Elenilson Delmiro dos Santos: Quando se fala em Igreja dos pobres e José Comblin, qual a primeira construção que vem em sua memória?
Alder: A primeira construção é de inspiração evangélica. Inspiração evangélica. Comblin é alguém que tem uma familiaridade tocante em relação à sagrada escritura, em relação ao evangelho. De modo que, quantas vezes, sem que ele diretamente remetesse a tal e qual passagem, mas que diziam, que nos remetia ao próprio evangelho. Embora ele tenha compreendido, como outros e outras pessoas também, que os pobres correspondem, como hoje Francisco (Papa) menciona, os pobres correspondem ao coração, ao núcleo do próprio evangelho. Eu sempre lembro de um livro dele intitulado Um novo amanhecer da Igreja? Acho que é de 2001, salvo me engano. É anterior ao aparecimento do livro O povo de Deus. Então, em 2001, esse livrinho, eu não lembro qual a editora que lançou. Então, entre as primeiras coisas do livro, ele começa a dizer que os pobres não são uma questão entre outras, mas é a questão de nossa fé. Então, isso pode chocar muita gente que não tem, digamos, essa lembrança na hora de que Comblin não ta dizendo isso da cabeça dele, ele ta apoiado no testemunho de Jesus, está apoiado na tradição de Jesus.
Então, a primeira ideia que me vem diante de sua pergunta é essa inspiração forte de Comblin no próprio evangelho. Como, aliás, Francisco hoje tem reiterado, às vezes, também clamado nesta mesma direção: os pobres como o centro do evangelho. Más, isto não está apenas neste livro que eu citei, mas, por exemplo, entre outros, em toda sua obra pneumatológica. É muito forte, por exemplo, A força da palavra, uma composição muito tensa nessa direção, de como o espírito atua para onde os pobres estão. Nesta mesma direção também. E não se faz isto por entender que os pobres é alguém sem defeito, não. É a prioridade do evangelho, que independe da condição, digamos assim, da condição ética do pobre. Condição se o pobre é bom ou se não é. É um dado da realidade. É uma preferência de Deus. É uma opção de Deus. Prioritária a causa dos pobres, defender a causa dos pobres. E aí, eu nem preciso lembrar a importância de (inaudível). Nem preciso lembrar de outras. As bem aventuranças também. Tem muitos textos também em que isso vem (inaudível). O próprio testemunho de Jesus, que não só veio para os pobres, mas ele, como pobre também, dá testemunho de maneira radical.
Elenilson Delmiro dos Santos: Fale um pouco mais das escolas (experiências) comblinianas em nosso Estado.
Alder: Das experiências comblinianas, não é? Antes, só pra completar um pouquinho aquela ressonância de sua pergunta, em relação a primeira. Então, é claro que isto ficou durante muito tempo, de certa maneira, mal entendido. Mal entendido. De que maneira? Porque a Igreja, ao longo dos séculos, sempre se preocupou com os pobres, mas a forma de se preocupar foi distinta. Normalmente, na maioria das vezes, a preocupação com os pobres era tomá-los como alvo de misericórdia, como alvo de dó. Como alguém que estava para receber. É a partir da experiência de Francisco de Assis, mas também de outras, até antes dele também, que isto muda de figura. Porque, já não se tem aquela sensação de você ir aos pobres como coitado, como alguém que estava para receber algo seu, mas como alguém que estava compartilhando uma experiência de vida do Espírito Santo. O pobre como doador também. O pobre como alguém que tem algo há compartilhar. E por isso, a causa de libertação. Isso tem relação com a Teologia da Libertação. Não é só um compromisso com os pobres no sentido de tê-los como alvo de doação, como alvo de misericórdia, mas como alguém que é rico da graça de Deus e que, por isso mesmo, se sente chamado a ser protagonista de sua própria libertação. Então, eu gostaria de dizer que isso tem relação com Comblin. O pobre não como alvo de comiseração, mas, sobretudo, ter o pobre como protagonista do seu próprio processo de libertação guiado pelo Espírito.
Agora, em relação às experiências comblinianas, então, normalmente agente vai observar, inicialmente, que não se trata, ao falar de experiências comblinianas, de ter todas elas limitadas a figura individual de Comblin, mas entender o adjetivo aí como uma referência que aponta para esta figura. Mas, essa figura situada no contexto comunitário, situada no contexto coletivo, grupal. Desde a fundação da chamada Teologia da enxada, esta observação é pertinente para entender Comblin como alguém que só pode ser compreendido situado grupalmente, comunitariamente. Até mesmo no início da Teologia da enxada, dos núcleos, por exemplo, fundados lá em Tacaimbó, Pernambuco, e Salgado de São Félix, na Paraíba. Lá pelos idos de 69. Isto é, eu estou dizendo de uma primeira experiência combliniana. A experiência da Teologia da enxada que corresponde a esses núcleos, cuja criação foi sofrida, de certa maneira, porque na época, Comblin, como um dos principais, senão o principal assessor de Dom Hélder, ele era o diretor de estudos do ITER, e também tinha uma referência forte no seminário do regional Nordeste II. E, exatamente no auge daquela experiência do SERENE II, que na época funcionava em Camaragibe. Não sei se, Elenilson, teve a ocasião de visitar aquele seminário enorme, aquele elefante branco em forma de “S”. Chegou a conhecer?
Elenilson Delmiro dos Santos: Não. Ainda não tive a oportunidade.
Alder: Então, em Camaragibe Dom Hélder ficava se perguntando: o que eu vou fazer com isso? No início, não foi de Dom Hélder, ele já recebeu assim. Mas Comblin era o diretor de estudos. E, aqueles jovens, me refiro a figura de João Batista, de Nonato, de Ivan Targino, de Zé Diácono, e de outros que não estavam tão satisfeitos com aquela experiência de seminário de vida, inclusive, sobre o protagonismo forte de José Comblin, como diretor de estudos, estes jovens seminaristas tem a coragem de chegar para José Comblin, pela confiança que tinham em Comblin, e dizer: olha, nós entendemos que o estudo aqui é o que há de melhor, é verdade, mas não estamos satisfeitos porque nós nos sentimos de origem camponesa, queremos ser fieis aos nossos pais, as nossas comunidades, as nossas raízes e não sentimos aqui um ambiente propício nessa direção.
E ai é que vai sendo montada essa estratégia de voltar às raízes, ter uma formação presbiteral voltada para essas raízes. Na época ainda se tinha muito esse algo de ordenação presbiteral, ainda que algumas dessas figuras já não tivessem mais como objetivo a ordenação presbiteral. Mas, de consagrados aos serviços aos pobres, como missionários leigos, como é o caso de João Batista. Há pouco, nós falávamos, aqui, do encontro de João Batista na catedral, por ocasião do velório de Dom José Maria Pires, e me fez lembrar, me fez lembrar tantas vezes que Dom José sempre insistia junto a João Batista que ele, enfim, se ordenasse Padre, já tinha feito o seminário, os estudos também, tinha aquela vocação forte, segundo Dom José. Então, porque não se ordenar? E João sempre resistiu, porque a vocação dele, dizia João, não é presbiteral, é de missionário leigo, de monge. Eu acho isso muito bonito, muito bonito. É que eu gostaria que outras pessoas tivessem esse entendimento, da distinção vocacional entre presbítero, diácono, missionário, assim por diante.
Elenilson Delmiro dos Santos: Pouca gente tem clareza disso.
Alder: Pouca gente tem clareza. Aqui eu faço um parêntese, talvez abusando da sua paciência, pra dizer que, mesmo entre meus colegas diáconos, tem muito esse fervor presbiteral. E eu fico me perguntando: você foi vocacionado para diácono ou para padre? Na cabeça de muita gente é a mesma coisa. Não é a mesma coisa. Então se houver, a qualquer tempo, a permissão de diáconos casados se ordenarem presbíteros, eu não me sinto vocacionado pra isso, porque minha vocação é diaconal. Tem uma especificidade, mas a grande maioria dos colegas que agente conhece ficam torcendo pra de diácono se tornar um presbítero. Então, há um estranhamento. Não tem a ver com a pergunta feita. Más, voltando a pergunta, então, Elenilson, eu diria que essa experiência da Teologia da enxada, que tem início com esses jovens, indo para os seus núcleos e sendo acompanhados por Comblin. E toda uma equipe se formou em torno disso. Comblin aceita o desafio dos jovens, comunga também dessa trajetória. E aí vai acompanhar lá em Tacaimbó uma equipe, e em Salgado de São Félix outra equipe também, aqui na Paraíba. Aí, a gente nota as primeiras sementes da Teologia da enxada em contexto brasileiro. Então, essa primeira experiência ela é, de certa maneira, interrompida na expulsão de Comblin do Brasil, fazendo com quê ele vá se exilar no Chile, e pela segunda vez. E, neste caso, ele não volta para a Universidade Católica propriamente dita, no Chile, pra onde foi convidado na experiência que tem anteriormente.
Em 72, ele volta para o Chile, mas para essa tarefa, digamos assim, combliniana, para a fundação do seminário rural em Talca, em Talca. E aí faz a sua bela contribuição em conjunto com os daqui. Porque, mesmo tendo sido expulso, essa expulsão não afasta Comblin dos demais membros da equipe de formação, nem mesmo também dos formandos. Ele cria espaços de encontros periódicos nas fronteiras do país, onde seja possível encontrar. E ali, completa, partilha, alimenta a experiência. É dá suas sugestões também. O pessoal vai avante. Alguns daqui vão também por lá também, a Talca, para saborearem e experimentarem. Essas duas experiências, de certa maneira, caminham, cada uma na sua área, sua região, no seu contexto específico, vai caminhando também. Isso, então, portanto, é uma interrupção, mas relativa, porque a equipe continua. A equipe de formadores e formadoras, da qual faziam parte o padre René Guerre, o padre José Cesar, não sei se o padre Humberto Plumen nessa época também compunha a equipe de formação. Más, tinha a irmã Maria Emília Ferreira, que também fez uma grande contribuição. Depois se juntaram a irmã Zarita, depois a irmã Agostinha, cuja páscoa foi comemorada anteontem. Aos 88/89 anos, ela partiu, Agostinha. Então, a experiência continua. Só que depois do retorno de Comblin do exílio, do Chile, ele foi expulso, como a gente sabe, também do Brasil. E depois foi expulso também do Chile, não é? A primeira vez, no tempo de Pinochet. De volta ao Brasil, em 80/81, ainda como turista, porque seu visto não era definitivo, passa três meses aqui, volta pra lá, até que tem a anistia e aí ele vem definitivamente. Desta vez instalando-se não mais em Recife como assessor de dom Hélder, mas, na verdade, ele vai ficar em definitivo em Pilões e depois em Serra Redonda (ambas na Paraíba) a partir de 83.
Então, essas experiências, primeiro o seminário rural, alias, desses núcleos que precedem o seminário rural, depois a partir de uma assembleia que foi realizada em Itamaracá, dão os primeiros passos preparativos para a criação do seminário rural na Arquidiocese da Paraíba, tendo ficado no município de Pilões. Essa experiência funciona um certo período. E Roma não aprova. A experiência, de certa maneira, tem que mudar. Mudou pra melhor. Mas, antes ao que sucedeu o seminário rural nós tínhamos que ver que brotava de uma experiência que tinha como objetivo a formação presbiteral enraizada na vida dos camponeses. Por isso, o formato de seminário não poderia, não deveria ser como a de Camaragibe, como os seminários convencionais. Tinha que ter uma experiência que desse continuidade ao que era vivenciado naqueles núcleos fundadores, o de Tacaimbó e o de Salgado de São Félix. Então, era preciso, nessa direção, que eles tivessem tempo para o estudo, naturalmente, mas um estudo a partir do povo, da realidade camponesa. Também estudos bíblicos a partir da realidade do povo e que tivesse também um tempo de trabalho manual. Camponeses querem viver do seu trabalho também, para contribuir com sua manutenção. Além das visitas missionárias que faziam nos lugares em que estavam vivendo, no caso.
Então, essa experiência do seminário rural durou pouco tempo, durou dois anos. Depois, isso foi sucedido por outras experiências. Aí, a gente coloca a segunda, a terceira, por exemplo. Foi criado o centro de formação missionária, na sua versão masculina. Então, a partir de 83 se inicia essa experiência de formação do Centro de Formação Missionária. Acolhendo jovens do Nordeste, de várias dioceses, cujos bispos sintonizam com a proposta do Centro de Formação Missionária, enviam jovens para cá. E esses jovens vêm com a proposta de uma formação, em momentos mais fortes de seis anos. Eu digo muito mais forte porque se trata de uma formação continua que não é experenciada apenas em seis anos. Os seis anos correspondem a momentos mais fortes dessa experiência. Seis anos.
Desses seis anos, dois são vivenciados lá em Serra Redonda, acompanhados os trabalhos por essa equipe de formação da qual faziam parte além de José Comblin, o próprio Raimundo Nonato, o João Batista Magalhães, a irmã Maria Emília Ferreira, o padre Jorge Raimundo. Eram membros da equipe acompanhando essas experiências desses jovens que vinham de todo o Nordeste. Eu digo de todo Nordeste, da Bahia, de Sergipe, de Alagoas, de Pernambuco, da Paraíba, do Rio Grande do Norte. De outros estados também. Do Maranhão também. Até do Pará. Vinha gente de Goiás, eu me lembro. Tocantins, eu vi gente de lá também chegando. De modo que eles passavam, eu digo eles porque depois veio a versão feminina, logo a qual daqui a pouco eu falo. Mas, na versão masculina, eles passavam dois anos em Serra Redonda. Outros dois anos tinham como tarefa educativa-formativa, estarem contactando as comunidades em redor de Serra Redonda, comunidades rurais, animando-as e, enfim, fortalecendo-as e aprendendo com elas. Pesquisando também, porque se passaram numa formação muito baseada no pensar e no agir do povo, na vida do povo. Aqueles jovens com suas (inaudível) para escutar, observar, anotar a vida do povo. Anotar seus dizeres, anotar sua vida cotidiana, seu trabalho. Anotar como a experiência de família se dava. Qual era o cotidiano religioso daquela comunidade. Todas as dimensões antropológicas assertivas era anotada pelos jovens. Isso era matéria prima do seu processo formativo acompanhado pela equipe de formação.
E se passava, finalmente, os últimos dois anos dessa experiência mais forte em suas comunidades de origem. Então, foi assim a experiência masculina. A versão feminina começa pouco tempo depois, lá por volta de 86, lá em Mogeiro também. Então, uma experiência semelhante, mas acompanhada com todas as características que a experiência feminina deveria comportar. Com a contribuição da irmã Mônica (...). A Mônica Muggler também por lá atuou. E essa experiência resultou em muitas missionárias até hoje conhecidas pelo Nordeste. No caso, a Nilza, a Nenê, a Maria José, Fátima. Então, são muitas espalhadas. Hoje, ainda, inclusive Nilza morando em um assentamento. Então, houve a experiência combliniana nessa mesma linha, uma experiência vocacionada para uma atividade mais mística para uma atividade contemplativa.
Então, lá houve lugar também para entender a inspiração legítima daqueles jovens e depois também daquelas jovens para fazer essa experiência contemplativa mais forte. Lá mesmo se iniciando, em meados dos anos 90, a construção do eremitério, inaugurado pelos 95, mais ou menos, e com essa dimensão forte do contemplativo, a qual era chamado João também, não todos, evidente, mas de acordo com o carisma, alguns eram chamados nessa direção que tinham o entendimento a essa vocação. E, logo depois, essa experiência foi transferida para a Serra do Catita, no município de Colônia Leopoldina, em Alagoas. Até hoje tem também uma experiência viva, uma experiência fecunda. Lá, hoje, há monjas e monges leigos, todos com aquela experiência contemplativa mais forte.
Outra experiência combliniana é a dos peregrinos do Nordeste. O grupo de peregrinos e peregrinas do Nordeste, embora não tendo uma ligação tão direta, mas, certamente, também inspirada nesta pegada combliniana. Veio a ter início lá em 86, mais ou menos. Ainda hoje essa experiência é muito fecunda e a cada mês, de cada ano, toma-se um tempo de peregrinação pelo Nordeste. De Palmares a Canudos, e outras localidades também visitadas durante duas, três semanas por esse grupo. Hoje, não são mais jovens, não são crianças como eram. Hoje, a maioria na faixa dos cinqüenta, ou mais anos também. E, esta experiência também era compartilhada de forma mais pessoal. Alguns deles que ainda hoje moram na Serra do Catita são peregrinos de vocação também. Então, passaram um tempo peregrinando por esse Nordeste, andando como peregrinos também e depois, com certo tempo, então, alguns deles, como o caso de Antonio José, salvo me engano, tá lá também fazendo seu trabalho. Tem o Romualdo Canela e outros que tiveram também mais essa vocação da peregrinação pelo Nordeste.
Outra experiência é da AMINE, que é a Associação dos Missionários e Missionárias do Nordeste, que atua mais no campo das periferias urbanas. Essa proposta também é combliniana. Eu lembro como referência da AMINE a figura de Frei Roberto, do Pe. Machado, que hoje está numa das paróquias de Independência, lá em Crateús. E outros também o acompanham, ainda hoje como João Batista, essa mesma experiência da AMINE. Essa mesma experiência é muito forte no Nordeste Brasileiro.
Outra experiência é a experiência dos missionários do campo que nasce muito colada, muito próxima dessa experiência mística, dessa experiência contemplativa da fraternidade do discípulo amado, que depois se instalou lá em Colônia Leopoldina. A AMC (Associação dos Missionários e Missionárias do Campo) tem lugar, mais ou menos, tem início, mais ou menos, em meados dos anos 90. Ainda hoje, todo ano realiza-se uma assembleia geral com missionários e missionárias, na grande maioria na qualidade de casados. Atuando da Bahia até o Maranhão. Atuando até o Pará, inclusive. Atuando e vindo, de onde vêm todos os anos (Inaudível) a esta assembleia, que é realizada todos os anos, normalmente, lá na Serra do Catita.
Há a experiência da escola missionária, que eu particularmente acho das mais fecundas também.
E há a experiência do curso da árvore. Associação da árvore, também outra grande experiência que teve lugar, em meados dos anos 90 aqui na Paraíba principalmente. Em outros lugares também, mas aqui com mais força. No interior, tanto na capital, Santa Rita, Bayeux, João Pessoa, mas também no agreste. Na várzea paraibana essa experiência tem uma fecundidade marcante na parte formativa. Uma formação de cinco anos, começando pelo curso básico, em uma dinâmica extraordinária, por unir, por associar intimamente conteúdo e metodologia de modo que é também uma das dezenas de experiência comblinianas. Eu não contei, mas acho que elas estão, mais ou menos, por volta de uma dezena.
Elenilson Delmiro dos Santos: O senhor, Alder Julio, foi um dos colaboradores do padre José Comblin. Poderia comentar um pouco sobre essa relação, como se conheceram...
Alder: É, Comblin eu comecei a conhecer a partir de seus textos. E o conhecimento pessoal se dá na altura de 81, quando convidado por Nonato, Raimundo Nonato, para atuar na área de realidade social lá no seminário rural de Pilões. E, aí, de vez em quanto, também encontrava também a presença de Comblin, em 81, lá nessa experiência de seminário rural. Eu na época morando em Arcoverde/PE, trabalhando como professor em Caruaru, na FAFICA. E, nesta mesma faculdade, como colega de Nonato, um período, e colega de Antonio Guedes, irmão dele, com quem eu trabalhava nessa área de realidade social. Então, revezávamos. E nas idas ao seminário rural, um semestre ia um, e no outro semestre ia o outro. Eu me lembro muito bem que nós combinávamos as idas com seis meses de antecedência, que na época era difícil a comunicação telefônica e outras. Ainda bem que as coisas se passavam bem. Eu não me lembro de ter falhado por falta de comunicação.
E pra lá também ia Jundiá Correia, de Campina Grande. Em Campina Grande tomávamos o ônibus para Arara. Em Arara estava a minha espera um missionário, Pe. Leonardo, e me levava num jipe forte até Pilões em estradas difíceis, porque aqueles lugares eram cercados de cana. No inverno, o jipe, mesmo forte, ia até certa altura, mas depois agente tinha que tirar o calçado e suspender a calça pra pisar também toda lama.
Elenilson Delmiro dos Santos: Pisar no lamaçal.
Alder: É. Pisar no lamaçal até chegar ao seminário rural. Então, uma alegria muito grande essa experiência, em 81. Depois, também em Serra Redonda, Comblin, já morando aqui, na Paraíba, ficava por lá também, um tempo. Nessa época, não tinha como ficar conversando com Comblin, porque tinha uma atividade própria, que era a parte de acompanhamento dos estudos dos alunos. Então, ele se entregava a essa tarefa. Só tinha a hora das refeições, por exemplo.
Quando a aproximação mais forte com Comblin foi a partir de 91. Em 94, mais ou menos, também, mas não era forte o contato com Comblin. Quando eu falo 94, eu falo no auge daquela fase de perseguição da Igreja na base a partir da arquidiocese de Olinda e Recife. Quando, sucedendo a dom Hélder, toma posse o dom José Cardoso e promove um verdadeiro desmonte da Igreja na base. E nessa fase difícil, porque padres eram expulsos, teólogos também, como é o caso de Sebastião Armando e outros. Então, havia por parte daquelas pessoas dessa Igreja na base a iniciativa de nos encontrarmos a cada meses e esse encontro se dava em Olinda na casa de Sebastião Armando, que era professor do ITER e na época estava fazendo contato com a Igreja anglicana, da qual depois tornou-se bispo, o Sebastião Armando. Más, o contato com Comblin se dá mais a partir de 98, na casa em que ele residia.
Em 98, quando da publicação do livro Vocação para a liberdade, fase em que eu ainda eu estava na ativa, mas trabalhando profissionalmente. Mas, depois, com (Inaudível) desse grupo, do qual faziam parte o João Fragoso, o próprio dom Fragoso também, recém chegado de Crateús e instalado lá no bairro José Américo, também vinha com Ana. Participava algum tempo, participou algum tempo. Faziam parte também o Brenda, não sei se você chegou a conhecer. Era um norte americano, mas muito atuante também, o José Brenda. Faziam parte também o pastor Luciano, fez parte do grupo. Havia um casal também, Osmar e Isabele. Isabele era francesa casada com Osmar. Havia também participação, às vezes, do padre Breno, do padre Josenildo. Havia participação, daquilo que depois passou a ser chamado o grupo Kairós, do qual você hoje também faz parte. Então, em 98 é quando se instaura essa temporada de conhecimento mais pessoal de Comblin, porque na casa dele faziam-se esses debates dos livros recém publicados, como é o caso da Vocação para a liberdade, e seguintes sucessivas também. Eram reuniões mensais na casa dele. (...) que consistiam mais em uma discussão sobre a conjuntura social e a conjuntura eclesial. É claro que Comblin era a principal referência nesse debate que nós organizávamos lá. E daí por diante surgiu, surgiram várias oportunidades de a gente estar, também, falando, refletindo também, sobretudo, aprendendo. De minha parte, eu aprendendo muito com Comblin, não somente por conta dos seus livros, mas, principalmente, pelo testemunho de vida. Um profeta, um missionário, sobretudo um missionário, muito forte nessa direção também. Um místico também.
Elenilson Delmiro dos Santos: Eu trago comigo uma questão bem específica. Seria possível dizer que mesmo contando com a presença de Dom José Maria Pires na Paraíba, sem a presença de José Comblin e suas escolas missionárias teríamos tido aqui, em nosso Estado, outro cenário de Igreja?
Alder: Bom, outro cenário, certamente, teríamos, isto não quer dizer que não pudesse ser melhor do que o cenário protagonizado por este movimento que tem Comblin como uma referência. Então, a gente sabe que por obra do Espírito Santo, o Espírito sobra onde quer, como quer e em quem quer. Então, ninguém pode aprisionar o Espírito Santo. O que eu posso dizer sobre a pergunta é que ouve uma contribuição específica, bem acolhida por Dom José Maria Pires. Geralmente acompanhava, pessoalmente, todas as etapas dessas experiências comblinianas, principalmente a do seminário rural, a do centro de formação missionária, depois transformada em fundação Dom José Maria Pires, depois dos anos 90. E outras experiências Dom José Maria Pires acompanhava também com muito ardor, com muito ardor missionário. Era alguém que tinha uma confiança enorme em José Comblin, enorme.
A assessoria que Comblin prestava a Dom Hélder é muito semelhante a que ele prestava a Dom José Maria Pires. Talvez com uma profundidade maior pela ligação pessoal. Quantas vezes eu ia a Serra Redonda e via Dom José lá no quarto, dormindo, deitado, fazendo suas preces e acompanhando também aquela aula que a gente tava organizando junto com a turma dos formandos também. Então, geralmente, apostava, pessoalmente, na fecundidade dessa experiência que Comblin também inspirava, além de serem grandes amigos também. Isso, a gente testemunhando, mas também quantas pessoas sendo testemunhas desses laços de amizades entre Dom José e padre José Comblin. Como também entre Dom Hélder e padre José Comblin.
Elenilson Delmiro dos Santos: Até agora temos direcionado nossa conversa para o processo de instauração dessas escolas e da contribuição do padre José Comblin. Agora, professor Alder, já que o senhor conhece muitas pessoas que passaram por essas experiências, como e até onde, de fato, essas escolas marcaram na vida de cada uma dessas, digo isso levando em conta os resultados, depois que de lá eles saíram?
Alder: É uma pergunta chave, porque instiga a fornecer elementos concretos que atestem a fecundidade, atestem o alcance formativo dessa experiência. Fundamental essa pergunta. Então, o que é que eu posso dizer a respeito. Em que eu posso atestar a fecundidade dessas experiências. Um primeiro elemento que eu externo, é a posta na continuidade, é a continuidade do processo. E essa continuidade é apenas minha intenção? Não. É uma comprovação. E qual é a comprovação que eu apresento. Eu apresento várias. Apresento uma, por exemplo. Onde você sente viva essas experiências, você vai ver gente, não importa a idade que elas tem na época, com vinte, trinta anos, e hoje, na faixa dos cinquenta, sessenta, setenta anos, essa gente estudando. Essa gente sentido forte a pertença, sentindo forte a mesma experiência, comprometida com os estudos. Comprometidas, estigadas por aprofundar os seus estudos e, com isso, a prática missionária.
Outro ponto é o fato de que, de vez em quando, essa turma todinha se reencontra. Se reencontra, por exemplo, por ocasião de momentos mais fortes, como aconteceu em 83, na celebração dos oitenta anos do padre José Comblin. Aliás, eu digo de 2003. 2003, ao completar oitenta anos. Aqui foi o local, quando digo aqui estou falando Santa Rita, foi o local que sediou, durante uma semana, uma assembleia enorme daquelas e daqueles que haviam participado, de algum modo, de algumas dessas experiências, por exemplo. Então, eu não diria dezenas, eu diria centenas de pessoas que se encontraram durante uma semana para (...), a partir da provocação, a partir da (...), como é que eu chamaria? A partir do pretexto do aniversário dos oitenta anos de Comblin, na verdade, foi convertido em uma experiência missionária. Ao mesmo tempo com um olhar retrospectivo, um manto retrospectivo de ver um pouquinho o que é que andou e, portanto, com consciência crítica disso, mas também para dar algumas considerações do que se poderia fazer naquele contexto. Eu me remeto aqui há 2003. Más, recentemente, nós temos também a experiência das romarias, romarias da fé. Romarias da terra, quero dizer. Essa romaria da terra aconteceu, uma delas, aconteceu há quatro anos atrás e a próxima acontecerá, agora, em 2018. Então, em 2014, você observa a confluência de umas seiscentas pessoas, vindas dos mais distintos estados, inclusive de regiões do Brasil e de fora do Brasil também, para acompanhar essa, este momento forte de celebração, dessa romaria que aconteceu lá em Santa Fé. E era preciso estar lá pra você ouvir, o microfone aberto, e as pessoas lá te vendo como testemunho. Muitas daquelas pessoas participando, vindas com suas esposas e seus esposos, com suas filhas e filhos, com seus netos também. Três gerações se encontrando naquela ocasião. E o testemunho forte de cada um nessa direção, de reconhecer a importância daquela experiência na qual, na sua formação, o sentimento de pertença a essa mesma experiência e a continuidade, principalmente. De modo que, como primeira característica dessa experiência formativa é a da continuidade. É uma experiência continua. Quem teve acesso a essa experiência não se sente mais no direito de parar, continua formando-se ao longo de sua vida.
Outra característica é também o compromisso. Não se trata de uma formação individual, é uma formação por excelência comunitária. Claro que também abarcando, alcançando a personalidade. Alcançando também a pessoa de cada formando, mas tendo a comunidade como centro do seu chamamento missionário. Então, isso também é muito forte nessa pedagogia combliniana, em que esse compromisso missionário é alimentado por uma mística, por uma espiritualidade própria e que é compartilhado também. Você vê que essas pessoas não vieram por turismo pra lá, mas vieram comprometidas com suas respectivas comunidades. E muitas dessas pessoas vindas com apoio financeiro, inclusive, dessas comunidades para as quais essas pessoas voltam também compartilhando essa riqueza de experiência. Então, uma segunda dimensão é essa dimensão comunitária muito forte.
Outra dimensão é claro que é o compromisso com os pobres, com a causa libertária dos pobres. Nesta dimensão, já mencionada no início da nossa fala, não se trata de trabalhar com os pobres como algo de sua compaixão, mas como protagonista de seu processo de libertação. E desse processo nos libertamos todos. Aqueles e aquelas que se aproximam dos pobres, enquanto pobres também, recebendo e dando a sua (Inaudível). Então, essa é uma terceira característica forte que é o compromisso com a causa libertária dos pobres.
Outro compromisso, outra característica dessa formação é a metodologia. Não se trata de uma formação que proponha apenas um temário a ser enfrentado, a ser estudado. Isso também. Só que cada ponto desse cenário estar fundamentalmente vinculado a uma prática concreta, a uma metodologia, a uma metodologia em que conteúdo e metodologia se unificam nessa experiência formativa. Essa é uma (inaudível) muito forte desse processo pedagógico combliniano, digamos assim. Então, são várias características que fazem a gente entender a distância relativamente grande da formação de uma escola oficial e a formação protagonizada por tais experiências.
Elenilson Delmiro dos Santos: Considerando outras falas, outras opiniões, sempre existe uma grande referência nos nomes de José Comblin e Dom José Maria Pires, isto quando se fala em Igreja dos pobres. Neste caso, em sua análise, sob quais desses nomes podemos atribuir, se é que é possível, para este modelo de Igreja que foi implantado na Igreja da Paraíba. Isto é claro, a partir da posição de cada um. É possível fazer um comparativo, em termos de contribuição, sob qual contribuiu mais, cada um a seu modo?
Alder: Eu diria assim que é complicado fazer uma avaliação dessas experiências, até mesmo buscando ser fieis a cada um. Então, eu diria que além da gente contemplar a especificidade da contribuição de Comblin e de Dom José Maria Pires, a gente há, pra fazer justiça aos dois, de lembrar, antes deles, a imensidão de anônimos e anônimas espalhados(as) por essas experiências e às vezes nem sempre são lembradas essas pessoas, mas cuja contribuição é muito forte. Então, eu imagino Comblin e Dom José Maria Pires, diante de uma figura tão anônimo como aquela iniciada [inaudível]. Dom José acompanhou tão de perto, e outras mais por aí a fora. Quantas histórias bonitas recolhidas por anos também. Então, eu diria que buscando interpretar os sentimentos dessas duas figuras, eu apontaria pra lembrar esse universo de anônimos e anônimas cuja contribuição é tão forte pela graça do Espírito, quanto à de Dom José e José Comblin.
No caso dos dois, você disse bem, cada um com a sua especificidade. É claro, que a gente toma a análise de maneira mais concreta. É muito difícil dizer que a contribuição de Dom José, no caso da Paraíba, seja tão conhecida quanto à de Comblin. Dom José, por várias razões, tem uma contribuição mais visível pelo seu testemunho de vida, pelos seus trinta anos, praticamente, a frente da diocese da Paraíba, e com a sua influência que ultrapassa as fronteiras da arquidiocese da Paraíba, e mesmo do Estado da Paraíba. De modo que, eu diria que a contribuição de Dom José Maria Pires é bastante mais conhecida do que a contribuição de Comblin. A contribuição de Comblin, eu não estou falando em termos de qual é a mais ou qual é a menos, mas eu falo na parte do conhecimento, na parte da divulgação, na parte da consciência geral, digamos assim. Agora, a dos dois é, certamente, uma contribuição densa e complementar. Cada um do seu lado. Eu diria que um contribuiu muito para a contribuição do outro, se assim eu posso dizer. Um contribuiu muito. Comblin, por exemplo, com uma genialidade, nesta parte de lutar, de estudar, de incluir a grande inspiração do Espírito Santo ao longo da história e também nos dias de hoje. Então, alguém dotado de uma inteligência raríssima que, tinha um compromisso não menor, no sentido de se fazer interprete do evangelho, do seguimento de Jesus nos dias de hoje. Com autoridade semelhante a de uma Tomás de Aquino, semelhante a dos padres da Igreja, inclusive os dos padres da Igreja América Latina.
Em Dom José, também esse legado, que foi recentemente tão, muito bem reconhecido da leveza, do espírito de pobre que ele conservou sempre, com respeito à diversidade. A firmeza, um tanto expresso por postura, expressa por serviço, por essa leveza. Fundamentalmente, em Dom José está uma figura rara de pastor, de pastor. Muitos também acentuam o lado profeta. Eu acentuo mais o lado de pastor de dom José, de pastor. E, certamente, com uma dimensão muito próxima quanto a da missionária quanta a de profeta.
Elenilson Delmiro dos Santos: Uma questão interessante em sua fala me chamou a atenção. Teria como o professor falar um pouco mais da nossa Igreja antes da presença de José Comblin e, até mesmo, de dom José Maria Pires?
Alder: As características não são tão diferentes das características das outras comunidades paroquiais, diocesanas, fora da Paraíba. Mas como a pergunta é em torno da Paraíba, com certeza, há diferenças fortes. Por exemplo, eu não entendo como a Igreja na Paraíba e, particularmente, na arquidiocese da Paraíba, pudesse ter aquela trajetória não contando com a contribuição dessas duas figuras. Em que sentido? Não é que elas não tenham sido as únicas possibilidades de a nossa Igreja ter caminhado. Não! O espírito poderia ter suscitado outras formas de ação com ares de profeta também, independentemente da contribuição de Dom José e de Comblin. Mas, com eles, com essas figuras o que é que agente observa: eu não entenderia a trajetória da Igreja na Paraíba e, particularmente na arquidiocese, por exemplo, no que diz respeito a esse enraizamento e nesse atuar. Seria difícil entender o perfil que desse tanta contribuição nessa direção de compromisso com a causa dos pobres, com a causa libertadora. Não se trata só de um compromisso em atender, em assistir os pobres, mas um compromisso de entender o pobre como protagonista do próprio processo de libertação.
Tanto um como o outro tiveram sua vida dedicada nessa direção de despertar no pobre a consciência do chamamento a liberdade, do chamamento a libertação, do chamamento de assumir o seu compromisso de libertação num contexto de miséria, num contexto de discriminação, num contexto de marginalização ao contexto de protagonismo nas decisões como cidadãos e como cristãos também. Acho que agente não teria, inclusive, um olhar interno a Igreja numa caminhada profícua como agente fez se não fosse a contribuição de dom José Maria Pires e de José Comblin, pelo fato de que, o próprio olhar para a Igreja era um olhar também de autocrítica. E tanto um como o outro, quando faziam suas críticas não faziam apenas apontando o dedo para fora, mas também a partir de si. Muito humildes os dois no sentido de se incluírem nas críticas que faziam a mãe Igreja, a sua Igreja. Faziam de forma contundente.
Dom José Maria Pires com o seu modo, com a sua leveza, no sentido de trazer para a Paraíba o Vaticano II, ao seu modo, principalmente a partir do legado de Medellín, que ele assumiu de corpo e alma. Ele, evidentemente, não estava sozinho, tinha uma equipe. Eu lembro que ele tomou como seu vigário geral padre Carlos, padre Maza, por exemplo. Não só padre Carlos, mas em seu entorno... Dário, por exemplo, e outros mais de dentro do (inaudível) que tiveram uma grande influência. Mas, também me refiro às religiosas dos meios populares, inseridas no meio popular. A irmã Agostinha, a irmã Letícia, o próprio irmão Marcelo Barros, padre Marcelo Barros, que de tanto ele se aproximou nessa direção de cumprir seu papel profético missionário.
No caso de Comblin, também, ele, certamente, vai além das fronteiras da Paraíba também, no caso de Comblin. Mas no caso da Paraíba, também, nessa direção, embora talvez sendo menos ouvido que Dom José. Menos ouvido por conta do papel de teólogo, de teólogo crítico. Por conta da grande formulação que ele tinha, de buscar um dos grandes desejos que ele tinha de desenhar uma Igreja aos modos de Medellín. E ele tanto ajudou o projeto de Medellín, também. A expulsão dele, de Comblin, do Brasil em grande parte se deve a essas sugestões que ele dava num artigo que Dom Helder lhe pediu em relação a assembléia de Medellín. Ele foi acusado de subversivo e expulso do Brasil por conta disso também. E as críticas de Comblin sempre muito mal recebidas, muito mal recebidas. Um profeta. E um profeta bastante consciente do custo de sua missão.
Nunca foi alguém que reclamasse da sorte não, mas entendia, com naturalidade, as perseguições de que foi vítima. Inclusive, de pessoas próximas. Não estou me referindo a Dom José, evidentemente. Estou me referindo a outros bispos depois dele, que sempre perguntavam: Mas porque Comblin está dentro da Igreja? Por que Comblin? Pra mim falar de outro, mais recente, que se benzia quando se falava no nome de Comblin. Então, a sorte do profeta é um pouco essa daí. A contribuição dele, esta sendo muito mais recuperada agora, a partir de uma figura que ninguém esperava, que foi a figura de Francisco, o bispo de Roma. Ele tem tido gestos que lembram muito a figuras como: Dom José Maria Pires, como Comblin, como Dom Fragoso, como Dom Helder.
Elenilson Delmiro dos Santos: Essa Relação Comblin e Francisco é algo que me interessa, mas vou deixar para nosso último momento. Antes disso, queria seu comentário sobre José Comblin e sua participação no Vaticano II, em Medellín e Puebla, já que ele sempre prestava serviço de acessória. Em Dom Hélder, por exemplo, sempre vejo muito de Comblin.
Alder: Durante a realização do Vaticano II, 62 a 65, Comblin atendeu ao convite da Igreja do Chile, e para lá se mudou como professor da Universidade Católica. Portanto, privou-se de uma participação mais direta no Vaticano II, possivelmente até como perito do Concílio. Porque na época tinha uma figura muito conhecida, Cardeal Simens, da mesma diocese, da sua diocese de origem, na Bélgica e, certamente, lançando muito este convite a Comblin também. Comblin, ao ter aceito o convite da Universidade Católica por lá ficou. Mesmo assim, quantas contribuições veio. Sejam com contribuições encomendadas, eu imagino, mas encomendadas por dom Manoel Larrain. Também por dom Hélder e por outros bispos mais próximos dessa direção. Então, eu imagino a grande contribuição que Comblin, mesmo não tendo participado como perito direto do Vaticano II, mas acompanhou muito de perto. Agente não descarta, por exemplo, na feitura de uma constituição como a Gaudium et Spes a contribuição também de José Comblin. Embora, em grau menor do que aqueles que lá diretamente estavam contribuindo, mas com a equipe de dom Hélder e outros. E outros também. Tem também a Populorum Progressio assinada por Paulo VI. De modo que a contribuição de Comblin se dá, também, logo após a realização do Concílio, a partir de muitos comentários publicados em diversas revistas como a REB. Me refiro a Concilium, me refiro a outras. Várias revistas internacionais de grande circulação em que colaborou permanentemente.
É, em relação a Medellín, eu entendo que a sua contribuição é mais forte. Não sei se é mais visível, mas, com certeza, é mais forte. Porque, ao contexto Medellín coincide com os limites da teologia da libertação. Coincide com a reunião do grupo, o núcleo fundador da teologia da libertação. Ao lado do próprio Gustavo Gutierrez, ao lado de dom Juan segundo, ao lado de outros que estavam nesse grupo também de onde partem as formulações mais fortes da teologia da libertação, que depois seriam consagradas na edição do livro assinado por Gustavo Gutierrez, em 1971, Teologia da Libertação. Más, Comblin estava também aí presente. E num (...), aquele episódio lá de Recife, da qual dão testemunho pessoas que estavam muito próximas, tanto de dom Hélder quanto de Comblin, e esse episódio marca também a influência de Comblin na realização da conferência de Medellín, assessor de perto daquela conferência. Antes dela, ele já era cercado por muitos daqueles e daqueles que viam nele uma grande contribuição para essa opção pelos pobres, para essa recepção latino americana do Concílio Vaticano II. Uma recepção revolucionária, uma recepção inventiva, digamos assim, do Concílio Vaticano II. Medellín não é senão a realização na América Latina do que há de melhor vinda do Concílio Vaticano II. Então, todo aquele contexto latino americano de efervescência das forças populares, de movimentos, inclusive eclesiais, que contribuíam diretamente com essa efervescência. Eu me refiro ao movimento dos sacerdotes para o terceiro mundo, muito forte na argentina, em que teve muita repercussão esse movimento também no desenrolar da conferência de Medellín. Medellín foi o grande marco da teologia da libertação, inclusive, até mais forte do que os marcos atuais. Talvez Francisco é que venha recuperar essa impressão forte que deixou Medellín no mundo. Não só no mundo, na América Latina também.
No caso de Medellín, foi importante a formulação, ainda mais envolvendo experiências. Como se sabe, Medellín nasce nas CEBs. Nascem as pastorais sociais. É, nasce esse novo jeito de ser Igreja. Nasce esse compromisso mais com as causas dos pobres. Nasce uma séria de iniciativas que dificilmente as Igrejas, nestes últimos séculos, terão cumprido, tanto quanto Medellín conseguiu recuperar. Graças, também, a um contexto sócio-econômico latino-americano, mas também a geração de profetas e profetizas. Por exemplo, eu lembro aquela geração de bispos, bispos profetas. Aqui me vem a memória aqueles que assinaram o pacato das catacumbas. Me vem a memória de dom Hélder. Me vem a memória de Antonio Batista Fragoso. Me vem a memória José Padilha. Me vem a memória dom Ivo Lochaider. Me vem a memória dom José Larrain. Me vem a memória dom Ângelo, lá do Equador. Então, é uma geração de bispos profetas, de forma que a gente tinha uma geração de profetas aqui no Nordeste e na América do Sul. Aqui no Brasil, especialmente. E isso teve um condicionamento muito forte, por exemplo, para apoiar iniciativas não só as das CEBs em seus intereclesiais que se seguiram, como também iniciativas coma as das PCIs, as pequenas comunidades de religiosas inseridas no meio popular. E eu considero a principal contribuição de novidade, de inovação, de inventividade da Igreja na base. Hoje, com menos intensidade. Mas nos anos 60 e 70 teve bastante contribuição nessa mesma direção.
A contribuição em relação a Puebla ela se dá num contexto já um tanto adverso. Um tanto adverso. Como se sabe, Puebla se dá em 79. Em 78, havia falecido o Papa Paulo VI que, apesar do retrocesso, o Concílio Vaticano II, havia conseguido dar o seu recado, num sentido progressista. Haja vista não só somente a Encíclica que eu acho das mais fortes de todas a Populorum Progressio, que foi publicada em 77, mas também a Octogesima Adveniens. E um documento escrito de uma encíclica, mas que tem um recado semelhante. É a Octogesima Adveniens, em comemoração aos oitentas anos da primeira encíclica firmada pelo papa Leão XIII, em 1891. Então, oitenta anos depois, que é em 1971, tenha essa Octogesima Adveniens, do Papa Paulo VI, que tem um olhar muito complacente, muito animador em relação a Igreja na base. Em relação, principalmente, aos movimentos sociais de transformação da sociedade. Mas, partindo de Paulo VI, em 78, assume João Paulo II e ele vai ser o inaugurador da conferência de Puebla, realizada, salvo me engano em fevereiro. O ano é 79, mas o mês eu acho que é em fevereiro. Aí, ele vem com outro estilo pastoral. Outro estilo que vai ter uma vigência forte, inclusive no recuo dessa Igreja na base. E a conferência de Puebla foi um momento de disputa acirrada dessa, desses dois, digamos assim, jeitos de organização eclesial. E aí Comblin era, certamente, chamado para ser assessor de alguns bispos, mas no local onde se realizou a conferência não era permitida a presença desses teólogos. Então, os bispos comprometidos com a causa dos pobres arrumaram um jeito de ir até onde estavam esses teólogos da libertação para escutá-los, pedir orientação, pedir conselhos também. E era um jeito que tinham, muitas vezes, de escutar o que tava errado, como aconteceu com o episódio em que o Comblin é flagrado onde estavam os bispos e um bispo, eu esqueci o nome dele agora, dom Pagolo, salvo me engano, o viu e o agrediu também.
- O que está fazendo aqui?
Então, o agrediu fisicamente, a Comblin, expulsando-o do ambiente também. Trujillo! O nome do cardeal. Trujillo, que era aquela figura cuja proposta era a de reverter o que se tinha ganho na Igreja na base. Reverter com o apoio do Papa, com o apoio do Vaticano. A esse retrocesso. Um pontificado bastante longo, e vai fazer recuar essas experiências da Igreja na base a partir de uma estratégia múltipla que o Papa João Paulo II, assessorado por Ratzinger depois, vem a tomar.
Eu vou dizer algumas dessas estratégias utilizadas. Por exemplo: a nomeação e transferência de bispos. A partir dali se procurava saber quais os nomes de candidatos a bispos que eram mais de acordo com a nova orientação pastoral. E aí houve uma mudança profunda no perfil pastoral dos bispos. Desapareceu aquele tempo dos bispos profetas e passou a apoiar outro perfil de bispo, tanto na nomeação quanto na transferência também. Houve o desmonte da arquidiocese em São Paulo, contra a vontade de Dom Evaristo Arns e de seus auxiliares. Houve o desmonte. Uma tentativa, tentativa, não! Um desmembramento da arquidiocese com um claro propósito de dividir as forças proféticas que lá estavam dominando a experiência arquidiocesana de São Paulo. Houve também o controle dos institutos teológicos dos cursos superiores também ligados as Igrejas Católicas, num sentido de uma vigilância mais forte aos conteúdos, ao perfil dos professores, a orientação teológica seguida por esses institutos. Houve também a perseguição à teologia da libertação. Inclusive chamando pra julgamento, pra condenação nomes de referência, como é o caso de Leonardo Boff. Lembro da condenação que sofreu o seu livro Igreja: carisma e poder. Então, foi um processo doloroso para toda a Igreja na base. É, junta-se a isso também a tentativa de Roma de desmontar, também, aquela figura que acontecia lá na Nicarágua, aqueles párocos cristãos que estava muito mais envolvido na luta revolucionária da Nicarágua, em El Salvador. E assim por diante.
Eu mencionei apenas algumas das estratégias de forma política, mas também de forma eclesial. Inclusive com a canonização desse Papa. E há uma série de episódios que duraram um tempo longo, quase trinta anos, quase três décadas, contando o pontificado de João Paulo II ao pontificado de Bento XVI. De modo que houve, certamente, uma ofensiva grande da parte de Roma em consonância com as forças conservadoras mundiais. Desde Heagan até Bush. Até outros também que tinham essa influência também no Vaticano. Da parte dos Estados Unidos, com a estratégia de perseguição a teologia da libertação, dizendo que essa teologia da libertação era uma coisa de marxista e que ela devia ser perseguida. Não se tratava apenas de um puxão de orelha, mas de uma perseguição mesmo aos seus principais mentores.
Elenilson Delmiro dos Santos: Já que estamos falando de modelos de Igreja, e que essa proposta de Igreja de João Paulo II continuou com Ratzinger (Bento XVI), gostaria de aproveitar a oportunidade para entrar naquela questão anterior que eu havia guardado, sobre o Papa Francisco. No momento percebemos outro modelo de Igreja sendo implantado, em curso. Diante disso, gostaria de ouvir seus comentários a respeito do projeto de Comblin e do projeto de Francisco, suas aproximações.
Alder: Pois não. Antes disso, um brevíssimo complemento em relação a Puebla. Mesmo diante de toda essa adversidade mencionada antes, Puebla consegue avançar. Consegue, de certa maneira, reafirmar os compromissos de Medellín. Em menor tonalidade, mas consegue. Avançando, principalmente, num sentido de ter presente o perfil dos pobres naquela época. Você consulta no número trinta, trinta e cinco de Puebla, trinta, trinta e cinco, você vai ver qual era o perfil dos pobres correspondente ao campo de missão especial dessa Igreja na base. Então, lá estavam os camponeses, estavam os negros, as mulheres, os pobres. Então, lá se conclui um quadro, um perfil de quais eram os oprimidos, e que eles deviam merecer prioridades na ação missionária e pastoral da Igreja.
Essa vinculação muito grande de aprovação, as mudanças operadas na América Latina também. Então, o documento ele é muito aberto nessa direção. Significa dizer que embora se trata-se de uma época de disputas acirradas, mas ainda, pela força dessa Igreja na base, se conseguiu avançar também em Puebla. O recuo maior veio anos depois na conferência de Santo Domingos. Ali, sim, houve um recuo bastante grande. Mesmo com a presença desses assessores, como Comblin. Todos foram, mas não com a mesma liberdade e a mesma força de atuação.
Agora, voltando para essa afinidade que a gente percebe no jeito de ser, de pensar e de agir de Francisco, bispo de Roma, e de Comblin, isso é um ponto importante. Ninguém apostaria que depois desses longos pontificados de João Paulo II e de Bento XVI a gente se deparasse com essa graça, esse fenômeno Francisco. É, de 2013 pra cá, então, agente observa uma figura, uma figura de um Papa que pela primeira vez nos últimos tempos se reconhece como pecador. Pra mim é a principal marca de um santo é o reconhecimento de pecador. Exatamente como o Papa Francisco costuma fazer. Tanto que pede sempre orações, todos os dias. Um mendigo de oração. E tem os atendimentos também. E no caso, não fica só nisso. Não é a toa a sua escolha do nome Francisco. Não é a toa. O gesto simbólico, mas bastante profundo dele pedir a benção do povo, no assumir de suas funções. Nos seus escritos também, bastantes avançados. Eu me refiro aqui a Evangelli Gaudium, que é um programa para os próximos anos do governo e que até hoje não tem sido levado a sério como deveria ser.
Então, há uma voz no deserto, ainda, de uma ação as estruturas duras que a Igreja continua apresentando. Mas também na Laudato Si, documento posto voltado para a humanidade, para o planeta como todo, desejando coisas mais avançadas que se pode ler na literatura disponível daqueles especialistas falando sobre os problemas socioambientais. Falando com conhecimento de causa. Uma palavra que talvez ressoe com mais fundamento fora da Igreja do que mesmo dentro da Igreja. Por tudo isso, a afinidade com Comblin é muito grande. Há um diálogo implícito entre essas duas figuras. Um diálogo implícito. Cada um do seu canto, cada um do seu jeito, cada um de acordo com a sua formação, de acordo com o seu lugar social, seu lugar eclesial. Então, não vai se pedir ao bispo de Roma que tenha uma posição tão contundente quanto ao de um teólogo como José Comblin, porque são funções diferenciadas. Mas, o conteúdo e os gestos, os conteúdos da fala, os conteúdos dos pronunciamentos, os conteúdos dos escritos é muito semelhante. Há um diálogo claro, um diálogo forte entre Francisco, o bispo de Roma.
De modo que eu entendo que aquelas figuras como: Comblin, Dom Hélder Câmara, Dom Manoel Larrain, Dom Oscar Troanio, Dom Francisco, Dom Fragoso, estão vibrando. Estão vibrando quando percebem esta chegada abençoada do Papa Francisco. Agora, enfrentar uma estrutura muito pesada da Igreja, a gente pode dizer que ele está apontando sinais, apontando sinais. Agora, entre apontar e trabalhar numa Igreja que estruturalmente não estar organizada, aí fica uma distancia muito grande. Vão passar gerações. Vão ser duas, três gerações até aproximar-se com o que Francisco está dizendo. E o que ele está dizendo não é nenhuma novidade. Ele ta dizendo o que ressoa no evangelho. Ele ta dizendo o que é importante, colocar o povo de Deus na centralidade da organização da Igreja. Mas isso não vem da cabeça dele, ta ali na constituição Lumen Gentium, por exemplo. Ta na Lumen Gentium, no Vaticano II a mais de 50 anos atrás. Então, ele ta fazendo o seu papel como fazia, por exemplo, um cardeal um pouco antes de Francisco. Cardeal Martines chegou numa entrevista a dizer que nossa Igreja estar a duzentos anos de atraso. Francisco está fazendo sua parte. Agora, se isso vai implicar em mudanças imediatas, eu não tenho essa espera. Mas, enfim, ta apontando caminhos pra gente que estar buscando e apostando nessa direção. Mas é uma pequena minoria, uma minoria chamada de minorias abraâmicas.
Elenilson Delmiro dos Santos: Poderia citar um exemplo específico sobre algum projeto ou mesmo algum conceito chave que torne mais clara a proximidade entre José Comblin e Francisco?
Alder: Pois não. Fico contente com a pergunta e a colocação. Têm algumas, não é? Por exemplo, é, do ponto de vista da teologia, ambos estão preocupados com o que se passa na Igreja. Se estão! Com as Igrejas cristãs, se estão! Mas, antes de tudo, estão preocupados com a humanidade, e isso lhes dá apoio na categoria reino, Reino de Deus. Então, quem labuta, quem trabalha na perspectiva do Reino de Deus, isto é, com a tradição de Jesus, com o seguimento de Jesus, não perde tempo em amarra-se a uma Igreja auto referenciada. Se agente olha o panorama, se agente se põe diante de um panorama eclesiástico hoje, eclesial mesmo hoje, agente observa algo muito parecido com uma instituição comum. Uma constituição convencional em que aqueles que nela estão, estão buscando auto preserva-se. Estão buscando fortalecer a estrutura institucional.
No caso de Francisco, bispo de Roma, e Comblin, não! É importante que se abra para o mundo, as questões do mundo são questões prioritárias. Por isso, um como o outro, são mais reconhecidos fora dos espaços eclesiásticos, ou mesmos dos espaços cristãos, do que dentro da Igreja. Então, se trata de duas figuras inspiradas pelo Espírito Santo, e como o Espírito Santo sopra onde quer, o Espírito Santo é liberdade e onde há liberdade está o Espírito Santo. Então, eles estão abertos à humanidade. Os problemas da humanidade são problemas prioritários, são problemas prioritários. Claro, que a Igreja como sacramento, como instrumento a serviço do reino deve ir nessa direção, mas entre dever ir e ir há uma diferença também. De modo que é uma categoria que eu acho que os caracteriza bastante fortemente. Esse seguimento a tradição de Jesus, esse seguimento ao movimento de Jesus, esse seguimento a categoria reino de Deus.
Outro ponto é a sua sensibilidade pelos humanos. Ambos são cristãos, mas antes de serem cristãos se entendem como pessoas humanas. Então, nada do que é humano lhes é estranho. Então, onde está uma dor num ser humano, não importa onde aconteça, também ressoa essa dor no seu intimo, também. Não dói só com as coisas que não vão bem dentro da Igreja, também isso, também isso. Mas estão, (...) tem o seu coração e sua mente aberta para as dores do mundo inteiro. Más não só as dores, as esperanças, as alegrias, as conquistas. Enfim, até os reveses também. Estão sintonizados com o que acontece no mundo. Então, a sua Igreja é essa Igreja no mundo, é a humanidade, é a humanidade toda.
Portanto, essa dimensão é muito difícil na Igreja de hoje, muito difícil acontecer. Acontece com figuras excepcionais, mas pra que isso aconteça no dia a dia das instituições, isso não acontece. A grande maioria do clero, a grande maioria também dos leigos e leigas é uma maioria muito voltada para o fortalecimento institucional. Um fortalecimento [inaudível]. O que anda fora da Igreja preocupa menos. Quando preocupa, por exemplo. Então, eu acho que a categoria reino de Deus é uma categoria forte nas ações e nos pensamentos dessas figuras também. Outro é sua condição humana, que prefere a condução da vocação pela tradição de Jesus, por exemplo.
Elenilson Delmiro dos Santos: Entrando em nossa etapa final, neste momento da nossa conversa, gostaria de ouvir apenas mais duas intervenções sua. Qual a representação de sentido que José Comblin tem em sua vida?
Alder: É. O sentido que eu posso identificar nele é o da sua paixão, a sua paixão pelo mundo. Sua paixão pela humanidade. Sua paixão pelo mundo e pela humanidade. O mundo, no sentido de planeta, no sentido do seu cuidado, no sentido do seu zelo pelas coisas do planeta. Quando digo isso, não estou fazendo uma abstração. E me vem a cabeça o gesto diário dele de cultivar plantas. Grande parte daquelas árvores que você via no sítio São José, grande parte foi plantada pelo próprio José Comblin. Fundada por ele nessa direção também. Essa paixão pelo mundo, pela criação, pelo planeta e essa paixão pela humanidade.
Essa paixão pelo mundo e pela humanidade é testemunhada pela sua obediência generosa, dócil, ao Espírito Santo. Então, quando se fala em Espírito Santo se fala em liberdade, liberdade. Não por acaso, Comblin é mencionado como profeta da liberdade. Inscrição que você encontra aposta no túmulo, na pedra em que estar, sobre a qual estar sepultado. Então, um profeta da liberdade, da liberdade. Então, em Comblin é muito forte porque nele não basta somente a vida. A vida do ser humano não pode ser igual a vida de uma plantinha, de um animal que merecem respeito, carinho, merecem ser alimentados, merecem ser aguados. O ser humano precisa disso sim! Mas, precisa de mais coisas, porque ele atua no mundo da cultura, não apenas no mundo da biologia, no mundo da cultura também. E a cultura é especificamente humana, na parte de valores, na parte de agir, na parte da liberdade, na parte da criatividade, na parte da arte, da inventividade. Esse é o mundo da liberdade. É o Criar. Criar e entender-se como co-criador, como vocação dada por Deus para ser co-criador do mundo também. Para sempre estar reinventando, reinventando o mundo. Melhorando nossos serviços. Isso é muito combliniano.
Outra dimensão é a paixão pelas causas dos pobres, pela causa dos pobres. E os pobres, assim, não no sentido restritamente econômico, mas no sentido mais amplo do termo. Entendo o pobre não apenas no aspecto econômico, mas no aspecto cultural também. Por exemplo, as mulheres a gente pode incluir é, essa grande maioria da humanidade entre os pobres, porque tem uma desvantagem muito grande com relação ao seu pólo, ao seu pólo correspondente, muito grande. Então, quando a gente fala no mundo dos desempregados a maioria é de mulheres. Quando a gente fala no mundo dos salários, a gente sabe que o grupo feminino é o que ganha menos. Quando a gente fala de oportunidades. Quando a gente fala em cargos de comando. Quando a gente fala até mesmo na existência dessas pessoas. Por exemplo, no mundo do clero não há mulheres. Não há muitas mulheres no mundo empresarial, não há muitas mulheres à frente. Claro que hoje há mais que ontem.
Então, quando eu falo dos pobres eu falo pra esse panorama apontado tanto em Puebla quanto também na conferência de Aparecida. Alcançando os camponeses, alcançando os migrantes, alcançando os indígenas, alcançando os pobres, das águas e das florestas, alcançando os operários, alcançando as mulheres, alcançando os jovens, alcançando todos aqueles seguimentos que são vítimas das injustiças sociais, tanto fora da Igreja quanto dentro da Igreja também. Então, Comblin, pra mim, a força, a energia dele brota do Espírito Santo a partir dessa sua, desse seu assumir, desse seu compromisso, dessa sua adesão a esses valores que ele encarna ao longo de sua vida. Essa força dele estar buscando sempre unir teoria e prática. Unir, pensar, seguir, sentir, agir, querer, comunicar. São coisas que ele exercita na sua vida de forma bastante interativa, bastante interligada.
Elenilson Delmiro dos Santos: Diante de tudo que conversamos e, certamente, ainda vamos conversar em outras oportunidades, se assim me for dada a oportunidade, existe algo que o professor Alder gostaria de comentar que de minha parte não foi lembrada em nosso diálogo?
Alder: Eu estou contente com a sua proposta de trabalho. Sabendo-a germinal. Sabendo-a no início. No entanto, eu já vejo uma maturidade muito a caminho, muito a caminho. De modo que, seria exagero de minha parte, expressar algo distinto dessa minha satisfação com o andamento dos trabalhos que você vem desenvolvendo até aqui. Inclusive, surpreso e tocado com esse [inaudível] porque demonstra um perfil de pesquisador exímio e, por isso, nos causa tanta alegria estarmos a conversar. Uma conversa que interessa as duas partes. A gente aprende também no espaço do outro. Por enquanto eu diria que eu só tenho a agradecer pela oportunidade que me foi dada, da gente fazer essa interlocução.
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