FRANCISCO,
SINAL DE CONTRADIÇÃO: para as multidões famintas de pão e justiça, peregrino da
paz e da esperança; para os “grandes” deste mundo, pedra de tropeço...
Álder Júlio Ferreira Calado
Mais uma vez – já com mais de vinte viagens apostólicas pelo mundo, em
menos de cinco anos -, se acha o Bispo de Roma em visita missionária à América
Latina, desta vez, aos povos do Chile e do Peru. Seria apenas mais uma visita
de interesse institucional de um Papa, não fosse o atípico desempenho que o
atual Bispo de Roma vem imprimindo no exercício do ministério petrino. De fato,
Francisco vem surpreendendo – positivamente, para tantos, e negativamente para
outros - , não apenas o mundo católico ou de outras Igrejas cristãs, mas cidadãos e cidadãs do mundo inteiro, pelos
seus gestos, pelos seus pronunciamentos e pelos seus escritos. A principal
surpresa prende-se ao fato de tratar-se de um papa, mais do que comprometido
com meros interesses de sua Instituição, vem mostrando-se uma liderança
mundial, de novo tipo, à medida que, fortemente
inspirado nos valores do Evangelho e na Tradição de Jesus, vem
desconcertando frequentemente muita gente, que dele esperava um desempenho em
defesa estritamente dos interesses eclesiásticos e do Mercado e seus
representantes , enquanto se revela comprometido, antes de tudo, com o reino de
Deus e Sua justiça, comprometido, portanto, sobretudo em defender e promover a
vida do Planeta e da humanidade em todas as suas manifestações. Isto contraria
frontalmente interesses hegemônicos, tanto dentro quanto fora da Igreja Católica.
Sua postura profética incomoda os “grandes” deste mundo – Cúria Romana e seus
aliados, transnacionais, grandes empresas, agentes estatais, Executivo, Parlamento,
em breve a lógica do Capital.
No empenho em acompanhar o Papa Francisco, em sua visita missionária aos
povos do Chile e do Peru, cuido de lhes propor ouvir algumas de suas homilias.
Ao mesmo tempo, ouso compartilhar algumas linhas, ressoando certos traços
iniciais que recolho desta visita.
Com relação às homilias, trata-se de pronunciamentos densos, feitos por
alguém cujo compromisso vai muito além do plano institucional. Têm, antes, a
ver com seu compromisso de cidadão do Reino de Deus, visceralmente preocupado
com a vida do Planeta e dos povos, com a humanidade. Pronunciamentos de um
líder internacional, justamente num contexto de extrema escassez ou quase
completa ausência de figuras assim.
Trata-se de intervenções de um pastor impregnado do cheiro do rebanho,
até no que toca o uso do tempo: em dez minutos, é capaz de resumir sua
mensagem. Homilias temperadas de postura poética, a exemplo da que dirigiu aos
povos originários do Chile, em Temuco.
Abaixo, seguem os "links" de acesso a essas homilias:
1. Em
Santiago:
Em sua primeira Missa, na sua
visita ao Chile, o Papa Francisco fez uma homilia, que, entre outros aspectos,
chama a atenção, para a sintonia e coerência com seu objetivo, expresso desde a
saudação dirigida aos povos chileno e peruano, dias antes de sua viagem: ele
vem como um peregrino da paz, empenhado
em confirmar seus irmãos na esperança e no empenho pela justiça, porém por meio
de sua incessante busca de alcançar o coração das pessoas, delas aproximar-se,
olhá-las nos olhos, ver seus rostos. Sugiro escutar a homilia (menos de 10
minutos!, começando pelo minuto 8:47, aproximadamente do vídeo, acessado pelo
"link" :
Inspirado na leitura das bem-aventuranças, sem deixar de considerar o
conjunto das bem-aventuranças – os pobres, os mansos, os aflitos, os que
choram, os que perdoam, os de coração simples, os perseguidos, etc. -,
concentra-se na bem-aventurança dos construtores da paz. A partir daí, segue
questionando o que é mesmo estar a construir um mundo de paz, e, ao contrário,
o que significa também o perigo de falar-se em paz, com belos discursos e
promessas, e, NA PRÁTICA, pouco ou nada
se fazer, quando não se faz justamente o contrário do prometido...
2. Homilia
na Missa celebrada em Temuco
Terra emblemática na história chilena dos povos originários, em especial
o Povo Mapuche, Francisco apresenta-se comovido, a olhos vistos (“Ele parece
triste”, comentou-se). Era a expressão viva de quem sofre e se indigna,
solidário, impactado pela memória histórica e presente, carregada de opressão e
exploração, na carne daquelas gentes, tratadas como as suas gentes. Não é por
acaso que faz questão de recorrer ao idioma indígena para expressar sua
saudação inicial de solidariedade, de unidade, de esperança. Ancorado, como de
hábito, na leitura do Evangelho do dia, extraída do capítulo 17 de João,
versando sobre a unidade, cuida de interpretá-la, de modo contextualizado, isto
é, a partir da realidade concreta que cerca as gentes desta terra. Trata de
distinguir, já de início, unidade de uniformidade. O Evangelho de João chama à
unidade, desde o reconhecimento da diversidade, das diferenças culturais e de
outra ordem. Clama por unidade que tece os distintos fios existenciais, numa
perspectiva de mútuo enriquecimento pessoal e coletivo. Clama por uma unidade
que não se confunda com identificação ou assimilação imposta de uma cultura
alheia. Clama por uma unidade que não
signifique a imposição por uma cultura pretensamente “superior”, de
valores outros que não correspondem aos das gentes, em sua autonomia. Uma
unidade que se constrói pelo diálogo entre diferentes. Uma unidade que conduza
à paz, fruto da justiça. Uma unidade que não se constrói pelos descaminhos da
violência entre as partes.
Recomendo ver/ouvir a homilia completa (cerca de dez minutos),
acessando-se o “link”:
3. Homilia em Iquique
O mote da homilia, que recomendo ver/ouvir por meio do “link”:
https://www.youtube.com/watch?v=OceEKVJGCc8
vem, outra vez, do Evangelho de
João, desta feita, circunscrito ao primeiro dos sinais – o da transformação de
água em vinho, na festa de casamento, em Caná - realizados por Jesus.
Francisco, como de hábito, parte da situação concreta dos habitantes da região.
Situada na região norte do Chile,
Iquique se apresenta como área de forte imigração de gente – inclusive de
membros de povos originários – vinda de vários países limitados com este país.
As palavras iniciais de saudação, dirigidas pelo Papa, chamam a atenção pela
sensibilidade relativa a esta situação, daí sua saudação calorosa remetendo à
condição de acolhimento reinante na região, aos vários grupos de migrantes. Esta
condição desafiante não lhes tira o clima de festa e de alegria que buscam
experimentar e compartilhar. Aí ele já está a introduzir o tema axial da
homilia, desde as intuições inspiradoras da passagem do Evangelho de João: a
festa, a alegria, a solidariedade coletiva a pessoas envolvidas em situação
desafiadora: no caso, a falta de vinho, numa festa de casamento...
Uma das dez palavras-chave do seu universo vocabular a alegria é
retomada, em toda a sua ênfase. Como sói externar – e a encarna de modo
convincente -, a alegria constitui uma das marcas mais autênticas dos
discípulos e discípulas de Jesus. E a festa é um dos espaços propícios para
experimentá-la e compartilhá-la. Clima tão característico daquelas gentes que o
ouviam, atentas e solidárias, manifestando-o, inclusive, com fortes aplausos. O
relato do milagre das bodas de Caná despontava, como uma luva, como uma ocasião
extraordinária para a celebração da alegria, da solidariedade, da partilha. A
despeito dos dissabores e das dificuldades do dia-a-dia – ou justamente em
busca de superá-los -, é que faz sentido celebrar a festa, celebrar a alegria
de que o vinho é expressão emblemática.
Também em meio à festa, podem surgir dificuldades, como a falta de
vinho, numa casa de pobres. Têm lugar gestos de solidariedade, como o
testemunhado por Maria, mãe de Jesus, que, solidária e confiante, recorre à
ajuda do filho. E, de solidariedade em solidariedade, inclusive dos que atendem
ao pedido de Maria – “Façam tudo o que Ele lhes pedir” -, e sobretudo, com a
ação protagônica de Jesus, acontece o “ milagre “: o vinho volta à cena.
O recado do Papa, ainda que diretamente dirigido àquelas gentes atentas
de Iquique, também se dirige ao conjunto dos que se dispõem a participar do
Movimento de Jesus: devemos ser sempre portadores da alegria do Evangelho, para
além das dificuldades sobrevindas. Na experiência missionária do Papa
Francisco, em Santiago, em Temuco e em Iquique, eis o que, em resumo, pudemos
recolher, doravante atentos ao que se passará entre o Papa Francisco e as
gentes do Peru, em especial, os povos originários.
Olinda, 19 de janeiro de 2018
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