NO CORAÇÃO DA MATÉRIA, A ENERGIA
CRIADORA DO SOPRO FONTAL: a atualidade do legado de Teilhard de Chardin
Alder Júlio Ferreira Calado
Assim como sói acontecer a figuras livres e dotadas
de grande potencial criativo, que são escanteadas, censuradas, vigiadas e
punidas, muito deste estigma também se dará com Pierre Teilhard de Chardin. Seu
"crime": ousar pôr em prática o conhecido lema "Sientia ac
Fides" (Ciência e Fé), isto é, em vez de seguir os passos da cegueira de
quantos apostam na síndrome da disjunção ("Ou uma coisa OU
outra"...), Teilhard de Chardin consagra toda sua vida à árdua tarefa de
fundamentar e exercitar uma cultura conectiva: ciência e fé podem e devem
dialogar e caminhar juntas! Empenha-se, em suas sucessivas pesquisas, ao longo
de sua vida, em fundamentar heuristicamente uma leitura, uma compreensão
integrativa entre a energia criadora do Universo e a centralidade da ação do
Cristo Cósmico ("Ponto Ômega").
Em 2015, fez sessenta os da "grande
viagem" de Piere Teilhard de Chardin (1881-1955), este grande cientista
movido a uma pística Energia criadora, ao ponto de fazer de suas pesquisas em
distintas áreas de saberes - Biologia, Geologia, Paleontologia, História
Natural, Física, Química, Filosofia, Teologia... - matéria-prima para a
elaboração, ao longo de sua vida, de uma síntese magistral do processo
evolutivo, sempre marcada por uma Mística, por uma Espiritualidade da Criação
centrada no Cristo Cósmico. Com efeito, ao longo de seu fecundo percurso
existencial, foi guiado por esta Espiritualidade da Criação, tendo no Cristo
Cósmico o Ponto Ômega de todo o processo da Criação. Num tempo marcado por
falsas aporias, resulta oportuno rememorar aspectos fundamentais da reflexão
criativa de Teilhard de Chardin. Começamos por fornecer (aos não iniciados)
sumários dados biobibliográrficos. Em seguida, cuidamos de sublinhar aspectos
de sua densa contribuição à humanidade. Por último, tentamos explicitar
aspectos de sua atualiade, na perspectiva da construção de um outro mundo
possível e necessário. Em busca de entender como se deu tal processo, comecemos
pelas trilhas biobibliográficas desta figura.
1. Breve notícia biobibliográrida de
Piere Teilhar de Chardin
Pierre Teilhard de Chardin nasceu em Orcines
(França), em 1 de maio de 1881, de uma família de recursos. Sua mãe, de
profunda fé católica, e seu pai, um apaixonado pela Natureza, lhe transmitiram,
desde muito cedo, esses valores. Ambiente que se mostraria cada vez mais
propício para uma educação de um filho que, desde cedo, se põe em contato
e em permanente aprendizado e sucessivas e apaixonantes descobertas do mundo da
Natureza. Ainda cedo, frequenta um educandário de Jesuítas, que só faz
aprofundar sua vocação tanto para as pesquisas, nos diversos campos de saberes
da Natureza, como de seu percurso em busca do sacerdócio.
Num clima de permanente entusiasmo pelas pesquisas
científicas, cumpre seu tempo de Noviciado, entre os Jesuítas. Segue os cursos
de Filosofia e de Teologia, sem deixar de ser tocado pela curiosidade cósmica,
em função do que se entrega sucessivamente a estudos de Geologia, de
Paleontologia, de Biologia (Botânica, Zoologia), de Física, de Química, tornando-se
professor em várias destas disciplinas.
O período da I Guerra Mundial, durante o qual foi
chamado a ajudar a socorrer os feridos, como enfermeiro, o marcou
profundamente. Já se havia ordenado presbítero, então (1911). Após a Guerra
entre 1914-1918, viaja como participante de várias expedições e missões
científicas, na África (inclusive no Egito), na Ásia (China, Índia e outros),
também na América do Norte. Na China, participa da expedição que culmina com a
descoberta do Homem de Pequim, um relevante achado, no campo da Paleontologia.
É também na China, onde vive uma espécie de exílio, dada toda uma sequência de
perseguições, reprimendas, desconfianças e proibições por parte das instâncias
eclesiásticas, adversárias de suas descobertas que implicavam a necessidade de
revisão de dogmas estúpidos, que ele vai escrever sua obra-prima, O fenômeno
humano. Mas, de que o acusavam e que punições lhe infligiram? A quem entende a
Bíblia como uma narrativa pretensamente científica, não há como não incidir no
mais perverso fundamentalismo (como sucede, inclusive, em nossos tempos...).
Pretender-se que a narrativa do Gênesis sirva para explicar definitivamente o
surgimetno do mundo e da humanidade não há como não ver desmontados pelas
atuais pesquisas científicas os supostos fundamentos de quem crê cegamente no
relato bíblico. Desde suas primeiras publicações, Teilhard de Chardin suscitou
crescente desconfiança e adversidades. Teve que amargar a proibição de ensinar
em escolas, seminários e institutos católicos. Teve que amargar a proibição da
publicação de seus escritos de Teologia, um dos quais atinentes ao dogma do
pecado original... Foi, por isso, submetido a uma espécie de longo exílio que,
por outro lado, soube vivenciar criativamente, à medida que segue doando-se ao
trabalho de pesquisa, às numerosas expedições e escavações, em distintas partes
do mundo.
No que diz respeito à sua vasta obra, cumpre
lembrar que se tratava de alguém extraordinariamente habituado a escrever, com
frequência. Exemplo disto é o grande número de cartas - fala-se em milhares de
cartas -, destinadas a uma ampla rede de amigos e colegas cientistas, em
distintas partes do mundo. Aqui tratamos de destacar algumas de suas obras mais
conhecidas:
- Ciência e Cristo
- O Fenómeno Humano
- Hino do Universo
- Lugar do Homem no Universo
- O Meio Divino
- A Minha Fé
- Reflexões e Orações no Espaço-Tempo
- Sobre a Felicidade / Sobre o Amor
Convém assinalar que Teilhard de Chardin tornou-se
notabilizado, especialmente, pelo livro “O Fenômeno Humano”
Nos últimos dias de sua vida, esteve radicado nos
Estados Unidos, com grande reconhecimento pela comunidade científica.
Vítima de um segundo AVC, veio a falecer, em Nova Iorque, no dia 10 de
abril de 1955. Um ano antes de sua morte, tomou a sábia decisão de confiar, não
a instâncias eclesiásticas, mas à sua secretária, a guarda de sua obra. Graças
a tal iniciativa, é que, anos depois, coube a essa leiga tomar a iniciativa de
publicar a obra de Teilhard de Chardin. Vale lembrar que, por exemplo, a
condição humana acabou sendo publicada antes na Rússia do que na Itália...
2. Aspectos fundamentais da
contribuição de Teilhard de Chardin:
Nada do contexto de que viveu cercado, no plano
eclesiástico, sugeria o brotar de um Teilhad de Chardin, um ponto fora da
curva. O final do século XIX e as primeiras décadas do século 20 sinalizavam
uma conjuntura de forte conservadorismo eclesiástico. É completamente atípico
que se tenha dado, precisamente em tal contexto, o surgimento de uma figura do
perfil de Teilhard de Chardin. Por outro lado, sua trajetória familiar e suas
intuições profundamente criativas acabaram favorecendo a irrupção de ideais tão
subversivas.
Suas buscas e descobertas científicas, a par de sua
abertura de espírito em relação ao Sagrado, levaram-no, pouco a pouco, a ir
superando a tendência então dominante, a uma síndrome disjuntiva, em direção a
uma crescente ousadia de uma cultura conectiva. Embalado por esse clima
heurístico, suas intuições vão prosperar, vão frutificar. Fundamental, nesta
busca, o exercício de inter/transdisciplnaridade. Não é à-toa que investe num
múltiplo aprendizado, num vasto campo de conhecimentos da Natureza e do
Universo. Mais e melhor do que isto: cuida de interconectar adequadamente esses
campos. Sua intuição de Cosmogênese o leva a estar atento aos mínimos sinais
dessas manifestações, e a interligá-los, tal como vai aprendendo a conectar
passado-presente-futuro, e, graças à sua fé, fazendo-o movido pela esperança -
pela esperança de que o futuro será melhor do todo o passado, como se o
Universo, o Planeta, os humanos e toda a comunidade dos viventes caimnhassem
atraídos por sua vocação à plenitude, alimentada pelo Cristo Cósmico.
No caso do nosso
Planeta, por exemplo, suas pesquisas e sua postura mística o fazem enxergar uma
rede de relações a conectar a barisfera, a litosfera, a hidrosfera,a atmosfera,
a noosfera, todas envolvidas pela Cristosfera, o "Ponto Ômega". A
este respeito, cumpre observar que tal postura de se colocar no mundo, no
Universo, acarreta consequências relevantes. Implica, por exemplo, uma
incessante postura de busca em direção ao Ponto Ômega. Por sua vez, tal estado
de busca induz a uma crescente abertura aos sinais da vida, que, em
consequência, induz a um contínuo aprimoramento dos sentidos: do ver, do ouvir,
do olfato, do tato, do paladar, da intuição... Em breve, tudo acaba favorecendo
uma compreensão do sentido da vida, em direção à plenitude, a um incessante
processo de humanização, em harmonia com os demais parceiros do Universo.
Compreensão progressiva, atravessada pela Espiritualidade da Criação,
tornando-nos protagonistas ou co-criadores deste Universo, pela força do Sopro
Fontal que nos habita e que nos impulsiona à plenitude, para alem de nossas
prórprias insuficiências e debiliades de seres históricos.
3, Da atualidade do
legado de Pierre Teilhard de Chardin
Costumamos assinalar que uma das marcas dos bons
clássicos e contemporâneos é a extraordinária longevidade de seu legado. Eis o
que constatamos em figuras como Ibn Khaldun, Machiavelli, Cervantes,
Shakespeare, Hegel, Marx, Rosa Luxemburgo, Gramsci, José Carlos Mariátegui,
Freire, José Comblin, entre outros. Sua produção não perde atualidade. Assim
também observamos isto em Pierre Teilhard de Chadin. Aqui sublinhamos alguns
conceitos ou categorias que nele encontraram sólida inspiração (explícita ou
menos explícita), tais como a de "Complexidade", da de "Holística",
a de "Plêroma", “Conscientização”, entre outras.
Teilhard de Chardin,
a exemplo de outras personagens com semelhante perfil criativo, é interpretado,
com frequência, como homem além do seu tempo. Avalio tal interpretação como
parcialmente pertinente, pois também me parece haver aí algo pouco visto: o
fato de alguém viver num tempo aquém das potencialiades dos contemporâneos.
Seja como for, hoje diversificam-se as expressões de reconhecimento - tardio! -
feitas por agentes eclesiásticos, da relevância da contribuição de Teilhard de
Chardin... Fato que se dá, também, em outros espaços sociais. Destaquemos, de
passagem, alguns pontos de excelência de sua contribuição à humanidade. Como,
por exemplo, não reconhecer sua atualidade, no tocante à categoria "Complexidade"?
É claro que não se deve a ele atribuir qualquer paternidade, mas podemos
observar o lugar preponderante que tal conceito ocupa em suas pesquisas. A
constatação da evolução desde estágios mais simples a situações mais complexas,
e cada vez mais complexas, assumidas pela realidade. Como ignorar a força que
ocupa, em seus trabalhos, da convicção do conceito de "Conexão" ou
"Interligação" ou "Interação" ou que outro nome tenha? Com
efeito, como tal conceito pervade sua obra! Inclusive, no tocante à Espiritualidade
que ele experiencia, na convicção da manifestação do Cristo Cósmico ou do
"Ponto Ômega" nas mais singelas e minúsculas expressões do Universo,
do Planeta, da Natureza?
Como ignorar,
igualmente, o lugar do conceito de "Cotidiano" que subjaz ou se acha
explicitamente presente em seu legado? A convicção da ubiquidade divina no
espaço e no tempo, em cada momento de nossa co-existência - coexistência como e
com os humanos e com toda a comunidade dos viventes, com todas as manifestações
(reinos mineral, vegetal e animal)...
Outro conceito bem
presente em seu legado é o de “integralidade”, no sentido de “Totalidade”, de
“Holística”. É, com efeito, patente seu cuidado de aproximar-se da realidade -
uma realidade sempre em movimento -, como algo alcançado ou atravessado por um
tempo contínuo (passado - presente - futuro), donde a importância que atribui a
memória dos vestígios humanos e do próprio planeta há bilhões de anos. Ao
revisitar este passado, trata de conecta-lo com o presente e com o futuro.
Revisita o passado, sempre animado pela esperança da construção de um futuro
melhor do que qualquer passado, o que o engaja permanentemente no compromisso
de ajudar a fazer do presente uma ponte.
Um outro aspecto do
legado Theilhardiano, que se revela pleno de atualidade, tem a ver com uma
dimensão pedagógica por ele trabalhada. Transparece nele a obra de um exímio
Pedagogo, a medida que concebe ser tarefa do ser humano buscar extrair o
que melhor têm os humanos a oferecer. Não menos impactante é a fonte da
Espiritualidade da qual e na qual busca beber, à medida que exercita
diuturnamente a mística da Criação.
- Para além das determinações eclesiásticas: a
inspiração familiar
- A força de sua Espiritualidade: a vocação
investigativa como um modo de viver sua fé
- A Educação dos sentidos em Chardin
3. Atualidade do legado de Teilhard de
Chardin
Costumamos assinalar que uma das marcas dos bons
clássicos e contemporâneos é a extraordinária longevidade de seu legado. Eis o
que constatamos em figuras como Ibn Khaldun, Machiavelli, Cervantes,
Shakespeare, Hegel, Marx, Rosa Luxemburgo, Gramsci, José Carlos Mariátegui,
Freire, José Comblin, entre outros. Sua produção não perde atualidade. Assim
também observamos isto em Pierre Teilhard de Chadin. Aqui sublinhamos alguns
conceitos ou categorias que nele encontraram sólida inspiração (explícita ou
menos explícita), tais como a de "Complexidade", da de
"Holística", a de "Plêroma", “Conscientização”, entre
outras.
Sugestões de vídeos:
Documentaire sur la vie de Pierre Teilhard de
Chadin:
Conferencias sobre la vida y la obra de Teilhard de
Chardin:
João Pessoa, 13 de
Janeiro de 2018.
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