EDUCAÇÃO POPULAR NO BRASIL:
elementos de resgate histórico
Alder Júlio Ferreira
Caldo
Em
tempos de globalização sob a hegemonia do Capitalismo em sua fase/face de
barbárie mais explícita, toda a vida social termina afetada: a economia, as
formas de organização social, os valores, a educação... (Quase) tudo se põe a
serviço da ideologia do pensamento único,
do deus Mercado. No campo acadêmico, também. Temas e abordagens que, até há
pouco tempo, eram priorizados no ensino, na pesquisa e na extensão, são não
raro relegados a plano secundário ouo “esquecidos”, quando não são retomados
sob o enfoque da “moda”, que pouco ou nada tem a ver com os interesses da
maioria da população. A moda dita pós-moderna parece tudo invadir, revelando-se
bastante funcional ao gosto do mercado.
E
a Educação Popular também se torna um alvo dessa armadilha. Os apelos sedutores
dos ventos da moda acabam arranhando também o vigor de uma Educação Popular
comprometida com a transformação social, numa perspectiva classista, sem desprezar
ganhos relevantes, inclusive no plano dos procedimentos.
O
resultado disso é a ampliação do leque de sentidos sobre o que é Educação
Popular. Há conceitos de Educação Popular para todos os gostos. Até predomina,
atualmente, uma abordagem de Educação Popular voltada para o povo, e até às vezes feita ao lado de pessoas das camadas populares. Raro mesmo é encontrar-se
um trabalho de Educação Popular que, sem se fechar ao diálogo com novas
abordagens, mantenha-se fiel aos interesses da classe-dos-que-vivem do trabalho,
principais progonistas da Educação Popular..
Essa
abordagem requer, entre outros componentes, que
- não se proponham tarefas e
mesmo políticas governamentais para o
povo, quase sempre sem sua efetiva participação, e às vezes até contra sua vontade...
- não se limite a fazer trabalhos
de Educação Popular com o povo, o que
já é um passo relevante, mas ainda isuficiente;
- se dêem passos concretos para
se criar condições favoráveis a um protagonismo efetivo das classes populares,
em todas as fases do processo. Já não se trataria de se fazer Educação Popular para o povo, nem mesmo apenas de se
fazer Educação Popular com o Povo, mas, antes, de propiciar as condições
necessárias para que as classes populares se tornem efetivamente os principais
agentes e protagonistas da Educação Popular.
Nesse
sentido, é que se apresenta útil recuperar elementos históricos de como a
Educação Popular foi sendo trabalhada entre nós, principalmente a partir dos
anos 50, e, em especial, a partir da proposta freireana.
Educação Popular vem de longe
Há
uma certa tendência a tomar-se como algo muito recente o trabalho de Educação
Popular e a própria discussão em torno dos sentidos que ela comporta. É sempre
saudável desconfiar de abordagens que, fazendo tábula rasa do passado, parecem
sugerir uma Educação Popular sem história, como algo tão recente. Esse risco
ocorre também em outras instâncias. Por exemplo, nos primeiros anos do PT,
havia entre não poucos uma certa tendência (nem sempre explicitada) de que se
tratava de algo completamente novo, algo inédito. A despeito de que, sob certos
aspectos, admite-se aí algo de verdadeiro, o risco estava em esquecer o passado
de lutas de tantos movimentos, organizações, partidos... Inclusive a trajetória
do PCB que, com acertos e erros, vinha desde 1922.
Para
evitar isso, também no plano da Educação Popular, vale a pena refrescar a
memória a respeito de alguns aspectos da Educação Popular trabalhada, no Brasil
(e fora do Brasil), há tantas décadas atrás.
Com
efeito, a luta pela Educação no Brasil vem de muito longe. Inclusive no que concerne
à Educação Popular, mesmo quando esta expressão não era usada como hoje. Em
muitos momentos da história da educação no Brasil, principalmente, a partir dos
anos 30, como no caso de algumas propostas dos chamados pioneiros, podemos
encontrar ao menos elementos correspondentes a algo que se afina com Educação
Popular.
Educação Popular no Brasil, a partir dos anos 50
A
entrada em cena dos movimentos sociais urbanos e rurais em sua luta pelas chamadas
reformas de base (a Reforma Agrária, a Reforma da Educação, entre outras) é
característica marcante dessa época. A criação e o avanço das Ligas Camponesas,
a partir de meados dos anos 50; a organização dos estudantes através da UNE
(que, aliás, vinha de bem antes), a mobilização dos sindicatos urbanos, alguns
setores da Igreja Católica... tudo contribuía para um clima de mobilização e
organização de massa, no Brasil.
E
aí, a Educação Popular foi uma preciosa ferramenta de luta, numa perspectiva
transformadora. Lapidada pelo trabalho de Paulo Freire, enriquecida com a
organização dos Centros Populares de Cultura e dos Círculos de Cultura Popular,
do Teatro do Oprimido, a Educação Popular iria viver um período de enorme
acúmulo, protagonizada que era pelos movimentos populares da cidade e do campo.
As
classes populares começavam a sentir-se não apenas alvo da atenção de
estudantes e intelectuais, mas, com eles, sentiam-se verdadeiros protagonistas
do processo, tomando parte nas diferentes fases do processo.
A
esse propósito, a Educação Popular, numa formulação freireana, contribuía
enormemente, sob diferentes aspectos. Por exemplo, se lembrarmos a enorme
capacidade de potencialização que tiveram as chamadas “palavras geradoras”, não
apenas como ferramenta de aprendizagem da leitura e da escrita, mas sobretudo
como instrumento de leitura e reescrita do mundo, das relações sociais de
então.
Ir
ao encontro do povo, lá onde o povo se encontrava, tecer relações de amizade
com grupos e pessoas, ganhar a confiança mútua, criar clima favorável a que os
trabalhadores e trabalhadoras dissessem a sua palavra, participassem
efetivamente de todo o processo educativo, isso teve (e tem) um significado
extraordiário, na medida em que
- permite a troca de saberes
entre educadores e educandos;
- os educandos exercitam e
avançam em sua consciência crítica, desconbrindo seus talentos, suas
potencialidades;
- os educadores e educadoras vão
sentindo que não apenas têm a ensinar, mas muito igualmente a aprender dos e
com os educandos;
- o recurso a variadas expressões
artístico-literárias (teatro, poesia, canções, desenhos, etc.) vai favorecer a
utilização pelos educandos de várias ferramentas e linguagens que eles já
conhecem, e, por isso, usam para melhor se comunicar.
Eis,
em poucas linhas, algumas rápidas notas sobre aspectos da Educação Popular,
postos em prática no Brasil, entre meados dos anos 50 e começos dos anos 60,
que podem nos servir de subsídios para os desafios presentes, na área.
Caruaru, 16 de
fevereiro de 2006.
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