“MODERNIZAÇÃO” À BRASILEIRA: de volta
à senzala?
Alder Júlio Ferreira Calado
Neste momento (manhã-tarde do dia 25/04/2017), estamos a
acompanhar, indignados, a sessão da Comissão Especial da Câmara dos Deputados,
ultimando acertos (na verdade, desacertos) para a votação de sua
famigerada “Reforma Trabalhista”, destinada, conforme apregoam Governo e
setores dirigentes e dominantes da sociedade brasileira, a “modernizar” a
legislação trabalhista do Brasil, especialmente alterando profundamente a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ainda que esta venha sendo, há vários
anos, e em diversos de seus artigos, alterada.
O que, de fato, pretendem os dirigente, as grandes empresas e os
demais segmentos componentes do Capitalismo no Brasil, e que condições têm
permitido tal desfecho? Eis o que, em breves linhas, tratamos de refletir.
Uma primeira observação a assinalar: a chamada “Reforma
Trabalhista” forma apenas uma parte da sanha “reformista” das forças dominantes
no atual contexto nacional e internacional. No caso da sociedade brasileira,
este componente “reformista” só pode ser melhor entendido, se e quando situado
num contexto mais amplo de “Reformas”, a incluir a “reforma”, previdenciária, a
“reforma” educacional, a “reforma” política e a “reforma” tributária, sem
esquecermos outros pontos fulcrais em disputa (reforma agraria, reforma urbana,
medidas de proteção sócio- ambiental...). Por mais aguerrida que venha a ser
qualquer resistência pontual aos crescentes ataques dos setores dominantes e
dirigentes aos direitos sociais, conquistados a duras penas, não apenas resulta
ineficaz e insuficiente, como ainda pode acabar transformando-se numa armadilha
da sanha capitalista, posto que, sendo o objetivo central do modelo vigente o
de manter-se e ampliar-se indefinidamente, a mera reação pontual não lhe
constitui barreira maior. Ademais, por outro lado, a alternativa de saída das
classes subalternizadas cada vez mais se revela, mais do que em reações
pontuais, em seu empenho de construir um novo modo de produção, um novo modo de
consumo e um novo modo de gestão societal, alternativos ao Capitalismo, o que
deve ser ensaiado, desde já, ainda que num processo molecular.
Com efeito, os desafios se têm revelado cada vez mais complexos,
em sua tessitura integral. Por exemplo, as lutas em defesa da natureza e dos
humanos já não se limitam ao plano meramente socioambiental, à medida que
combater, a sanha do hidro-agronegócio se acha organicamente articulada a
diversos outros projetos seus. Tais como a avidez privatista, a sobrevivência
dos paraísos fiscais, ao controle crescente dos aparelhos de Estado, o desmonte
dos direitos sociais, ainda que constitucionalmente assegurados, etc. Uma
simples ilustração desta tese: No presente ainda que nos fosse possível
enfrentar exitosamente as reformas em curso (trabalhista, educacional,
previdenciária, política, tributária...), ainda assim, outros tantos desafios
se acham igualmente em curso: A reforma agrária segue paralisada; os códigos
florestal, de mineração e outros se revelam tímidos ou inócuos; o deficit
habitacional continua crescente, enquanto se constata maior o número de
residências fechadas do que o número de famílias sem teto...
Antes de reavivarmos a memoria de iniciativas experiências
moleculares grávidas de alternatividade, que já se acham em processo,
tratamos de chamar a atenção para algumas condições que propiciaram este
estado de coisas, em especial, no caso da sociedade brasileira, e o fazemos,
perguntando-nos:
- Teriam as forças dominantes e dirigentes, seja no âmbito do
Estado, seja no âmbito do Mercado, tamanha facilidade de organização e de
implementação de sucessivos ataques às classes subalternizadas, se estas
tivessem mantido seu ritmo organizativo, formativo e de mobilização, como foram
capazes de manter nas décadas dos anos 70 e 80?
- A correlação de forças profundamente desigual, nos dias
correntes tem ou não a ver com este abandono pelas forças e movimentos
populares, de seu compromisso transformador e de fidelidade aos interesses da
Classe Trabalhadora?
- O massacrante desempenho das forças dominantes e dirigentes
seria o mesmo, se os movimentos sociais e as demais organizações de base se
tivessem mantido enraízadas, no campo e na cidade, nos núcleos, nas pequenas
comunidades, nos conselhos populares, etc., gozando da confiança e do apoio das
massas populares?
- Hoje, se queixa, com razão, do alto nível de alienação
reinante, tornando populações inteiras reféns da saga midiática, inclusive nas
redes sociais, se as experiências formativas tivessem sido mantidas ao longo
das últimas décadas, teríamos ou não melhores condições de enfrentamento desses
desafios?
- Se o compromisso de classe e o estilo de vida de dirigentes e
coordenadores de nossas organizações de base e movimentos populares se
revelassem convincentes, as camadas populares revelariam forte descrença nas
lideranças e nos própros movimentos sociais, em grande parte?
- Em que medida deixamos de testemunhar nosso apreço pelo
exercício da autonomia, frente ao Mercado e instâncias governamentais, de modo
a arrefecer nossa capacidade de denúncia aos malfeitos, preferindo certo
silenciamento frente aos desmandos cometidos por governos aliados?
Tratemos, enfim, de considerar pistas de superação do atual
estado, a partir da imperiosa necessidade de exercitarmos a auto-crítica, não
tanto em palavras, mas em gestos concretos, coletivos e pessoais. Aqui, não se
trata de uma verborragia de auto-culpabilidade, mas de uma auto-avaliação
prospectiva, com ênfase em nossos compromissos de retomada, em NOVO ESTILO de
nossa presença e participação cotidianas junto às comunidades do campo e da
cidade, de modo a reconquistar a confiança da Classe Trabalhadora e das Massas
Populares, em função de cujas lutas nos dizemos comprometidos.
Nesse sentido, nem precisamos partir da estaca zero. Em nossas
próprias organizações de base, podemos encontrar, ainda que molecularmente,
experiências de alternatividade, no campo e na cidade, às quais devemos nos
voltar, não tanto como “professores”, mas como parceiros a nos somarmos a essas
iniciativas, nas perspectiva da construção processual de um novo modo de
produção, de um novo modo de consumo e de um novo modo de gestão societal, por
meio da retomada de nossos compromissos organizativos, formativo e de
mobilização.
João Pessoa, 26, de abril de 2017.
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