A RAIZ SE REPOSICIONA: registros, ponderações e questionamentos de um interlocutor
A raiz, em processo, se refaz
Prosperando Movimento Cidadanista
Alder Júlio Ferreira Calado
Nas linhas que seguem, reitero de modo menos sistemático, o que tive a oportunidade de compartilhar com integrantes da Associação Política Raiz Movimento Cidadanista, tanto por ocasião de uma de suas “Teias”, no Encontro no sertão pernambucano (Arcoverde), há cerca de 5 anos, quando a Raiz ensaiava seus primeiros passos, quanto mais recentemente em conversa online com alguns de seus membros.
A última conversa se deu em função de um Documento/Proposta de restauração, que me foi enviado por Welligton Santana, com o pedido de comentários. Li, com atenção, como de hábito, a íntegra de sua proposta de restauração, quando da última conversa compartilhada remotamente, tive a oportunidade de externar em dois ou três pontos (minhas afinidades com o documento, alguns questionamentos e sugestões). É justamente a este respeito que trato de apresentar, brevemente, alguns registros, ponderações e questionamentos, enquanto interlocutor da Raiz.
Começo sublinhando o impacto positivo que tenho com o surgimento da Raiz, impacto também compartilhado por várias figuras, a exemplo da deputada Luiza Erundina, ainda que não compondo organicamente os quadros da Raiz, tem manifestado seus cumprimentos e suas afinidades com efeito. Sempre me sinto animado, quando constato o surgimento de novos movimentos sociais populares, do campo e da cidade com suas mais diferentes bandeiras de luta. Em especial impactam-me os poucos movimentos que, para além de suas respectivas bandeiras, assumem o compromisso de lutar por uma nova sociedade, por um novo modo de produção, de consumo e de gestão societal, alternativo à barbárie capitalista. Entendo também ser este o propósito fundamental apresentado pela Raiz. Congratulações e os votos de que os integrantes da Raiz - mulheres e homens - cumpram este papel, de modo conjunto com outros movimentos populares que se apresentam com semelhante perfil .
Breves registros
Com que critérios me ponho a fazer uma leitura desta proposta de reestruturação feita pela raiz - e de qualquer outra iniciativa similar?
Resulta importante, desde já, externar tais critérios, permitindo uma leitura crítica do que também sinto, penso, quero e ajo, em relação aos múltiplos desafios que enfrentamos: da crise ou emergência climática, da crise sanitária, da crise econômica, da crise política, da crise cultural - inclusive de natureza religiosa-, das relações sociais de gênero, de etnia, de espacialidade, de natureza ética, entre outros.
Um primeiro critério que sustento - e não o faço sozinho, evidentemente - tem a ver com o horizonte que buscamos alcançar, de uma nova sociedade - não propriamente de um novo estado -, que comporte um novo modo de produção, de consumo, de gestão societal, em harmonia com o planeta e toda a comunidade dos viventes (não apenas os humanos). Ao fazer análise de conjuntura/estrutura, busco sempre tomar em consideração e ser fiel, naquilo que está ao meu alcance.
Outro critério de análise prende-se ao exercício de rememoração crítica de fatos de um passado recente e menos recente, relativos às lutas e buscas nossas e de outros povos, movimentos e figuras, nesta mesma direção, sempre em busca de extrair lições - o que não significa tentar repetir estes feitos -, sempre procurando observar exemplos de como não repetir erros passados, ao tempo em que nos empenhamos em tomar em conta pontos heurísticos que podemos recolher destas experiências do passado.
Do exercício contínuo desses critérios decorrem algumas consequências. uma delas a necessária clareza que devemos ter quanto a Quais forças sociais são capazes de levar a bom termo esta proposta, enfrentando exitosamente as várias manifestações da barbárie capitalista e, sobretudo, de irem construindo, desde já, a nova sociedade. Ainda que não sejam as únicas forças, os movimentos sociais populares são as que estiveram por trás dessas transformações dignas deste nome. Fundamentalmente, são os movimentos sociais populares que constituem os principais protagonistas, atuando em conjunto com outras organizações de base.
Outro aspecto relevante a ser tomado em conta é saber escolher as prioridades de nossa luta, o que implica um permanente estado de vigilância ou auto vigilância em relação ao nosso compromisso com as causas em que nos achamos mergulhados. Sem qualquer atitude facciosa de quem pretenda impor aos outros a sua verdade, trata-se, porém, de seguir dialogando com outras compreensões, sem que tenhamos que renunciar ao nosso entendimento, necessariamente.
Ponderações
Estou consciente da firmeza com que os distintos membros da Raiz se lançam aos desafios atuais, sem que necessariamente tenham que estar sempre de acordo com os mesmos pontos de vista, até porque, como lembrava Exupéry, "todo ponto de vista é a vista de um ponto”. Isto se passa, por exemplo, no tocante a uma eventual opção pela via partidária. Trata-se de uma dificuldade a ser enfrentada pelos integrantes da Rai. Mesmo sabendo que uma coisa está, de algum modo, ligada a outra, não podemos nem devemos ignorar o desfecho desfavorável que temos colhido pela excessiva aposta nos Espaços Estatais - e também partidários - que temos colhido nas últimas décadas. Sempre que me ponho a refletir sobre este ponto - e o que tenho feito reiteradamente, de modo incessante -, me convenço da posição equivocada, em relação aos bons frutos que temos colhido quando priorizamos o compromisso de luta com os movimentos sociais populares, de tal sorte que tenho muita dificuldade de, especialmente nesta atual conjuntura, depois de tudo o que colhemos, nas últimas décadas, de dedicar o melhor de nossa luta ao caminho partidário. Isto nada tem a ver com qualquer postura de fechamento ou de indisposição ao diálogo e a unidade nas ações com a via partidária, mas de modo a tomar os partidos, que são, como sabemos, peças integrantes do Estado, como nossa escolha prioritária de ação, trazendo efetivos prejuízos ao nosso esforço de contribuir e de fortalecer a sociedade civil, por meio daquelas forças mais representativas de alternatividade, que são os movimentos sociais populares.
Em minha experiência de mais de meio século lidando com movimentos sociais populares, especialmente, com um aprendiz, como militante e como pesquisador, sou testemunha de como é fundamental a atuação autônoma e continuada nos movimentos sociais populares. Dificilmente chegam a bom termo, quando se transformam em partido político institucional. Em sua ampla agenda de atividades, dificilmente lograriam seus dirigentes/ coordenadores e coordenadoras dar conta, a contento, de suas tarefas, caso atuaem também nos espaços estatais, de maneira orgânica. Por mais que prometam - e prometem muito -, acabam priorizando as atividades partidárias, em detrimento das prioridades dos movimentos sociais populares. Não raramente, chegam a ponto de secundarizarem o trabalho de base, fundamental no fortalecimento dos movimentos sociais populares, quer seja em seus setores organizativos, quer seja no assegurar as condições desejáveis de formação permanente dos seus quadros e da base, quer seja em sua força de mobilização e de luta. Isto, todavia, não impede que se mantenha o diálogo profícuo com outros sujeitos políticos, inclusive de feição partidária, sempre atuando em unidade de ação, o quê não exige uma atuação direta nas instâncias partidárias institucionais.
No caso específico da Raiz, entendo ainda mais necessário que se mantenha enquanto movimento social popular, dados os profundos valores em que se baseia, desde seu nascedouro. Importa, aliás, ressaltar alguns desses princípios e valores: seu compromisso com a causa dos povos originários, dos afro descendentes, sua inserção no movimento camponês, sua aposta em valores como o paradigma do Bem Viver, seus compromissos com a agroecologia, com a permacultura, sua sensibilidade internacionalista, entre outros - tudo me faz convencido da sua atuação enquanto movimento social popular, sempre disposto a reforçar a sociedade civil, ao lado de outros parceiros - movimentos populares com compromisso de construção de uma nova sociedade -, aliados e outros segmentos sociais que partilham, no todo ou em parte, estes mesmos valores. Ainda dando seus primeiros passos, enfrentando notável escassez de lutadores e lutadoras nestas trincheiras, nada sugere razoável correrem o risco de assumir compromissos partidários, cuja dinâmica absorvente consome valiosas energias criativas e de trabalho, ainda com risco de perda da Autonomia em relação ao estado e ao próprio mercado capitalista.
Afinidades com a Raiz
São fortes as afinidades que nutro com os valores e princípios em que aposta a Raiz. Aprecio enormemente seu enraizamentos nos valores de nossos povos originários, do nosso povo afrodescendente, nos valores camponeses, em seu compromisso com a agroecologia, com a permacultura, com os desafios sócio ambientais, sua notável sensibilidade com a sorte dos desvalidos, do movimento de rua, sua oposição e sua luta contra as diversas manifestações de barbárie do atual modo de produção. Aprecio não menos sua abertura ao diálogo com diversas correntes humanistas, principalmente com a Filosofia da Práxis. Aprecio a prioridade que dá à sua auto-sustentação, a partir do seu auto-financiamento, dando ouvidos ao dito popular “quem come do meu pirão, prova do meu cinturão”. Relevante princípio de autonomia.
Questionamentos
A título de contribuição e de exercício de interlocução, ousaria compartilhar com aquelas e aqueles que compõem a Raiz alguns questionamentos, como forma de alimentar um debate fraterno:
A longa experiência de trabalho com a questão partidária, sem negar conquistas e avanços daí extraídos, já não é suficiente para nos darmos conta de certa ilusão em investirmos nas instâncias partidárias oficiais o melhor de nossas energias transformadoras?
Como conciliar um imenso leque de tarefas, decorrentes dos valores e princípios nos quais apostamos, com a imensidão de trabalhos, de compromissos, de energia despendidos com as tarefas necessárias a uma agenda partidária, em especial os compromissos exigidos no desenvolvimento de campanhas eleitorais, com resultados bastante duvidosos?
Por que não optar por um diálogo contínuo e fraterno com figuras do Parlamento, comprometidas com a causa de transformação, com muitos dos valores que são os nossos, em vez de uma participação institucional que nos exigiria tempo, energia, atividades imensas, que certamente implicariam prejuízos consideráveis às tantas prioridades decorrentes dos propósitos e dos compromissos que já temos na própria Raiz?
Eis apenas algumas inquietações, formuladas sem uma melhor sistematização, que ouso compartilhar fraternalmente com os companheiros e companheiras que seguem avante, nesta tarefa de restauração da associação política Raiz Movimento Cidadanista.
João Pessoa, 26/05/2021
Nenhum comentário:
Postar um comentário