progressivamente a principal fonte de nossa fé cristã - a Bíblia. Esta, lida apenas em Latim, e por uma minúscula parcela do povo católico acabava passando como a grande desconhecida da enorme maioria de seus destinatários, que dela tomavam conhecimento superficial, a partir do entendimento e da seleção dos hierarcas, em seus sermões.

Enquanto isto, leis e normas eclesiásticas foram multiplicando-se, de modo a consolidarem concepções e práticas do quase exclusivo interesse dos seus autores. O Código de Direito Canônico delas é a expressão maior. Aí tudo é previsto, tudo é controlado, quase sempre no interesse da hierarquia. Ritos sacramentais, competências dos controladores das diversas instâncias eclesiásticas, atribuições de autoridades, funcionamento das estruturas eclesiásticas como de estruturas de Estado, inclusive com corpo diplomático, ordenação e transferência de bispos, deveres dos leigos, previsões punitivas de eventuais desobediências, etc. Ao fim e ao Cabo,quando se faz uma analogia entre o Código de Direito Canônico e o Evangelho, grande é o sentimento de distanciamento.

as consequências resultam muito graves, sob vários aspectos, dos quais destacamos apenas um: o modo como, com base no Direito Canônico, a hierarquia enfrentou os numerosos escândalos de abuso sexual contra crianças e adolescentes, cometido por clérigos (inclusive cardeais). A tendência predominante foi a de ocultar a responsabilidade pelos atos, tratando-os como “pecados” (coincidência apenas na dimensão ético-religiosa) e não como crimes a serem apurados e punidos, no âmbito da justiça humana. Graças à coragem profética do Papa Francisco, isto vem sendo alterado, mas ainda longe de se fazer justiça às vítimas, e de punir os responsáveis, nos termos das instâncias civis. Eis por que se levanta, cada vez mais forte, este clamor por parte de católicos e católicas em todo o mundo.

2. Centralidade do Povo de Deus nas instâncias de decisão da vida eclesial, tendo os pobres como núcleo evangélico

Há mais de meio século, o Concílio Vaticano II já havia dado passos significativos, nessa direção, em atenção aos veementes apelos dos sinais dos tempos. Em alguns de seus dezesseis documentos (entre suas quatro Constituições, seus Decretos e suas Declarações), restaram claros sinais, nessa direção. Até se pode dizer que, em suas palavras-chave, dentre as quais: “Refontização”, “Povo de Deus”, “Aggiornamento”, “Missão”, “Diálogo”, “Colegialidade”, “Ecumenismo”, “Autonomia relativa das realidades terrestres” e outras, celebrava-se um compromisso de renovação, em cumprimento, aliás, do que muito se apreciava declarar: “Ecclesia semper reformanda est”, que o atual Bispo de Roma tem acentuado. Na Constituição Lumen Gentium”, por exemplo, o documento conciliar, ao abordar a estrutura organizativa da Igreja, já não começa falando da Igreja, a partir da hierarquia, mas a partir do “Povo de Deus”, referindo-se, no caso, ao conjunto de membros da Igreja Católica. Seria demais esperar, então, uma referência a toda a humanidade… De todos os modos, abria-se mais a tomar em conta o “sensus fidelium”, ainda que em passos incipientes.

Este ar primaveril, todavia, expressão da iniciativa profético-pastoral do Papa João XXIII, duraria pouco tempo. Uma crescente onda de reacionarismo, apoiada por poderosas forças conservadoras da sociedade civil, acabou por sufocar esse abençoado movimento, ou, pelo menos, de interrompê-lo por longas décadas, principalmente durante os pontificados de João Paulo II e de Bento XVI. Mesmo assim, as vozes proféticas mantiveram-se.

Em meados dos anos 90, inicia-se uma nova fase de resistência profético-pastoral, em alguns países, protagonizados por Leigos e Leigas, e, em menor intensidade, também por associações de Religiosas e Religiosos e de Presbíteros. Dezenas de grupos, associações e movimentos retomaram, em novo estilo, seu clamor por mudanças. E hoje, unem-se numa só voz, para bradarem por urgentes reformas na Igreja Católica Romana, pondo especial ênfase na centralidade da organização eclesial vir a ser protagonizada pela porção do Povo de Deus, atuante na Igreja Católica Romana, de modo que todos os seus segmentos - ordenados e não-ordenados, sejam respeitados como protagonistas, em todos as instâncias de de tomada de decisões relativas à vida eclesial.

3. Reconhecimento da legitimidade do clamor da mulheres católicas, de participarem, ao lado dos homens católicos, das diversas instâncias decisórias da vida da Igreja    

Nos mais diversos espaços eclesiais, constata-se amplamente majoritária a participação de mulheres - leigas, religiosas - nas celebrações, nas diferentes iniciativas e serviços oferecidos à comunidade eclesial. No caso das Comunidades Eclesiais de Base, sua participação alcança, por vezes, mais de dois terços dos participantes. Resulta, portanto, estranho e injusto negar-se-lhes também o direito de decidirem, ao lado dos demais protagonistas. De outro modo, resultaria injustificável, do ponto de vista evangélico e do ponto de vista dos direitos humanos, excluir da tomada de decisões tão relevante segmento. Se isto já não é aceitável, no âmbito das sociedades, o que justificaria, de forma consistente, estender tais desigualdades ao exercício pleno da cidadania eclesial? Mais. Como a hieraquia justificaria seu empenho em combater regimes ditatoriais e em defender estruturas democráticas, no âmbito societal, e não fazê-lo “ad intra”?

4. Reconhecer a legitimidade às mulheres vocacionadas - tal como já sucede aos homens vocacionados -, a exercerem os diferentes ministeriais

Começamos por dissipar uma interpretação equivocada deste pleito, ainda que amplamente divulgada: não se trata de permitir indiscriminadamente o acesso a ministérios ordenados a quem o desejar, com ou sem critérios. Não é disto que se trata. O pleito sob clamor tem a ver com mulheres católicas que, sentindo-se vocacionadas a um determinado ministério, na comunidade eclesial, e, ao mesmo tempo, contando com o reconhecimento criterioso desses sinais por parte da comunidade eclesial, venham a ter reconhecida a legitimidade de sua vocação, tal como sucede aos vocacionados masculinos, na perspectiva do chamado por Jesus: "Não foram vocês que Me escolheram, mas fui Eu que os escolhi, para que vocês vão e deem fruto, e este fruto permaneça." (Jo 15, 16).

Ademais, não se trata, no fundo, de nada de novo. Com reconhecido acerto, várias Igrejas cristãs - inclusive as ditas históricas - já o fazem, ao reconhecerem a legitimidade das mulheres vocacionadas, a exercerem distintos ministérios (ordenados e não-ordenados) na respectiva comunidade eclesial. Além do reconhecimento de legítimo direito de cidadania eclesial, hão de se destacar ainda multiformes ganhos pastorais específicos. Com as recentes pesquisas teológicas, em especial no campo da Teologia Feminista, conta-se com uma fundamentação neotestamentária relativamente farta, a apontar experiências de diaconisas, em exercício junto às comunidades cristãs primitivas. A isto também devemos aduzir o atual estado de evolução do "sensus fidelium", graças ao crescente reconhecimento dos legítimos direitos das mulheres, em relação aos homens.

5. Reconhecer a legítima liberdade a homens e mulheres vocacionados aos diferentes ministérios, ordenados e não-ordenados, de exercerem seus respectivos ministérios, escolhendo livremente seu estado civil.

Já durante o Concílio Ecumênico Vaticano II, muito se discutiu acerca desta questão, sem, contudo, obter-se um desfecho favorável. Ainda que freado ou interrompido, ao tempo do Papa Paulo VI, com a Encíclica "Sacerdotalis Celibatus", nunca se deteve completamente esta questão, voltando ela a estar na ordem do dia, em especial a partir do pontificado do Papa Francisco. Parece que este ponto, de tão evidente em seus fundamentos, é questão de pouco tempo, para se chegar a uma solução que já se arrastou demasiado no tempo.

João Pessoa, 06 de novembro de 2017.



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