terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

QUEM DESPREZA O PASSADO, COMPROMETE O FUTURO - cavoucando memórias de rebeldia

QUEM DESPREZA O PASSADO, COMPROMETE O FUTURO - cavoucando memórias de rebeldia
Alder Júlio Ferreira Calado
No precioso baú de memórias da humanidade, em todos os tempos e lugares, constatamos uma vasta, antiga e copiosa gama de escritos, de máximas, de pronunciamentos, feitos por poetas, filósofos, artistas, expoentes da sabedoria popular, cientistas - homens e mulheres -, reconhecendo a relevância da unidade que liga passado, presente e futuro. Cada uma dessas dimensões temporais deve estar associada dinamicamente as demais, de modo a entender o tempo, mais como um “continuum” do quê como momentos estanques, dicotomizado. Acerca desta temática, a literatura pertinente apresenta tantas figuras bem representativas que se tem pronunciado sobre a relevância do reconhecimento da interação orgânica existente entre passado, presente e futuro. Pensemos, por exemplo, em Eduardo Galeano, para quem o passado tem muito a dizer ao futuro. Tal posição tem sido, ao longo dos tempos, reverberada mediante as mais diversas linguagens artísticas. 
Em verdade, um gesto convincente de unidade entre passado presente e futuro, vem expresso, com efeito, em diferentes formas artísticas. A fotografia constitui uma dessas formas. Quantos álbuns se apresentam de enorme pertinência, por constatarem a evolução histórica de uma cidade, determinada manifestação artística ou literária! Quantos escritores e escritoras se valem da fotografia, para explicitar, com acuidade e beleza, o espectro da evolução, seja de uma paisagem urbana, seja de uma evolução em âmbito de família, de comunidade, de sociedade. De fato, belos trabalhos há, que conseguem registrar toda uma longa evolução urbanística, com admiráveis detalhes arquitetônicos. 
No campo da literatura, não é em vão que muitos autores e autoras de romances, ensaios,novelas, séries, etc., têm-se valido desta arte com retumbante sucesso. E o que dizer da música? Como não lembrar, por exemplo, “Caminhando e Cantando”, ou “Apesar de Você”? Poderíamos multiplicar exemplos ilustrativos de formas artísticas, por meio das quais conseguimos rememorar, com alta margem de precisão, toda uma longa evolução de costumes, ideias de objetos culturais, por meio das mais distintas linguagens artísticas. 
Nas linhas que seguem, nosso intento é de revisitar um passado relativamente recente Da sociedade brasileira, por meio de filmes atinentes ao período que se estende de 1964, ano do famigerado golpe de estado, a meados dos anos 80, com o arrefecimento das forças da ditadura empresarial-militar que se abateu, por 21 longos anos, sobre a sociedade brasileira.
Em um contexto de ampla vigência do paradigma da pós-verdade, marcado por suas esdrúxulas estratégias de dominação, de exploração, e de discriminação, crescem as barbaridades e as ameaças à vida dos humanos e dos demais seres do planeta. Nas mais distintas esferas de nossa atual realidade, pontificam as marcas da barbárie, compostas fundamentalmente por ingredientes, tais como: a institucionalização da mentira, do obscurantismo, da  imbecilização de crescentes parcelas da população, agravadas pelas profundas desigualdades sociais, fruto da extrema concentração, em mãos de uma ínfima minoria, das riquezas do conjunto da humanidade. A propósito das diabólicas estratégias utilizadas massivamente pelos arautos da pós-verdade vale enfatizar o papel cumprido pelos mais próximos assessores de Trump, segundo os quais não se deve subestimar o poder da mentira e da ignorância... O Brasil tem se revelado o exemplo mais ilustrativo das manifestações dessas barbáries. 
Diante desse quadro tenebroso, cumpre-nos perguntar: como chegamos a esta quadra? Que condições favoreceram este desfecho? Sem perder de vista a relevância dos fatores externos - a extrema concentração de renda, de patrimônio, e de riquezas, características do atual modo de produção, em sua fase/face mais perversa (a da financeirização) -, nas linhas que seguem propomos destacar fatores internos deste estado de coisas. Mais precisamente, limitamo-nos a sublinhar o desprezo da memória histórica, em relação a um passado ainda recente. Com efeito, ignorar o passado enseja, quase sempre, trágicas reincidências. Em busca de reavivar nossa memória histórica recente (e menos recente), cuidamos de fazê-lo recorrendo à revisitação de uma dezena de filmes e documentários relativos ao período da ditadura empresarial-militar (1964-1985).
       O apelo às artes continua sendo um campo inspirador, também por se tratar de um meio fértil a mexer com nossa imaginação, em busca de uma interpretação adequada de nossa realidade. Os filmes e documentários, dos quais nos servimos, a seguir, constituem uma ilustração fecunda, no sentido de nos ajudarem a reavivar nossa memória, acerca de fatos, acontecimentos e situações presentes em nossa história recente, da qual importa ter em conta aspectos relevantes, que se acham na raiz de outros fatos e acontecimentos, característicos do momento atual.
Um primeiro filme que trazemos a tona é o bem conhecido "Cabra Marcado para Morrer", de Eduardo Coutinho, que tem chamado atenção de diversas gerações de militantes. Como se sabe, o filme/documentário faz memória da feroz perseguição de que foram vítimas as principais lideranças das ligas camponesas, em especial de João Pedro Teixeira e de sua esposa Elizabeth Teixeira, além de outros tantos militantes das ligas camponesas. Após o Golpe de estado de 1964, instalou-se uma feroz perseguição aos camponeses, em especial as lideranças das ligas camponesas, de tal sorte que forças militares e policiais não tardaram em invadir o famoso Engenho Galiléia, berço da primeira liga camponesa, em solo Pernambucano, mais precisamente no município de Vitória de Santo Antão. Os perseguidores, movidos pelo ódio contra organizações populares camponesas e operárias e estudantis, empenhavam-se em farejar passos de quaisquer militantes opositores aos protagonistas daquele famigerado Golpe de primeiro de abril de 1964 beneficiando-se de ampla informação acerca destas e outras organizações populares, os cúmplices do regime trataram de rastrear sinais de presença de lideranças camponesas, no nordeste e de localizarem o engenho Galiléia. Os perseguidores pretendiam aí localizar supostos arsenais escondidos, sob o controle de lideranças das ligas camponesas, em especial os protagonistas da liga camponesa do Engenho Galiléia e lá, trataram de prender e torturar os que aí encontraram. O filme/documentário, a princípio, havia iniciado a rodar, meses antes do golpe, e teve de ser interrompido durante vários anos, até que em início dos anos 80, ainda sob a direção de Eduardo Coutinho, voltou a ser alvo de filmagem, no mesmo local. Na ocasião, a própria Elizabeth Teixeira, viúva de João Pedro Teixeira, sofrera anos de exílio, numa cidadezinha do Rio Grande do Norte (São Rafael). Após Anistia, volta a encontrar seus filhos e outros familiares, pois a perseguição que foi movida contra ela implicou, não apenas sua separação dos demais filhos, como também ensejou, por várias razões, uma distribuição involuntária de seus filhos ainda crianças, que passaram - alguns deles - a ser criados por pessoas completamente contrárias aos ideais defendidos corajosamente pelo seu pai e pela sua mãe. A família de João Pedro Teixeira e de Elizabeth Teixeira sofreu, em consequência da militância de seus pais, pesadíssimos traumas, tendo sido fracionada durante os anos de exílio. De volta aos familiares, foi feito por Eduardo Coutinho o convite a Elizabeth Teixeira, de atuar na retomada daquela filmagem, convite aceito e comprido por Elizabeth Teixeira.
O documentário foca a fúria demoníaca das forças de repressão contra as principais lideranças das ligas camponesas, heróico movimento social popular que pontificou no Brasil, especialmente no nordeste, entre 1954 e 1964. A desumana perseguição movida contra os trabalhadores e trabalhadoras do campo, mobilizados em busca de reconhecimento público de seus direitos trabalhistas e sindicais, levou-os a enfrentarem a fúria dos latifundiários da região, em conluio com os aparelhos repressivos do estado brasileiro. Antes mesmo do estabelecimento do golpe de estado, no Brasil, em 1º de abril de 1964 as oligarquias rurais da região se serviam do aparelho repressivo do Estado, em especial por meio da cumplicidade policial militar, para abortarem o sonho de uma reforma agrária no Brasil, pleiteada por décadas, aspiração legítima e reconhecida até nos países capitalistas centrais. A Fúria latifundiária, em conchavo com as forças policiais, em âmbito Estadual, não toleravam que os trabalhadores e trabalhadoras rurais tivessem legalmente reconhecidos seus direitos trabalhistas mais elementares, como o direito à sindicalização, conquista já então reconhecido em relação aos trabalhadores e trabalhadoras urbanos. Ainda em 1962, após vários assassinatos cometidos por estas forças oligárquicas contra lideranças das ligas camponesas, também na Paraíba, não pouparam a liderança de João Pedro Teixeira, presidente da liga camponesa de Sapé, e, após ameaças sucessivas a esta liderança, acabaram cometendo o bárbaro assassinato contra João Pedro Teixeira, em 2 de abril de 1962.
A instauração do golpe de estado, que inaugurava a longa e Tenebrosa ditadura Empresarial militar, no Brasil, tem início uma sucessão de prisões, perseguições, torturas, assassinatos, destituições de direitos civis e políticos, fulminando as lideranças da liga camponesa de Sapé. Trata-se de uma Saga camponesa que não deve ser esquecida, sob pena de trágicas reincidências. 
Revisitar o filme "Cabra Marcado Para Morrer" significa, portanto, reavivar a memória de um tempo sombrio, cujos traços ainda permanecem ameaçadores, haja vista o número altíssimo de assassinatos de lideranças e de trabalhadores e trabalhadoras do campo na atualidade. Identificar e analisar perfis das classes dominantes e dirigentes, bem como dos setores agrários mais violentos, e suas respectivas estratégias - a serem confrontados com as estratégias de resistência opostas pelos trabalhadores e trabalhadoras do Campo - constituem caminho imprescindível para conjurar as reincidências que hoje se expandem, no atual quadro nazi-fascista que reina no (des)governo Bolsonaro. Subestimar ou esquecer tais cenários significaria um sinal de omissão e de cumplicidade, a ser evitado pelas forças sociais de transformação. 
O filme Queimada ("Burn") constitui outro exemplo ilustrativo a ser revisitado pelas forças comprometidas com uma sociedade alternativa a barbárie capitalista. Trata-se de um longa-metragem que, proibido de ser projetado nos primeiros tempos da ditadura Empresarial militar no Brasil, a ele recorriam militantes dos anos 70 como um instrumento eficaz, no aprendizado das lições históricas a serem tomadas e levadas a sério, por aquelas gerações. O filme reporta-se aos conflitos característicos das áreas de "Plantation", a partir de uma aproximação com o que se passará na Revolução de Haiti, para o quê se tomou como espaço geográfico e social uma fictícia ilha do Caribe. Os habitantes resistindo ao sistema colonial português, por meio de suas lideranças, especialmente a de Santiago, são duramente reprimidos. Mas, com o surgimento de uma nova liderança - José Dolores - as lutas são retomadas. Sucede, porém, que, de olho em tirar proveito desta situação revoltosa, aparece um militar inglês, “Sr. Walker” que se aproxima de José Dolores, fingindo-se de aliado. Graças a militância de José Dolores, e sua ampla receptividade por parte da população nativa, o movimento vai se fortalecendo, até ao ponto de conseguir expulsar os portugueses. Eis que, a figura do “Sr. Walker” volta a cena, a denunciar seu plano “maquiavélico”, de afastar-se de José Dolores, que ele passa a acusar  de traidor da Pátria, abrindo assim caminho para a invasão dos ingleses. 
Lições amargas recolhidas pelas lideranças nativas, a começar por José Dolores. Não desistindo da luta, José Dolores retoma, em novo estilo, a dianteira da resistência. Em suas diversas intervenções político-pedagógicas, em meio à sua gente, ele costumava afirmar: “é melhor saber para onde ir sem saber como, do que saber como e não saber para onde ir”.


Tomando em consideração, daqui para frente, os filmes e documentários que se reportam mas diretamente sobre as organizações de resistência ao golpe de estado de 1964 e a ditadura empresarial-militar, no Brasil, trazemos à tona o filme "Pra Frente, Brasil ". trata-se de um enredo que apresenta o cenário festivo do Brasil, entre 1969 e 1970, relativo a torcida fanática da seleção brasileira, Especialmente quando da Conquista do tricampeonato mundial de futebol, uma das músicas características deste período tinha por título exatamente "pra frente, Brasil", portanto nome que inspirou o título do filme. É neste clima de massivo “frenesi”, um trabalhador de classe média, funcionário de uma empresa, quando ao regressar de uma viagem de trabalho, aceita o convite de um cidadão, que lhe oferece carona, tendo em vista Um Destino comum , pois ambos se dirigiam ao mesmo bairro. Eis que, uma blitz, no meio do caminho, ensejou a suspeição do motorista do carro, acusado de pertencer a uma daquelas organizações de resistência armada, sem que o passageiro convidado, que só conhecerá aquele motorista casualmente, nada soubesse, acabando, por isto, por ser acusado, também ele, como “sócio” daquele suspeito. A partir daí, sua vida e a sua família não tem mais sossego. Ao ser conduzido a um órgão de repressão, é longamente inquirido, em tom acusatório. Como não respondia ao que lhe era interrogado - pois nada sabia a respeito daquela suposta trama -, este cidadão, um engenheiro de classe média, que se dizia apolítico, passou a ser longamente torturado, sem que nada pudesse responder, conforme o desejo de seus torturadores. Quanto mais dizia não pertencer a qualquer grupo e manifestar-se uma pessoa apolítica, tanto mais recebia todo tipo de tortura, onde ponto de encarar corajosamente seus torturadores e dizer-lhe que poderiam até matá-lo, mas ele nada mais lhes tinha a dizer. Com efeito, durante dias, foi torturado até a morte, sem que sua esposa e seu irmão, que tanto o vinham procurando em hospitais e delegacias, nada descobrissem a seu respeito. Seu irmão, também colega da mesma firma, descobre algo de estranho na movimentação da empresa da qual ambos (ele e o irmão) eram funcionários, após muita pesquisa, acabou descobrindo que o chefe, o dono daquela empresa, colaborava financeiramente com o grupo de torturadores, ligados aos órgãos de repressão da ditadura militar. Descobriu que seu chefe colaborava periodicamente, juntamente com outros grandes empresários, para a manutenção daquele serviço sujo. Mais: além da colaboração financeira de grandes empresários, estes também eram convidados a participarem de sessões periódicas, nas quais ouviam palestra de representantes dos Estados Unidos, acerca de como os grupos torturadores tinham que proceder. Aquele irmão, a partir daí, tendo sido também despedido daquela firma, passa a dedicar a sua vida a desmascarar os subterrâneos daquele sistema de tortura. Aqueles cidadãos, que não tinham qualquer ligação com grupos políticos, muito menos com organizações armadas de resistência à ditadura empresarial-militar, são exemplos de pessoas inocentes que sofreram na pele, injustamente, os horrores daquele regime. O filme "Pra frente Brasil" constitui relevante espaço de aprendizado sobre os porões da ditadura, que tinha um leque de serviços oficiais e oficiosos, para assegurar os horrores daquele regime.
Outro filme que bem nos ajuda a refrescar a memória sobre aquele período de chumbo, é o intitulado “Hércules 56". Trata-se de um documentário que narra vários episódios envolvendo organizações armadas de resistência à ditadura militar. Narra, também, várias ações, tais como assaltos a bancos (expropriações), com o objetivo de angariar recursos para o financiamento de suas ações de combate à ditadura, bem como narra episódios de assaltos a quartéis, dos quais retiravam armas, com o mesmo objetivo. Narra, ainda, o episódio do sequestro do embaixador dos Estados unidos, Charles Elbrick, como meio de libertação de 15 militantes prisioneiros da ditadura, que estavam sendo mantidos prisioneiros, sob sistemática tortura. O título do filme - "Hércules 56" - faz referência ao avião que transportou para o México os 15 prisioneiros constantes da lista fornecida pelos sequestradores, como condição de libertação com vida do embaixador dos Estados Unidos.
O filme “Lamarca" também trata de contar a chaga deste capitão do exército. Discordante do regime então implantado, tratou de colaborar com as organizações de resistência, para o quê teve que desertar. Ao fazê-lo, conseguiu sair do quartel com um caminhão carregado de fuzis, sob alegação feita ao guarda de controle daquela movimentação de que estava indo para um treinamento militar. O capitão Lamarca, a partir daí, cai na clandestinidade, e passa a comandar a organização chamada VPR (Vanguarda Popular Revolucionária). Após sucessivas e crescentes perseguições, sob o comando do terrificante Delegado Fleury, enfrenta uma série de cercos, dos quais consegue sair. Enquanto isto, figuras importantes daquela organização eram constantemente aprisionadas, infligindo duras baixas a VPR. Sem contar com o consenso de seus camaradas de organização, enquanto Comandante da VPR, Lamarca opta por iniciar uma ação armada no campo, seguindo a orientação de outras organizações, a exemplo do PC do B, no sentido de tentar o cerco da cidade pelo campo, inspiração de táticas maoístas. Vai instalar no sertão baiano um núcleo de iniciação desta resistência junto com um pequeno grupo de militantes. Com o crescente Cerco que se vai fazendo, em todo o país, Lamarca e seus companheiros acabam sendo descobertos e duramente perseguidos até à morte. Em meio a estas situações, o filme/documentário também apresenta várias reflexões, por parte de Lamarca, acerca de sua indignação e revolta contra aquele regime, ao tempo em que se mantém fiel à causa libertadora de sua gente, por meio de uma estratégia com a qual se pode ou não concordar, mas compreensível dentro daquele contexto específico.
Outro documentário marcante contempla a figura de Carlos Marighella, dirigente da Ação Libertadora Nacional (ALN), protagonista de várias ações de resistência à ditadura civil-militar. O documentário rememora, por meio de depoimentos de diversas pessoas que o conheceram mais de perto, traços relevantes de sua trajetória de militante, de modo a enfatizar várias qualidades suas, dentre as quais: sua paixão pelas classes populares, seu preparo intelectual, seus predicados de dirigente dentro do partido - o PCB - do qual se tornou, junto com outros camaradas, dissidente, mas sempre, merecendo o respeito de todos. Na indicação dos nomes dos prisioneiros a comporem a lista dos que deveriam ser libertados em troca do embaixador dos Estados Unidos, Gregório Bezerra figurava em primeiro lugar. Sabe-se que, pertencendo aos quadros do PCB, contrário à opção pela resistência armada à ditadura civil-militar, Gregório Bezerra no entanto, ultrapassava todas as barreiras, razão porque foi contactado por Marighella, antigo companheiro de partido e de cela, com o objetivo de convencer a Gregório da importância de sua aceitação de ser incluído naquela lista. Isto revela a grandeza também de Marighella.
"O que é isso, companheiro?", eis outro filme, baseado no livro do mesmo título, escrito por Fernando Gabeira, um dos participantes do sequestro do embaixador dos Estados Unidos. O filme narra a indignação e a revolta de jovens estudantes, inconformados com o fechamento de todos os espaços de liberdade, principalmente após a decretação do famigerado Ato Institucional número 5, de 13 de dezembro de 1968, o que passou a ser chamado de "o golpe dentro do golpe". Destituídos de todos os espaços de liberdade, de associação, do direito de ir e vir, de reuniões e situações semelhantes, vão surgindo, no Brasil, várias organizações, com o objetivo de opor àquele regime uma resistência, também pela via das Armas. Dezenas de organizações foram, então, criadas. Dentre elas, algumas se destacaram com mais ênfase: ALN, AP, MR -8, CPR, VAR - Palmares,  PCBR, PC do B, entre outras. 
Uma dessas dissidências - a dissidência Guanabara -, juntamente com dirigentes do MR-8, atraíram vários jovens, contra aquela ditadura. Sem muita experiência de ações, nesta área, houveram por bem convidar pessoas experientes, pertencentes a uma outra corrente, no caso, dirigentes da ALN, mais precisamente Joaquim Câmara Ferreira e Virgílio Gomes da Silva. Seu plano, que vem a ser concretizado, consistia em ações de expropriação, com o propósito de levantar recursos financeiros de sustentação destas organizações, cuja principal ação foi a da realização do sequestro do embaixador Elbrick, dos Estados Unidos, obrigando a ditadura militar a liberar 15 dos prisioneiros, vítimas de tortura nos porões da própria ditadura, além de tê-la obrigado a publicar, nos principais meios de comunicação, O Manifesto, assinado pelos organizadores daquele ato, explicando à população brasileira as razões de seu gesto.
Outro documentário relevante, a rememorar ações semelhantes, foi o intitulado "Soldados do Araguaia". Relata, sobretudo a partir dos antigos moradores da região conhecida como Bico do Papagaio, situada nas fronteiras entre o Pará, Maranhão e Goiás (hoje parte do Estado do Tocantins). Trata-se de vários e vários depoimentos de pessoas simples da região, a contar a relação de amizade e de respeito construída com aqueles jovens que se inseriram naquela região, passando a ser chamados de "paulistas", grupo composto por estudantes militantes experientes, exemplo do velho militante comunista João Amazonas, bem como de outros militantes - homens e mulheres - que também atuaram como médicos, enfermeiros e enfermeiras, farmacêuticos, comerciantes, etc. Interagindo fraternalmente com os moradores daquela região, em sua enorme maioria de camponeses, os depoimentos colhidos conferem uma amigável relação entre os "paulistas" e os moradores da região, atuando como beneficiários, em especial, de serviços ali não existentes, tais como os serviços relativos aos cuidados da saúde. Os depoentes testemunham ações ignóbeis praticadas pelo exército brasileiro, infiltrando-se na região e penalizando duramente seus moradores, chegando mesmo a torturar vários deles, com o objetivo de extrair informações sobre as lideranças daquele Movimento. 

Inspirado em um dos mais famosos livros de Frei Betto, foi feito, com o mesmo nome, o filme "Batismo de sangue". Documentário de grande relevância, sobretudo por apresentar o protagonismo de parte da Igreja Católica no Brasil, no processo de resistência à ditadura empresarial militar. O documentário foca especialmente o envolvimento de Frades Dominicanos, entre os quais Frei Tito Alencar, Frei Fernando, Frei Betto, Frei Ivo, entre outros, em ações de solidariedade a grupos de resistência à ditadura militar, inclusive, da qual Carlos Marighella apresenta-se como sua maior referência.

Quando da deflagração do golpe de estado, parcelas significativas da sociedade brasileira, inclusive segmentos da igreja católica, estiveram no apoio ao golpe militar de 1964. À medida, porém, que o poder instalado pela força começava a mostrar suas garras contra o Congresso Nacional, as lideranças políticas de oposição, a Perseguição que se seguiu aos movimentos populares, operários, camponeses, estudantis, os segmentos progressistas da igreja católica, também por meio da CNBB, passaram a opor-se àquele regime ditatorial. É a partir de então que tem início uma feroz perseguição também a figuras de militantes católicos, inclusive padres e religiosos, entre os quais se encontravam alguns dominicanos. Com o advento do AI-5, a solidariedade com as vítimas se dava por meio do acompanhamento até a fronteira entre Brasil e Uruguai, de lideranças de organizações perseguidas.

Com o gigantesco trauma que que se seguiu, no Brasil e no Cone Sul, pelo infortúnio de longas ditaduras civis-militares, cresceu o interesse de grupos de pesquisa e de pesquisadores e pesquisadoras individuais - é, por exemplo, o caso do pesquisador René Dreifuss (“1964: a conquista do Estado”) -, preciosas informações vieram a ser reunidas, de modo impactante. Daí resultam várias iniciativas, como a da organização da Comissão da Verdade, em diferentes âmbitos, bem como também de documentários de grande relevância, a exemplo "O dia que durou 21 anos". Trata-se de um documentário amplamente bem fundamentado, trazendo inclusive depoimentos originais, em falas de autoridades estadunidenses, especialmente o do então Embaixador Lindon Gordon, a revelarem detalhes escandalosos de instâncias governamentais dos Estados Unidos, profundamente envolvidas na Trama do Golpe civil-militar de 1964.
Quem ainda tinha dúvidas acerca do vergonhoso apoio dos Estados Unidos a ditaduras militares, instaladas na América Latina, inclusive no Cone Sul, supera todos os questionamentos, tal a contundência dos registros e dos documentos apresentados. Durante os últimos governos petistas, por exemplo, também foram registrados, inclusive por via do famoso Wikileaks, cenas de espionagem patrocinadas por recentes governos estadunidenses, não poupando sequer a própria presidente de então, Dilma Rousseff. Ao mesmo tempo, cumpre observar, com mais atenção, registros semelhantes, atinentes à cobiça de grandes empresas de petróleo, acumpliciadas pelo Governo daquele país, acerca das recentes descobertas de jazidas petrolíferas, no Brasil, em especial as do pré-sal. Mais do que isso, a intrusão dos governos dos Estados Unidos em assuntos internos ao Brasil e a países latino-americanos, de certa maneira, nunca deixou de acontecer. Mais recentemente, tivemos notícias da enorme influência de instâncias governamentais dos Estados Unidos até mesmo na criação do estranho Movimento Brasil Livre, protagonista do chamamento à rua de milhares de pessoas, em junho de 2013, bem como de notícias acerca de sua influência na instauração do processo de impeachment, sofrido pela presidente Dilma Rousseff.
Subestimar estas informações ou desprezar nosso passado (recente e menos recente) tem o significado de mostrar nossa apatia, indiferença ou mesmo cumplicidade aos tempos tenebrosos pelos quais está passando a sociedade brasileira. E o que dizer dos íntimos laços que unem o atual desgoverno e suas tenebrosas instâncias ao atual presidente dos Estados Unidos?

João Pessoa, 25 de fevereiro de 2020 

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