Traços da Mãe África: Em busca de nossas raízes VIII
Alder Júlio Ferreira Calado
Damos prosseguimento à nossa breve incursão pelo universo literário africano, destacando algumas figuras proeminentes, nesse campo. Cuidamos, desta feita, de pôr em relevo alguns elementos bibliográficos do poeta angolano Agostinho Neto. Nasceu em 1922, em Catete, Angola, onde cursou seus estudos elementares e de nivel médio. Em razão da ausência, nas colônias, de escolas de ensino superior, teve, como vários de seus conterrâneos, que prosseguir seus estudos em Lisboa, onde cursou medicina.
Ainda estudante, não tardaria a engajar-se no movimento pela emancipação de sua terra e de sua Gente, razão pela qual teve que amargar a prisão, da qual, movido pelo sonho de Liberdade, conseguiria fugir, para integrar, mais tarde, o Movimento Popular pela Libertação da Angola - MPLA, do qual seria eleito presidente. Como presidente também seria eleito da República Popular de Angola, após sua emancipação, em 1975. Bastem esses elementos biográficos para se ter uma idéia da natureza predominante de sua produção literária: o compromisso político de libertação de Angola e dos Angolanos, da África e dos Africanos.
Juntamente com personalidades como Lúcia Lara e Orlando de Albuquerque, viria a fundar a revista Movimento, em 1950. Nela e em tantos outros periódicos publicou sua vasta produção poética.
Agostinha Neto costumava externar sua inquietação quanto à função política exercida pela língua, na produção literária. Guardava, a propósito, uma posição crítica diante do que chamava de “literatura aculturada”, por entender que, mesmo quando aborda uma temática anticolonialista, “dependia de padrões europeus, sendo ela, de certo modo, um ramo da literatura portuguesa, tanto pela sua técnica como pela sua língua de composição” (cf. Hamilton, in África, Vol 7. Ano II Lisboa, Jan-Mar, Revista Trimestral, p. 211, 1980. Cit. por D. J. Cazombo, http://www.afropress.com/domingos02.htm).
Daí todo o seu empenho em valorizar e promover o uso das línguas nativas, como veículo adequado de comunicação do sentir, do pensar e do agir do escritor, visto que “por vezes, pega-se a ler ou a escutar um órgão da informação e eu fico, imediatamente, com a sensação de que não é pra mim que estão a falar. Não é para o povo de Angola. Está-se a falar para outra gente. Isso não pode ser”, chegando à conclusão de que “setor da cultura, o setor dos escritores, dos artistas plásticos, necessita de uma certa adaptação à realidade” (Ibidem).
De sua vasta produção poética, podemos mencionar: “Quitanda”, “Voz de Sangue”, “Mussanda Amigo”, “Contratados”, “Aspiração”, “Poesia Africana”, “Fogo e Ritmo”, “Kina-xixi”, “Noite”, “Consciencialização”, “Civilização Ocidental”, “Adeus à Hora da Largada”. Em “Quitandeira”, por exemplo, Agostinho Neto alude ao cotidiano de sofrimento e de sonho de uma vendedora de frutas, em sua luta pela sobrevivência, sendo por vezes forçada a também vender o corpo como meio de sobrevivência. O sonho de liberdade, porém, é uma constante em sua lida de quitandeira.
Este é o seu poema intitulado “Contratados”: “Longa fila de carregadores/ domina a estrada/ com os passos rápidos. / Sobre o dorso/ levam pesadas cargas./ Vão olhares longiquos/ corações medrosos/ braços fortes/ sorrisos profundos como águas profundas./ Largos meses os separam dos seus/ e vão cheios de saudades/ e de receio/ mas cantam./ Fatigados/ esgotados de trabalhos/ mas cantam./ Cheios de injustiças/ calados no imo das suas almas/ e cantam./ Com gritos de protestos/ mergulhados nas lágrimas do coração/ e cantam. /Lá vão/ perdem-se na/ distância/ na distância se perdem os seus cantos tristes, / Ah!/ eles cantam…”
Falecido em 1979, Agostinho Neto permanece vivo na memória do seu povo, tido como um dos intelectuais mais reverenciados, não apenas em Angola, nem somente na África. O mundo dos pobres lhe presta homenagem, sobretudo, pelo seu testemunho de poeta revolucionário comprometido com a causa dos oprimidos, e marcado por um admirável motivação ética, bem expressa em sua conhecida afirmação: “Não basta que seja pura e justa a nossa causa, é necessário que a pureza e a justiça existam dentro de nós”.
Abril, 2005
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