Alder Júlio Ferreira Calado
São plurais os caminhos inspirados
pelo Espírito do Ressuscitado aos e às que buscam ser solícitos ao Seu
seguimento. Assim tem sido, em todos os tempos e lugares. Também hoje. Há, com
efeito, uma diversidade considerável de formas de atendimento aos apelos do
Sopro Fontal, do Espírito Santo, em sua atuação no mundo e ao interno das
Igrejas cristãs. Uma ilustração didática do que estamos a evocar faz-se
presente, por exemplo, na diversidade de formas de aturarem como missionárias e
missionários os diferentes grupos e comunidades ligados à Teologia da Enxada.
Aqui se observa um leque de opções missionárias em curso: peregrinos e
peregrinas, missionários e missionárias do campo, contemplativos e
contemplativas, formadores e formadoras missionários e missionárias atuando nas
periferias urbanas, etc. São, todas, formas distintas de atendimento ao
chamado do Ressuscitado: "Não foram vocês que Me escolheram, mas fui Eu
quem os escolhi, e os enviei, para que vocês vão e produzam frutos, e estes
frutos permaneçam." (Jo 15, 16). E assim se faz pelo mundo a fora. Tais
formas de atuação missionária, por estarem vinculadas ao chamamento do Espírito
Santo, também têm a ver com situações concretas, tais como: conjunturas
sócio-eclesiais específicas, escolhas pessoais em função de vocação pessoal,
urgências históricas, no âmbito sócio-eclesial, etc. Nas linhas que seguem,
propomo-nos a considerar alguns elementos atinentes a uma dessas urgências missionárias
contemporâneas, a saber, a produção teológica pelas mulheres.
É gratificante constatar o crescente
número de mulheres - religiosas, leigas (consagradas ou não), a assumirem, em
distintas partes do mundo, e em diferentes igrejas e mesmo ao interno de
confissões não-cristãs, o desafio de produzirem teologia. Tal tendência é algo
a ser saudado, com entusiasmo. De fato, quando comparamos, em passado recente,
ou menos recente, o número de mulheres dedicadas às pesquisas teológicas em
relação ao número de homens, as distâncias pareciam astronômicas. Que bom que
isto esteja mudando! Por outro lado, também convém termos presentes as
desigualdades ainda persistentes. E isto tem feito uma diferença significativa,
sobretudo num mundo afetado gravemente por tendências androcêntricas e
fundamentalistas. E aqui, também, o âmbito teológico tem um papel decisivo.
Nos mais distintos domínios de
saberes - do campo filosófico à esfera das religiões; da área científica à
literatura e as artes, etc., pesquisas recentes têm revelado aspectos impactantes
em seus resultados, ou melhor, em todo o seu processo, quando conduzidos por
mulheres, sob a perspectiva feminista. No caso da história do Medievo, por
exemplo, as pesquisas de perfil feminista vêm trazendo revelações emblemáticas,
à medida que aprofundam a compreensão do lugar privilegiado das sábias
medievais, relegadas, durante séculos, à invisibilidade autoral. Acerca destas
descobertas há uma literatura acadêmica significativa (ver, por ex., indicações
biobibliográficas constantes no livro de Georges Deuby e Michelle Perrote. História
das mulheres, vol. II, Porto: Afrontamento, 1990).
Nosso propósito, nas linhas que
seguem, restringe-se a breves notas sobre o campo específico da produção
teológica por mulheres, inclusive no campo da exegese.
À semelhança do que sucede nos campos
filosófico, histórico e literário, atinentes à Idade Média, cumpre observar os
avanços notáveis também em curso na área da Teologia, como podem ser atestados
por autoras tais como Fiorenza, Gebara, Marinella Perroni, Teresa Forcades,
entre outras. Que aspectos podem ser sublinhadas da excelência de tais pesquisas?
Tal como já vinha acontecendo, desde algumas décadas, em relação às pesquisas
bíblicas voltadas para uma releitura dos textos sagrados, sob a perspectiva dos
pobres na América Latina (ver, a este respeito, por ex., a expressiva obra
sobre a história da Igreja na América Latina, do ponto de vista do povo, conduzidas
pela Comisión de la Historia de la Iglesia Latinoamericana y Caribe, também se
passa com relação ao olhar feminista. A condição de gênero implica, com efeito,
modos distintos e, por vezes, antagônicos, de se apreciar o mesmo texto sagrado.
Como as traduções das Sagradas Escrituras, durante séculos, foram obra de
homens, tem resulto uma tendência à cristalização das interpretações da Bíblia
(e de qualquer outro texto sagrado) feitas por homens, sob os mais diferentes
aspectos. Narrativas vétero e neotestamentárias que o olhar masculino
interpreta de um modo, comportam notáveis diferenças, quando lidas por
mulheres, numa perspectiva feminista, como alertam várias teólogas, dentre as
quais Teresa Forcades (cf., por ex., seu livro "A Teoloia Feminista na
História; ver ainda Dr. Elizabeth Schussler Fiorenza: https://www.youtube.com/watch?v=dUDlV8B1aHw ; Marinella: https://www.youtube.com/watch?v=ym7gRUM2zXc )
Que desafios concretos da atualidade
católica demandam um enfático apelo ao empenho as leigas e das religiosas, no
sentido de se dedicarem cada vez mais aos estudos teológicos, em suas diversas
áreas, inclusive da exegese bíblica e da história do cristianismo? Ora, no
campo missionário e outros, tais como o terreno pastoral, deparamo-nos com
desafios desta natureza. Em várias ocasiões do agir missionário, situações
embaraçosas vêm a lume. E, não raro, acabam prevalecendo posições tipicamente
masculinas, quando não mesmo machistas, com a agravante de se apoiar em textos bíblicos
sob interpretação exclusivamente masculina, não raramente descampando para interpretações
androcêntricas, que acaba prevalecendo.
No cotidiano missionário, bem como em
outros cenários da vida eclesial são constantes e frequentes, as situações
concretas, nas quais prevalecem interpretações androcêntricas, em grande parte
por conta da desvantagem que as mulheres católicas (e também de outras
expressões religiosas) se veem diante de interpretações bíblicas (do antigo e
do novo testamento), sem que tenham condições de reagir à altura. E aí se trata
de questões fundamentais, no que diz respeito a uma compreensão mais próxima da
tradição de Jesus. Neste sentido cumpre reforçar a importância do protagonismo
das mulheres também no campo da pesquisa teológica, do que podem ser tomadas
como referência iniciativas tais como:
- Há cerca de quatro décadas, o
Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI) nos tem brindado com uma produção
de profundo e vasto alcance, no campo dos estudos bíblicos, inclusive no que
concerne a condição feminina;
-O excelente trabalho de pesquisa
protagonizado pelas autoras Luise
Schottroff, Silvia Schroer e Marie Theres Wacker, com seu livro intitulado
“Exegese Feminista – Resultado de pesquisas bíblicas, a partir da perspectiva
de mulheres” (cf. http://books.google.com.br/books?id=SbBIR27O59oC&pg=PA51&lpg=PA51&dq=quiriarcado&source=bl&ots=IWP4vr6Wko&sig=finMW_0CPZ36cisC0x8RgRRfIq4&hl=pt-PT&sa=X&ei=lA4uU7rsAafV0QHSmIGgDA&ved=0CDQQ6AEwAQ#v=onepage&q=quiriarcado&f=false );
- Os trabalhos reconhecidos,
realizados por diversas Religiosas, ligadas à conhecida Conferência das
Religiosas dos Estados Unidos (https://lcwr.org/ );
- A intensa atuação de
pesquisadora e palestrante da Teóloga Ecofeminista Ivone Gebara;
- A fecunda iniciativa de
Católicas pelo direito de decidir, inclusive por meio de sua instigante série
de pequenos vídeo, intitulada “Catolicadas” (cf. https://www.youtube.com/watch?v=HcX0Iv2zLm4 );
- Há de se lembrar a atuação
criativa de mulheres de diferentes confissões religiosas, espalhadas pelo
mundo, que também se valem da produção literária como meio de expressarem suas
convicções religiosas;
Ao longo da história do Povo de
Deus, inclusive da trajetória do Cristianismo, as mulheres mesmo em profunda
desvantagem em relação aos homens sempre protagonizaram momentos marcantes, dos
quais o Movimento das Beguinas e mais recentemente, as Pequenas Comunidades de
Religiosas inseridas no meio popular (PCIs), bem como várias organizações
feministas atuando nos Estados Unidos, no Canadá, na América Latina e na Europa
constituem exemplos ilustrativos inspiradores. Que as energias subversivas
também ao feminino, nos inspirem a todas, a todos, neste 8 de março, tanto no
âmbito do Sagrado, quanto nas lutas sociais libertárias.
João Pessoa, 6 de março de 2019.
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