CIDADANIA PARA ALÉM DO JOGO DE CARTAS MARCADAS
Admitindo ser meu
eventual equívoco de interpretação do atual momento, confesso ter enorme
dificuldade em me alinhar aos critérios de analises dominantes no campo das
forças de esquerda, vira e mexe, atônica das preocupações centra-se no trivial:
falcatruas do Governo Temer, eleições, alianças, candidatura de Lula... É claro
que estas também são questões que devem permear as forças que buscam um novo
tempo, mas me preocupa a centralidade destas inquietações, se queremos de fato
ir além do corriqueiro ou mesmo das cartas marcadas do jogo eleitoral. De pouco
têm valido reiteradas manifestações e alerta, quanto a necessidade e urgência
de ousarmos fazer nossa autocrítica, admitindo nossa parcela de
responsabilidade no desfecho político que amargamos. Sem tal ousadia corremos o
risco de reeditar nossas práticas e nossos deslizes ético-políticos.
Ao revisitar arquivos
que julgava perdidos, eis que encontro este, sob o título “CIDADANIA PARA ALÉM
DO JOGO DE CARTAS MARCADAS”, que se achava apenas iniciado. O referido arquivo
estava datado de fevereiro de 2006.... Dadas as inquietações-chave então
experimentadas, percebo, com tristeza, que o quadro conjuntural talvez traga
mais continuidade do que descontinuidades. Resolvi, por tanto, partindo daquele
texto incompleto, alinhavar algumas notas sobre minhas-nossas inquietações
presentes.
Que considerações
foram registradas, naquela oportunidade? Entre aspas, trato de trazer à tona,
aquelas linhas:
“LISTA DE ARGUMENTOS
* EVIDÊNCIAS:
- SUJEIÇÃO E FAVORECIMENTO AO
CAPITAL FINANCEIRO, O SETOR MAIS PARASITÁRIO DO CAPITALISMO;
- ENDIVIDAMENTO RÉCORDE DO PAÍS
- SUJEIÇÃO ÀS GRANDES POTÊNCIAS
(PRESENÇA MILITAR NO HAITI)
- RESPONSABILIDADE POR DESASTRES
ECOLÓGICOS NA AMAZÔNIA COM GENTE DO PT DIRETAMENTE IMPLICADA, INCLUSIVE NO
PROJETO DE TRANSPOSIÇÃO DO SÃO FRANCISCO
- OPÇÃO PELO AGRONEGÓCIO
- DESCUMPRIMENTO DA PROMESSA DE
REFORMA AGRÁRIA
- GERAÇÃO DE EMPREGOS
INSUFICIENTES
- ARROCHO SALARIAL
- SUPERESTIMAÇÃO DAS MIGALHAS
ORÇAMENTÁRIAS DESTINADAS AOS PROJETOS SOCIAIS
- EXPANSÃO DAS UNIVERSIDADES SEM
ASSEGURAR AS CONDIÇÕES INFRAESTRUTURAIS DIGNAS DAS JÁ EXISTENTES
- CONTINUAÇÃO DA SUBORDINAÇÃO ÀS
AGÊNCIAS REGULADORAS
- HIPERTROFIA DOS GASTOS COM
PROPAGANDA
- INTERMINÁVEL IMPLICAÇÃO DOS
DIRIGENTES DO PT COM MARACUTAIS
- INCAPACIDADE DO CONGRESSO
QUANTO A MUDANÇAS SIGNIFICATIVAS
- INEFICÁCIA DE LEIS TAPA-BURACO
- NIVELAMENTO DO PT AOS PARTIDOS
DA ORDEM
- MILITÂNCIA PERDE TEMPO EM
BUSCAR TIRAR LEITE DE BODE
- DESCOMPROMISSO OBJETIVO COM
PASSOS INOVADORES
Sobretudo nos últimos anos, tenho
sido cada vez mais tocado pela relevância (ainda pouco reconhecida - a julgar
pela apatia da enorme maioria dos protagonistas) das relações humanas e sociais
do cotidiano. E mais do que todas, as que são pouco perceptíveis, quase
invisíveis: as micro-relações do dia-a-dia, em todas as esferas da realidade.
Impacta-me especialmente sua eficácia, sua capacidade
de enraizamento nas pessoas e nos grupos. Têm um peso considerável, decisivo,
no equacionamento dos processos humanos e sociais. Constituem um fiel
mostruário dos reais valores dominantes em qualquer sociedade.
Restrinjo-me aqui
a algumas notas sobre uma única dimensão: as relações da esfera política. O
exercício da Cidadania no cotidiano acena, com poderosa fidelidade, para as
características mais profundas da forma do exercício do poder em sua dimensão
macro-relacional: as relações Sociedade-Estado-Governo (Parlamento, Partidos
Políticos).
Para tanto, parto
de alguns recortes casualmente extraídos da mídia, no dia 08//02/2006 (Poderiam
ter sido recolhidos de qualquer outro espaço social e em qualquer outro dia). O
primeiro vem de mais uma reportagem convencional sobre a maciça reação do mundo
muçulmano à publicação de “charges” em jornais ocidentais ofensivas à religião
islâmica. Desde o início, os enfoques se restringem à mera publicação das
“charges”, sem qualquer vínculo com o tratamento dispensado aos muçulmanos.
Sucessivas
experiências desastradas no terreno governamental e político-partidário
convencional parecem não mexer suficientemente com os brios de suas principais
vítimas: os empobrecidos e seus aliados.
Eleição vai,
eleição vem, todo o mundo sabe quais os resultados finais concretos, e a
tendência quase unânime é continuar reproduzindo a estrutura, sempre na vã
esperança de que “o próximo Governo e o próximo Parlamento serão melhores”...
De pouco ou nada adianta lembrar uma constatação ao alcance de todos: eleição
não muda realidade social. Nunca mudou, em nenhuma sociedade, em tempo algum.
Mas, continuamos fazendo ouvidos moucos, e apostando com unhas e dentes na
chegada de um salvador.
- Claro que há ganhos,
no Governo Lula. A rigor, a nenhum Governo devem ser imputadas apenas perdas.
Por pior que seja, um Governo, até por instinto de sobrevivência, precisa
“mostrar” alguma coisa. Isso não está em discussão. O problema é: numa
avaliação global de um Governo que se pretende de esquerda, abrangendo todas as
esferas da realidade social, para que lado efetivamente pende a balança? ”.
A partir das linhas acima revisitadas, permito-me
compartilhar alguns questionamentos:
- A exemplo de Fernando Cardenal, ex-Ministro de Educação
do Governo Sandinista, que ousou fazer autocrítica em relação aos revezes
eleitorais sofridos em 1990, será que nós também somos capazes de reconhecer
nossa parcela de responsabilidade ético-política no trágico desfecho que se
seguiu aos governos Lula e Dilma?
- Será que ousamos refrescar nossa memória histórica (recente
e menos recente) de um tempo em que fomos capazes de buscar coerência em nossas
ações organizativas, formativas e de mobilização?
- Até que ponto deixamos de lado os riscos de apostar todas
as fichas na conquista dos espaços governamentais, em prejuízo crescente de
nossa ação junto às bases?
- Segue ou não atual o famoso alerta da personagem José Dolores, do filme "Queimada": "É melhor saber para onde ir, sem saber como, do que saber como e não saber para onde ir."?
- Segue ou não atual o famoso alerta da personagem José Dolores, do filme "Queimada": "É melhor saber para onde ir, sem saber como, do que saber como e não saber para onde ir."?
João Pessoa, 14 de agosto de 2018.
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