Alder Júlio Ferreira Calado
Das diversas experiências de inspiração combliniana – em
torno de uma dezena -, uma delas completa este ano 30 anos: as Escolas de
Formação Missionária, tendo sido a primeira a de Juazeiro – BA.
Ação transformadora se mostra, sob as mais diversas manifestações,
integrantes e inafastáveis da Criação: os seres são mutáveis: minerais,
vegetais, animais, presentes, por conseguinte, os seres humanos. Tudo sofre a
ação do tempo, cada qual em seu ritmo e em seu tempo próprios.
José Comblin dava constantes mostras de sabedoria no uso do
tempo. Recorrente, seu cuidado com a necessidade de renovação das experiências
humanas, inclusive no campo da formação. Em meados dos anos 90, quando se completava
em torno de pouco mais de uma década desde o início de experiências tais como o
Seminário Rural e o Centro de Formação Missionária, eis que já acenava para a
necessidade de avaliação e renovação daquelas experiências formativas. E o que
dizer, hoje, após trinta anos do início da experiência das Escolas de Formação
Missionária?
Há, com efeito, diversos aspectos a serem priorizados, nesta
perspectiva: perfil de coordenadores e coordenadoras destas escolas, tipo de
trabalho priorizado planejamento ritmo de atividades desenvolvidas, atualização
de conteúdos e metodologia, processo de admissão dos candidatos e candidatas, critérios
de seleção, periodicidade e duração dos cursos, processo avaliativo, efetivo
acompanhamento pelos coordenadores e coordenadoras, das tarefas de formação
contínua dos formandos e dos formadores entre outros desafios.
Nas linhas que seguem, tratamos de sublinhar as principais
mudanças socioeclesiais em curso, bem como os desafios daí decorrentes. Em
seguida, rememoramos aspectos axiais do projeto formativo que caracteriza o
quefazer missionário da pedagogia proposta. Enfim, cuidamos de propor à discussão
de formandos e formadores algumas pistas com o propósito de renovação sempre
com base nos critérios inspirados pelos valores do Reino de Deus, bem como de
nossa caminhada eclesial, à luz do testemunho profético-pastoral do Papa
Francisco.
Sociedade e Igreja(s)
sacudidas por um mundo em transformação
Com frequência, temos lido ou ouvido que, mais do que um
tempo de mudança –a rigor, toda época é, de certo modo, uma época que comporta
alterações, mudanças -, estamos a viver uma “mudança de época”, isto é uma
profunda reviravolta, e nos mais distintos campos de nossa vida social,
econômica, política, cultural... Um dos primeiros requisitos de quem se dispõe
a fazer o seguimento de Jesus, é buscar manter-se atento aos sinais dos tempos,
mantendo-se olhos, ouvidos, intuição, abertos a compreender o que se passa em
nosso chão de cada dia, como condição para uma vida missionária, conforme o
Projeto de Deus. Eis um dos primeiros passos a cumprir, com vistas a um assumir
consciente e eficaz de nossa missão. Eis por que somos instados e instadas a
exercitar o discernimento, dom do Espírito Santo, para termos bem presentes as
condições socioeclesiais a partir das quais somos chamados a cumprir nosso
papel missionário. Como, então, compreender o mundo de hoje, campo de nossa
missão? Vamos destacar alguns pontos-fortes de nossa realidade em mudança.
Nosso primeiro olhar volta-se ao espectro geral de nossas
sociedades, inclusive do Brasil, nas diferentes esferas de sua realidade. Temos
presentes os desdobramentos destrutivos, característicos da atual face-fase do
capitalismo, em suas manifestações mais deletérias, comandadas pelo seu setor
financista. Como o capitalismo se organiza, em todos os tempos e, mais
acentuadamente nos tempos atuais, como uma globalização, de modo a atingir o
conjunto das sociedades sob seu controle, só faz sentido organizarmos as
resistências locais ou nacionais, buscando entender melhor as relações
orgânicas entre o que se passa nos micro-contextos e as profundas influências
exercidas desde os macro-contextos. Deste modo, tomamos consciência da
complexidade e da extensão dos desafios que nos cercam mais diretamente,
sublinhando alguns destes aspectos a merecerem nossa especial atenção:
- Como tudo está ligado a tudo, de pouco adianta por
exemplo, restringirmos nossas lutas mais fortes, seguindo apenas a sucessão
descontrolada das pautas-bomba impostas pelo atual desgoverno;
- Somos chamados a enfrentar um desafio ainda maior: o de,
partindo da resistência de políticas estatais governamentais de alto teor
destrutivo, somos instados a organizar nossa resistência, de modo a enfrentar
exitosamente as raízes mais fundas de tais políticas.
Situemos, como exemplo ilustrativo, o caso do governo atual.
Inútil procurar entender seus nocivos malfeitos, a partir apenas de suas figuras
mais representativas, a começar do próprio presidente. Hão de ser entendidos a
partir de quem os inspira, de quem dita seus passos mais importantes. E tais
mandantes não se acham principalmente no Brasil. Hão de ser procurados fora do
país, mais diretamente no atual governo dos Estados Unidos e de Israel. Sua
primeira grande fonte de inspiração é a insana figura do atual presidente dos Estados
Unidos, Donald Trump. Desde o processo eleitoral protagonizado pelo atual
presidente do Brasil, suas principais estratégias constituem uma certa réplica
do que foi aplicado nas eleições de Donald Trump.
Por outro lado, por rigor analítico, deve-se reconhecer que
o próprio Trump trabalha a serviço das grandes corporações transnacionais que
regem o Capitalismo mundial, principalmente as grandes empresas de armamentos e
de petróleo. Neste sentido para fins de comprovação, basta reportar-nos a
recentes medidas tomadas por Bolsonaro, a exemplo das que estimulam o armamento
da população, em vez de garantir segurança pública aos cidadãos, como dever do
Estado.
Daí resulta, a necessidade de buscar entender a sucessão de
desatinos praticados seja por Trump, seja pelos seus assessores mais próximos,
seja por Olavo de Carvalho e seus súditos imediatos no Brasil, inclusive os
filhos Bolsonaro e o próprio, sem o que se corre o risco de sofrer os efeitos
sem localizar sua verdadeira raiz.
Resta, por conseguinte fundamental compreendermos que tal
engrenagem produz efeitos concretos e trágicos, em escala mundial, também no
Brasil, com ressonâncias efetivas no cotidiano de nossas comunidades.
Em resumo, a sociedade brasileira enfrenta um de seus
maiores desafios das últimas décadas, à medida que se trata de um plano
destrutivo de envergadura, nas mais distintas
esferas de nossa realidade: maior agressão socioambiental desrespeito
aos direitos dos povos indígenas, das comunidades quilombolas, dos povos da
floresta, das mulheres (Cf. índices crescentes do feminicídio, das vítimas da
comunidade LGBTI, dos nordestinos)...
No plano da atual conjuntura eclesial, seguimos enfrentando
outro cenário não menos desafiante. A Igreja Católica Romana (e outras Igrejas
cristãs) tem se situado de modo fortemente contraditório à luz dos ensinamentos
do Evangelho e da própria orientação do Papa Francisco. Salvo poucas exceções
(das quais o Bispo de Roma, merece o primeiro dos destaques), a Igreja Católica
Romana segue com sua estrutura pesada, sem conseguir sequer ser fiel às
decisões tomadas no concílio Ecumênico Vaticano II, realizado há mais de 50
anos. Em seus 16 documentos (constituições, decretos, declarações) havia-se
chegado a um consenso mínimo por força do qual o Povo de Deus deveria passar a
ser o principal protagonista de a organização eclesial, o que não se tem visto.
Apesar de avanços pontuais, segue sendo a hierarquia quem dita as regras, por
meio de uma pesada estrutura multissecular, na qual os fiéis leigos e leigas
tem um lugar simbólico, quando se trata da tomada de decisões.
Quais os traços mais
fortes de nossa proposta de formação em nossas escolas de Formação Missionária?
Tendo presente o cenário acima brevemente esboçado convém
ocupar-nos da especificidade da proposta formativa vivenciada em nossas Escolas
Missionárias. Como sabemos, a proposta formativa perseguida pelas escolas de
formação missionária tem características próprias, dentre as quais:
- Promover, especialmente entre os pobres, o Seguimento de
Jesus, profeta itinerante do Reino de Deus e Sua justiça;
- Vivência e testemunho de uma espiritualidade incarnada, a
serviço do Reino de Deus no processo de humanização, isto é, em busca de uma
vida em plenitude, de modo a favorecer o desenvolvimento de nossa condição
enquanto seres humanos, enquanto cidadã(o)s e cristã(o)s;
- Vivenciar e fortalecer os valores do Reino de Deus:
justiça, compaixão, solidariedade, partilha, serviço à humanidade;
- Promover uma formação contínua, a partir do Projeto de
Deus, do povo dos pobres como protagonistas de um novo mundo possível e
necessário;
- Incessante atenção aos sinais dos tempos, adequadamente
interpretados e levados à sério;
- Assumir a Liberdade, não apenas como um horizonte a
alcançar, mas também por caminhos de liberdade;
- Testemunhar, no chão do cotidiano, o compromisso com a
causa libertadora dos pobres, com eles e como eles; tomar tempo para uma
formação continuada, tanto no plano comunitário quanto no pessoal, exercitando
uma mística de conversão, de oração, de autovigilância, de crítica e
autocrítica.
Que passos somos
chamados e chamadas a empreender diante de tais desafios?
Em vez de meras indicações, preferimos aqui propor alguns
questionamentos, em tom provocativa e fraterno, tendo em vista nosso compromisso
formativo ao interno de nossas escolas de formação Missionária:
- Que critérios vêm caracterizando nossas práticas
formativas membros da coordenação de formandos e formandas, de professores e
professoras, em todos os espaços formativos de que participamos;
- Como são admitidos os candidatos e candidatas às nossas
escolas de formação missionária? Quais os critérios que orientam tal processo
(quem os indica?; Como é feito o trabalho de divulgação de nossas Escolas?;
Junto a quem fazemos contatos, no trabalho de sensibilização e despertar dos
candidatos?);
- Dada a admissão dos candidatos e candidatas, como eles vêm
a participar nas decisões tomadas, quanto a diversos aspectos (planejamento,
conteúdos, dinâmica, metodologia, avaliação, efetiva participação nos trabalhos
gerais, inclusive de infraestrutura), no acompanhamento contínuo dos estudos,
após o período presencial?
- Como se dá o financiamento de nossas Escolas? (que e como
contribui para o funcionamento de nossas diversas atividades?)
- Como se dão as relações com as comunidades diocesanas e
paroquiais?
João Pessoa, 21 de maio de 2019.
Nenhum comentário:
Postar um comentário