Alder Júlio Ferreira Calado
Pelo 56º ano consecutivo, a Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB) realiza a Campanha da Fraternidade (CF), e, há vários anos em
periódica parceria com o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), tem-se
empenhado em despertar a consciência-cidadã de cristãos e cristãs a partir de
temas e lemas atinentes a urgências conjunturais. Neste ano, a CF chama a
atenção de seu público para o desafio das Políticas Públicas. A exemplo de outras
precedentes, costuma realizá-las recorrendo a um conjunto de materiais
didáticos, dentre os quais o texto-base, sempre utilizando-se do método
Ver-Julgar-Agir.
A despeito dos limites inerentes a uma campanha (inclusive de
duração insuficiente), a CF tem contribuído para um exercício crítico dos
cidadãos e cidadãs, em vista de suas responsabilidades políticas. Não
bastassem, porém, os limites de toda campanha, acresce o desafio de estarmos
experimentando uma conjuntura de adversidades mais graves, em especial, a que
diz respeito à ofensiva de um capitalismo extremamente ávido de sangue de
humanos e de crescentes agressões ao Planeta e à comunidade dos viventes. É,
também, o caso do Brasil de hoje. Nas linhas que seguem, cuidamos de situar
brevemente alguns aspectos deste desafio de monta ao tempo em que
compartilhamos nossas inquietações e esperanças.
A avidez
do Mercado capitalista e seus aliados
Desde suas origens, mas mais recentemente, por exemplo, nos
inícios desse século, o capitalismo vem ampliando sua voracidade pelo mundo
afora. Também, no Brasil. Que nos seja suficiente um rápido olhar sobre as
políticas econômicas impostas aos Estados Nacionais, por estas grandes
corporações transnacionais, atingindo todo o espectro dos mais distintos setores
da economia – do Agronegócio às Empresas de Mineração, dos mais diversos ramos
industriais à voracidade financista, representada principalmente por seus
paraísos fiscais, e alcançando atividades outras, seja no campo da cultura, da
educação e até das religiões...
Trata-se, com efeito, de um gigantesco desafio, não apenas
pela grosseira ofensiva e avidez de lucro destas transnacionais, mas também por
uma conjuntura histórica bastante vulnerável enfrentada por nossas organizações
de base, em especial os movimentos sociais populares. Tal fragilidade acirra
ainda mais a cobiça destas grandes empresas capitalistas, bem como do seu setor
parasitário – o financista. Lembremo-nos de passagem, dos recentes crimes socioambientais
praticados pela Vale e suas parceiras. São apenas 2 exemplos, mais visíveis de
tragédias humanas e ambientais que, além de agredirem mortalmente nosso
ambiente, ceifam inúmeras vidas humanas, além de ameaçarem gravemente as
condições de vida de grandes setores de nossa população – povos indígenas,
comunidades quilombolas, ribeirinhos, pescadores, etc. Eis apenas uma
ilustração de tragédias socioambientais relativas a um único ramo da economia,
devendo nós estar lembrados de que, em nossa sociedade, a presença dessas transnacionais
se estende a tantos outros ramos de nossa economia.
Outro aspecto complementar deste cenário de impasses,
enfrentado pela CF 2019 prende-se aos graves limites da atual conjuntura
brasileira, no âmbito governamental. As forças sociais eleitoralmente
vitoriosas mostram-se bem afinadas aos apelos privatistas mais escancarados,
sob o argumento de que, para se reduzir os impactos deletérios da atual crise,
que o Brasil vive, já há cerca de quatro anos, não há outra saída senão a de
abrir mão de grande número de empresas estatais, a serem tocadas pela
iniciativa privada, nacional ou internacional. Outra estratégia acenada é a de
modificar a legislação socioambiental, de modo a desobstruir óbices à ampliação
de terras a serem utilizadas pelo agronegócio e à mineração, ainda que
contrariando frontalmente os interesses dos povos indígenas, das comunidades
quilombolas e da população ribeirinha e outros grupos tradicionais. Nesse sentido,
as forças governamentais fazem coro com as grandes organizações transnacionais
que já se manifestam contrárias ao Sínodo Pan-Amazônico, previsto para
realizar-se, em outubro vindouro. A
atual conjuntura governamental ainda apresenta gigantescos desafios às
políticas públicas preconizadas pela CF 2019, em diversas outras áreas: na
dramática situação trabalhista, agravada com a recente aprovação da “Reforma”
Trabalhista, que ataca gravemente direitos fundamentais do mundo do trabalho,
sob vários aspectos; a naturalidade com que se acomoda à dívida pública
estratosférica, a omissão ou recusa em cobrar altíssimas dívidas de gigantescas
empresas (Itaú, Bradesco, Santander...), grandes devedoras da Previdência
Social; graves ameaças e perseguições aos movimentos sociais populares
(indígenas, quilombolas, camponeses, operários, mulheres, população LGBTI),
perseguição aos valores da Cultura Popular, em razão da agressividade
fundamentalista das religiões dominantes...
O que
resulta possível fazer-se em cenários tão desafiantes?
Ainda que se trate de uma campanha – e, portanto, de uma
iniciativa passageira -, e ainda que se tenha clara a natureza complexa e ampla
dos desafios presentes, sempre é possível e necessário fazer-se alguma coisa, e
para bem além do tempo quaresmal. A seguir, tratamos de pontuar alguns aspectos
que podem merecer especial atenção, sobretudo se enfrentados com base em alguns
critérios tais como:
- os problemas existem para serem enfrentados e resolvidos,
ainda que saibamos que dificilmente conseguimos resolver alguns deles, a contento:
sempre há o que neles aprimorar;
- mesmo necessitando enfrentá-los, alguns a curto prazo;
outros, a médio e outros a longo prazos, até estes últimos para serem
resolvidos, necessitam ser enfrentados, desde já, passo a passo;
- tal é a relação de profunda interação que envolve todos esses
problemas, que dificilmente serão resolvidos de modo isolado, um dos outros: há
um nexo orgânico entre todos eles, razão por que devem ser enfrentados
igualmente de modo interconectado, com a devida dosagem;
- isto não impede que, por exemplo, durante uma campanha como
a CF 2019, não possamos priorizar os que nos pareçam mais urgentes.
Quais, então, priorizar? Aqueles que se mostram de natureza
mais diretamente econômica - a questão da dívida pública, a política trabalhista,
a política tributária, as grandes políticas econômicas, etc.? Ou partimos do
enfrentamento das políticas públicas voltadas a questões de gênero, etnia,
geração, moradia, transporte público, etc.?
Sem esquecermos nenhuma delas, e sem que nunca deixemos de ter
presentes sua interconexão orgânica, parece mais razoável a concentração de
esforços naquelas que mais diretamente incidem sobre o cotidiano de nossas
comunidades, isto é, cabe a cada comunidade definir quais as que devem ser
enfrentadas, com mais ênfase, durante a CF. Comunidades há que enfrentam mais
diretamente o drama hídrico (sem que se descuidem de outras); outras há, em que
as doenças provenientes do envenenamento do solo, do subsolo, das águas e dos
rios entendam dever priorizar; outras se sentem mais duramente impactadas pelas
ameaças de rompimento de barragens, enquanto outras priorizam o aprofundamento
de técnicas alternativas de convivência com o Semiárido, havendo outras
sentindo-se aflitas com a incidência insuportável dos índices de feminicídio e
de assassinatos e violações aos direitos da Comunidade LGBTI. E assim por
diante.
Salvo alguns desses casos, que supõem um assumir mais
explícito do Estado, boa parte desses e de outros desafios é possível enfrentar
– como, aliás, já se fez, em passado recente ou menos recente – por meio de
iniciativas autônomas da sociedade civil, onde se colhem resultados excelentes,
sob vários aspectos: mais empoderamento de nossas organizações de base; mais
autonomia quanto às decisões tomadas, nos mais distintos momentos do processo;
resultados mais duradouros; fortes marcas de democracia direta, favorecendo um
protagonismo mais sólido dos sujeitos participantes, entre outros.
Se a CF 2019 conseguir ajudar a despertar a consciência
crítica de parcelas consideráveis de nossa sociedade, já terá alcançado pelo
menos parte expressiva de seus objetivos. E o que significa isto, na prática?
Significa, por exemplo, valer-se dos seus materiais didáticos para promover
reuniões, encontros em pequenas comunidades, no mundo rural e nas periferias
urbanas, com o objetivo de interpelar o mundo cristão, de sua responsabilidade
de cidadãos e de cidadãs, a serviço da causa libertadora do Reino de Deus e Sua
justiça. A partir das características sócio-eclesiais dessas comunidades, buscar
desvelar o que o sistema oculta de sua vista. Significa dotar os cidadãos e
cidadãs de instrumentos capazes de ajudá-los a desvendar e desmontar os
esquemas ideológicos utilizados pelo Estado e seus agentes, fazendo crer à
população de uma suposta impossibilidade ou falta de recursos para enfrentar os
grandes dramas de nossa população. Significa ajudar os cidadãos e cidadãs a
desmascararem tantas reformas perversas votadas contra o povo brasileiro, a
exemplo da “Reforma” Trabalhista, um verdadeiro desmonte das leis de proteção
dos direitos dos Trabalhadores e Trabalhadores, com o completo esvaziamento da
CLT, sob o pretexto de “modernizá-la”, prometendo a abertura de milhões de
empregos, enquanto a realidade, um ano após tal desventura, segue atormentando
a vida de mais de 12 milhões de desempregados, sem contar o enorme número de sub-empregados
e mal-empregados. Significa, ainda, ajudar os cidadãos e cidadãs a resistirem à
perversidade que se arma com a suposta reforma da Previdência Social, quando se
sabe que o grande interesse de seus defensores é escancarar mais ainda as
portas para a privatização da Previdência, entregando-a a cargo dos bancos e
organizações financistas, o lado mais podre do sistema capitalista. Significa
ajudar os cidadãos e cidadãs a se integrarem nos movimentos populares
comprometidos com políticas agroecológicas, em várias frentes, incluindo até as
feiras agroecológicas. Significa incentivar iniciativas de novas tecnologias de
convivência com o Semiárido. Significa promover iniciativas de apoio a
políticas públicas voltadas para as mulheres, os jovens, as crianças, os
adolescentes, às pessoas idosas, política carcerária, política sanitária, bem
como os sujeitos da questão de gênero, de etnia, a questão agrária e agrícola,
a demarcação de terras indígenas e quilombolas, entre outras iniciativas.
João Pessoa, 12 de março de 2019
Parabéns por sua fala,clara e real na qual a nossa sociedade passa nos dias de hoje. Tive o praxer de estar com o senhor em dois momentos: Pastoral da Criança e Caritas Diocesana no curso de formação Política e Participação Social.
ResponderExcluirAdorei,
#Alder Calado
O mundo precisa denunciar os desmandos;há uma falta de conhecimento tão grande,é tantos que se aproveitam dessa falta, para alienar e aliciar,grandes líderes religiosos, há que mudar suas práticas,pois arrebatam milhares de pessoas,para a escuta;Vamos fazer conhecer os arrebatamento a que são submetidos o nosso povo e povo de Deus.
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