O capítulo sétimo, adiante resumido, trata da preferência de Jesus pelos pobres, os doentes, os necessitados, os pecadores... O autor destaca a situação socioeconômica reinante na Galiléia e arredores, inclusive nos principais centros urbanos, tais como Cesaréia e Séforis. Ao assinalar as extremas desigualdades sociais aí reinantes, em especial entre o modo de vida das elites urbanas e a pungente penúria da vida dos camponeses da Galiléia, o autor vai mostrando, com fundamento nos textos bíblicos, sobretudo nos Evangelhos, bem como em autores especialistas no campo estudado, como Jesus tratava de exercitar incansavelmente sua solidariedade com os últimos daquela sociedade, ao tempo em que cuidava de desmascarar os mecanismos de opressão política, de exploração econômica e de marginalização cultural, de que eram vítimas os empobrecidos. E Jesus o fazia, como de hábito, por meio de parábolas. Uma delas, a do pobre Lázaro e a do rico que se banqueteava, insensível ao sofrimento dos pobres. Enquanto o rico epulão – acompanhado de seus comparsas, deliciava-se em seus banquetes Nababescos, a massa sobrante dos pobres da cidade e do campo – dos quais Lázaro constitui uma representação emblemática -, se arrastava, coberto de feridas, que os cães vinham lamber, atrás de migalhas jogadas ao chão pelos banqueteadores. Tempo depois, Lázaro vem a falecer, e é acolhido por Abraão. Também, o rico vem a morrer, e vai para o “Sheol” (lugar da infelicidade), onde, ao avistar Lázaro, agora feliz, na companhia de Abraão, no Paraíso, e a este se dirige, suplicando que Abraão mande a Làzaro, de volta à terra, até seus irmãos, para avisá-los do lugar terrível em que ele, o rico insensível ao sofrimento dos pobres, agora se acha, pedindo que Lázaro vá advertir seus irmãos, para evitarem de fazer o mal. Mas, intervindo, Abraão declara haver um abismo insuperável entre ele e Lázaro, e que não adianta que Lázaro desça para advertir os irmãos do rico, pois lá eles têm os profetas, então que os escutem. O rico contesta, afirmando que eles só escutariam, se lhes fosse enviado um morto, ao que Abraão retruca, dizendo que, se eles não escutam os vivos, tampouco escutariam um morto. Ao recorrer à parábola, como seu instrumento pedagógico predileto, o autor afirma que a intenção de Jesus é menos a de descrever a vida no além, e mais a de denunciar as injustiças sociais clamorosas daquela sociedade.
Outras parábolas e episódios evangélicos são ainda mencionados pelo autor, sempre com o propósito de mostrar que os últimos são os prediletos da ação misericordiosa de Jesus: os leprosos, os cegos, os coxos, os surdos, as mulheres marginalizadas, os pobres, os pecadores, os injustiçados, em favor de quem sempre agiu, e por causa de quem foi acusado de “comilão” e “beberrão”. Um Jesus tão humano – é o que o autor cuida de nos mostrar, bem fundamentado na Sagrada Escritura e em vasta documentação pesquisada.
Como em toda sociedade de classes, também a Galiléia do tempo de Jesus achava-se marcada pela segregação e por profundas desigualdades sociais. Na base daquela pirâmide social, estavam os desvalidos, os indesejáveis, a massa sobrante, os "Zé-Ninguém", os desclassificados, os que viviam à margem: mendigos, vítimas da prostituição, aleijados, cegos, leprosos... Eram vítimas de múltipla segregação: econômica, política, cultural, religiosa. Viviam explorados pelos grandes latifundiários de então, trabalhando (se e quando encontravam algum trabalho, como diaristas). Mal conseguiam obter o pão de cada dia. Também sofriam o peso da dominação de classe, de religião e dos valores predominantes. Eram igualmente desprezados em sua vida cultural, sendo-lhes vedada a participação em eventos privativos dos puros. Eram, portanto, segregados também pela religião, vítimas da cruel vigência de 2 códigos que regiam o cotidiano das relações sociais de então: o código da exclusão sócio-econômica e o código da santidade (ou da "pureza").
no que diz respeito ao código
da santidade, viviam excluídos dos espaços considerados puros, em especial do
templo, a grande marca dos puros (dos sacerdotes, dos fariseus, enfim, dos
"puros"). A novidade irrompe nas práticas e no estilo de um profeta
chamado Jesus. Não apenas sua pregação, mas sobretudo suas práticas se
confrontavam fortemente com os valores dominantes. Não apenas porque acolhia
ternamente os "debaixo", mas a eles se misturava, conversando,
fazendo refeições e brindando, donde a acusação e o estranhamento dos que com
ele se escandalizavam, chamando-O de "comilão", "beberrão",
cúmplice dos pecadores.
É, sobretudo, no tópico
seguinte - "amigo dos pecadores"-, que o autor cuida de descrever o
comportamento de Jesus face a esse conturbado contexto. Enquanto, de um lado,
imperavam as práticas de segregação, Jesus aparecia como um verdadeiro rebelde
a esses valores dominantes. Diferentemente da lógica ritualística,
característica do Antigo Testamento, em que segundo o livro do levítico e
outros, vigia o código de santidade (o essencial é cumprir centenas de normas
para se mantes santo), Jesus, por sua vez, contrapunha um outro código - o
código da compaixão. Em consequência desta reviravolta trazida por Jesus, a
santidade se traduzia, não pelas formalidades ritualísticas praticadas em nome
de Deus mas pelas práticas de compaixão, de acolhimento, de solidariedade com
as vítimas daquele sistema: os pobres, os mendigos, os paralíticos, os cegos,
os surdos, os leprosos, as mulheres...
O capítulo "Defensor dos últimos" encerra-se com uma longa e pertinente reflexão sobre a atitude de Jesus em relação aos marginalizados, aos discriminados, aos desvalidos: atitude de compaixão, de acolhimento, de profundo respeito pela sua dignidade de pessoas e de incentivo à recuperação de sua auto-estima, sabendo-se como filhas e filhos de Deus muito amados. Eis por que cai como uma luva aquela parábola do rei que preparou um grande banquete para os seus amigos - pessoas privilegiadas pela sua condição sócio-econômica, tendo com elas ajustado data. Ao preparar o grande banquete, envia seu servo a confirmar a festa junto aos mesmos convidados. Estes, porém, um após outro, se põem a desculpar-se, inventando os mais deferentes motivos, para não irem ao banquete. Contrariado com a recusa, o rei torna a enviar seu servo, desta vez, a quem encontrasse pelas praças e pelas ruas, convidando a todos, independentemente de sua condição: cegos, coxos, mendigos. Nem esta ordem tendo surtido o efeito desejado, mandou o rei que o servo voltasse e compelisse a trazer quem encontrasse, inclusive os forasteiros. Em sua reflexão, o autor deixa clara a proposta do Reino de Deus: acolher a todos em Seu banquete, sem qualquer discriminação. Eis por que Jesus se mostra amigo dos pecadores, tendo mesmo chegado a advertir os que se têm como "puros", de que os publicanos e as prostitutas os precederão, no Reino dos Céus, e que não são os sadios que precisam de médico, mas sim os doentes.
João Pessoa, 28 de agosto de 2018.
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