quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Traços da Mãe África: Em busca de nossas raízes VII

 Traços da Mãe África: Em busca de nossas raízes VII



No número precedente, ao tecer breves considerações sobre o universo literário africano, aludimos à sua diversidade de gêneros literários e de temas abordados, inclusive o tema da valorização da causa Negra e da luta anticolonialista, que hoje tomamos como alvo dessas linhas, focando elementos do legado de um dos mais reverenciados revolucionários africanos. Assim como Agostinho Neto, ele é mais conhecido ainda entre os povos africanos vitimas da colonização portuguesa. Estamos aludindo à figura de Amílcar Cabral, a cujas idéias político-educativas - seja-me permitida a analogia, para fins didáticos - muito se afeiçoar Paulo Freire (cf. deste as Cartas à Guiné-Bissau).


Nascido em Bafatá, em Guiné-Bissau, em 12 de setembro de 1924, Amilcar Cabral passaria parte de sua infância em Cabo Verde, em condições bastante favoráveis (graças a uma herança por parte da tia), tomando-se em conta a situação típica das crianças locais. Desde cedo, mostrou-se interessado em conhecer as condições sócio-históricas do processo de colonização, bem como as condições de vida do povo. Seus poemas de juventude Ilha (“os sonhos dos teus filhos/ a clamar aos ventos que passam, / e às aves que voam, livres, / as tuas ânsias!”) e Segue o teu rumo irmão refletem bem essas inquietações.


Concluído o ensino médio, muito se empenhou em dar prosseguimento aos seus estudos. Não havendo ensino superior nas colônias, seguiu para Portugal, onde cursou Agronomia. De volta às suas Gentes, e já como agrônomo, revelava uma rara sensibilidade em relação à realidade social, da qual demonstrava ter um olhar aguçado, graças à observação direta que exercitava das relações sociais entre dominadores e dominados. Esse olhar aguçado, Amilcar Cabral devia expressamente aos seus contatos diretos e frequentes com os camponeses de Guiné-Bissau e de Angolas, entendendo que toda concepção teórica de emancipação nacional deveria fincar raízes na própria realidade do país.


É justamente isto que vê consubstanciar as palavras de uma figura que o conheceu de perto: “Essas vivências - diria mais tarde a viúva Ana Cabral, em discurso comemorativo do 20º aniversário da independência de Cabo Verde - darão a Cabral os fundamentos culturais e políticos que lhe permitiram, no momento oportuno, mobilizar com lucidez e sucesso o povo para a luta de libertação nacional.” (cf. http://www.umassd.edu/programs/caboverde/acaddressp.html).


No plano político específicamente, quais as idéias-forç das atividades de líder revolucionárionário de Amilcar Cabral? Tomando como referência, por exemplo, algumas de suas palavras de ordem, é possível recolher preciosos fragmentos do seu pensamento. Contentemo-nos com esses dois fragmentos?

  • “Aprender na vida, aprender nos livros e aprender com a experiência dos outros. Aprender sempre!”

  • “Sermos cada vez mais capazes de pensar muitos os nossos problemas para podermos agir bem, e agir muito, muito, para podermos pensar melhor.”


Idéias-força que são reafirmadas pelo próprio Amilcar Cabral, de modo indireto, ou seja por de suas palavras em homenagem a Eduardo Mollane, primeiro presidente da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique), assassinado em 1969 “O seu grande mérito não foi a sua decisão de lutar pelo seu povo, mas sim o ter sabido integrar-se na realidade do seu país. Identificar-se com seu povo”>


Mário de Andrade, intelectual angolano e profundo conhecer das obras de Amilcar Cabral, também reafirma “o seu permanente contacto com a realidade, a forma como se apoderava desta realidade, para voltar a ela, ajustá-la e imprimir-lhe novos contornos.”


Por essas breves notas, é possível entender a reverência cultivada por Amilcar Cabral, não apenas por parte das terras e das Gentes d’África, como também pelo mundo afora. Não é em vão o número de referências diretas e indiretas feitas a Cabral por Paulo Freire, especialmente em suas Cartas à Guiné-Bissau. E não se tratava de um mero recuso didático - por ser Amilcar Cabral venerado pelo seu povo. Também tinha a ver com outras razões, inclusive a de estar convencido do potencial epistemológico inspirado pela práxis de Cabral, que se empenhava em conhecer a realidade de seu povo, nã por ouvir dizer, mas pela imersão de vida, pelo seu compromisso com a causa do seu povo. Pela experiência do vivido!


Abril, 2044


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