Intérpretes do do Brasil (XXI): a contribuição teórico-prática de Sueli Carneiro ao Feminismo Negro.
Alder Júlio Ferreira Calado
Reiterando, como hábito, nosso propósito de incentivar nossas organizações de base, por meio de seus militantes, a manterem firme seu/nosso compromisso de transformação social, por meio de nossa formação permanente e pelo exercício cotidiano da memória histórica dos oprimidos, seguimos revisitando figuras de nossa sociedade - mulheres e homens - cuja trajetória de vida e militância nos inspira relevantes ensinamentos para lidarem adequadamente com velhos e novos desafios, que nos são colocados pela atual conjuntura. Desta vez, tratamos de revisitar aspectos fundamentais de Sueli Carneiro, eminente figura de pensadora e de militante das lutas feministas - afrodescendentes da atualidade.
Iniciamos com uma breve notícia biobibliográfica sobre a autora, passando a realçar aspectos mais relevantes de sua militância e de obra, para finalmente destacar inspiradoras lições dela recolhidas para um exitoso enfrentamento dos desafios da atualidade.
Breve notícias biobibliográficas sobre Sueli Carneiro
Aparecida Sueli Carneiro, filha de José Horácio Carneiro e de Eva Camargo Alves, nasceu em São Paulo - SP, em 24 de Junho de 1950. Após concluir o Ensino Médio, optou pela Graduação em Filosofia, pela Universidade de São Paulo (USP), curso que concluiu em 1980. Dando seguimento aos seus estudos, na mesma Universidade, continuou nas trilhas da Filosofia, tendo concluído seu Mestrado, em 1999. Definindo-se, pela Filosofia da Educação, cursou seu Doutorado concluído pela USP em 2005.
No campo específico da Filosofia da Educação, Sueli Carneiro, em busca de melhor apreender e compreender os processos de dominação a que as Mulheres e os Negros estiveram sujeitos, dedicou-se a perseguir as raízes histórico-filosóficas e educativas de como a sociedade brasileira, através de séculos, vem cultivando relações patriarcais e racistas, combinadas com relações classistas. Disto falam bem seus estudos de Pós-Graduação (Tese e Dissertação), bem como sua vasta produção biográfica, inclusive presente em numerosos artigos publicados na imprensa brasileira, (tanto em jornais quanto em revistas) principalmente no “Correio Braziliense” no qual, de 2000 a 2008 publicou em torno de 150 artigos. Cumpre ainda destacar outros livros de sua lavra:
“ Racismo “Sexismo e desigualdade, no Brasil” (2011)
“Mulher Negra: política governamental e a mulher” (1985)
“Escritos de uma vida” (2020), no qual reúne seus textos publicados na imprensa brasileira (“Correio Braziliense”);
“ O Gênero e raça: O feminismo negro no Brasil” (2020)
“Dispositivo de Racialidade: A Construção do outro como não ser como fundamento do ser” (2023)
A ideia central da qual milita Sueli Carneiro, principalmente presente em sua tese de Doutorado, é sua busca de compreender a natureza e a extensão das relações raciais e patriarcais, combinadas com as relações de classe social, que marcaram e ainda marcam o cotidiano das Mulheres e dos Negros no Brasil.
Diferentes depoimentos seus, confirmadas inclusive por pesquisadores e biógrafas que dela se ocuparam, vale lembrar que Sueli Carneiro buscou sempre combinar seus estudos e pesquisas com sua participação política e cultural, principalmente junto aos movimentos de Mulheres e no acompanhamento das lutas do Movimento Negro no Brasil e em outros países. A crescente participação político-cultural nas lutas feministas e no Movimento Negro inspirou também os trabalhos de varias pesquisadoras e Biógrafas de Sueli Carneiro, entre as quais destacam-se Bianca Santana, Rosane Borges, e Yara Frateschi (cf.https://blogdaboitempo.com.br/2021/10/22/o-pensamento-feminista-negro-de-sueli-carneiro-para-alem-dos-reducionismos-de-classe-e-genero/) , também sugerimos conferir o seguinte blog (cf.https://sites.utexas.edu/llilas-benson-magazine/2024/09/25/epistemologias-feministas-negras-aprendendo-com-sueli-carneiro/).
No caso de Bianca Santana importa realçar, por exemplo, sua extrema dedicação à pesquisa sob diferentes aspectos, a trajetória existencial de Sueli Carneiro, suas raízes familiares, bem como a denunciar o apagamento histórico sobre a condição negra no brasil, contando até objetivamente com a contribuição de Ruy Barbosa, ao protagonizar, em 1890, uma espécie de “Operação Borracha”, ao mandar queimar farta documentação relativa aos crimes cometidos contra os africanos e africanas escravizados no Brasil.
Quanto a Rosane Borges, trata-se de outra pesquisadora, especialmente no campo da Comunicação Social, tendo-se também dedicado a focar diferentes aspectos da trajetória e das obras de Sueli Carneiro tendo ainda produzido diversos vídeos sobre aquela autora. Igualmente, Yara Frateschi se apresenta como outra pesquisadora do legado desta autora, especialmente no campo da Filosofia, em que destaca a densa contribuição desta intérprete do Feminismo Negro, no Brasil e no mundo, não apenas como pensadora crítica das relações étnicas hegemônicas na sociedade brasileira, como também sua dimensão de ativista comprometida com os processos libertários feministas e afro-brasileiros.
Pondo em relevo traços mais fortes da vida de Sueli Carneiro
Uma marca comum observável entre as figuras mais apreciadas do Feminismo e da Negritude, no Brasil e no Mundo têm sido seu empenho em, partindo dos ensinamentos de suas próprias experiências de mulheres negras, combinarem seu compromisso investigativo com suas atividades e militância, em diversas frentes de luta. No caso específico de Sueli Carneiro, também se confirma esta tendência.
Em longa entrevista, concedida a Mano Brown, há 3 anos atrás. Podemos perceber, traços relevantes de Sueli Carneiro. A começar pelas lembranças compartilhadas, de sua família - seu pai, sua mãe com sete filhos e filhas. À medida que a família vai aumentando, e o salário do pai encurtando, a família vai sendo empurrada para a periferia, cada vez mais distante. Sueli, passa a compreender, pouco a pouco, o “destino” reservado aos negros, em nossa sociedade. Após concluir o Ensino Médio, e já ensaiando passos de inserção no Movimento Negro e no Movimento Feminista, Sueli Carneiro, escolhe o campo da filosofia e da filosofia da educação, como caminho de luta e de resistência, combinando com sua militância nos movimentos populares, especialmente no movimento feminista e no movimento negro.
Como pesquisadora, após concluir o seu Mestrado e seu Doutorado, empenha-se em combinar esta condição, com a sua contribuição de políticas públicas voltadas para as classes populares. Sempre combinando na prática e na teoria, as dimensões, de Gênero, Raça e Classe. Vale a pena, por exemplo, conferir o teor de toda a sua entrevista, acessando https://open.spotify.com/episode/2eTloWb3Nrjmog0RkUnCPr .
Tendo em vista que, justamente hoje, 24/06/2025, Sueli Carneiro completa seus bem vividos 75 anos, cuidamos de abreviar nosso trabalho, no intuito de prestar-lhe uma homenagem especial, em reconhecimento e gratidão, pela sua vida de luta e de resistência, sempre fiel à causa do feminismo negro.
João Pessoa, 24 de Junho de 2025.