Alder Júlio Ferreira Calado
Não terá sido a primeira vez na história, nem será a última,
que, diante da complexidade e magnitude dos desafios conjunturais/estruturais,
experimentamos sensação de perplexidade e impotência. Por mais que nos impacte
a conjuntura atual – e ela é, de fato, atípica! -, não nos cabe render-nos ante
a complexidade e amplitude de seus desafios, que, aliás, vão bem além da
própria conjuntura. Os seres humanos – já lembrava o mais original dos
filósofos da práxis - não sendo meros
produtos das circunstâncias, mas também seus protagonistas (Tese III, sobre
Feuerbach), não se colocam problemas para os quais não se sintam historicamente
instados a superá-los. Entre acertos do passado, ensaios do presente e ousadias
prospectivas, haveremos de encontrar pistas de alternatividade.
Colhidos no olho do furacão, com ou sem surpresa (há, sim,
vozes que já vêm alertando sobre isso, há um bom tempo), de uma crise
gigantesca, que se tem revelado mais própria de uma “mudança de época”, é
compreensível aí prevalecer, por certo tempo, o sentimento de perplexidade,
quando não de impotência. Bem ou mal, vínhamos regendo-nos, durante décadas e
décadas, por paradigmas hegemônicos, que
nos eram relativamente familiares e aos quais estávamos acostumados. Por vezes,
até tínhamos a impressão de que, conforme os traços do problema surgido, já
contávamos em nossa caixa de ferramentas teóricas com a(s) ferramenta(s)
adequada(s) à sua superação, ainda que parcial. Até parecia que tínhamos as
respostas dos problemas. Eis que, de repente, mudam as questões, e sentimos
fugir terra dos nossos pés. Enfrentamos questões de novo tipo. Por mais forte
que seja a tendência a cedermos ao imobilismo, nosso instinto de sobrevivência
nos impele a buscar ensaiar passos de alternatividade à atual conjuntura (ou
estrutura). Já não contamos ao nosso favor com a eficácia de nossa velha caixa
de ferramentas. Por outro lado, alguns/algumas dentre nós já alertavam, há
certo tempo, para sinais de esgotamento de paradigmas hegemônicos. E até
mostravam possibilidades alternativas em germe, presentes em experiências
moleculares recentes e ainda em curso. De modo que hoje percebemos que nem tudo
agora deve partir da estaca zero. Por certo, mesmo as micro-experiências bem
sucedidas, em sua busca de alternatividade, não são suficientes para dar conta
satisfatoriamente dos desafios de monta hoje à nossa frente. Mas, também é
verdade que podem e devem ser um bom começo, um aperitivo promissor em nossa
busca de pistas mais consistentes que nos ajudem a enfrentar com êxito os
desafios do momento, a curto, médio e longo prazos.
As linhas que seguem têm o propósito de continuar
contribuindo com o debate sobre a natureza das crises atuais, no Brasil (e fora
do Brasil), na perspectiva de superação. Para tanto, cuidamos de 1) registrar e
analisar sucessivos sinais de perplexidade, de
uma espécie de estado de choque; 2) apontar experiências grávidas de
alternatividade que, pelo fato de serem ainda moleculares, não têm despertado a
devida atenção; e 3) ensaiar pistas de alternatividade, a curto, médio e longo
prazos.
1) Uma situação que nos deixa perplexos e
imobilizados...
Bons tempos, aqueles em que, conjuntura após conjuntura,
sempre arranjávamos uma saída “de algibeira”, e, apesar dos obstáculos
intervenientes, acabávamos “acertando”, no final das contas. Dentro do próprio
sistema, acabávamos encontrando pistas ou remendos intra-sistêmicos“salvadores”.
Já então, pelo menos da parte de um pequeno segmento, sucedia a necessidade de
não esperar pelas forças do Estado (nem do Mercado, tão pouco), mas, antes,
tratava-se de fazer pressão, por meio da articulação partidária, sindical e
popular – espécie de tripé da resistência. “Nós, Trabalhadores do campo”, dizia
um documento da época (relativo ao III Encontro Nacional de Trabalhadores da
CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), “cansamos de
pedir Reforma Agrária”, afirmando que, dali em diante, seriam eles próprios a
exigir Reforma Agrária e a buscar sua concretização. Isto por volta de 1979, quando
nascia o Movimento Pro-PT. Até certa altura dos anos 80, prevalecia tal
sentimento entre os movimentos populares, sindicais e partidários de esquerda.
Depois, tal convicção seria substituída pela crescente aposta na conquista de
espaços governamentais (da esfera municipal ao plano nacional). Desde então,
vem prevalecendo a aposta maciça na força transformadora desses espaços, em
proporção direta e crescente ao aparecimento de sucessivos obstáculos. Neste
caso, a estratégia ia mudando: agora, diante de um problema, bastava uma nova
candidatura ou uma convenção mais consistente, capaz de mudar dirigentes e
renovar quadros, mantendo-se, porém, a mesma estrutura organizativa (já
verticalizada), enquanto se desmantelavam promissores ensaios formativos. Em breve,
as saídas eram encontradas ao interno do próprio sistema, desistindo-se, na
prática, do sonho de uma nova sociedade.
Se, antes, tanto o plano do PT quanto o da CUT mostravam-se
ciosos de sua autonomia relativa, frente ao Mercado e frente ao Estado, bem
como do seu amplo investimento organizativo e formativo, sendo seu intento organizar
desde a base – sendo esta, palavra de ordem -, tais princípios foram sendo
negligenciados, nos anos seguintes. Se, nas origens, por exemplo, fundar
núcleos com autonomia e interconectados, cujas decisões fossem tomadas desde
baixo, e cujos delegados levassem para as demais instâncias as decisões tomadas
pelos núcleos, disto se vai progressivamente distanciando... No plano
formativo, é sabido do maciço investimento em iniciativas tais como a do
Instituto Cajamar, bem como em iniciativas, no plano popular/sindical, como a
da fundação do CENTRU (Centro de Educação dos Trabalhadores Rurais). Tais iniciativas
organizativas e formativas correspondiam a uma espécie, digamos, de “cláusulas
pétreas” da organização popular/sindical. Conquistas expressivas que, no âmbito
eclesial (“Igreja na Base”), eram reforçadas por iniciativas correlatas, tais
como o CIMI (Centro Indigenista Missionário), a CPT (Comissão Pastoral da Terra),
CPO (Comissão Pastoral Operária), ACR (Ação dos Cristãos no Meio Rural), MER
(Movimento de Evangelização Rural, hoje um movimento popular autônomo: o MCP –
Movimento das Comunidades Populares), a ACO (Ação Católica Operária), hoje MTC
(Movimento de Trabalhadores Cristãos), cuja contribuição ao meio urbano se
compara à da ACR, no meio rural, PJMP (Pastoral de Juventude do Meio Popular),
entre outras. O próprio MST surge nesse contexto.
Tão ou ainda mais importante do que essa rede de
organizações de base era sua forma de organização: pela base, a partir de
nucleamentos (mantidos autônomos e interconectados entre si e com as demais
instâncias), direção colegiada, rodízio de cargos e funções, autonomia
financeira (viviam dos próprios tostões, arrecadados entre seus sócios),
compromisso com a formação contínua de seus coordenadores e do pessoal da base,
exercício de uma mística revolucionária, com o propósito de preservar e
fortalecer seu compromisso de classe, presença atuante nas lutas sociais, entre
outras características de sua organização.
Sobretudo a partir dos anos 90, essas iniciativas foram
empalidecendo, quando não abandonadas. Em troca, prevalecia a corrida
desvairada aos espaços governamentais. “Por razões táticas”, dizia-se. Tática
que não tardaria a virar estratégia. Seus melhores dirigentes e militantes
qualificados – centenas, milhares de homens e mulheres –, instados a compor um
vasto leque de gestores, assessores em um sem-número de cargos e funções
governamentais, nas diferentes esferas de poder, foram trocando a atuação nas
ruas e nas lutas populares do campo e da cidade pelos espaços estatais. Foram
seduzidos rapidamente pelos sucessivos êxitos eleitorais: câmaras de vereadores,
prefeituras, assembleias legislativas, secretarias estaduais e órgãos
correlatos, câmara de deputados, senado, presidência, ministérios, cargos do
alto escalão... O mal, a essa época, não era que também fizessem política
partidária, mas o fato de reduzirem às atividades partidárias e governamentais
seu agir político, em desfavor do fortalecimento das lutas sociais do campo e das
periferias urbanas. Uma sangria enorme para os movimentos populares, além de
sobre eles exercerem uma influência danosa. Daí por diante, não poucos
dirigentes/coordenadores de movimentos de referência foram também deixando-se
cooptar, seduzidos pelos espaços palacianos. Esses dirigentes , por sua vez,
antes zelosos pela sua autonomia frente ao Mercado, frente ao Estado e seus
aparelhos, agora desfalcados de aliados históricos, iriam refletir essa
sangria, sob várias formas. Uma delas: sob a influência dos antigos
companheiros de lutas – agora, companheiros de Governo -, não apenas refrearam
sua utopia e suas lutas, como também foram deixando cooptar-se, pela corrida de
parte de seus dirigentes aos espaços governamentais. Opção que se revelaria
gravíssima, no transcorrer dos anos, sobretudo por afetar sua visão de mundo,
seu estilo de vida, seu compromisso de classe, este agora reduzido a mero
discurso, já que suas práticas não conseguiram esconder a lição da sabedoria
popular, de que “Quem come do meu pirão, prova do meu cinturão”. Ante situações
fortemente contraditórias num governo de composição interclassista, como seguir
assumindo posições de relativa autonomia? Impossível. O trágico disto é sabermos
que ninguém com formação política, como é o caso de tantos dirigentes de
movimentos populares e sindicais, faz este caminho inocentemente... Pior: com
argumentos falaciosos (por ex.: confundindo origem de classe com posição de
classe), arrastam atrás de si um número considerável de militantes de base.
Colhendo o que foi
plantado...
Em se tratando de opções graves, suas consequências não
tardam a aparecer: alargamento do arco de alianças com todo tipo de agremiação
partidária, sob a alegação da “necessidade” de ganhar a eleição e, após o
pleito, de garantir governabilidade, fingindo para si não ter, tal opção,
consequências graves: aliancismo,
financiamento pelo Mercado e pelo Estado de suas ações, negligenciamento e
abandono dos núcleos, verticalização das relações, abandono do processo
formativo, distanciamento das bases, aceitação de financiamento empresarial,
submissão a decisões de poucas pessoas ou pequenos grupos dirigentes, perda da
consciência de classe, individualismo, superestimação de estrelas... Dai para a
eclosão de grandes e sucessivos escândalos foi um pulo...
A partir dessas considerações que
esperamos nos provoquem um ensaio autoavaliativo, que tal fazer-nos algumas
questões, de passagem?
- A partir da compreensão e da experiência organizativa e
formativa das origens dessas forças, é defensável atribuir as responsabilidades
pela cadeia de malfeitos apenas ao conjunto de dirigentes?
- Tivessem as instâncias de base cumprido seu papel, haveria
lugar para tantos abusos de gestão?
- Até que ponto o progressivo abandono da prática de se
assegurar alternância de cargos e funções não constitui parte da explicação dos
vícios de gestão atuais?
- Estamos conscientes das consequências ético-políticas do
abandono do autofinanciamento, escandalosamente substituído pelo financiamento
do Mercado e de seu Estado?
- Se é certo que fomos protagonistas e testemunhas de
práticas ético-políticas exemplares, características das origens de nossa
trajetória popular, sindical e partidária, o quê nos levou a fechar os olhos,
cúmplices, diante de uma sucessão de sinais evidentes de ruptura desses
valores, ao ponto de irmos sendo aliciados justamente pela cultura que sempre
combatêramos?
- À parte a heroica resistência de pequenos grupos, que
terminaram expulsos ou afastando-se do partido, que iniciativas de
solidariedade se esboçaram, tanto em relação a ex-companheirxs resistentes
quanto a uma cobrança de responsabilidades feita pelas instâncias de base aos
dirigentes do partido?
- Qual a atitude autocrítica tomada pelas distintas
instâncias do partido? Trataram de chamar os principais responsáveis para uma
autoavaliação ou, em vez disso, seguiram com eles afinadas, por mais evidentes
que fossem os desatinos cometidos, em série? Neste caso, fazendo ouvidos moucos
ao conhecido dito aristotélico: “Amicus Plato, sed magis amica veritas”
(“Platão é meu amigo, porém mais amiga é a verdade”)...
- Que posição se tomou em relação aos graves e crescentes
sinais de irregularidades político-administrativas? Quem foi punido
internamente?
- Qual o papel exercido, nesses conflitos, por intelectuais
de referência, inclusive vários ligados à “Igreja na Base”? De contribuírem
para uma reflexão autocrítica ou a de quase tudo atribuir à mídia burguesa ou à
direita tucana e seus aliados?
- Que posição se tomou, desde a primeira eleição de 2002,
frente à famigerada “Carta aos Brasileiros”?
Nas origens de várias dessas organizações, pareciam bem mais
claros pontos hoje esquecidos ou desconsiderados. E isto não se expressava apenas
no pensamento então dominante, mas também se refletia em suas respectivas
práticas, não obstante seus limites. O quê, então, se tinha claro? Refresquemos
a memória em torno de alguns deles:
- tinha-se claro que o Estado era (e continua sendo) o braço
político do Mercado, ou seja, um dos componentes essenciais do modo de produção
capitalista. A depender da conjuntura, até se podia ensaiar nele passos de
resistência, mas jamais o assumindo-o como caminho próprio em busca da
construção de uma nova sociedade;
- tinha-se claro que a construção de uma nova sociedade era
um longo processo, a ser alcançado a longo prazo, mas dando desde já os
primeiros passos – de alternatividade à velha ordem;
2) Experiências
moleculares recentes e em curso, grávidas de alternatividade
Sabemos que não venceremos os impasses que nos cercam, se
nos restringirmos a expressar ruidosamente nossas queixas (não raro,
apenas contra agentes externos...) ou se
continuarmos a priorizar, de modo quase exclusivo, as questões ditadas pelas
agendas oficiais (Executo, Legislativo, etc.). Por essas vias pouco ou nada
lograremos. Há necessidade e urgência de cavocarmos outras possibilidades,
alternativas a esses rumos e caminhos intra-sistêmicos. Como dizia a personagem
José Dolores, do filme “Queimada”, “É melhor saber para onde ir, sem saber como
do que saber como e não saber para onde ir.” E nem se trata apenas de
reinventar o agir político, estritamente. É claro que nos sentimos no dever
histórico de responder à complexidade dos impasses atuais, por outras vias,
sim. Mas, não devemos esquecer que nem tudo parte da estaca zero. Entre nós –
por vezes, até desconhecidas ou pouco acompanhadas e valorizadas – gestam-se
experiências inovadoras, em relação à lógica do sistema imperante. Cada um,
cada uma de nós conhece ou já ouviu relatos acerca de tais experiências
moleculares, normalmente em curso nas “correntezas subterrâneas”.
3) Buscando e
ensaiando pistas mais ousadas de alternatividade, a curto, médio e longo prazos
Impelidos pela convicção de que o atual modelo de
organização societal não se presta a remendos intra-sistêmicos, se queremos
salvar os humanos e a comunidade dos viventes, reconhecendo e promovendo a
dignidade do Planeta, só nos resta ousar buscar e ensaiar pistas de
alternatividade, a curto, médio e longo prazos, na perspectiva de construção
contínua de um novo modo de produção, de um novo modo de consumo e de um novo
modo de gestão societal, que se façam em harmonia com o Planeta.
No item precedente, tivemos a oportunidade de oferecr um
primeiro ensaio, um aperitivo, por meio de experiências moleculares que apontam
nessa direção, a despeito de seus limites. Neste tópico, buscamos ampliar o
nosso esforço prospectivo, vislumbrando novas possibilidades, a curto, médio e
longo prazos, e de modo incessante, uma vez que deve tratar-se de uma revolução
em processo ininterrupto.
A) Por um novo modo
de gestão societal
Seguem tendo um lugar de reconhecido io destaque as relações
de produção. Em determinados modos de produção ainda mais do que em outros.
Isto resulta tanto mais fecundo quanto se tome em conta a necessária interação
dinâmica presente entre as diferentes esferas da realidade social. Seria um
exercício de mera abstração tomar-se isoladamente qualquer uma das esferas da
realidade social - econômica, política e cultural. Nenhuma delas subsiste por
si mesma, em si mesma, para si mesma, de forma separada. Entre todas há um inevitável
entrelaçamento de relações, sem que isto reduza a importância de nenhuma delas.
Ao contrário: fortalece cada uma delas, à medida que se trata uma expressão do
próprio movimento da realidade. Não poucos despautérios têm sido cometidos, ao
longo da história recente e menos recente, graça a certa tendência, por vezes
hegemônica, de se tentar dissociar, no mundo concreto, alguma dessas esferas,
inclusive a econômica, uma das outras. O economicismo – de trágicas
consequências - é uma das formas assumidas de tal tendência.
Nesse sentido, por uma opção didática de exposição, aqui
trato de começar a tecer algumas considerações de caráter enunciativo acerca de
um modo alternativo de gestão societal, a partir do seguinte questionamento:
que tipo de gestão de sociedade somos historicamente instados a ir construindo,
que seja capaz de atender razoavelmente aos interesses, às necessidades
(materiais e imateriais), às aspirações, aos desejos do conjunto da sociedade ou,
pelo menos, da maioria de seus membros?
Um princípio irrenunciável, quanto a isto, é que o
enfrentamento de tal desafio não seja obra de uns poucos pensantes, mas resultado
e expressão do sentir, do pensar, do querer e da ação do conjunto – ou, pelo menos,
da maioria - dos membros da sociedade, em especial (mas não apenas) do conjunto
dos seus produtores e produtoras. Produtores e produtoras, aqui, correspondem
tão-só ao conjunto daqueles e daquelas que vivem do seu trabalho, nas mais
diferentes áreas e setores da economia. Nesse sentido, cabe ao mesmo conjunto
dos membros da sociedade – a partir de suas organizações de base – definir um
leque variado de questões, tais como: assegurar espaços de protagonismo de
gestão societal, por meio de conselhos autônomos e interconectados com as
respectivas instâncias (conselhos mantidos por ambiente de trabalho, por
moradia, por ambiente de estudo, etc.); por quem e como serão tomadas as
decisões gerais de gestão societal? Assegurada a prerrogativa do conjunto da
sociedade, de tomar as decisões de gestão, a que instâncias intermediárias
entre o conjunto dos membros e os executores de suas respectivas decisões,
caberá concretizar as decisões tomadas? Como isto se fará: por que delegações,
com que periodicidade de função, tendo que órgãos societais de controle, com
poder inclusive de substituir, por motivos justificáveis, os delegados/delegadas
antes do fim do seu mandato? Que mecanismos adotar para evitar-se o continuísmo
de delegação, de um lado, e, de outro, para garantir que quem tenha cumprido
seu mandato de delegado/delegada, retorne para a base, e quem é da base cumpra
seu tempo de delegação, em alguma das instâncias executoras das decisões
tomadas pelo conjunto dos membros? Quê formação interessa ao conjunto desses
membros? Como será organizado processo formativo, que deverá ser contínuo e a
ser cumprido por membros da b ase e delegados e delegadas?
Insistindo em que essas linhas não sejam tomdas senão como
uma pro-vocação ao desafio de irmos ensaiando passos em direção à construção de
uma sociabilidade alternativa à ordem vigene, a curto, médio e longo prazos,
reitero o caráter apenas enunciativo, sabidamente parcial, limitado e
provisório.
B) Por um novo modo
de produção
Os diferentes modos de produção constituem também
mostruários de como, a cada mudança de época, os seres humanos aplicaram-se,
durante décadas – ou até século -, na busca de superar, ou melhor dito, de irem
superando, práticas e mecanismos do sistema produtivo então vigente, nem sempre
(ou quase nunca) tendo claros os traços completos do modo de produção “dos seus
sonhos”. Em verdade, foram dando passos, foram tateando nessa direção. O que
temos como certo é que não se conformaram com o modo de produção dominante.
Foram atrás de pistas de alternatividade. Nesse sentido, partiram de pistas
orientadoras, de perguntas-chave tais como: quê lugar deve ter o processo
produtivo, entre nós, articulado às outras esferas de nossa realidade? Tomando
em consideração nossas características geográficas e sócio-econômicas, quais
são nossas prioridades de produção? O quê queremos produzir? Que impacto tal
plano de produção pode ter para o nosso Planeta? Como vamos pôr em prática
nosso processo produtivo? Por que, para que, para quem desejamos produzir?
C) Por um novo modo
de consumo
Se antes, em épocas recentes e menos recentes, bastava
centrar a atenção apenas no modo de produção, hoje já não mais pode nem deve
ser assim. A ideologia do progresso sem limites fez e faz estragos profundos ao
Planeta, aos humanos e a toda a comunidade dos viventes. Ideologia que nutriu,
desde seus inícios, não apenas os protagonistas do modo de produção
capitalista. Também em experiências socialistas, tal ideologia “deitou e
rolou”... Hoje, temos mais claros os custos desta tragédia e quem paga a conta
desse progresso.
Quando nos damos ao trabalho de analisar a relação (tão cara
ao sistema dominante) entre custos e benefícios, nos espantamos com os
resultados desse modelo: aquecimento climático, crise hídrica, crise de
energia, desflorestamentos, morte de rios e fontes de água, envenenamento de
lençóis freáticos, contaminação do subsolo, devastação da biodiversidade,
extinção de centenas de espécies vegetais e animais, envenenamento dos vegetais
(inclusive da alimenta de humanos e outros animais, multiplicação de doenças
daí advindas, etc., etc.
De uma análise desse quadro, não resta dúvida de que, tão
importante quanto envidarmos esforço na construção processual de um modo de
gestão societal alternativo e de um novo modo de produção, é igualmente
assumirmos como urgente um novo modo de consumo. E aqui convém assinalar que
para tanto se tornam fundamentais, não apenas os esforços coletivos de gestão,
de produção e de consumo, como também resultam indispensáveis e urgentes os
esforços também individuais de estilo de vida. Não apenas em relação à nossa
responsabilidade pessoal no que tange à manutenção e fortalecimento de certas
culturas necrófilas – de acumulação de bens, de desperdício (de água, de
alimento, de energia...), de aquisição de supérfluos -, como também de nossa
mudança pessoal de estilo de vida. Viver contente com pouca coisa, a exemplo do
que fazem tantos povos tradicionais (sem que isto signifique tentativa de
copiar sua forma de organização), a exemplo dos cultivadores do “Buen Vivir”.
Nesse sentido, a recente encíclica social do Papa Francisco – “Laudato si´”
representa um momento privilegiado do pensar/viver alternativo ao modelo
vigente. Outro marco referencial a cultivar: a proposta do “Bem Comum da
Humanidade”, bem expressa nas palavras de um conferencista, ao defender que:
A quem interessar possa, destaco os
principais pontos da intervenção de FrançoisHoutart,
sociólogo belga, um andarilho das boas causas.
* O pronunciamento se dá em
Roma, por ocasião da segunda conferência
sobre o BemComum da Humanidade.
* A
noção de Bem Comum mostra-se importante atualmente por
comportar uma leitura holística, capaz de comportar os mais distintos
aspectos da reaidade, numa visão de conjunto que permite
apreender/compreender distintos aspectos da realidade.
* Trata-se de uma leitura de conjunto
que busca compreender as relações com a Natureza, a proteção dos bens
materiais, omodo de produção, a Democracia, as organizações sociais,
políticas e culturais, pois todos constituem aspectos da mesma
realidade.
* Perspectiva que se opõe
completamente àda lógica do sistema capitalista que promove uma ampla
segmentação, ao separar cada esfera - ecoNõmica, social, política, cultural
-da realidade
* Sem uma
visão integrativa da realidade, fica difícil compreender a
importância e o alcance desse novo paradigma anticapitalista e
voltado à construção da sociedade pós-capitalista.
* As várias dimensões
mencionadas da realidade comportam também os diferentes aspectos próprios
do Bem Comum. Todos esses bens
são patrimônio da humanidade, tais como a terra, os mares,
as florestas, etc. Eis por que não podemos aceitar que isto seja
propriedade privada, porque se trata de BemComum da Humanidade.
* Importa reconhecer a primazia do
Público, quando se trata dos bens públicos, das fontes de riqueza, dos serviços
públicos. A solidariedade é mais importante do que os direitos individuais,
Deve ser atendido, primeiro, o interesse comum. Garantido este,
parte-se para o atendimento dos direitos individuais.
* A terceira dimensão do Bem Comum é
a Vida: a vida do Planeta, a vida dos seres humanos. Eis ovalor
fundamental que inspira o novo paradigma.
Eis o "link":
http://www.youtube.com/watch?v=xT8-qWnKz_U
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