quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

ROTEIRO DE ANÁLISES DE CONJUNTURA

 ROTEIRO DE ANÁLISES DE CONJUNTURA

(Elaborado para o Encontro de Militantes sociais e pastorais, que teve lugar em Bayeux, no Centro de Formação do Movimento Popular, em 21/01/2023)


Alder Júlio Ferreira Calado


Não é segredo que estamos mergulhados em desafios múltiplos e complexos, aos quais somos chamados a responder, a altura de nossas capacidades, de nossos limites e compromissos. Os movimentos sociais - sindicais, populares, pastorais, e da própria esquerda partidária - constituem relevantes molas propulsoras da organização da sociedade civil, razão por que, diante de tais e tamanhos desafios, não basta esperar apenas pela ação institucional, por certo necessária, mas não suficiente.


Eis por que, dando sequência a múltiplos compromissos organizativos, formativos e de mobilização, iniciamos 2023 com uma agenda de atividades com alguns grupos e movimentos sociais, dentre os quais o movimento Raiz Cidadanista (que se reuniu, recentemente, em Arcoverde - PE, para uma “Teia” regional), o Grupo de Formação do Mutirão, para mencionar apenas dois exemplos. A quem interessar possa, segue o link de acesso ao texto ecoando o evento da Teia: https://textosdealdercalado.blogspot.com/2023/02/movimento-raiz-cidadanista-em-seu.html. Em relação ao Encontro de Formação do Mutirão, o dia 21.01.2023 foi dedicado a um exercício coletivo de análise de conjuntura como o forma de leitura crítica da realidade social (ou da realidade eclesial), em escala internacional, latino-americana, brasileira, nordestina, estadual, municipal, em um período de aproximadamente trinta anos.

Para Tanto, houvemos por bem propor o seguinte roteiro didático, que hoje cuidamos de desenvolver (apenas o roteiro):

 


  1. Pressupostos teórico-práticos


1. Pressuposto Teórico-metodológico: exercitar os princípios da Dialética (a interação universal das coisas e dos acontecimentos; o princípio do movimento;o princípio da totalidade; o princípio da unidade dos contrários; o princípio da transformação da quantidade em qualidade).

2. Assegurar criticamente  a diversidade de fontes de dados e agências noticiosas.

3. A conjuntura comporta relevantes elementos da estrutura.  

4. Procedimento pedagógico-popular: fazer análises de conjuntura em mutirão.


  1. Passos fundamentais de Análise de Conjuntura 


1. Explicitar os projetos de sociedade, em disputa 

2. Situar os representantes de cada força social em disputa

3. Identificar as estratégias básicas utilizadas pelos representantes de cada Força social, em luta

4. A partir dos passos acima trabalhados, extrair lições para a elaboração de um Plano de Atividades, de modo a enfrentar os desafios da conjuntura, conforme o plano de ação de cada Movimento Popular 


  1. Com base nos passos acima-indicados, exercitar uma análise da atual conjuntura social e eclesial.

 a partir do roteiro abaixo proposto. Tal roteiro foi elaborado com o propósito de desenvolvê-lo, por escrito, em um texto mais longo, a ser compartilhado, em breve. Por enquanto, julgamos conveniente mencionar apenas o seguinte roteiro. 


  1. Análise de conjuntura como o exercício de leitura crítica  da realidade social (ou da realidade eclesial), em escala internacional, latino-americana, brasileira, nordestina, local


Passos fundamentais de Análise de Conjuntura 


Com base nos passos acima-indicados, exercitar uma análise da atual conjuntura social e eclesial.


A parte de tal roteiro cuidamos, em breves linhas, de desenvolver cada tópico proposto, com o propósito de fornecer elementos didáticos de uma análise em mutirão de nossa atual realidade.


I.Pressuposto teórico-práticos   


Embora pareça supérfluo este primeiro tópico eles se justificam fortemente  em razão de apontar condições mais favoráveis para uma melhor percepção  crítica de como se dá a conhecer a realidade social. Sem tais elementos, corremos o risco de uma má interpretação dos fatos e acontecimentos de nossa realidade.


1.Pressuposto teórico-metodológico 


A realidade social,dada a sua complexidade, não se deixa conhecer a olho nu, ou seja, de forma desarmada.Para compreendê-la precisamos nus dotar de lentes especiais capazes de aprimorar nosso potencial perceptivo, de modo a penetrarmos no íntimo desta realidade. 

Neste sentido, a Dialética nos oferece valioso instrumental,por meio dos princípios que a caracterizam:

-A interação universal dos fatos e acontecimentos e situações.Este princípio nus ajuda perceber que os fatos de nossa realidade(sociais,econômicos,políticos,culturais…)  se acham dinamicamente conectados, de tal modo que a boa compreensão de uns  só se dá com a boa compreensão dos demais.Como diz a canção,"tudo está interligado”.       


  • O princípio do movimento, refletido desde Heráclito, tendo passado por diversos pensadores, entre os quais Hegel em Marx, nos alerta para a necessidade de entendermos a realidade social em constante movimento, em constante transformação histórica. Este princípio nos ensina que “tudo muda”, tudo flui (πάντα ῥεῖ). Para uma compreensão mais objetiva da realidade social, importa buscar acompanhar seu movimento histórico, ou seja, apreende-la como em um filme, não apenas como uma foto. No exercício crítico de leitura de nossa realidade, é fundamental também que busquemos nos pôr constantemente em movimento, tentando aproximarmos desta realidade, em seu dinamismo; - o princípio da totalidade, por sua vez, destacado especialmente por Marx, nos adverte da necessidade de irmos além de uma compreensão parcial da realidade, sempre buscando entendê-la como uma totalidade, integrada por diversas partes dinamicamente interrelacionadas;

  • No que tange ao princípio da unidade dos contrários, a Dialética nos ensina que, ao exercitarmos criticamente uma leitura de mundo, precisamos entender que os fatos, os acontecimentos e as situações não evoluem de forma linear, mas devem ser apreendidos em seus entrechoques, sempre buscando vislumbrar um traço de união que liga esses acontecimentos contraditórios. Por exemplo, ao nos debruçarmos sobre o fenômeno da pobreza, não basta situarmos as condições de miserabilidade, de extrema pobreza, mas sobretudo importa perceber a ligação orgânica existente entre pobreza e riqueza, ou seja, somente ao situarmos sua relação, é que podemos entender os dois pólos antagônicos da riqueza e da pobreza, cuja existência radica justamente na relação dos dois pólos antagônicos (“ricos cada vez mais ricos à custa de pobres cada vez mais pobres”, como lembra o Documento de Puebla);

  • A dialética também nos lembra a relação existente entre quantidade e qualidade, à medida que a quantidade também pode gerar qualidade. Na prática, por exemplo, um combate mais orgânico contra as raízes capitalistas não se faz suficientemente graças a uns “gatos pingados”, mas requer um envolvimento orgânico de um quantitativo de militantes capaz de enfrentar exitosamente a barbárie capitalista.

2. Uma boa análise de conjuntura não se faz com base em dados de um única fonte de informação, mas pressupondo acompanhamento indispensável de um conjunto de fontes ou de agências noticiosas, com perfis ideopolicos diferentes e até antagônicos. Na pratica,isso significa recolher informações de órgãos os mais diversos, tais como, por exemplo, notícias colhidas da mídia comercial (do tipo globo news CBN Bandnews, inclusive a jovem pan) bem como de órgãos noticiosos de perfil à esquerda, tais como Brasil 247, Opera mundi, Boitempo, TVL, ICL, entre outro;

3. Toda conjuntura comporta elementos estruturais, isto é fatos e acontecimentos atuais só podem ser compreendidos de forma mais consistente quando buscamos identificar suas raízes históricas, como sucede como, por exemplo, na análise das manifestações racistas, misóginas, homofóbicas, etc. Neste sentido, importa revisitar nossa história de Escravismo colonial.

4.Procedimento pedagógico-popular também se faz necessário, à medida que se busca exercitar análises de conjuntura em mutirão de forma coletiva.            


II. Passos fundamentais de Análise de Conjuntura

O exercício da leitura crítica  de nossa realidade - Paulo Freire entende isso como “Leitura de mundo” - parte do convite aos participantes a lembrarem fatos ou acontecimentos que julguem mais impactantes, seja em âmbito  local, regional , nacional. Internacional, seja ainda no âmbito econômico na esfera política ou no plano cultural. Forma, assim, um vasto painel, a ser completado ou acrescido por alguém mais experiente, que coordene os trabalho.


1.Explicitar os projetos de sociedade subjacentes a esses fatos e acontecimentos. Trata-se, aqui, de pôr em evidência a presença efetiva da ideologia capitalista, que impregna os narrativas ou  pretextos dos que controlam o modo de produção capitalista, bem como seu modo de consumo e de gestão societal.


Para ilustrar, de modo mais didático, vamos partir de um exemplo concreto da atualidade: o “status” de independência que o Legislativo concedeu indevidamente ao Banco Central, para determinar a política monetária do Brasil, nomeando o seu Presidente o banqueiro Roberto Campos Neto, por um período de quatro anos, dois dos quais alcançando metade de Governo Lula. Hora, atribui-se "independência" a um banqueiro notoriamente vinculado ao rentismo, significa na prática esperar que a raposa tome conta do galinheiro. Estamos diante de uma situação que caracteriza a hegemonia do poder burguês sobre a economia do País, ainda que o Presidente Lula tenha sido eleito pelos brasileiros para governar o Brasil.


Por outro lado, contrariamente a este projeto dominante, ergue-se o projeto popular, representado pelo conjunto da maioria dos trabalhadores e trabalhadoras e seus aliados, organizados em movimentos populares, sindicais, e associações, cooperativas e outras organizações de base.


Enquanto isso, por outro lado, o projeto burguês segue representado pelas grandes empresas transnacionais, atuando nos mais diversos ramos da economia, até mesmo no campo da educação e da cultura, tendo sua expressão máxima no capital financeiro, e ainda amplamente favorecido pelos vários aparelhos de Estado (o Legislativo, o Judiciário, o aparato Militar, tendo a mídia comercial a seu favor, além da Escola, da família, das igrejas… 


III. A partir destes dados conjunturais, como devemos nos organizar?


O periódico exercício de Análise de Conjuntura deve ter como objetivo fornecer subsídios para a elaboração de um plano de ação e de lutas, por parte de cada organização de base, seja um Movimento popular, seja uma Associação, seja uma Cooperativa, seja uma Pastoral Social. Conforme seja seu campo de atuação e seus objetivos específicos, cada organização de base é chamada a planejar suas atividades, tomando em conta as tarefas a serem realizadas, bem como quem, quando e como vai assumir essa ou aquela tarefa.


Eis, em poucas linhas, o que podemos oferecer de um roteiro didático de leitura crítica e de intervenção sobre nossa esfera de educação, sempre lembrando de fazê-lo em mutirão, aproveitando a contribuição de cada participante, com a mediação de alguém mais experimentado na elaboração de Análise de Conjuntura.

É necessário lembrar que aqui se tratou apenas de um itinerário, a partir do qual os interessados encontram elementos para se fazer, na prática, a própria Análise de conjuntura.


João Pessoa, 09 de Janeiro de 2023.


       


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